Pascoal José de Mello Freire ((1738-1798). Was the leading jurist amidst those who had been chosen by the Marquês de Pombal to implement the reform of legal studies in Coimbra (1772). According the new pedagogic rules, Mello Freire wrote a comprehensive handbook of Portuguese civil law, where a careful elaboration of the law of the realm was combined with the the whole influence of rationalistic law of the contemporary enlightened legal and political European mainstream. The Institutiones Iuris Civilis (criminalis) Lusitani (1770-1794) serev as handbook for public and private law during decades, becoming the axis of legal education till the mid-19th century. The Institutiones describes, in a systematic way, the state of Portuguese law – including what could be assumed as the constitutional law – namely, relationship between the Crown and concurrent political powers, like landlords and the Church – in the late Ancien Regime. Pascoal José de Melo Freire, Institutiones iuris civilis lusitani, Coimbra, 1789 (Portuguese transl.. Miguel Pinto de Menezes [rev. A. M. Hespanha], in Boletim do Ministério da Justiça, 162 [1967], 134) TITULO XII DOS DEVERES E DIREITOS DOS CIDADÃOS DEVERES GERAIS DOS CIDADÃOS § 1 - Os deveres de quem obedece correspondem necessariamente aos direitos de quem manda. Esses deveres exercem-se ou de uns cidadãos para os com outros, ou dos cidadãos para com a República e os sumos imperantes. Na sua explicação seremos tanto mais breve, quanto mais facilmente eles derivam dos direitos dos imperantes como seus correlativos que são. Também pertencem ao Direito Público os direitos, privilégios, e isenções dos cidadãos, que são concedidos ou a cada cidadão, ou a cada cidade e vila, ou a certa e cada uma das ordens do Reino, por exemplo, à Nobreza, ao Clero, etc.; e respeitam ao estado, ou administração da Cidade, ou então à utilidade particular de cada cidadão, nas suas relações com os concidadãos ou com a República, dos quais tratamos neste título. Entre os mais importantes, de que não tratamos agora, deve-se contar o direito de votar em Cortes, a que aludimos na Nota ao § IV do Título 1, a isenção de tributos, a imunidade de cargos públicos, e outros que constam dos forais do Reino, de doações régias, e de escrituras cuja simples enumeração seria longa; são, porém, de grande importância os privilégios concedidos à cidade de Lisboa por D. João I em 1384, Monarchia Lusitana, tomo VIII, págs. 528 e seguintes, pois referem-se à administração pública da cidade e ao governo do Reino. Os reis na sua solene elevação ao trono juram guardar estes direitos e privilégios de cada cidadão e cidade, que nós chamamos foros, usanças e costumes, Para não falarmos já do exemplo de D. Afonso III dado em Paris no ano de 1245, prestaram tal juramento, além de outros monarcas, D. João I nas Cortes de Coimbra de 1385, Filipe II nas Cortes de Tomar em 1581, e D. João IV que, por fim, firmou o seu uso para sempre com a lei pública promulgada em 9 de Setembro de 1647. Ora, este juramento, e a prestação de fidelidade pelos súbditos devem ser tidos em grande conta, sendo o seu uso e praxe muito para louvar, ainda que nada de novo acrescente, e nada confira ao Rei que este já não tenha, logo a partir da morte do antecessor a quem de direito sucede; na realidade, não se pode entender que o juramento se estenda aos usos, privilégios, costumes e direitos especiais, que de qualquer modo contrariam a utilidade pública. Depois (e convém notar isto) alguns destes privilégios já de há muito que não estão em uso, como, por exemplo, os respeitantes à ordem dos juízos, à obrigação de ter juízes certos, às penas dos crimes, e multas contidas nas leis forais; outros foram obtidos em tempos excepcionalmente difíceis, como os privilégios concedidos por D. João I à cidade de Lisboa; outros não podiam ser concedidos, sem ofensa dos direitos majestáticos; e, por isso, nem ao próprio concedente podiam obrigar (quanto ao sucessor, a questão já foi debatida), visto contrariarem a natureza do principado e a causa pública -, motivo pelo qual todos os privilégios, sem distinguir entre causa onerosa e lucrativa, devem ser revistos, moderados, ou de todo ab-rogados. Nem outra coisa é de dizer dos privilégios da Nobreza e do Clero, que os Reis podem e devem derrogar, caso se oponham ao bem público e deles resulte grave detrimento para os outros cidadãos. Deste direito usaram os Reis D. Dinis, D. Fernando, D. João I e D. Afonso V; todavia, merece especial memória a carta de D. João III dada em Évora a 9 de Outubro de 1566, apud Sousa, tomo V das Provas, n. 15, pág. 639, pela qual foram revogados os privilégios da vila de Aguiar da Beira com as seguintes palavras: “Consirando eu como os privilegios ... para que fossem sempre Realenguos, e nom podessem ser dados pelo Rey, tolhem o livre poder do Princípe ... revoguo e annullo todos e quaes quer privilegios, por mim, ou pelos Reis meus antecessores dados, ou confirmados à Vilia Daguiar da Beira ... posto que as causas, por que forão concedidos, ou confirmados, fossem por proveito pubrico, ou por trabalhos, periguos, affrontas, em que se virão por serviço do Rey, ou do Reyno, ou por outros alguns merecimentos, e serviços feitos a elles na guerra, ou na paz, e posto que sejão passados em força de contracto, ou fossem por causas pias, ou onerosas em Cortes, ou por outra qualquer maneira huma e muitas vezes concedidos e confirmados ... sem embargo do sobredito, e de quaes quer leis e ordenações, determinações, foros, usos, costumes da dita Villa, ainda que sejão de tempo immemorial, graças, liberdades, favores, indultos, etc”.. DEVERES PARA COM A REP1JBLICA E OS IMPERANTES § II - Antes de tudo, nada terão por mais importante e melhor que a segurança e salvação pública. São, por isso, proibidos não só de atacar e perturbar pelas armas a nação, mas até obrigados a serlhe úteis na medida de suas forças. Cumpre-lhes, pois, não apenas pegar em armas pela salvação da República, aceitar os cargos que lhes forem confiados, curar da tutoria dos órfãos, e curadoria dos menores, como ainda abster-se dos vícios do ócio e prodigalidade, Ord. liv. 5, tit. 66, § 7, e tit. 68, honrar e respeitar em extremo os soberanos, e logo a seguir os magistrados que em nome dos soberanos administram a justiça. E não lhes será lícito atacar com palavras ou obras o Príncipe ou seus ministros, dizer mal deles, bacorejar em seu desfavor o que lhes vier à boca, e, finalmente, não dar pronta obediência às suas leis e mandatos. Estes e semelhantes princípios do direito público universal são amiúde inculcados pelas nossas leis, por exemplo na Ord. liv. 5, títulos 6, 7, 39, 48, 49, 50, 51, 96, 97, 104 e 105, e nas novas Constituições de 26 de Setembro de 1762, 24 de Outubro de 1764, e 16 de Novembro de 1771. Explicaremos estes princípios, mais desenvolvidamente, nas Instituições de Direito Criminal Português. DEVERES PARA COM OS CONCIDADÃOS § III - São tantos os deveres dos cidadãos uns para com os outros, que não é fácil referi-los convenientemente. Mas os essenciais são os seguintes. Devem viver como aliados, conforme o exige o fim da sociedade comum; é, por isso, dever dos bons cidadãos favorecer os seus concidadãos com todo o género de bondade, préstimos e caridade, honrá-los, e principalmente abster-se do alheio; em suma, para dizer a palavra própria, dar o seu a cujo é. Daqui o serem mui severamente punidos os escritos difamatórios, Ord. liv. 5, tit. 84, as delações odiosas e malignas, isto é, os mexericos, tit. 85, as injúrias, tit. 117, os homicídios, tit. 35, os latrocínios, tits. 60 e 87, e muitas outras coisas deste género que em seus lugares indicaremos. DEVERES ESPECIAIS § IV — Há também deveres especiais dos cidadãos, que decorremm do cargo especial que desempenham na República. Estes, porém, derivam de um quase contrato; e quais eles sejam facilmente se depreende do fim do próprio cargo e ofício público. Entre nós, são definidos por certas leis os deveres dos soldados e seus chefes, os do tutores e curadores, Ord. liv. 4, títulos 102, 103 e 104, os dos tesoureiros, liv. 2, tit. 51, e liv. 5, tit. 9 e passim. Porém, os cidadãos não devem ambicionar nenhum cargo para o qual não se sintam habilitados. Veja-se de um modo geral, Pufendorf, De officio hominis et civis, liv. II, cap. 18, §§ 7, 8, 9 e seguintes. DIREITOS DOS CIDADÃOS § V - Os direitos dos cidadãos fluem dos deveres dos governantes. Anotaremos dois apenas, os principais: primeiro, o direito de pedirem aos governantes que os protejam e defendam; e segundo, que, para o desempenho dos cargos oficiais, sejam somente eles os escolhidos, ou pelo menos preferidos aos estrangeiros e peregrinos. EM PRIMEIRO LUGAR, A PROTECÇÃO REAL § VI - Quanto ao primeiro direito, flui ele do fim da sociedade e do dever primário dos imperantes. Portanto, os cidadãos têm o direito de pedir respeitosa e modestamente ao Príncipe a sua protecção e auxílio, podendo, se as circunstâncias o exigirem, reclamá-los veementemente. É, por isso, lícito recorrer ao Rei, mesmo terminado o prazo das demandas que for definido nas leis públicas, Carta de Lei de 18 de Agosto de 1769, § 2, solicitar do Rei ou seus ministros as seguranças reais, Ord. liv. 5, tit. 128, Man. 50, interpor recurso para a Coroa, Ord. liv. 1, tit. 9, §§ 11 e 12, e tit. 12, §§ 5, 6 e 7, etc.. E, realmente, a tal ponto os nossos Reis fizeram sua a segurança dos vassalos, que proibiram se implorasse, em qualquer arruído ou briga, outro auxílio que não o seu, Ord. liv. 5, tit. 44. E AS NOMEAÇÕES PARA OS CARGOS PÚBLICOS § VII - E, assim tal como é um dever dos cidadãos desempenharem cargos públicos, assim também lhes cabe o direito de pedirem ao Rei a sua colação. Portanto, os estrangeiros ou devem ser totalmente afastados dos cargos públicos, ou ao menos, o que seria realmente preferível, pospostos aos cidadãos, em igualdade de condições; no entanto, neste assunto, a utilidade pública será havida como a regra máxima, devendo o supremo Regedor da Nação ajustar todas as coisas a essa utilidade. Em Portugal já há muito que D. Afonso II nas Cortes de Coimbra de 1211, apud Brandão, Monarchia Lusitana, p. 4, liv. XIII, cap. 21, não só antepôs, nos benefícios eclesiásticos, os cidadãos aos estrangeiros (tit. V, § XVI, deste livro), como também os clérigos do lugar aos de outro lugar ou diocese. Depois, foi totalmente interdito aos estrangeiros, por alvarás de D. Manuel de 18 de Fevereiro de 1512, apud Cabedo, De patronatibus, cap. 29, e de Filipe III de 11 de Março de 1602, apud Cabedo, De patronatibus, no fim, depois do Arest. 6, e pela própria Ord. Régia liv. 2, tit. 13, § 1, obter benefícios no Reino, ter bens da Coroa, Ord. liv. 2, tit. 35, no princípio, com as palavras entre seus vassallos, e naturaes; ofícios públicos de qualquer Tribunal, Alvará de D. Pedro II de 15 de Julho de 1671, Colecção[de legislação extravgante], 1 à Ord. liv. 1, tit. 66, n. 5, e finalmente exercer o ofício de notário, tabelião, ou escrivão, Ord. liv. 1, tit. 81. Omito muitos mais, pois que esta questão sobre se os estrangeiros devem ser afastados da administração da República, e desempenhar outros cargos e honras na Nação, respeita mais propriamente à ciência política. Sobre esta questão, veja-se, além de outros, Bynkershoeck, liv. II, Quaestiones Juris Publici, cap. II.