Perfil de consumo de recursos de uma população usuária de plano de saúde inscrita na estratégia Saúde da Família. Rafael Gustavo Dal Moro; Alinne Ferreira da Silva de Santana; Ana Flavia Pedrosa Boni Magalhaes; Ancelmo Alves da Silva Neto; Daniel Liborio da Silva; Denilson Furtado Oliveira; Julio Cesar Santos Camisolão; Lindenberg Jean da Silva; Rodrigo Zilli Haanwinckel; Vilma Regina Freitas Gonçalves Dias Introdução A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil - CASSI, com o objetivo de oferecer cuidados em saúde que garantam qualidade e efetividade das ações e estratégias, qualidade de vida dos seus participantes e redução dos gastos na prestação de serviços, aprovou na Reforma Estatutária de 1996, o Modelo de Atenção Integral à Saúde, com ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde de seus participantes. A CASSI, após a aprovação, optou por seguir os preceitos da Atenção Primária à Saúde (APS), na medida em que coloca o foco do cuidado na pessoa e sua família, considerando o fácil acesso aos serviços, o acompanhamento ao longo da vida, a integralidade e a resolutividade assistencial, em seus Serviços Próprios, denominados CliniCASSI. Esse modelo é operacionalizado por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), e colocado de forma facilitada ao alcance dos beneficiários. Atualmente existem 65 CliniCASSI, localizadas nas 27 UFs e nas principais cidades do interior de alguns Estados, contando com 158.977 participantes cadastrados que propiciaram, em 2011, mais de 1,05 milhão de atendimentos. As CliniCASSI contam, atualmente, com 622 profissionais de saúde, entre médicos (de família, de demanda espontânea, peritos, do trabalho e psiquiatras), enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, nutricionistas e psicólogos. Desde o início da ESF, ficou decidido que, dentre o total de pessoas assistidas pela CASSI (aprox. 700 mil), seriam priorizados para atendimento e vinculação na ESF os participantes mais doentes e sinistrados, segundo os seguintes critérios: acima de 60 anos; restritos ao domicílio, com expressivo gasto decorrente de seu estado de adoecimento e/ou aqueles com condições crônicas. Dessa forma, a ESF se dedica a cuidar da população que mais necessita de atenção continuada, com maior potencial de utilização dos Serviços de Saúde. Esses beneficiários exigem distintas ações para que seus problemas de saúde sejam controlados e/ou evitados, exigindo efetivo gerenciamento dos cuidados. A implantação da APS avaliada em outros sistemas de saúde evidenciou ganho na qualidade assistencial com racionalização na utilização de consumo de recursos 1. Assim, o objetivo do presente estudo foi de avaliar a mudança no perfil de utilização dos recursos em saúde dos participantes cadastrados na ESF, um ano antes e até três anos depois do cadastramento na Estratégia Saúde da Família. Metodologia A população definida para o estudo foi composta do total de participantes atualmente cadastrados na ESF e que assim estiveram por ao menos três anos. Dimensionar o comportamento do consumo de recursos pela população cadastrada na ESF é uma forma de realizar avaliação econômico-financeira. Partindo da expectativa de uma gestão efetiva do cuidado, foram traçadas análises comparativas das curvas de consumo da população em estudo durante quatro anos, distribuídos da seguinte maneira: um ano antes do cadastramento e três anos depois. A definição de análise de três anos após o cadastramento se baseia no pressuposto da criação de vínculo do participante ao Serviço, permitindo, assim, a geração do efeito no cuidado em saúde 2,3,4. Os dados sobre utilização de recursos foram obtidos das bases do Sistema Operacional CASSI (SOC), referente ao período entre janeiro de 2007 a junho de 2011. Optou-se por trabalhar com os dados de utilização de acordo com a data atendimento ao invés de data de pagamento, buscando definir o período de utilização da maneira mais precisa possível. Para este estudo, foram apuradas as seguintes informações relativas à população cadastrada: média de consultas, média de exames, percentual de participantes que realizaram exames para rastreamento de câncer (mama, colo de útero e intestino), média de exames para controle e rastreamento do diabetes, média de exames para rastreamento e controle da dislipidemia, média geral de internação, média de internação por condições cardiovasculares, média de internação por condições psiquiátricas e percentual de reinternação por condições psiquiátricas e gasto per capita. Os dados de utilização da população cadastrada foram comparados com os dados de utilização de recursos da população CASSI com vistas À observar diferenças nas tendências de variação ao longo do tempo. Apresentação e análise dos resultados Da população total cadastrada, foram mantidos no estudo 13.869 participantes, amostra de 8,9% do total cadastrado em junho de 2011 (155.414). A amostra contempla todos os participantes cadastrados entre janeiro de 2007 e junho de 2011 e que atendem a premissa de estar cadastrado por três anos, permitindo a análise do ano anterior ao cadastramento e dos três anos subsequentes. Em sua maioria, são mulheres (55,1%), acima de 40 anos (55,6%), do plano Associados (74,6%) e residentes na região Sudeste (41,8%). No que tange ao uso de recursos, observa-se um aumento do número de consultas realizadas logo após o cadastramento, mas verifica-se tendência de redução nos 24 a 36 meses seguintes. Conforme apresentado no Gráfico 1, o número médio de consultas na rede credenciada foi de 5,94 no ano anterior ao cadastramento, aumentando para 6,51 no primeiro ano após o cadastramento. Infere-se que o aumento da utilização de consultas logo após o cadastramento seja em decorrência da identificação das necessidades assistenciais com consequente tratamento das doenças. Depois desse período, o número foi reduzindo paulatinamente, chegando a 5,69 consultas por participante no terceiro ano após o cadastramento. Esse número sugere que o encaminhamento correto à rede, após o mapeamento das necessidades em saúde feito na CliniCASSI, ao garantir resolutividade, reduz o consumo de recursos em consultas. Na comparação com os dados da população geral, conforme o Gráfico 1, observa-se que no primeiro ano de análise, a população cadastrada, um ano antes do cadastramento, é mais sinistrada (5,94 consultas na população que será cadastrada versus 4,66 consultas da população geral). A tendência de crescimento das curvas sugere que a ESF, nos anos subsequentes ao cadastramento, interfere no padrão de consumo, pois entre os cadastrados houve redução de 4,2%, enquanto que na população geral a redução no número médio de consultas foi de 0,2%, mesmo sendo mais adoecidos. Cabe destacar que a redução no volume de consultas da população cadastrada equivale, para essa amostra, uma redução absoluta de 3.427 consultas (82.409 consultas no ano anterior ao cadastramento para 78.982 no terceiro ano após o cadastramento). Considerando o valor médio da consulta de R$ 44,32 no terceiro ano após o cadastramento, pode-se inferir que foram salvos recursos na ordem de R$ 151,8 mil reais ao ano. Gráfico 1. Número médio de consultas na rede credenciada ao ano, por participante, para a população cadastrada, segundo o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI (SOC). Na mesma perspectiva, a evolução do número de exames clínicos e laboratoriais realizados por participante, ao ano, apresenta redução semelhante para a população cadastrada. Observa-se incremento de 19,53 para 22,95 exames/participante/ano, entre o ano anterior e o primeiro ano após o cadastramento. O Gráfico 2 mostra que a tendência de aumento não se manteve nos dois anos subsequentes ao cadastramento, nos quais a média de exames por participante variou entre 22,95 e 23,33 exames por ano, indicando o efetivo controle do consumo. O mesmo gráfico mostra também que o índice de variação do número de exames foi de 19,5% para a população cadastrada, enquanto que, para a população geral, entre 2007 e 2011, a variação foi de 33,9% (de 15,09 para 20,20 exames/pessoa/ano). A redução da curva de crescimento após o cadastramento sugere a interferência da ESF no padrão de utilização, racionalizando o uso de recursos. Gráfico 2. Número médio de exames na rede credenciada ao ano, por participante, para a população cadastrada e geral, de acordo com o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI (SOC). Foi analisada a média de exames de hemoglobina glicada, uréia e creatinina, realizada antes e depois do cadastramento, para a população portadora de Diabetes Mellitus Tipo 2. O exame de hemoglobina glicada é a referência (padrão ouro) para verificação do controle do diabetes5, tendo em vista que seus níveis séricos são determinados pelo padrão de consumo de açúcares no médio prazo. Os exames de função renal são importantes para detecção precoce da nefropatia diabética5. Dessa forma, espera-se que as ações sistemáticas de cuidado oferecidas pelas equipes da ESF aumentem o número de exames na população com esse agravo. Conforme apresentado no Gráfico 3, foi observado aumento entre 15 e 20% na média de realização de exames por pessoa, por ano. Esses números aproximam-se da meta de dois exames por pessoa, proposta por protocolos clínicos que visam o cuidado e a estabilidade clínica do paciente diabético5. Gráfico 3. Número médio de exames de hemoglobina glicada e de função renal (ureia e creatina sérica), para a população cadastrada, de acordo com o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI (SOC) Parcelas da população são beneficiadas quando submetidas às ações de saúde que, segundo as melhores evidências científicas disponíveis, devem ser realizadas periodicamente. Atualmente, para as mulheres entre 21 e 65 anos é preconizada a realização, a cada três anos, do exame citopatológico, como medida de detecção precoce do câncer de colo de útero. Além de aumentar a chance de cura pela detecção precoce, os estudos indicam que a realização desse exame reduz em 60% a taxa de morte por câncer de colo de útero5. Outro resultado desejado é que a detecção precoce implique medidas terapêuticas de menor complexidade, com menor consumo de recursos financeiros. Os estudos também indicam a necessidade de realização da mamografia, de dois em dois anos, para mulheres entre 50 e 69 anos, bem como a realização de exames para detecção precoce de câncer de cólon de intestino e reto para os participantes entre 50 e 79 anos (exame de sangue ocultos das fezes anualmente)6. Na CliniCASSI, padronizou-se a realização do exame de pesquisa de sangue oculto nas fezes para rastreio anual do câncer de intestino por apresentar boa sensibilidade e especificidade, baixo custo e menor risco de iatrogenia6. Como pode ser observado no Gráfico 4, as taxas de cobertura de realização dos exames de detecção precoce aumentaram após o cadastramento, o que ratifica a coordenação das ações de cuidado em saúde realizadas pelas equipes da ESF mediante busca ativa e controle periódico da população, garantindo maior eficácia na realização de procedimentos que impactam positivamente no nível de saúde das pessoas assistidas. Gráfico 4. Percentual de participantes que realizaram exames de rastreamento para câncer de colo de útero, de mama e de intestino para a população-alvo cadastrada, de acordo com o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI (SOC). O melhor cuidado preventivo deve ser capaz de gerar consumo racional dos recursos hospitalares. Ou seja, os leitos hospitalares devem ser utilizados de acordo com as reais necessidades em saúde das pessoas, de forma a evitar internações desnecessárias. O Gráfico 5 mostra a média de internações anuais por participante que, assim como para o consumo de consultas, observa-se incremento logo após o cadastramento, sucedido de redução nos anos seguintes, mantendo tendência de estabilização e até mesmo queda, como observado entre 2009 e 2011, com redução de 4,0% no período. Comparativamente na população geral, ao longo de todo período, observa-se incremento de 0,9% de internações. Dessa forma, ao longo do tempo é possível estimar que a taxa de internação da população cadastrada atinja níveis inferiores à da população geral. Gráfico 5. Número médio de internações hospitalares ao ano, por participante, para a população cadastrada, de acordo com o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI Ao ser analisado o custo per capita da população cadastrada em comparação com o custo per capita da população CASSI geral, observa-se, inicialmente, patamares de consumo maiores para a população cadastrada, no Gráfico 6. Entretanto, na comparação de 2009 para 2011, observa-se a redução na velocidade de crescimento do custo per capita da população cadastrada, (incremento de 17,3%), quando comparada ao incremento na população geral (21,6%). Assim, enquanto as diferenças de perfil entre a população cadastrada (mais adoecida e sinistrada) e a população geral explicam a diferença nos patamares iniciais, a tendência de redução dos custos assistenciais da população cadastrada pode ser reflexo das ações de cuidado realizados pela ESF, que ao longo do tempo gera melhores níveis de saúde, bem como racionalização de recursos. Gráfico 6. Custo médio percapita da população cadastrada, de acordo com o ano de cadastramento na ESF. Fonte: Banco de Dados de Utilização da Rede Credenciada / Sistema Operacional CASSI (SOC). Conclusões Os resultados apresentados sugerem que a intervenção da Estratégia Saúde da Família contribuem na mudança da condição de saúde dos participantes, o que, por consequência, interfere no padrão de utilização dos recursos de saúde. A redução no número médio de consultas, a estabilização do número médio de exames e internações, bem como o incremento na realização de exames de monitoramento das condições crônicas e na realização dos exames de detecção precoce de câncer constam como os principais indicadores econômicos identificados pelo presente estudo. Ao se reduzir a exposição aos fatores agravadores de risco na população cadastrada, espera-se atuar sobre a curva de crescimento do consumo e, por conseguinte, dos custos. Cabe ainda ressaltar que os achados acima destacados são observados em uma população majoritariamente mais sinistrada que a população geral. Dado o modelo de estudo empregado, aponta-se como suas limitações o uso de informações secundárias, cuja finalidade principal não é a análise do perfil de consumo de recursos, mas sim a de realizar o gerenciamento dos pagamentos a rede contratada de prestadores de serviços de saúde. Outra limitação relevante foi a comparação dos dados da população cadastrada com os dados da população geral, sem a realização de pareamento com vistas ao controle de vieses de seleção. O pareamento não foi possível pela insuficiência de informações epidemiológicas da população não cadastrada, essencial para a identificação dos participantes não cadastrados com condições de saúde comparáveis aos cadastrados. Destaca-se ainda que esse estudo é de natureza descritiva, limitado na identificação de associações e relações de causa-efeito, mas importante para a primeira aproximação ao objeto, permitindo realizar diagnóstico situacional e induzir a construção de hipóteses a serem testadas em estudos mais robustos de natureza prospetiva e analítica, como por exemplo as avaliações econômicas de custo efetividade e custo utilidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS STARFIELD, B. Primary Care: balancing health needs, services, and technology. Oxford University Press, 1998. CUNHA, E., GIOVANELLA, L. Longitudinalidade/continuidade do cuidado: identificando dimensões e variáveis para a avaliação da Atenção Primária no contexto do sistema público de saúde brasileiro. Ciênc. saúde coletiva, 2011, vol.16, suppl.1,, pp. 1029-1042 . MORAES, P; BERTOLOZZI, M,HINO, P. Percepções sobre necessidades de saúde na Atenção Básica segundo usuários de um serviço de saúde.Rev. esc. enferm. US, 2011, vol.45, n.1, pp. 19-25 . BRUNELLO, MEF et al. O vínculo na atenção à saúde: revisão sistematizada na literatura, Brasil (1998-2007). Acta paul. Enferm, 2010, vol.23, n.1, pp. 131-135 . Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2009 / Sociedade Brasileira de diabetes. - 3.ed: 2009.400p. U.S. Preventive Services Task Force. In: http://www.uspreventiveservicestaskforce.org Acesso em: 15/04/2012.