Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia Boletim Eletrônico Maio 2012 – 53ª edição EM MULHERES COM ATÉ 25 ANOS, O TRATAMENTO DA NIC 2 É SEMPRE NECESSÁRIO? A idade tem sido um tema crítico em relação a condutas, principalmente quanto à idade de início do rastreio do câncer do colo do útero como também a conduta da neoplasia intraepitelial cervical grau 2 (NIC 2) em mulheres jovens. Estudo de Moore et al mostrou que 65% das adolescentes e mulheres jovens (idade < 21 anos) com NIC 2 tinham regressão ao longo de período de 18 meses. Em vista disto e da rara ocorrência desta malignidade em mulheres jovens, as diretrizes da Sociedade Americana de Colposcopia e Patologia Cervical (ASCCP) bem como as Brasileiras sugerem que a conduta inicial conservadora seja considerada em adolescentes com NIC 2 que são confiáveis para seguimento (com controles de citologia e colposcopia em intervalos de 4 a 6 meses). Esta abordagem conservadora permite uma resolução espontânea potencial da NIC 2 e assim, evita-se o tratamento excisional, que é associado com complicações obstétricas além do trauma físico e mental. Embora o tratamento conservador seja muitas vezes recomendado para adolescentes com NIC 2, há escassa literatura sobre esta questão em mulheres com idade entre 20 e 25 anos. Este estudo conduzido na Nova Zelândia teve por objetivo analisar o tratamento conservador em mulheres com idade <25 anos. Neste País, o programa de rastreio começa aos 20 anos e é trianual. O delineamento do estudo foi retrospectivo e incluiu mulheres < 25 anos com biópsia NIC de alto grau entre 2005 e 2009. A análise foi feita comparando as mulheres que receberam tratamento imediato versus conservador (acompanhamento por mais de 4 meses). O desfecho primário foi a regressão espontânea. Das 452 mulheres que foram identificadas, 256 mulheres (57%) receberam tratamento imediato, 157 (35%) realizaram tratamento conservador e 39 (9%) se perderam no seguimento. Das 157 mulheres que realizaram tratamento conservador, 98 mulheres (62%) apresentaram regressão espontânea, em um tempo mediano de 8 meses. No grupo de tratamento conservador, nenhuma mulher teve progressão para câncer. Já no grupo de tatamento imediato, houve um caso de câncer microinvasivo (Ia1) e dois casos de adenocarcinoma in situ. Os resultados deste estudo devem ser vistos com cautela, devido a possíveis erros de metodologia como falta de homogeneização de grupos (os critérios utilizados para escolha de tratamento conservador não foram documentados) e variáveis mal definidas. Os autores acreditam que os riscos do tratamento conservador podem ser minimizados por meio de seleção cuidadosa das pacientes, seguimento regular com citologia e colposcopia e controle de perda de seguimento. Fonte: McAllum B et al. Is the treatment of CIN 2 always necessary in women under 25 years old? Am J Obstet Gynecol. 2011 Nov;205(5):478.e1-7. SERÁ QUE A EXCISÃO AMPLA DA ZONA DE TRANSFORMAÇÃO (CAF) TEM MELHOR RESULTADO QUANDO REALIZADA COM ANESTESIA GERAL E EM AMBIENTE HOSPITALAR? A excisão ampla da zona de transformação (CAF) para o tratamento da neoplasia intraepitelial (NIC) obteve grande aceitação logo após sua descrição por Prendiville et al em 1989. As vantagens incluem a capacidade de ser realizada sob anestesia local em ambulatório, obtenção de espécime histológico e baixa morbidade em curto prazo (9%). Críticas têm surgido sobre o impacto do uso da anestesia local ambulatorial sobre os resultados. As diretrizes do programa de rastreamento cervical do Reino Unido recomendam que mais de 80% dos casos devem ser realizados com anestesia local. Devido à escassez de informação sobre este tema, Borbolla e Symonds realizaram estudo retrospectivo para avaliar a proporção de mulheres que realizaram anestesia geral e o impacto que esta medida teve na eficácia do tratamento, no sobretratamento (histologia negativa), morbidade de curto prazo e aderência ao seguimento. Do total de 465 mulheres que realizaram o procedimento entre 2005 e 2009, cerca de 70% fizeram por meio de anestesia local. Os desfechos primários compreenderam a taxa de margens comprometidas e da taxa de sobretratamento (histologia negativa). Os desfechos secundários incluíram a profundidade e área de superfície do procedimento, a morbidade em curto prazo (seis semanas pós-procedimento), aderência as visitas de acompanhamento e taxa de alterações citológicas e necessidade de retratamento durante os primeiros 18 meses de seguimento. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos nos desfechos primários de margens comprometidas e sobretratamento (histologia negativa). Também não houve diferença significativa na profundidade e área de superfície excisada entre os dois grupos (profundidade do grupo de anestesia geral foi de 7,7 mm e na local de 7,9 mm; p=0,63 e superfície do grupo de anestesia geral 333,2 mm e na local de 320,3; p=0,41). As complicações em curto prazo também não diferiram (p=0,97). As taxas de falta de aderência ao seguimento foram altas nos dois grupos, não havendo diferença significativa entre os dois grupos. Também não houve diferença na taxa de alterações citológicas no pós-tratamento e necessidade de retratamento. A escolha do método de anestesia deve ser baseada no conhecimento do risco e nos benefícios das diferentes opções de anestesia. Os resultados deste estudo ressaltam a similaridade de resultados e complicações em ambas as formas da anestesia. Esta semelhança também fornece argumento atraente em termos de vantagens econômicas do uso da anestesia local versus anestesia geral devido aos custos adicionais, incluindo internação hospitalar, utilização de sala e equipe anestésica. Qualquer morbidade Seguimento Nenhum Incompleto Completo Retratamento Fonte: Borbolla Foster A, Symonds I. Aust N Anestesia geral 9 (5,9%) Anestesia local 14 (4,4%) 25 (16,4%) 54 (17,3%) 55 (3,9%) 118(37,7%) 66 (43,4%) 130 (41,5%) 6 (3,9%) 11 (3,5%) Z J Obstet Gynaecol. 2012;52(2):128-32. P 0,971 É POSSÍVEL MENSURAR QUANTOS CÂNCERES ASSOCIADOS POR HPV PODERIAM SER EVITADOS POR ANO EM INTERVENÇÕES DE SAÚDE EM PROGRAMAS POPULACIONAIS? Sim, o respeitado órgão americano – CDC fez esta conta!!! A infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV) causa quase todos os cânceres cervicais e vulvares e muitos dos casos de cânceres de vagina, pênis, ânus e de orofaringe. A incidência destes cânceres pode ser reduzida por programas que diagnosticam as lesões precursoras ou evitam a infecção como a vacina contra HPV. Para avaliar a incidência dos cânceres associados ao HPV (ou seja, cânceres, em locais anatômicos e com tipos celulares específicos em que o DNA do HPV é frequentemente encontrado), o CDC analisou dados do Programa Nacional de Registros de Câncer (NPCR) e do programa de vigilância, epidemiologia e resultados finais (SEER) de 2004-2008. Durante este período foram diagnosticados anualmente 33.369 cânceres associadas ao HPV (taxa: 10,8 por 100.000 habitantes), incluindo 12.080 entre os homens (8,1 por 100.000) e 21.290 entre as mulheres (13,2). O câncer do colo do útero foi o mais comum destes cânceres, com uma média de 11.967 casos por ano, seguido do câncer orofaríngeo, com uma média de 11.726 casos por ano (2.370 em meulheres e 9.356 em homens). A taxa de câncer anal em mulheres (1,8 por 100.000) foi maior do que em homens (1,2). A taxa de câncer orofaríngeo foi 4 vezes maior nos homens (6,2 vs 1,4). Multiplicando o número dos cânceres associados ao HPV pelo porcentual atribuível ao HPV, o CDC estima que aproximadamente 26.000 novos cânceres atribuíveis ao HPV ocorreram a cada ano, incluindo 18.000 entre as mulheres e 8.000 entre os homens. Registros de câncer de base populacional são ferramentas importantes de monitoramento para mensurar o impacto das intervenções de saúde nas taxas de câncer como a vacinação e rastreamento. Estimativa da percentagem anual média e número de cânceres atribuíveis ao HPV, por local anatômico e gênero – Estados Unidos, 2004-2008 % atribuível ao HPV& No. atribuível ao HPV# o. Local N anual % Variação No. Variação médio* Colo do útero 11.967 96 (95-97) 11.500 (11.400-11.600) Vulva 3.136 51 (37-65) 1.500 (1.200-2.000) Vagina 729 64 (43-82) 500 (300-600) Pênis 1.046 36 (26-47) 400 (300-500) Ânus Mulher 3089 93 (86-97) 2.900 (2.700-3.000) Homem 1678 93 (86-97) 1.600 (1.400-1.600) Orofaringe Mulher 2.370 63 (50-75) 1.500 (1.200-1.800) Homem 9.356 63 (50-75) 5.900 (4.700-7.000) *Dados provenientes dos registros de câncer de base populacional que participaram os registros de câncer do programa nacional e∕ou de vigilância, epidemiologia e programa de resultados finais e encontraram critérios de alta qualidade de dados. & Fonte: Gillison ML, Chaturvedi AK, Lowy DR. HPV prophylatic vaccines and the potential prevention of noncervical cancers in both men and women. Cancer 2008;113 (10 Suppl): 3036-46. # O número estimado de cânceres atribuíveis ao HPV foi calculado através da multiplicação do número de cânceres associados ao HPV pela porcentagem de cada câncer atribuível ao HPV. As estimativas foram arredondadas ao número mais próximo da unidade de 100. Os cânceres de homens e mulheres não são iguais devido ao arredondamento do número total de cânceres anais. Fonte: Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Human papillomavirus-associated cancers - United States, 20042008. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2012 Apr 20;61:258-61. E SE TENTASSEMOS EXTRAPOLAR ESTA MESMA CONTA PARA O BRASIL? Até o momento o INCA ainda não disponibiliza os dados de cânceres de vulva, vagina e ânus em seus relatórios anuais. Mas mesmo assim, fizemos uma tentativa grosseira, usando as estimativas disponíveis de câncer do INCA de 2012 multiplicando pelos mesmos porcentuais atribuíveis ao HPV. Para as estimativas não fornecidas pelo INCA, aplicamos uma projeção de 45% (proporcional à estimativa de câncer do colo entre EUA e Brasil) na taxa de câncer de vulva, vagina, pênis e ânus. Apesar destes dados estarem longe do ideal em termos de metodologia, já podemos ter uma visão do impacto no Brasil de intervenções otimizadas para o diagnóstico de lesões precursoras e prevenção da infecção pelo HPV por meio do uso da vacina contra HPV. Teríamos cerca de 35.800 casos de cânceres associados ao HPV, sendo 26.700 em mulheres e 9.100 em homens. Provavelmente estes números ainda estão subestimados, pois estudos revelam que cerca de 10% de todos os cânceres tem como gênese o HPV, considerando a estimativa do INCA, são esperados 518.000 casos de câncer para 2012. Estimativa da percentagem anual média e número de cânceres atribuíveis ao local anatômico e gênero Local No. anual médio* % atribuível ao HPV& Colo do útero 17.540 96 Vulva Dados não fornecidos pelo relatório 51 do INCA; Utilizado dados EUA (3136) +45% = 4547 Vagina Dados não fornecidos pelo relatório 64 do INCA; Utilizado dados EUA (729) +45% = 1057 Pênis Dados não fornecidos pelo relatório 36 do INCA; Utilizado dados EUA (1046) +45% = 1516 Ânus Dados não fornecidos pelo relatório do INCA Utilizado dados EUA +45% Mulher 3069 + 45%=4450 93 Homem 1678 + 45%= 2433 93 Orofaringe Mulher 4.180 63 Homem 9.990 63 *Dados provenientes do INCA para colo do útero e orofaringe. Disponível em HPV, por No. 16.900 2.300 700 600 4.200 2.200 2.600 6.300 Instituto nacional do câncer. Estimativa 2012 de incidência de câncer no Brasil. Disponível em http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/mapa.asp?ID=5 & Fonte: Gillison ML, Chaturvedi AK, Lowy DR. HPV prophylatic vaccines and the potential prevention of noncervical cancers in both men and women. Cancer 2008;113 (10 Suppl): 303646. # O número estimado de cânceres atribuíveis ao HPV foi calculado através da multiplicação do número de cânceres associados ao HPV pela porcentagem de cada câncer atribuível ao HPV. As estimativas foram arredondadas ao número mais próximo da unidade de 100. Para os dados não fornecidos pelo INCA (vulva, vagina, pênis e ânus) foi considerado os dados do CDC + projeção de 45% . QUAIS CARACTERÍSTICAS COLPOSCÓPICAS ESTÃO ASSOCIADAS COM REGRESSÃO DE NIC DE ALTO GRAU? A conduta mais conservadora preconizada em mulheres jovens com NIC de alto grau (NIC 2), nos leva a necessidade do melhor conhecimento das imagens colposcópicas associadas à regressão de NIC. Sabe-se que a taxa de regressão espontânea em mulheres jovens varia de 17 a 65%, a depender da metodologia utilizada pelo estudo. Sugere-se, que em muitos casos, particularmente em lesões de pequena dimensão, a regressão poderia ser o resultado da resposta inflamatória associada à biópsia diagnóstica. Na doença focal, a NIC pode ser excisada completamente pela biópsia. O estudo de Brewer et al teve por objetivo observar os padrões colposcópicos associados à regressão em mulheres com diagnóstico de NIC. Um total de 39 mulheres (média etária de 28,7 anos, variando de 19 a 48 anos) realizaram colposcopia, cervicografia e biópsia na inclusão e após 6 meses e foram acompanhadas com citologia e colposcopia de 3 em 3 meses, tomando-se o cuidado de excluir mulheres sem imagem colposcópica alterada após 30 dias da biópsia. As imagens colposcópicas de mosaico, pontilhado e epitélio acetobranco foram graduadas e diagramadas. Também, as medidas cervicográficas do movimento centrípeto do epitélio metaplásico foram registradas (a cada cervicografia era marcada a nova junção escamocolunar e qualquer alteração > 20% era considerada representativa). Os fatores associados à regressão foram: lesões ocupando < 50% da cérvice em comparação a lesões que ocupavam > 50% (p<0,04); NIC 2 em comparação à NIC 3 (p<0,07), lesões sem pontilhado em relação a lesões com pontilhado (0<0,04) e lesões com epitélio acetobranco tênue em relação a presença de epitélio acetobranco acentuado (p<0,03). O maior preditor significativo associado à regressão foi o movimento centrípeto do epitélio metaplásico em direção ao orifício cervical externo (p<0,001). A falta da identificação desta imagem colposcópica, do movimento centrípeto do epitélio metaplásico, está associada com doença persistente ou progressiva e pode ser utilizado como um dos critérios para se optar pela continuidade de um tratamento conservador ou não. Fonte: Brewer CA et al. Colposcopic regression patterns in high-grade cervical intraepithelial neoplasia. Obstet Gynecol. 1997 Oct;90(4 Pt 1):617-21 Editoras Médicas Responsáveis: Dra. Cíntia Irene Parellada1 e Dra. Ana Carolina Chuery2 Gestão 2012-2014 Dr Garibalde Mortoza Para sugestões e dúvidas, entre em contato com os editores: [email protected] 1. CRM 84951-SP. Editora da RBPTGI e da home page www.colposcopia.org.br Doutora pela FMUSP. Médica titulada pela FEBRASGO e qualificada pela ABPTGIC. 2. CRM 96836-SP Pós-graduanda da UNIFESP. Mestre pela FMUSP. Médica titulada pela FEBRASGO e qualificada pela ABG. Declaração de Conflito de interesse, de acordo com a Norma 1595/2000 do Conselho Federal de Medicina e a Resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 1. Gerente médica da MSD.