DESIGN
ensaio
Pepe Heykoop
A leveza do ser
CARLA CARBONE|[email protected]
Pepe parece fazer design com quase tudo. Comecemos pela peça Restless
Chairacter. Trata-se de uma cadeira, de várias cores, com uma estrutura
e uma forma que em muito descrevem as antigas formas de cadeiras. A ideia
surgiu a partir de uma cadeira antiga que, pelo uso, foi perdendo a resistência
e a união das suas várias partes. A cadeira foi-se fragilizando, ao ponto
de ficar desengonçada, desarticulada. Como Pepe nos diz, esta
desarticulação, confere ao objecto algum movimento e dinamismo. Por esse
motivo, Pepe tentou tirar partido desse movimento. Essa desarticulação
poderia tornar-se bastante confortável, sem a rigidez das cadeiras
convencionais. Quem já não experimentou uma cadeira em que o espaldar
quase se desprende do assento e em que, pelo uso e antiguidade, a sua
estrutura quase permite descrevermos pequenos movimentos de rotação, para
um lado e para o outro, quando permanecemos sentados? Sentarmo-nos nela
permite-nos descansar, mas ao mesmo tempo, pela estrutura, impõe-nos
uma pose, uma posição e uma postura. Quem não se lembra nos tempos
de escola, de se inclinar para trás na cadeira, até ver quanto a mesma se
aguentaria? Quem não foi já recomendado a permanecer quieto, sem fazer
barulho a arrastar uma? Pepe Heykoop procura subverter estas imposições
do mobiliário, assim como os costumes que esses mesmos elementos nos
determinam. Por esse motivo, vai Pepe procurar um certo tipo de articulação
que lhe dê a flexibilidade e que permita “que a cadeira não colapse, nem
com 130 kg sobre ela”. O mais difícil, é que a cadeira volte ao estado em que
se encontrava no início, depois de brincar com ela: “Os primeiros protótipos
resultaram todos deformados. Não foi fácil chegar ao resultado. Os meus
tutores disseram que seria quase impossível, mas eu consegui de certo modo
resolver o problema com uma construção feita a partir da borracha. Agora
estou a tratar dos contactos para proceder à produção da cadeira”.
Se consultarmos o site oficial de Pepe Heykoop podemos observar um vídeo
onde o design testa até ao limite a resistência da cadeira. A cadeira
é construída completamente de raíz, resultando numa combinação entre uma
borracha fina de poliuretano e uma estrutura em alumínio, que a suporta.
Com as peças Tapepot, Pepe une dois bules com fita adesiva. Percebemos
que se trata de dois bules “colados” com fita, porque Pepe mantém a textura
e a arbitrariedade dos mesmos à superfície, mas os objectos passam a
assumir realidades completamente diferentes. Pepe, quando confrontado com
a questão de saber se os bules de alguma forma mantêm a função inicial
para que foram criados, afirma: ”Que os mesmos bules, de algum modo
mantêm as funções, embora eu já tenha visto bules a servirem chá com mais
facilidade”. Ironiza. “Podem ser cheios ao mesmo tempo, pois o interior
é único”. Pepe torna a superfície dos bules Tapepot texturada por meio da fita
adesiva. O efeito da fita é tornada visível e não ocultada pelo designer. Muitas
vezes a fita é encarada como um remendo e não enaltecida, ou assumida,
pelo seu real valor estético e funcional. Outra designer que aproveitou bem
o potencial deste material e o assumiu com grande dinamismo e entusiasmo,
enobrecendo-o, foi precisamente Hella Jongerius.
Para além deste efeito de remendo que a fita confere à superfície desta
peça, ela parece, para os mais leigos, ter sido adicionada com algum tipo
de substância branca, digamos um barro branco, ou tarduzido para uma
cerâmica. Pepe Heycoop responde-nos: “O Tapepot foi um projecto realizado
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num período em que eu andava a fazer a fusão entre os vários objectos.
Os projectos conversations e stackingchairs foram esboços do memso
projecto. Mas, a combinação de velhas peças de mobiliário entre si resultou
em objectos muito presos na sua forma. Não podia por isso reproduzi-los”.
Por esse motivo Heykoop lembrou-se de os reproduzir em molde: “Primeiro
uno dois bules com fita adesiva e faço um molde negativo (pelo que foi muito
difícil, pois foram precisas nove partes desse molde para conseguir que
a forma saísse intacta do molde)”. Desse modo “o bule propriamente dito
é o resultado positivo do molde”, por esse motivo mantém também a textura
deixada na superfície pela fita adesiva, e a posição em que previamente
foi determinada. A construção mantém-se visível. Como o designer nos diz:
“a construção torna-se assim decoração”.
Há quem fale no grau zero em que parecem encontrar-se algumas das peças
de Pepe. E nisto lembramo-nos claramente de Baudrillard. Pepe Heykoop
parece procurar, até à exaustão, este grau zero em que os objectos
se encontram, muitas vezes considerados feios ou sem aura. Parece
igualmente acreditar que é nesse nível que as coisas verdadeiramente
se invertem. Do feio nascem coisas, ou do aparentemente desmebrado,
desenformado, desarticulado. Quem não se lembra do livro de Munari Das
coisas nascem coisas? Munari também nos dizia, fazendo aqui uma anologia
breve: “se considerarmos o artista de perfil tradicionalista, sabemos que
seguirá as regras académicas da composição, a secção áurea, certas famílias
de cores características da arte de determinada época, que empregará
a técnica da mistura de cores, típica de Mantegna (misturando os pigmentos
em pó numa base de gema de ovo), a do fresco. Se considerarmos
o artista inovador, vê-lo-emos recorrer aos acrílicos, inventar novas regras,
antiacadémicas, que inevitavelmente redundarão em novas academias”.
Se Pepe tivesse que ser colocado em alguma categoria, decerto se enquadraria
(à esquerda) Desenho de James Gulliver Hancock. (à direita) Distorted Chair.
Brick Chair
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(à esquerda) Restless Chairacter
(à direita, em cima) The Pigdrip
(à direita, em baixo) Tape Pot
na segunda categoria. Pepe Heykoop é um explorador. Inventa novas regras.
Para ele não parece haver limites na criação, nem sequer ao nível estético,
naquilo que é o belo ou o feio. Voltando a Munari, o indivíduo “que se limita
a conhecer uma só regra de beleza assemelha-se àquele italiano que não
conhece nada mais do que esparguete e se recusa a provar a gastronomia
de qualquer outro povo, pois, onde quer que vá, há-de andar sempre atrás
do seu prato de esparguete”1. Na realidade, se pensarmos no grupo Memphis,
talvez as suas soluções não abonassem muito a favor da beleza, mas não
deixaram de ser assumidas como padrão de beleza nos anos subsequentes
ao seu surgimento. Aquilo que era considerado feio, inicialmente, podia vir
a ser considerado belo, subitamente, e tornar-se uma moda. Quem já leu
o livro As oscilações do gosto, de Gillo Dorfles, sabe do que se está aqui
a falar. A exploração do feio, daquilo que é considerado menor, vem permitir
a abertura a uma nova ideia de beleza. A experiência que Pepe fez,
de empilhar objectos, sobretudo ferramentas, no projecto “A chair?”
e a sua consequente aparência caótica e desarmónica, a ideia de feio é logo
desmentida quando a peça, feita de fragmentos de ferramentas, dependurada
sobre a parede, revela uma sombra cuja forma sugere uma cadeira.
Baseando-se na teoria da caverna de Platão. Em breves linhas, quando
pensamos numa cadeira, não temos que sentar nela, para sabermos o que
a cadeira é: “por esse motivo eu apareci com a ideia de um estranho
amontoado de coisas e uma lâmpada. Apresentei isto como a minha ideia
de cadeira, sobretudo quando a luz a reproduziu” e a fez surgir na parede,
servindo-se do somatório de peças, “a sombra de uma cadeira”.
Pepe Heykoops também apresenta outros exemplos de projecções
de sombras e de luz. A ideia das manchas de luz (várias projecções de luz
entrecruzam-se formando composições nos lugares em que são projectadas)
fazem-se revelar nas peças “Conversations”. Vários candeeiros juntam reflexos
de luz: “pareciam estar a ter pequenas conversas uns com os outros,
e os velhos objectos ganhavam assim vida”. Heykoops, mais uma vez
procura velhos objectos, já existentes (parece que a todo o momento
a preocupação do designer é reanimar estes velhos objectos).
As séries Brick, surgiram de uma interpretação a um desenho de James
Gulliver Hancock, e partem de uma ideia do designer de que vemos o mundo
com diferentes olhares: “A primeira cadeira foi realmente toda colada, mesmo
a peça brickchandelier, no sentido de experimentar várias possibilidades.
Agora estou a refazê-las, com uma estrutura de reforço dentro”. Para
que a cadeira sirva para sentar, coloquei uma porção de espuma. Embora
o propósito da cadeira não seja mesmo para sentar”. O designer desenvolve
por isso a ideia de cadeira, e desconstrói todas as convenções culturais que
arrastam essa cadeira, ou a ideia dela.
As peças Animal Drip, Pigdrip, Militarydrip são alimento para a vista.
Apresentam-se de uma frescura incalculáveis. Sobretudo Pigdrip. Pepe
explica que esta peça surgiu quando experimentava a cobertura de borracha
nas peças Restless Chairacter”: “Estava apenas a brincar”. Este dripping,
este inundar a peça com a substância acuosa, foi experimentado em muitas
peças de Pepe. Neste momento o designer repete a acção de cobrir esta
solução aquosa de borracha sobre garrafas de perfume Channel nr 05. Estas
peças destinam-se a ser expostas numa galeria no Kuwait, que inaugurará
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em Março de 2009. Na realidade, o acto de cobrir os objectos é conferir-lhes
novas identidades. Em Liquid Pillows é quase a mesma coisa. Por vezes
as similitudes com Maarten Baas são enormes. Pepe acha natural que assim
seja, uma vez que ambos formaram-se na Design Academy Eindhoven.
O candeeiro Light of being foi um desses projectos de final de curso
de Pepe, em Eidhoven. Pepe ficou retido pela graciosidade e movimento
das flores e das plantas, a abrirem e a fecharem as suas pétalas e folhas.
E procurou reproduzir, no candeeiro, essa graciosidade. Outras referências
para suportar esta ideia, foi Pepe buscar às flores grandes, em A Alice no País
das Maravilhas: “Por causa do seu tamanho e do seu movimento tornou-se
um candeeiro verdadeiramente técnico. Mas eu não queria que parecesse
demasiado técnico. Então, toda a parte construtiva, procurei escondê-la
por detrás de uma cobertura em feltro”. Este objecto tem várias posições
possíveis. Aparenta, como todas as boas ideias, em que o inventor teima em
não as deixar fenecer, a fragilidade que lhes são próprias, apesar dos que
o rodeiam não acreditarem muito nelas. O nome Lightness of being, “refere-se à beleza vulnerável da vida, à sua fragilidade. A luz poderia evaporar-se
facilmente”. Mais uma vez a ideia da luz, para Pepe, e mais uma vez, Platão.
Mas as suas ideias não se esgotam aqui, nesta constante reflexão sobre a luz
e a sombra.
Muitos de nós perguntamos o que haverá por de trás das Cracks
do designer? Várias questões afloram quando as observamos: Pepe quebra
as peças primeiro? (Peças do serviço de chá), vai buscar peças quebradas,
já existentes em fábricas de porcelana? Procura uni-los depois, esses
diferentes fragmentos? Mesmo que sejam de chávenas diferentes? Como,
e de que forma Pepe cola as peças?: “Deixem-me explicar a ideia que
se esconde por detrás das peças Crack: não é fácil. A porcelana tem
a propriedade de encolher à volta de 16% depois de ter ido ao forno.
O conceito é que tudo pode partir de uma grande tigela ou de um grande
prato. A tigela, vai reduzir em 8 pequenos passos, para o tamanho de uma
chávena de café expresso. O prato vai encolher para o tamanho de um pires.
E assim, é onde a chávena e o pires se vão encontrar outra vez”.
As linhas que sugerem as uniões entre os vários fragmentos das chávenas,
e que mais parecem ligaduras, vão-se esbatendo, cada vez vão encolhendo
mais, criando progressivamente uma solução de objectos com tratamentos
vagos e subtis à superfície. Para Pepe é um dos objectos favoritos. “Porque
referem o tempo: o futuro, o presente e o passado.
De facto, HeyKoop parece refazer o passado. Também com a Frame-chair.
Por vezes com as Distort Chairs. O designer diz-nos porque as distorce.
Gosta do trabalho feito à mão, do trabalho de artesão. “Gosto de uma
pequena identidade em todos os trabalhos. De uma história por detrás deles”.
Não aprecio a produção industrial. Gosto daquilo que é estranho. Inspiram-me os pequenos defeitos que resultam das minhas experiências e o que
posso beneficiar com isso. Pisar o risco vermelho, entre aquilo que é técnico
e as minhas visões naives e ingénuas.
As Distort Chairs, no entanto (cobertas de tecidos de flanela, provenientes de
velhos cobertores), funcionam a 100%, diz-nos. Mas sempre on the edge. 
1
MUNARI, B. (2004). Artista e Designer. Edições 70. Lisboa
Em breves linhas, quando pensamos numa cadeira, não temos que nos sentar
nela, para sabermos o que a cadeira é: “por esse motivo eu apareci com a ideia
de um estranho amontoado de coisas e uma lâmpada. Apresentei isto como
a minha ideia de cadeira, sobretudo quando a luz a reproduziu” e a fez surgir
na parede, servindo-se do somatório de peças, “a sombra de uma cadeira”.
Março 2009
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