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4 • Política • Brasília, domingo, 16 de agosto de 2015 • CORREIO BRAZILIENSE
>> entrevista JEAN WYLLYS
Deputado do PSol ressalta que Dilma se esforça em agradar ao mercado, mas abandona os setores da sociedade decisivos para a reeleição
“O governo está
numa encruzilhada”
» LEONARDO CAVALCANTI
» MARCELLA FERNANDES
» PAULO DE TARSO LYRA
J
O Congresso mais conservador significa
que a sociedade está mais conservadora?
O Congresso mais conservador não
quer dizer, necessariamente, que a sociedade esteja mais conservadora. A novidade deste Congresso é a ampliação
de pessoas ligadas às igrejas neopentecostais, às forças de segurança e aos
grandes negócios.
O papel do parlamentar deve atender às
demandas do povo ou tomar atitudes
adequadas ao país?
Você precisa de alguma popularidade para se eleger, mas, se quiser governar, tem que ser impopular. Para mim,
política é isso: discernimento. Você
nunca vai me ouvir dizendo aquilo que
as maiorias querem ouvir, apenas para
agradá-las ou para garantir meu próximo mandato. Estou deputado, não quero me perpetuar aqui.
A proximidade dos movimentos sociais
com os governos do PT atrapalhou a
atuação desses setores?
A relação dos movimentos sociais
com o PT era esperada. O problema é
quando o presidente Lula coopta as lideranças desses movimentos e os torna
gestores públicos. Isso tira a capacidade
crítica dos próprios movimentos em relação ao governo. Se continuassem independentes, a pressão sobre o governo
poderia ser muito maior, e poderíamos
ter tido mais avanços nessa área.
Houve estelionato eleitoral no tocante
aos direitos sociais?
No caso de Dilma, especificamente, ela
fez, no segundo turno (de 2014), um compromisso textual, com cinco pontos para
que nós, da esquerda, nos engajássemos
na campanha dela: casamento igualitário;
lei de identidade de gênero; direitos sexuais das mulheres; dos povos indígenas; e
revisão da política de drogas. Esses cinco
pontos, até agora, não foram implantados.
Como as mídias sociais influenciam o
debate público do país?
O impacto é profundo, mas nem todo
mundo que está na internet tem as habilidades e as competências para distinguir
entre notícia falsa, verdadeira ou difamação. Também tem poucas habilidades
para lidar com a explosão de diversidades que esses meios expressam. O ódio, o
xingamento e o diálogo de surdos são,
em grande parte, frutos da falta de convivência com uma realidade com que, até
então, essas pessoas não lidavam.
Por que houve uma exclusão das
questões de gênero no Plano Nacional
de Educação, inclusive nas propostas
regionais? Houve falta de entendimento?
Existe falta de entendimento, mas existe muita má-fé. Tem pessoas instrumentalizadas — que são aquelas que não têm entendimento —, mas aquelas que instrumentalizam têm bastante entendimento.
Há, na Câmara, dificuldade para que
parlamentares defendam determinadas
causas sociais e direitos individuais?
A tradição política sempre estabeleceu
o que é a grande política, aquilo que são os
temas nobres da política. O que é prioridade? Os temas da economia, das relações
internacionais e as próprias relações políticas, o processo eleitoral, os acordos. Mas,
enquanto a “inteligência” e esses meios de
representação operam dessa maneira, há
um movimento nessa sociedade que esteve deslocada da política. O que ocorre é
que muitos deputados não entenderam
isso. Quando você levanta esses temas,
existe um custo muito grande.
O governo da Dilma é
do PT, porque ele é o
capitão do navio. Mas
há outros tantos
partidos que agora
estão abandonando o
navio, claramente ante
o risco de naufrágio.
Aliás, esse é o
comportamento
dos ratos”
A presidente Dilma está desgastada,
há uma insatisfação...
Ela apresentou um pacote de ajuste fiscal que afetou a vida das pessoas. E não há
como a popularidade dela se manter sendo bombardeada diuturnamente por
uma cobertura jornalística que tem a intenção de tirar a popularidade dela. Com
isso, não estou defendendo o governo do
PT — ao qual tenho muitas críticas. Eu faço uma oposição a esse governo.
Mas houve falhas da presidente.
O governo da Dilma é do PT, porque ele
é o capitão do navio. Mas há outros tantos
partidos que agora estão abandonando o
navio, claramente ante o risco de naufrágio. Aliás, esse é o comportamento dos ratos. Esse governo é um governo do PMDB,
do PP, foi até ontem o governo do PDT, é o
governo do PSD, é o governo do PTB.
O fato de a presidente não defender
abertamente algumas pautas de direitos
humanos faz com que ela perca apoio?
O governo está numa encruzilhada
justamente por isso. Ele fez uma opção
de agradar ao mercado, às forças que são
antipetistas. E não fez nenhuma sinalização do lado de quem fez a diferença no
segundo turno das eleições, que foram
os movimentos sociais de esquerda e as
figuras públicas de esquerda. Nós esperávamos um mínimo de aceno. E a presidente Dilma não fez. Agora, uma coisa é
a gente criticar a Agenda Brasil, do (presidente do Senado) Renan Calheiros
(PMDB-AL), acatada pela presidente Dilma, e o pacote de ajuste fiscal apresentado pelo (ministro da Fazenda) Joaquim
Levy. Outra coisa é aderir ao golpismo.
O PSol teve, há pouco tempo, uma saia
justa com um deputado eleito, o Cabo
Daciolo (RJ), que se mostrou contrário
às bandeiras do partido...
Sim, mas não sei se foi estelionato eleitoral, porque deconheço o que ele prometeu na campanha. Entretanto, no momento em que ele foi eleito e começou a
contrariar o programa do partido nas suas
colocações legislativas, automaticamente, a gente reagiu para evitar o estelionato
eleitoral no Legislativo, e o expulsamos.
Qual o peso do programa
Big Brother Brasil na sua eleição?
É óbvio que o Big Brother tem um significado enorme na minha vida, mas não
para a minha eleição. Eu tive 13.300 votos
na primeira eleição (em 2010). E tive 50
milhões de votos na final do Big Brother
(em 2005). Quando me filiei ao partido, já
estava, deliberadamente, afastado do circo midiático das celebridades. As pessoas souberam que eu era candidato
quando eu estava eleito, e voltaram a associar uma coisa à outra.
Qual é a expectativa do senhor em
relação às manifestações de domingo?
Acredito que há um segmento da população que não se conforma com o resultado das eleições. Foi um resultado
apertado em que a presidente Dilma ganhou com uma margem de votos não
muito grande. E isso estendeu o terceiro
turno, que não acaba nunca. Acho que
esses segmentos estarão nas ruas.
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Em que o Congresso atual
reflete a sociedade?
Acho que o Congresso atual reflete
muito a sociedade. E reflete, sobretudo,
um modelo eleitoral. Reflete como se
dão as eleições no Brasil. Vence quem
tem dinheiro.
Fotos: Minervino Junior/CB/D.A Press
ean Wyllys parece cada vez mais confortável no Congresso. Um dos principais defensores das bandeiras
sociais, especialmente ligadas à causa LGBT, o deputado eleito pelo Rio de Janeiro mostra-se seguro e
certeiro a cada confronto, seja com parlamentares ligados
a causas conservadoras, seja quando as críticas são direcionadas ao governo da presidente Dilma Rousseff.
Durante entrevista de mais de uma hora, na tarde da última quinta-feira, numa sala da liderança do PSol na Câmara,Wyllys criticou os cortes orçamentários nas áreas de Educação e Saúde, atribuiu parte da insatisfação popular com
Dilma às medidas do ajuste fiscal e disse que a luta por direitos das minorias não está entre as prioridades do governo.
“Não era o que eu esperava. Não foi o compromisso que ela e
a equipe de campanha fizeram informalmente comigo
quando eu decidi apoiá-la no segundo turno”, afirmou.
O deputado destacou ainda que a capacidade crítica de
movimentos sociais em relação ao governo foi prejudicada à
medida que os governos petistas, especialmente durante a
gestão Lula,levaram representantes de entidades para dentro
da administração pública.
Sobre o momento atual, Wyllys acredita que houve um
recuo das críticas à gestão Dilma devido ao medo do mercado financeiro e dos grandes empresários de que se chegasse a um cenário irreversível de instabilidade política.
Ele também avaliou a atual força do conservadorismo no
Congresso, a atuação do presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, e as manifestações marcadas para hoje.
Por que o senhor decidiu
participar do programa?
Porque eu tinha curiosidade acadêmica. Fui para o programa porque era o
meu objeto de estudo de doutorado. O
Big Brother era o tema do doutorado que
nunca consegui terminar. Ele está trancado por causa da legislatura.
Não nos transformamos
ao ponto de um
parlamentar gay poder
ser, tranquilamente,
gay. Não posso me
expor, porque qualquer
coisa que sirva à minha
difamação vai difamar
toda a comunidade a
que eu pertenço”
www.correiobraziliense.com.br
Confira no site do Correio ao
vídeo com o deputado Jean Wyllys.
Esse tema ainda lhe interessa?
A cultura de massas sempre me interessou. Eu fui criado nessa cultura, mas
nunca me emburreci por causa disso. A
televisão nunca me afastou da literatura,
por exemplo. Quero mostrar que o consumo cultural dos pobres não leva, necessariamente, ao emburrecimento.
Como é a sua rotina em Brasília
fora do Congresso?
Eu conheço pouco a cidade. Saio daqui (Câmara), vou para meu apartamento e tenho muita coisa para ler. Como eu
escrevo e dou aulas, tenho que preparar
essas coisas. Quando eu saio, vou ao cinema. Eu tenho bicicleta aqui. Quando
posso, passeio na ciclovia. Mesmo no Rio
de Janeiro, que é a minha cidade, eu saio
mais para o teatro com amigos. Não nos
transformamos ao ponto de um parlamentar assumidamente gay poder ser,
tranquilamente, gay. Não posso me expor, porque qualquer coisa que sirva à
minha difamação não vai apenas me difamar, vai difamar toda a comunidade a
que eu pertenço.
Quanto a Câmara perde com Eduardo
Cunha na presidência?
O Congresso perde na medida em que
Eduardo Cunha é um cara com uma ficha corrida preocupante, que prejudica a
relação da pessoa com a política. Como é
que você, um cidadão, reage ao saber
que o presidente da Câmara federal tem
um histórico de acusações de escândalos
de corrupção?
O senhor esperava que outros
partidos, além do PSol, pedissem
o afastamento dele?
Esperava. Para nós, foi uma surpresa,
foi frustrante saber que só nós pedimos o
afastamento. E o que ele tem colocado
como agenda legislativa é um horror para a ampliação de direitos e da cidadania.
Eduardo Cunha é um movimento contrário à Constituição de 1988.
Um episódio em que ficaram muito
claros os ataques ao senhor foi aquele
envolvendo o deputado Jair Bolsonaro
(PP-RJ). Como se deu aquilo?
Muita gente me odeia. Ponto. E me
odeia porque eu rasuro o lugar em que ela
coloca os homossexuais no imaginário
dela. No imaginário dela, ser homossexual é estar condenado a um destino imperfeito. Os homossexuais, no máximo,
podem ser artistas ou esticar o cabelo das
mulheres no fim de semana em salão de
beleza. Para essas pessoas, homossexuais
não podem ocupar cargos executivos.
Não podem ser editores de grandes jornais. Não podem ser executivos de grandes bancos nem tampouco parlamentares. Se ele chegar a ser parlamentar, que
fique no exotismo, como o (ex-deputado)
Clodovil (PTC-SP) ficou, que sirva a esse
estereótipo. Então, as pessoas viram no
episódio do Bolsonaro a chance de extravasar esse ódio, com a justificativa de que
fui intolerante. Esse canalha deu uma entrevista numa emissora de televisão dizendo que se mudaria da rua caso ele tivesse como vizinho um casal homossexual, disse que ser homossexual é falta de
porrada, desrespeitou os familiares de
presos políticos desaparecidos durante a
ditadura militar. As pessoas não poderiam achar que eu ficaria do lado desse
homem, que não é um amador, numa
viagem em que ele aparece do nada, me
filmando. Prontamente me retirei (da
poltrona em uma aeronave comercial) e
não disse uma palavra.
Teria outro parlamentar do qual o senhor
não se sentaria ao lado?
Não.
Eduardo Cunha?
Sentaria. Não sairia do lado dele.
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Durante entrevista de mais de uma hora