Suplemento integrante da ADVOCEF em Revista | Ano X | Nº 93 I Novembro I 2010
Justificação matemática
da Tabela Price
Utilização da Tabela Price
A utilização da Tabela Price em nosso país é usual, tanto
nos financiamentos comerciais quanto habitacionais.
A Tabela Price consiste de um sistema de amortização
de empréstimos ou financiamentos.
Sistema de amortização de empréstimo ou financiamento é a forma pela qual o capital emprestado ou financiado
será restituído.
Então, estamos a falar de sistema de amortização, ou
seja, estamos a falar de forma de devolução do dinheiro emprestado e do pagamento dos juros originários do empréstimo. No empréstimo do dinheiro, além da devolução do dinheiro emprestado contrata-se a ocorrência de juros, que
devem ser pagos juntamente com o dinheiro.
O capital, objeto do empréstimo ou financiamento, pode
ser considerado dinheiro, sem prejuízo da aplicação do entendimento para outros tipos de capitais da economia.
Restituição do Capital
A amortização, restituição do capital emprestado, pode
ser feita de várias formas (sistemas de amortização): através
de uma quantia fixa no tempo (sistema de amortização constante – SAC); através de uma quantia crescente no tempo
(sistema de amortização crescente – SACRE); através de uma
quantia exponencialmente crescente no tempo (Tabela Price);
o capital pode ser restituído de várias outras formas.
A devolução do capital está vinculada à devolução dos
juros. A forma pela qual o capital será devolvido contempla
também o pagamento dos juros. Ao se selecionar o modo,
por qualquer tabela ou fórmula matemática, de restituição
do capital está se selecionando também o modo pelo qual os
juros serão pagos. Para se pagar os juros há de se entender
o modo de obtê-los. Então, não há como entender o sistema
de amortização se não se entender por qual sistema os juros foram obtidos.
Juros
Os juros, que são uma remuneração do capital emprestado, são obtidos através da incidência de uma determinada taxa percentual sobre determinado valor, que pode ser o
Amário Cardoso da Silva
Advogado da CAIXA em Goiânia/GO.
valor inicial do capital ou pode ser o valor do saldo devedor.
Deve-se expressar qual a capitalização determinada para a
operação de empréstimo ou financiamento.
A taxa de juros é a razão (divisão) entre o valor monetário
do juro produzido ou obtido pelo valor monetário do capital
aplicado ou tomado. A taxa de juros mede a velocidade do
crescimento do capital aplicado ou tomado. Para o presente
propósito, pelo menos por ora, é dispensável maiores explanações sobre as taxas de juros e suas especificidades.
Capitalização
Assim, capitalização é a forma de fazer incidir juros no
valor principal. Há duas formas de capitalização de um valor
(objeto do empréstimo ou financiamento): através da aplicação do regime de juros simples; ou através da aplicação do
regime de juros compostos.
Os juros são chamados de simples quando são obtidos
unicamente pelo capital inicial que permanece sempre constante. No regime de juros simples a taxa de juros incide sempre sobre o mesmo valor que é o capital ou o principal (P).
Neste regime de juros simples não há incidência de juros
sobre juros (nem sobre juros acumulados), de modo que só
o valor principal produz juros. No regime de juros simples o
valor futuro ou montante (S) representa o valor devido ao
final de certo tempo (principal e juros) e tem crescimento
linear (e não exponencial). Isto é, o crescimento do capital
se dá em progressão aritmética ao longo do tempo. Neste
regime a capitalização é realizada através da aplicação da
fórmula: S = P (1+ i*n), onde S é o valor futuro; P é o valor
principal; i é a taxa de juros; n é o período; * é uma operação
de multiplicação.
No regime de juros compostos o valor do juro produzido
pelo capital inicial é incorporado ao mesmo, passando esta
soma a produzir novos juros do período seguinte. Desta forma, somente no primeiro período os juros simples se igualam aos juros compostos. Os juros são chamados de compostos porque há incidência de juros sobre juros. Os valoNovembro | 2010
I
res dos juros compostos crescem de forma exponencial e
neste regime a capitalização é realizada através da aplicação da fórmula: S = P (1 + i)**n, onde S é o valor futuro; P
é o valor principal; i é a taxa de juros; n é o período; ** é
uma operação de exponenciação.
Para o presente propósito, não é necessário comentar
sobre proporcionalidade ou equivalência das taxas de juros (em ambos os regimes de capitalização), a despeito de
ser assunto sem complexidade alguma. No entanto, ressalte-se que a capitalização é periódica, podendo ser anual, semestral, mensal, diária e até instantânea, etc. Quanto
menor o período de capitalização, maior o montante apurado (considerando taxas de juros proporcionais).
são geométrica), deduz-se a fórmula para expressar o montante total (ou valor futuro) de um fluxo de caixa com termos (prestações) iguais e ao mesmo tempo revela, de forma matemática, o regime de juros compostos como origem
da série de fluxo de caixa com termos iguais.
Em termos matemáticos:
Sf = R x Spg, onde R = prestação, ou termo (de valor
constante) do fluxo de caixa; Spg = soma de uma progressão geométrica;
Spg = (a1 x q **n - a1)/(q -1)
Sf = R x ((1+i)**n -1)/(i)
e R = P * {(1+i)**n *i}/{1+i)**n - 1}
Exemplo numérico, comparando capitalização
simples e capitalização composta
Legenda
Sinal de multiplicação = *
Sinal de exponenciação = **
P = Principal, ou C = Capital
Sf = Montante final ou Valor Futuro
Spg = Somatório de uma progressão geométrica
R = Valor de uma prestação em uma série de pagamentos
ou recebimentos
J = Juros
A = Amortização
i = Taxa de juros
t = Tempo total da série de pagamentos ou recebimentos
n = Número do período da série de pagamentos ou
recebimentos
q = Razão de uma progressão geométrica
r = Razão de uma progressão aritmética
P = Valor presente
Um valor principal P=100, tomado emprestado a uma taxa
de juros de 20% ao período, para ser pago em N períodos,
sendo N=4.
Período
0
1
2
3
4
Capital
Simp. Comp.
100
100
100
100
100
120
100
144
100
173
Juros
Simp. Comp.
0
0
20
20
20
24
20
29
20
34
Montante
Simp. Comp.
100
100
120
120
140
144
160
173
180
207
Valores arredondados para facilitar visualização.
Fluxo de Caixa
Fluxo de Caixa é a sucessão de recebimentos ou pagamentos previstos para determinado período de tempo. As
séries de pagamentos e recebimentos podem ser de várias
formas: série de pagamentos com termos iguais ou com
termos variáveis, com termos antecipados ou vencidos. Em
uma série de termos de pagamentos e/ou recebimentos é
possível a ocorrência da correção monetária, que é aplicada para compensar os efeitos da inflação.
Deste modo, para fácil operacionalização deduz-se uma
fórmula para expressar o valor dos termos iguais (R - valor
constante), ou prestação. Tal fórmula é obtida pela atenta
observação de que, ao construirmos uma série de termos
iguais com capitalização composta, o montante total (valor
futuro - Sf) relativo a todas as prestações do fluxo de caixa
é igual ao valor de um destes termos multiplicado pela
soma de uma progressão geométrica de razão igual a (1+i);
Sf = R x Spg (Dedução desta igualdade mais adiante).
Explicando: ao efetuarmos o somatório dos valores futuros correspondentes a cada termo do fluxo de pagamento (de
termos iguais) observamos que o montante total (valor futuro
- Sf) é igual ao valor de um destes termos multiplicado pela
soma de uma progressão geométrica de razão igual a (1+i).
Considerando que a fórmula de uma soma de progressão geométrica é conhecida (soma de uma PG - progres-
II
Novembro | 2010
Exemplo numérico de um fluxo de caixa, sem
utilização de correção monetária entre os
períodos.
Obtenção da prestação (valor do termo constante) - R
Fluxo de Caixa, série uniforme, regime de juros compostos, com termos iguais e termos vencidos relativos a
um empréstimo (p) de R$1.000 para pagamento em 5 (t)
prestações iguais à taxa efetiva de juros i =1% ao
período,com capitalização composta no mesmo período.
i (taxa de juros) = 1% (0,01) ao período.
A prestação (R) será:
R = P*{(1+i)**n *i} /{1+i)**n - 1}
R = R$ 1.000*{(1+0.01)**5 *0.01}/ {(1+i)**5 –1}
R = R$ 1.000*0,206 = R$ 206
N
1
2
3
4
5
R
206
206
206
206
206
Obs.: utilizando somente números inteiros para facilitar cálculos.
Cada termo do fluxo (prestação) é constante (R=206) e
é composto do valor dos juros (em cada período) e de parte
do valor principal (P=1000). Em cada prestação o valor dos
juros é: 206 – {(206)/[(1+i)**n]}.
A taxa de juros (i) incide em cada prestação (R) e em
determinada medida (de forma exponencial) para formação
do Valor Presente (P), valor principal (veja abaixo a dedução da fórmula da prestação R – termo igual).
Ao se trazer cada valor da prestação constante (R=206)
para o tempo do valor presente (n=0), a somatória de todos os valores no tempo inicial (n=0) é igual a P (valor
presente).
A elaboração da Tabela Price
Obtido o valor de cada prestação (R) em um fluxo de
termos iguais, passa-se a analisar a elaboração da Tabela
Price.
A TTabela
abela Price é obtida atra
vés da visualização
através
de um fluxo de caixa uniforme - uma série de termos (série de valores R - prestações) iguais originada de capitalização composta
composta,, como acima mencionado. Desta fforma,
orma, demonstra-se, a seguir
ue
que
seguir,, q
a obtenção da prestação (R) determinada através
do sist
ema da TTabela
abela Price já cont
em
plou (em cada
sistema
contem
emplou
prestação) a incidência de juros calculados pelo
regime de juros compostos.
O sistema francês de amortização (quando se usa a
taxa de juros efetiva), ou Tabela Price (quando se usa taxa
de juros nominal), teve origem quando o inglês Richard
Price, para cobrança de dívidas, resolveu utilizar o fluxo de
caixa uniforme (com prestações iguais) obtido da aplicação
da capitalização composta em períodos iguais.
Então, construído o fluxo de caixa uniforme, sabe-se
que cada prestação, termo (R) já traz embutido em si mesmo uma parcela relativa ao valor de juros calculados no
regime de capitalização composta e uma parcela relativa ao
valor de amortização.
Mas, pelo Sistema Francês de Amortização, Price, considerando que cada termo de pagamento, ou prestação, é
composto de duas parcelas distintas, uma relativa ao valor
dos juros e outra ao valor do capital (amortização, parte do
capital restituído) estabeleceu que a parcela da prestação
relativa ao valor dos juros é determinada pela aplicação da
taxa de juros sempre ao saldo devedor de cada período
anterior. O saldo devedor de cada período é obtido pela
subtração ao valor do saldo devedor anterior do valor de
cada prestação (que tem valor igual e fixo).
E como consequência da forma escolhida na Tabela
Price para o cálculo do valor dos juros (parte de cada prestação), o valor de cada amortização de cada período é resultante da diferença entre o valor de cada prestação (R) e
o valor dos juros; A=R-J. No exemplo acima é possível fazer
tal verificação:
N
R
0
1
2
3
4
5
206
206
206
206
206
Amorti- Juros
zação
196
198
200
202
204
10
8
6
4
2
AmortiJuros
Saldo
zação (Acum.) Devedor
1.000
196
10
804
394
18
606
594
24
406
796
28
204
1.000
30
000
Obs.: utilizando somente números inteiros (com aproximação) para facilitar cálculos.
Prestação (R) = Juros (J) + Amortização (A)
Juros = 1% x saldo devedor anterior
Os juros, neste sistema de amortização, são calculados fazendo incidir 1% sobre o saldo devedor anterior. Observa-se que o saldo devedor anterior já contempla juros,
pois são obtidos pela diferença entre o saldo devedor anterior e a amortização (esta, calculada sob o regime de juros
compostos).
J (juros) = R (prestação) – A (amortização)
Juros e amortização formam o valor da prestação.
Sendo A=R-J; ou
A=R/(1+i)**t-n+1 (no exemplo dado, t=5).
Observa-se na Tabela Price que os valores da amortização vão crescendo exponencialmente (à razão de
1/(1+1)**t-n+1 ) e desta forma os valores dos juros vão
caindo. Os juros vão decrescendo exponencialmente.
Saldo devedor da Tabela Price
O saldo devedor se inicia pela diferença entre o valor
inicial do empréstimo e o valor inicial da 1ª amortização e
daí para a frente vai se subtraindo do valor do saldo devedor somente o valor de cada amortização.
No sistema de amortização da Tabela Price os juros
sobre juros foram levados para a formação do valor de cada
prestação, portanto também para formação de cada saldo
devedor..
O que não há é uma capitalização de juros sobre o valor de cada saldo devedor. Caso isto ocorresse seria uma
incidência a mais, de juros sobre um valor (saldo devedor)
que já traz em si juros compostos.
Observações
Veja bem, o Sistema Francês de Amortização (Tabela
Price) é concebido para que o valor principal da dívida seja
restituído em prestações iguais. No entanto, o credor, de
tempo em tempo, atualiza monetariamente o saldo devedor,
o que implica que o valor das prestações não é fixo durante
todo o tempo do financiamento (em caso de financiamentos
por longo tempo). Isto poderá gerar a amortização negativa
(a amortização para de aumentar com o tempo).
Novembro | 2010
III
Ano X | Nº 93 I Novembro I 2010
A atualização monetária mais consistente, matematicamente falando, é a atualização em série (a atualização monetária em paralelo e a adicional é admissível somente se pactuada).
Quando ocorre amortização negativa é porque o valor
das prestações é corrigido (caso PES, por exemplo) por índice inferior ao utilizado para atualizar o saldo devedor e com
o passar do tempo as prestações não amortizam a dívida,
chegando em alguns casos a nem cobrir a parcela relativa
aos juros. Neste caso, o valor dos juros não pagos incorporado ao saldo devedor faz surgir valor de prestação com juros não decrescentes e amortização não crescente (amortização negativa).
Se para os mesmos números do empréstimo ou financiamento acima aplicarmos outros sistemas de amortização, podemos, para efeito de comparação, afirmar que o Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) é o que calcula o montante maior de juros
juros. Após, dentre estes sistemas, vem o
Sistema SAM e o sistema que calcula o menor valor total de
juros é o Sistema SAC. Mas a depender da capacidade de
pagamento do devedor, admite-se que pode ser preferível a
adoção da a Tabela Price a outros sistemas de amortização
em razão de que (comparativamente a outros sistemas) o pagamento a maior de juros ao final pode ser compensado pelos
pagamentos de valores menores relativamente às primeiras
prestações e também há de se considerar que o valor constante da prestação pode propiciar uma melhor adequação para
gestão da dívida pelo devedor. Então, para cada devedor, uma
solução.
Posicionamento jurídico
Relativamente a contratos comerciais, os Juízos estaduais têm admitido a capitalização mensal de juros através da
Tabela Price em razão do teor originário da Medida Provisória MP 1.963-17, reeditada pela Medida Provisória 2.17036/01. Relativamente a contratos habitacionais, Juízos federais têm admitido o uso da Tabela Price em vista da não
existência de ilegalidade na utilização da mesma. E ainda,
pode-se mencionar que a Tabela Price, que estabelece nas
primeiras prestações da dívida valores de juros maiores que
valores de amortização, não destoa do determinado no Art.
354 do C. Civil que privilegia a imputação do pagamento da
dívida primeiramente nos juros, na ausência de estipulação
ao contrário.
Dedução da fórmula do valor constante da
prestação (r)
O valor futuro (Sf) de uma série uniforme com capitalização composta é:
IV
Novembro | 2010
Sf = P*(1+i)**n, fórmula deduzida para calcular o valor
futuro no regime de juros compostos, ou juros sobre juros,
considerando uma prestação fixa e igual (R).
No exemplo da série uniforme acima (P, capital inicial =
10.000, taxa de juros periódica efetiva = 1% ao período; n =
5 períodos, capitalização com periodicidade igual à da taxa
de juros)
Temos que o valor futuro Sf será::
R*(1+i)**4 + *(1+i)**3 + R*(1+i)**2 + R*(1+i)**1 +
R*(1+i)**0 = Sf.
Colocando os termos iguais em evidência, temos:
R*[(1+i)**0 + (1+i)**1 + (1+i)**2 + (1+i)**3 + (1+i)**4]
= Sf .
Escrevendo a fórmula em termos genéricos, temos:
R*[(1+i)**n-5 + (1+i)**n-4 + (1+i)**n-3 + (1+i)**n-2
+ (1+i)**n-1] = Sf, portanto: R*Spg = Sf (como afirmado
anteriormente quando falávamos em fluxo de caixa).
Observa-se que o que está dentro do colchete representa a soma de uma progressão geométrica (Spg) de razão igual
a (1+i). Assim, podemos aplicar a fórmula da soma de uma
PG (progressão geométrica): Spg = (a1*q**n - a1)/(q – 1)
No exemplo acima:
a1=(1+i)**0=1
a1=1
q= (1+i)
R*[Spg] = Sf
R*[Spg ] = Sf
R*[(1* (1+i)**n-1/(1+i)–1] = P*(1+i)**n
R*[(1+i)**n-1 /i] = P*(1+i)**n
R=P*{(1+i)**n * i /(1+i)**n-1)}
Conclusão
A Tabela Price consiste em um sistema de amortização
do capital, isto é, um modo pelo qual o capital deve ser restituído ao credor. Para elaboração da Tabela Price considerou se que em cada prestação há um valor de juros igual ao
produto da taxa de juros pelo valor do saldo devedor anterior. Contudo, para o cálculo de cada prestação (R) de um
fluxo de caixa uniforme já se computou a incidência de juros, calculados pelo regime de juros compostos. Desta forma não há dúvida de que o pagamento de uma dívida através de prestações calculadas pela Tabela Price contempla
juros sobre juros.
Também não se pode afirmar invariavelmente que a utilização da Tabela Price é prejudicial. Deve-se analisar a situação financeira de cada devedor para se saber se a Tabela
Price é o sistema mais conveniente, sob o aspecto econômico da dívida/devedor.
Judicialmente prevalecem os julgados dos Tribunais (STJ,
TRF) que entendem que não há ilegalidade na utilização da
Tabela Price. (Sobre esse ponto, leia matéria na pág. 7 desta Revista.)
As matérias publicadas neste suplemento são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
O encarte pode ser acessado, na íntegra, no site da ADVOCEF (menu Publicações).
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