FOLHA DE S.PAULO MAIO 2008 DESENHO Por FLAVIO LOBO MORITO EBINE 36 33 Longe dos reluzentes holofotes do design atual, o japonês Morito trabalha peças de madeira em silêncio, inspirando CIA DE FOTO profissionais da nova geração profundidade incrível, e o ateliê dele entrada principal, mas, quando falei é um sonho para quem gosta de que era marceneiro, o porteiro me marcenaria... Só que é meio difícil disse para subir pela de serviço.” de chegar.” O choque de culturas evidencia- Para quem não conhece os ca- do pelo episódio da portaria não minhos de Santo Antônio do Pinhal, Anfitrião simpático, com sota- adaptasse aos meus projetos, ago- surpreende outro admirador de Mo- na serra da Mantiqueira, “meio di- que carregado e café fresco no bu- ra faço projetos para a madeira.” rito. “A tecnologia e o artesanato fícil” é eufemismo. Mesmo com a le, Morito Ebine conduz as visitas, A única característica que as pes- tradicionais são o espírito de um ajuda de um mapa, informações de repórter e fotógrafo, a um galpão soas esperam de um mestre e não povo”, define o artista plástico Ru- moradores e contatos por celular onde a luz da tarde ilumina banca- encontram em Morito, segundo Ju- bens Matuck. “No Brasil, nós não li- com o próprio Morito, foram ne- das, ferramentas, serragem e uma lia, é a idade avançada. gamos para isso, mas ele, que teve cessárias duas meias-voltas para infinidade de objetos de madeira Nascido há 41 anos em Tochigi, a sorte de nascer num país que va- que o carro da reportagem che- pendurados nas vigas de sustenta- 130 km ao norte de Tóquio, ele des- loriza essas coisas, tem uma forma- gasse ao ateliê. ção do telhado. “Aquelas peças são cende de uma linhagem de alfaiates, ção de altíssima qualidade”, avalia A semirreclusão, a falta de pen- guias”, esclarece Morito, que chega e viu o negócio da família definhar Rubens, que, além de desenhista e dor para a autopromoção e o raro a fazer mais de vinte gabaritos pa- à medida que aumentava o domínio pintor, é escultor de madeira e es- apuro artesanal de Morito remetem ra a fabricação de uma cadeira, e da indústria do vestuário. Bom de tudioso da marcenaria. a um outro espaço-tempo, que com- guarda todos ali, suspensos. matemática, cogitou a carreira de bina com os móveis ali produzidos. RECLUSO Não é preciso ser amante da mar- cientista, mas acabou optando pela cenaria para entrar no ateliê e es- marcenaria e design de móveis. No Designer que também já foi en- aprendiz Marcelo, diante dos olhos quecer as duas horas passadas na Japão, conta Morito, essas duas ati- caminhado ao elevador de serviço curiosos dos visitantes, aplicava óleo estrada desde São Paulo. Distância vidades integram um só ofício. No por preferir se apresentar como mar- com o auxílio de uma lixa –técnica que não impediu a arquiteta e de- mesmo curso, ele aprendeu desde ceneiro, Fernando Mendes de Almei- que deixa a peça nova um tanto fos- signer de móveis Julia Krantz de re- as técnicas básicas do trabalho com da é mais um integrante do seleto ca, mas lhe confere um brilho espe- petir a viagem praticamente toda madeira até a utilização de softwa- grupo dos que conhecem o trabalho cial ao longo dos anos de uso. “O segunda-feira, por quase dois anos, res para projetar as peças. de Morito e identificam seu valor. ideal é que o móvel dure tanto quan- Em 1995, mudou-se para o Bra- No lançamento da exposição da úl- to viveria a árvore”, explica Morito, para aprender com Morito. UM MESTRE à sombra nha encomendado. Estava indo pela Como a Cadeira Folha na qual o “Ele é uma espécie de mestre sil, já casado com Rosana, uma bra- tima edição do Prêmio Design Mu- que, entre marceneiro e designer, zen da madeira”, define Julia. “É pre- sileira descendente de japoneses. seu da Casa Brasileira, em dezem- prefere se definir como “artífice”. ciso muita coragem e integridade Logo descobriu que as facetas com- bro, Fernando, que ganhou o princi- Com linhas elegantes e sinuosas, para nadar contra a maré do des- plementares de seu trabalho em ge- pal prêmio do evento –o mais im- encaixes e acabamento impecáveis, cartável e do superficial como ele ral são vistas pelos brasileiros como portante do design brasileiro–, refe- adequação entre matéria-prima, for- faz. Desde que o conheci, há dois ramos separados. “Fui ao aparta- ria-se ao colega de profissão como ma e função, seus móveis dão tes- anos, ele mudou a minha vida. An- mento de um cliente para ver o lu- a um mestre. temunho da integração de saberes tes eu queria que a madeira se gar onde ficaria o móvel que ele ti- “O trabalho do Morito tem uma que ele quer preservar. Madeira modelada A Cadeira Folha, de pau-marfim e freijó, tem esse nome por causa do desenho do assento. Os encaixes são do tipo ganzape, sem parafusos nem cola, que permitem algum movimento à madeira e evita empenamento Como a Cadeira Folha e o Banquinho Parafuso, esta Poltrona de Varanda, feita de freijó, recebe um acabamento a óleo que expõe a textura natural da madeira e faz com que a peça ganhe brilho e beleza ao longo dos anos de uso Divulgação A rosca de eixo deste Banquinho Parafuso é feita à mão, sem ferramentas elétricas, com uma madeira amazônica chamada muiracatiara, própria para a função por ser lisa e oleosa. As outras partes do banquinho são de freijó e cumaru