Literatura infantil:
um enfoque histórico cultural
Pedagogia - 2º semestre/2010
Profª. Drª. Maria Augusta H. W. Ribeiro
Da literatura
HOMENS
LITERATURA
Uma maneira
Rica e eficaz
de ler o mundo
dos homens
DÁ FORMA E DIVULGA
OS VALORES
CULTURAIS
DE UMA SOCIEDADE
(forma)
CONSCIÊNCIA
CULTURAL
A descoberta da arte das cavernas, de
há 12 ou 15 anos mil anos atrás, feita pelos
arqueólogos, mostra, de maneira inequívoca,
esse impulso essencial que leva o homem a
expressar por meio de uma forma (realista ou
alegórica) suas experiências de vida, ou seja,
um registro durável de uma forma de ler o
mundo.
Dentre esses registros – ou formas de
expressão – a arte engloba os mais expressivos e
entre as artes a literatura é das mais expressivas.
Ela não só pode dar perenidade ao gesto ou ao ato
fugaz de viver, como principalmente se concretizar
em uma matéria formal que corresponde àquilo que
distingue o homem dos demais seres do reino
animal: a palavra, a linguagem criadora.
Do Conceito de Literatura:
O emprego do signo linguístico
Tomemos
de
Antônio
Cândido
(1989,p.112) o conceito de literatura, na sua
acepção mais ampla:
Chamarei de literatura, da maneira mais
ampla possível, todas as criações de toque
poético, ficcional ou dramático em todos os
níveis de uma sociedade, em todos os tipos de
cultura, desde o que chamamos folclore,
lenda, chiste, até as formas mais complexas e
difíceis da produção escrita das grandes
civilizações.
LITERATURA - FUNÇÃO HUMANIZADORA
Antônio Cândido (1989,p.112) considera como literatura as obras
que, satisfazendo a necessidade de ficção e de fantasia,
enriqueçam a personalidade do leitor, cumprindo dessa forma a sua
função humanizadora, a qual para o crítico literário é:
(...) o processo que confirma no homem aqueles traços que
reputamos essenciais, como
o exercício da reflexão,
a aquisição do saber,
a boa disposição para com o próximo,
o afinamento das emoções,
a capacidade de penetrar nos problemas da vida,
o senso da beleza,
a percepção da complexidade do mundo e dos seres,
o cultivo do humor.
A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante.
(1989,p.117)
A literatura deve funcionar como um jogo em torno
da linguagem, das idéias e da forma, não sendo
subordinada a um objeto prático imediato. Essa gratuidade
do texto literário aproxima-o das atividades lúdicas em
geral, também elas com o objetivo único de emocionar e
divertir o sujeito. Gratuito, sem visar a vantagens materiais,
sem obrigatoriedade, o jogo tem contudo suas regras,
como acontece também em relação ao texto literário que,
configurando um universo imaginário, gratuito, tem todavia
sua organização, é carregado de pistas as quais o leitor vai
assumir o compromisso de seguir, se quiser levar a termo
sua leitura, isto é, seu jogo literário. O jogo, que está fora
da esfera da necessidade ou da utilidade material, gera
arrebatamento, entusiasmo e tensão no seu desenrolar,
seguidos de um estado de alegria e de distensão,
exatamente como ocorre com a leitura da obra literária,
configurando, assim, ela também, um jogo.
Por a literatura infantil caracterizar-se por
um público que não tem ainda a capacidade da
abstração, compensada esta, no entanto, pela
presença da concretitude, é preciso lançar mão
de estratégias concretas e próximas à vivência
cotidiana da criança, para que, por contigüidade,
se possa fazer a transferência e a aprendizagem
do conceito.
Essa é a operação mais simples de
pensamento, que vai da concretitude e do
imediatismo das partes para a generalidade e a
globalização do todo.
Para Palo e Oliveira (1992, p.11) que,
apoiando-se em Jakobson, também tomam o
literário enquanto função poética (projeção
do eixo da similaridade sobre o da
contigüidade*), assumir a dominante poética
nos textos da literatura infantil é configurar um
espaço onde equivalências e paralelismos
dominam, regidos por um princípio de
organização basicamente analógico, que
opera por semelhanças entre os elementos.
Espaço no qual a linguagem informa, antes de
tudo, sobre si mesma. Linguagem-coisa com
carnadura concreta, desvencilhando-se dos
desígnios utilitários de mero instrumental.
Colocar a arte literária nesse contexto implica,
por sua vez, vê-la como uma atividade complexa e, por
isso, não-natural ao universo da infância. Traduzi-la
para esse nível significa facilitá-la, criar estratégias
para concretizar, no nível da compreensão infantil, um
alto repertório, como o estético.
O signo para a criança é a coisa de que fala;
não há mais vínculo indireto entre eles (tal qual na
construção simbólica), de maneira que, ao invés de
representar, ele, agora, apresenta diretamente o
próprio objeto de representação. Aqui e agora
concretamente à nossa frente.
Não há descrição mais fiel do modo como
opera o pensamento infantil – a nomeação é
análoga à coisa nomeada. Um signo icônico.
Concreto. Análogo ao objeto da representação.
Como no princípio da linguagem.
Exemplo disto é o conceito ancestral
medo associado à imagem do lobo, que se
desestruturado por uma simples inversão
palavra: lobo –bolo, em Chapeuzinho Amarelo,
Chico Buarque.
de
vê
da
de
Ora, sendo assim, o pensamento infantil está
apto para responder à motivação do signo artístico,
e uma literatura que se esteie sobre esse modo de
ver a criança torna-a indivíduo com desejos e
pensamentos próprios, agente de seu próprio
aprendizado. A criança, sob esse ponto de vista, não
é nem um ser dependente, nem um “adulto em
miniatura”, mas é o que é, na especificidade de sua
linguagem que privilegia o lado espontâneo,
intuitivo, analógico e concreto da natureza humana.
Projeção do eixo
CONTIGUIDADE
da
S
I
M
I
L
A
R
I
D
A
D
E
CONTIGUIDADE
SIMILARIDADE
sobre
o
da
DA LITERATURA INFANTIL
LITERATURA
Substantivo
(não predetermina
seu público)
INFANTIL
Adjetivo
FILTRO
Do que convém que a criança saiba
Tem um papel no
desenvolvimento
lingüístico e intelectual
do homem
(por natureza cumpre
uma função didática)
DETERMINA,
A priori, o que interessa
a esse público
LINGUAGEM
TEMAS
PONTOS DE VISTA
Objetivam um destinatário
HISTÓRICO:
Século XVII:
FRANÇA - PERRAULT - Iniciador da literatura
infantil (coleta contos e lendas da Idade Média)
CONTOS de FADA
(paradigma do gênero infantil)
Século XIX:
ALEMANHA – Irmãos Grimm (Jakob Ludwig Karl e Wilhelm Karl)
HISTÓRIAS DA CRIANÇA E DO LAR
(as Kinder und Hausmärchen) 1º volume (1812)/ 2º volume
(1814)
( a edição completa saiu em 1819, reunida em três volumes)
DINAMARCA – Christian Andersen
O PATINHO FEIO
OS TRAJES DO IMPERADOR
ITÁLIA – COLLODI
As Aventuras de Pinóquio
INGLATERRA – Lewis Carrol - Inovador do conto infantil. (criou
histórias sem moralidade)
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1863)
Século XX:
BRASIL – Monteiro Lobato (Iniciador da
literatura infantil)
A menina do narizinho arrebitado (1920)
Obra fundante da Literatura Infantil no Brasil:
REINAÇÕES
DE
NARIZINHO (1931)
Outras obras infantis do
autor:
• A CHAVE DO TAMANHO
• A REFORMA DA NATUREZA
• ARITMÉTICA DA EMÍLIA
• CAÇADAS DE PEDRINHO
• DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS
• EMÍLIA NO PAÍS DA
GRAMÁTICA
• FÁBULAS
• GEOGRAFIA DA DONA BENTA
• HANS STADEN
• HISTÓRIAS DAS INVENÇÕES
• HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA
• HISTÓRIAS DIVERSAS
• HISTÓRIA DO MUNDO PARA AS
CRIANÇAS
• MEMÓRIAS DA EMÍLIA
• O MINOTAURO
• O PICAPAU AMARELO
• O POÇO DO VISCONDE
• O SACI
• PETER PAN
• SERÕES DE DONA BENTA
• TRABALHOS DE HÉRCULES
• VIAGEM AO CÉU
REESCRITURAS de contos tradicionais numa
perspectiva dialógica:
• CHAPEUZINHO VERMELHO – CHAPEUZINHO AMARELO
( CHICO BUARQUE)
FITA VERDE NO CABELO
(Guimarães Rosa)
• OS TRÊS PORQUINHOS – OUTRA VEZ OS TRÊS PORQUINHOS
(ÉRICO VERÍSSIMO. São Paulo: Globo.1996)
OS TRÊS PORQUINHOS POBRES
(ÉRICO VERÍSSIMO. São Paulo: Globo.1996)
• RAPUNZEL
RAPUNZEL
(LAÍS CARR RIBEIRO. SÃO PAULO:MODERNA.1993)
•PELE de ASNO
Origens da literatura Infantil:
1697 Perrault (França, século XVII)
•Cria o primeiro núcleo da literatura infantil ocidental:
Histórias ou Contos do tempo passado, com suas
moralidades – Contos da minha mãe Gansa (Contes de ma
mère l’Oye)
Contos de mamãe ganso - outra forma encontrada
Mamãe ganso é a típica contadora de histórias da França.
Mère l’Oye : personagem da tradição popular oral. Ao usar o seu
nome, Perrault expressa um desejo de dar à sua coleção um
certo toque popular e, assim, um tom de autenticidade.
Mãe Gansa - personagem de um antigo fabliau cuja função era
a de contar estórias para seus filhotes fascinados.
• Aparece como autor, o filho de Perrault – Pierre Perrault
d’Armancour
•Dedicado à neta de Luís XIV
•Em prosa (apenas as moralités são em versos)
•Linguagem clara, desembaraçada, direta, sabiamente ingênua.
Contes de Ma Mère l’Oye (1697):
•A bela adormecida no bosque
•Chapeuzinho vermelho
•O barba azul
•O gato de botas
•As fadas
•A gata borralheira (Cinderela ou o sapatinho de
cristal)
•Henrique do topete (Riquet o topetudo)
•O pequeno polegar
A obra:
Perrault altera novamente as perspectivas narrativas
desses contos, mudando personagens, cenários e
tramas, de modo a se adequarem às idéias
aristocrático-burguesas de civilização.
MORALITÉS
Os oito contos, publicados pela primeira vez em 1697,
escritos em prosa, terminam com uma ou mais
moralités rimadas, que sintetizam as mensagens das
histórias de uma maneira elegante, refinada.
Infelizmente as moralités de Perrault não foram
incluídas na maioria das traduções da sua coleção de contos
de fadas. Esta omissão impede os leitores de descobrir
valores e idéias importantes em relação à França do século
XVII, assim como à própria sensibilidade do amor.
A coleção dos contos de Perrault pela Editora
Kuarup traz essas moralités, ao fim de cada uma das
historinhas, sendo a única por nós conhecida que tenha tido
tal cuidado na edição das obras de Perrault. o que,
concordamos com Nelly Coelho, permite ao leitor um
conhecimento mais completo da obra do autor francês.
Há, contudo, duas edições das obras de Perrault
recomendadas:
• Contos de Perrault. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Villa
Rica Editoras Reunidas Limitada. 1992.
• Contos de Perrault. São Paulo: Martins Fontes,1997
Mulheres - Num contexto de absolutismo patriarcal
cristão, as mulheres estavam no centro das atenções de
Perrault. Seus contos refletiam o ideal da femme civilizée, que
deve ser bela, dócil, polida, passiva, laboriosa e saber como
se controlar.
Incentivando, a passividade dócil e ingênua, Perrault não
reflete apenas os valores da aristocracia francesa do século
XVII, mas também seus próprios temores. Assim, quando
Perrault prega a total submissão da mulher ao marido, mostra
o temor ao coquetismo. O coquetismo feminino, o único
privilégio das mulheres aristocratas, o aborrece, pois
representa um símbolo do poder feminino que poderia colocar
em risco os valores fundamentais da sociedade: o casal e a
família
As mulheres eram consideradas bruxas em potencial, o
que garantia que seus pretensos poderes sexuais de sedução
fossem vinculados pela Igreja e pelo Estado a forças
diabólicas.
Homens - os heróis masculinos são
ativos, inteligentes e civilizados, refletindo o
homem da alta burguesia aceito na corte de
Luís XIV.
Com a revolução francesa a moda dos
contos de fadas vai desaparecendo, no
entanto, influencia o aparecimento deles na
Europa e na América, no século XX.
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