MITO, RITO E SIMBOLO NO ENSINO SUPERIOR:
Pressupostos para uma avaliação Institucional
DILSON PASSOS JÚNIOR
Núcleo de Estudos e Pesquisas: História e Filosofia da Educação – Doutorando
Orientador: Prof. Dr. Bruno Pucci
Introdução
As Escolas de Ensino superior confessionais nascem sob a Égide de princípios e valores dos
seus fundadores, sendo um espaço de interlocução com o mundo acadêmico. A principal fonte
de renda destas instituições é a mensalidade de seus alunos, base de sua sustentação. As leis
de mercado, as exigências do governo, a competitividade, a necessidade de agregar ao seu
corpo docente profissionais qualificados, não raras vezes faz com que princípios idealizados
fiquem relegados a um segundo e até terceiro plano, frente aos problemas de sustentação de
estruturas e pela incessante necessidade de atualização de pessoal frente a um mercado
dinâmico e competitivo. Some-se a isso o crescimento destas instituições com o
distanciamento entre os ideais elaborados pelos fundadores e o cotidiano acadêmico com
professores de diversas procedências ideológicas, quando nem sempre a capacidade
profissional está alinhada com os ideais destas fundações. A Missão Institucional acaba, em
muitos casos, sendo desconhecida por educadores e, conseqüentemente, por educandos.
Deve-se, ainda destacar, que pela própria natureza do mundo universitário, muitos dos
docentes e coordenadores não comungam, e até mesmo se opõem ideologicamente às
crenças e princípios da fundação e, coerentes com seus princípios, acabam por não sublinhar
e assumir os aspectos relevantes dos princípios, quando não partem para contestá-los.
Nossa pesquisa tem por escopo verificar o impacto na Academia dos princípios da Filosofia e
da Pedagogia salesiana no Centro Universitário Salesiano de São Paulo. O significativo
aumento de professores, contratados pela capacidade técnico-pedagógica, nem sempre
permite um consistente acesso aos princípios filosófico-educacionais da Instituição. Além disto,
questões financeiras e administrativas absorvem grande energia espiritual de seus gestores,
preocupados com a manutenção de estruturas. Temos por objetivo diagnosticar até que ponto
os valores educacionais e humanos deste centro de educação salesiano são conhecidos por
seus educadores e destinatários, não como uma proposta confessional, mas como um
conhecimento a ser confrontado com outros saberes. Pretendemos trabalhar inicialmente com
os documentos que delineiem os princípios educacionais da pedagogia salesiana,
transplantados para o Ensino Superior, já que foram elaborados, inicialmente, para
adolescentes.
O ingresso no mundo universitário foi visto com desconfiança por muitos salesianos até o fim
da década de 1980. A fundação das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena em
1952 foi, de fato, apenas a legalização duma “faculdade” eclesial voltada para formação de
seminaristas salesianos que, impedidos de dar aulas pela crescente exigência de diploma
reconhecido, tiveram a necessidade de legalizar seus cursos. Poucos salesianos da época
captaram as implicações do seminário de Filosofia ser reconhecido pelo governo: as portas
deveriam se abrir para alunos externos tornando-se uma instituição de prestação de serviço ao
publico em geral.
Outras duas faculdades de Ensino superior salesianas foram fundadas em Americana e
Campinas, que a partir da década de 1990, se uniram com a de Lorena formando o Centro
Universitário Salesiano – Unisal -. Ainda no final desta década o Unisal unia-se a uma rede de
universidades salesianas denominada IUS congregando mais de cinqüenta escolas de Ensino
Superior em quatro continentes. Esse rápido crescimento representou, acreditamos, um
distanciamento entre os ideais da pedagogia salesiana e o corpo discente cada vez mais
numeroso. Há um hiato entre os ideais elaborados e o crescente público que recebe pouco
influxo sistemático dos valores propostos pela Missão desta Instituição. Esta questão será
objeto de uma pesquisa de campo junto a docentes e discentes para avaliar o impacto da
pedagogia salesiana sobre suas formações. Isto se agrava, institucionalmente, pela falta de
uma área de pesquisa sobre a Pedagogia Salesiana.
Nesta pesquisa pretendo confrontar o nível de conhecimento da pedagogia salesiana nas
unidades de Lorena, Campinas e Americana, destacando que, no caso de Lorena, uma
significativa parte do corpo docente teve contato com a Pedagogia salesiana no antigo Colégio
São Joaquim com mais de cento e quinze anos de existência. Acredito que essa pesquisa nos
permitirá ampliar para outras instituições confessionais algumas conclusões plausíveis de
universalização.
Procuraremos a seguir apreender como nascem os ideais, se institucionalizam e sofrem a
erosão do tempo e das circunstâncias. Por que há nas instituições um descompasso entre os
ideais da fundação e a pratica do cotidiano, gerando em alguns membros dessas comunidades
desalento e descrença? Apresentaremos alguns pressupostos que se configuram como pano
de fundo das pesquisas que realizaremos.
Da Experiência Fundante à Institucionalização: Mito, Rito e Símbolo
O homem se constrói a partir de experiências. Prevalece o conceito aristotélico de que nada
está na inteligência sem que por primeiro não tenha passado pelos sentidos. O experimentar
faz parte intrínseca da vida, sendo um patrimônio pessoal na construção da personalidade. Em
geral, as experiências vividas esgotam-se na temporalidade da própria vida do cada indivíduo.
Há experiências, porém, que transcendem o individuo e são apropriadas por outras pessoas
que vêm nelas algo de singular e extraordinário e, ainda que vivenciada por outrem, possuem
um lastro de sabedoria que passa a ser para muitos um referencial de vida. Essa experiência
pessoal de alguém, quando transferida ou apropriada por outras pessoas, denominaremos de
experiência fundante. Tal experiência de uma pessoa, assumida por outras, dá ao individuo
que a vivenciou a imediata ou crescente consciência de que é “mestre”, “guia” e “fundador” e a
"consciência de que tem uma missão” a cumprir. Tal experiência vai aos poucos se
desmaterializando e assumindo um halo místico. A experiência fundante, ao perder sua
materialidade, se torna um princípio, uma doutrina e uma mística. O fundador atrai discípulos,
ou, discípulos mais fervorosos apontam o fundador como exemplo a ser seguido.
Os discípulos das primeiras horas são co-fundadores que avalizam a experiência do fundador
como referencial e palavra final. Sua morte qualifica esses discípulos que gozam de autoridade
porque conviveram com o mestre sendo reconhecidos como intérpretes qualificados. Com o
tempo a experiência fundande se encaminha para institucionalização que procura organizar e
perpetuar o carisma do fundador e dos primeiros discípulos. A imagem, a vida e a ações do
fundador são perenizadas. Este caminho se realiza através de três elementos interligados: o
Mito, o Rito e o Símbolo.
O Mito é a narração da vida, dos ditos e feitos do fundador e seus primeiros discípulos. Não é,
porém, uma narração feita uma única vez como numa comunicação, mas é sempre narrada,
porque aquele evento fundacional do passado torna-se sempre presente na comunidade que o
assume. Os iniciados ouvem com unção muitas vezes a história de como tudo começou. Esse
resgate tem não só a função de memorial, mas de entendimento do “agora” da Instituição.
Perder esse referencial histórico é perder a própria identidade, pois, os seguidores devem
entender que são continuadores do fundador. O mito é um fato do passado que se atualiza
pelo Rito.
O Rito é a atualização do Mito que “indo” ao passado, atualiza a experiência fundante
tornando-a presente aqui e agora no hoje, sendo, portanto, não só evocativo, mas também
celebrativo. É a atualização do ontem no hoje, quando “nós” somos a continuação da mesma
história. O cerimonial integra e dá unidade ao passado e ao presente quando não somos
observadores, mas protagonistas da história. Nas celebrações religiosas, à guisa de exemplo,
a divindade sai de sua transcendência e está “aqui” no rito interagindo com seus crentes
ouvindo-os e atendendo-os. Em Instituições não religiosas o cerimonial também diz a mesma
coisa: os sonhos dos fundadores não ficaram no passado: somos este sonho tornado
realidade, não havendo entre o fundador e seus discípulos o vácuo do tempo. O ontem é o hoje
em nós. Daí a necessidade de uso de roupas e insígnias que indiquem que o membro da
comunidade transcende a sua própria individualidade.
O Símbolo é o que nos faz remontar e lembrar a experiência do fundador por sinais. O vestir-se
e o envolver-se de símbolos representa conectar o hoje com o ontem. O paramentar-se, não só
no sentido religioso, significa dar identidade ao Rito indicando a fonte de onde se vem. O
símbolo é um referencial ao Mito inicial. Mesmo as construções são sinais de uma determinada
Instituição que procura se impor pela grandeza, esplendor e majestade para assinalar o que
representam.
O Ideal do fundador, nascido naturalmente ou forjado por seus discípulos, se visualiza no Mito,
no Rito e no Símbolo que sintetizam a experiência fundante. Essa experiência precisa
institucionalizar-se para organizar o projeto inicial. O impulso inicial vai sendo ordenado por
regras, normas, princípios e procedimentos para garantir como a coisa deve ser. Se essa
fundação é bem sucedida isso se materializa no reconhecimento social, garantia de status e
poder. Os seus gestores têm como missão ser intérpretes dos ideais fundacionais como
guardiães zelosos em manterem a “chama sagrada” da experiência fundante.
Uma Instituição que se consolida é um atrativo para novos membros, ora por uma clara opção
pelos ideais fundacionais, ora pela procura de status, poder ou remuneração. Cria-se tensão
entre as dimensões carismática e institucional, entre os ideais do fundador e o cotidiano pouco
romântico com sua materialidade prosaica: contas, captação de recursos, remunerações,
competições de mercado, captação de clientes, direitos e lutas sindicais, contratação de
funcionários alinhados com os ideais do fundador e a demissão dos menos integrados
profissional ou ideologicamente.
Acontece se ver o retrato de fundadores fixados em paredes de vestutas fundações, antes
venerados e amados, hoje, rostos anônimos a assombrar como fantasmas do passado com
seus ternos antigos, às novas gerações sedentas de modernidade e desejosas de sepultarem
nos porões dos prédios esses quadros velhos. Assim como esses retratos, objeto de
veneração no passado, também os mitos, ritos e símbolos podem perder sua atualidade apesar
de pendurados na Instituição. Aqui está diagnosticada a crise profunda de uma fundação onde
o Mito deve ser narrado, o Rito deve ser celebrado e o Símbolo deve ser mostrado por
funcionários sem paixão, sem emoção, sem adesão afetiva, sem identificar-se com eles.
Parecem velhos funcionários de velhas instituições apresentando com voz pastosa e sem
brilho nos olhos os “ideais” de fundações das quais recebem o sustento e através das quais
esperam com ansiedade a aposentadoria. O Mito fundacional torna-se mera mitologia, estórias
do passado; o Rito torna-se ritualismo, suportado com olhares constantes ao relógio
conscientes de que está demorando muito e se tem coisa importante a fazer. E os Símbolos
não simbolizam mais, sendo relegados às gavetas ou envergados em cerimônias com tédio ou,
tornam-se ainda enfeites sem seu significado inicial. Essas coisas só são suportadas porque
através delas se tem status ou remuneração.
A Erosão dos paradigmas fundacionais e institucionais faz com que se mantenha um verniz
superficial que apenas se refere ao fundador e à sua experiência fundante. Os discursos
tendem a ser vazios e as ações tornam-se pragmáticas até no fingir que se adere aos critérios
fundacionais quando se vive, efetivamente, atitudes diferentes das propostas da Instituição. O
Mito não narra mais, o Rito não celebra mais e o Símbolo não simboliza mais. O que sobrevive
é o simulacro. Esta Instituição está em crise, pois, há uma efetiva ruptura entre o sonhado e
vivido. E ainda que sobrevivam em seu comando poucas pessoas apaixonadas pela
experiência inicial, efetivamente, porém, não há mais canais entre o impulso inicial repleto de
paixão e os destinatários. Numa escola, para concretizarmos essas afirmações, há educadores
que não crêem nas propostas dos mantenedores e alunos que não recebem os influxos desta
experiência fundante. O destino desta Instituição será ou, a radical presença de vigorosos e
violentos reformadores que busquem retomar o espírito da fundação, ou a ruptura com os
paradigmas fundacionais substituindo-os por outros ou, ainda, o melancólico encerramento de
suas atividades.
Considerações finais
Seria destino inexorável de que todas as experiências fundantes viriam a viver um período de
institucionalização, de apogeu e decadência? Os ideais e princípios educacionais sofreriam
erosão inevitável do tempo tornando-se arcaicos e ultrapassados? Seriam, na história, alguns
valores apenas sazonais? Teria sentido uma Instituição de Ensino Superior possuir princípios
pétreos? São questões que perpassam o suceder histórico e, acima de tudo, o filosófico. Essas
mesmas questões deveriam ser equalizadas para uma interpretação filosófica: Existiria o
perene? Ou prevaleceria a intuição do velho Heráclito que via no permanente fluir e na
mudança em si aquilo que era o mais certo? Certos valores são de momento ou perenes? Os
valores fundantes de uma Instituição de ensino não perpassariam o tecido acadêmico por
incompetência de seus gestores ou porque seria já um produto fora de linha e, portanto, não
interessante aos consumidores? Seriam os gestores de uma fundação como vendedores de
loterias que gritam a todos os transeuntes que o “bilhete premiado” está em suas mãos, mas o
vendem por um punhado de moedas tidas, então, por mais valiosas?
Por que experiências fundantes perdem seu vigor e exuberância? O Iluminismo, o Positivismo,
o Capitalismo, o Marxismo foram totens que se erigiram grandiosos nas planícies da história e
que conheceram a erosão do tempo. Será que Mito, Rito e Símbolo das instituições
educacionais sofreriam a inexorável erosão da descrença: ser um mito que não narra mais, ser
um rito que não celebra mais, ser um símbolo que não simboliza mais. São questões que, se
respondidas, independente de qual seja a resposta, darão um norte no governo nas Instituições
de Ensino Superior. Os ideais dos fundadores nas Instituições de Ensino Superior sofreriam
crises conjunturais ou estruturais? São questões que necessitam de respostas para que o
ideário e a missão das universidades seja uma realidade exeqüível e não uma formalidade nos
planos das instituições.
A partir dos pressupostos acima expostos conduziremos nossa dissertação procurando
demonstrar como os elementos acima aduzidos se aplicariam ao centro universitário salesiano
de São Paulo. Estudaremos o surgimento do “mito” salesiano (I) no seu contexto histórico na
Itália a partir de 1850 e como suas elaborações teóricas foram transplantadas para o Brasil.
Na década de 1950, marcada pela expansão de faculdades de ciências e letras no interior de
são Paulo, há em 52 a fundação da Faculdade Salesiana de Ciências e Letras de Lorena
(II), tendo finalidade bem diversa de outras fundações congêneres. Na década de 1960,
contestada pelo movimento estudantil, luta por preservar seus valores fundacionais. A partir da
década de 90, com a origem o Centro Universitário Salesiano (III), se confronta com o
pluralismo e a crescente globalização. Pretendemos auferir como no século XXI o Mito e o
Rito impactam a pratica docente e o cotidiano (IV) desta Instituição.
Nossa pesquisa pretende se apoiar em documentos primários e secundários, pesquisas de
campo e estatísticas junto ao corpo docente e discente.
Bibliografia
ROSSO, Maria José Urioste. Cultura Organizacional. Lorena, Stiliano, 2000.
TOLEDO, Francisco Sodero. Igreja, Estado, Sociedade e Ensino Superior: a faculdade
Salesiana de Lorena. Taubaté. Cabral Editora e Livraria Universitária, 2003.
VAIDEREGORN, José. As Seis Irmãs: As FFCL do Interior Paulista. São Paulo, Cultura
acadêmica Editora, 2003.
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