Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas – DIREITO GV
Núcleo de Estudos Fiscais
A GUERRA FISCAL DO ICMS SOB UMA PERSPECTIVA
COMPARADA DE COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA
Leonardo Alcântara Ribeiro
Pesquisador do NEF/FGV
Ementa/Abstract
O presente trabalho tem como objetivo tratar do fenômeno da Competição
Tributária travada entre os estados brasileiros no âmbito da tributação pelo Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços (ICMS), comumente
denominada ―Guerra Fiscal‖, sob uma perspectiva comparada.
Agosto / 2010
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A GUERRA FISCAL DO ICMS SOB UMA PERSPECTIVA COMPARADA DE
COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário: 1. Introdução; 1.1 Relevância do Tema; 2. Desenvolvimento; 2.1 A Guerra
Fiscal Do ICMS; 2.2 A Experiência Internacional; 2.2.1 O Caso Japonês: Monarquia
Centralizada; 2.2.2 O Caso Alemão: Federalismo Cooperativo; 2.2.3 O Caso NorteAmericano: Federalismo Competitivo e Judiciário Eficaz; 2.2.4 O Caso Canadense:
Federalismo Misto Entre Competição e Cooperação; 2.2.5 O Caso Europeu: Autoregulação Voluntária; 2.2.6 Análise de Seminário da OCDE Sobre Competição
Tributária Entre Entes Subnacionais; Conclusão
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tratar do fenômeno da Competição
Tributária travada entre os estados brasileiros no âmbito da tributação pelo Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços (ICMS), comumente
denominada ―Guerra Fiscal‖, sob uma perspectiva comparada.
A Competição Tributária (―Tax Competition‖) é a capacidade de uma jurisdição
manipular sua carga tributária e sua estrutura fiscal com o intuito de atrair investimento,
estimular o desenvolvimento econômico e maximizar a arrecadação1. No âmbito de uma
Nação ou de uma Organização Política formada por entes que dispõem de relativa
autonomia, a competição pode ocorrer inclusive dentro da Organização, entre estes
mesmos entes, como no caso da disputa entre os estados brasileiros em relação ao
ICMS.
Conforme descrito por Ricardo Varsano e José Roberto Afonso, a existência de
competição fiscal é desejável na medida em que ela aproxima as políticas públicas
locais das preferências dos residentes da jurisdição e cria um ambiente propício à
experimentação de diferentes formas de execução das políticas, bem como um
mecanismo de seleção natural daquelas com melhores resultados. Além disso, a
competição
fiscal
serve
como
freio
à
excessiva
expansão
das
atividades
governamentais. No entanto, com a crescente mobilidade dos agentes econômicos, a
1
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and South
Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison.
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capacidade dos governos locais fazerem uso da estrutura tributária e do gasto público
como instrumentos de uma política de atração de empresas para seus respectivos
territórios também cresceu substancialmente. Desta forma, os governos locais — bem
como os estados de uma federação e as unidades soberanas que formam uma união
econômica — podem dar curso a uma competição por investimentos ou bases tributárias
que causa inúmeros tipos de distorção econômica2.
Em outras palavras, a competição por meio do manejamento da estrutura
tributária poderia se acirrar tanto e de tal maneira que passaria a se tornar prejudicial
(―Harmful Tax Competition‖), levando à chamada ―race to the bottom‖, uma situação
na qual os participantes tendem a reduzir tanto sua carga tributária que acabariam
incorrendo em uma situação de ineficiência e sub-provisão de bens públicos.
O desafio, portanto, é desenvolver um desenho institucional que possua
mecanismos que evitem ou reduzam os efeitos indesejados da competição fiscal, mas
que preserve os benefícios dela advindos.
A literatura especializada entende que a Guerra Fiscal do ICMS tem se mostrado
um caso de competição tributária prejudicial, na qual as renúncias fiscais perderiam seu
poder de atrair empreendimentos e as finanças de todos os participantes se
deteriorariam3.
Neste sentido, este trabalho pretende, primeiramente, traçar um panorama do
atual contexto brasileiro da Guerra Fiscal do ICMS, por meio de análise legislativa,
doutrinaria e jurisprudencial, para então buscar, na experiência internacional, possíveis
caminhos para lidar com esta situação. São analisados diversos países especificamente,
dentre os quais Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Japão, bem como a União
Européia. Analisa-se, ainda, recente seminário da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre competição tributária entre entes
subnacionais.
1.1
2
Relevância do Tema
VARSANO, Ricardo. Fiscal Competition: a bird‘s eye view. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Rio de Janeiro: 2002
3
VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem ganha e quem perde. Rio de Janeiro : Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, 1997.
3
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O tema da ―Guerra Fiscal‖ se demonstra relevante na medida em que é um dos
aspectos mais criticados do Sistema Tributário Brasileiro. Alega-se, de maneira geral,
que a competição desenfreada leva à erosão das finanças públicas de todos os entes,
bem como gera distorções irracionais na economia nacional.
Para Fernando Rezende, as distorções da tributação do ICMS acarretam em
barreiras tributárias à livre circulação de mercadorias no território nacional. Segundo o
autor:
A sustentação destas barreiras induz a decisões ineficientes e à quebra do
princípio da solidariedade nacional. A aquisição de insumos e a distribuição
de mercadorias são fortemente influenciadas pelo planejamento tributário.
Indústrias que agregam pouco valor na elaboração do produto final podem se
beneficiar do deslocamento de suas plantas para regiões onde a alíquota do
ICMS aplicada à aquisição de insumos em outros estados é mais baixa,
principalmente quando o objetivo é incrementar as exportações, uma vez que
essa decisão reduz o risco de acumulação de créditos que não podem ser
integralmente aproveitados. O comércio atacadista dos bens mais fortemente
tributados pelo ICMS concentra-se do outro lado da divisa do estado que
constitui seus principais mercados, fornecedor e consumidor, para aproveitar
a vantagem decorrente do diferencial de alíquotas nas compras e vendas
interestaduais.4
Ainda segundo Fernando Rezende, estas distorções na tributação do ICMS
gerariam dois efeitos perversos, na medida em que retiram o poder de competição ao
mesmo tempo em que incentivam a escolha de soluções economicamente menos
eficientes em relação à competitividade global das economias produtivas5.
Também a imprensa freqüentemente destaca os efeitos negativos da Guerra
Fiscal. Matéria recente da Revista Exame alerta que este fenômeno impõe uma
―logística sem lógica‖ na atividade empresarial brasileira. Segundo a reportagem, uma
vez considerados os incentivos fiscais oferecidos por alguns governos, muitos
itinerários de carga deixam de obedecer à lógica de que um caminho mais curto custa
menos. Ainda, segundo a publicação, torna-se comum que itens importados por
empresas paulistas desembarquem em Santos e sigam de caminhão pelas estradas até
Goiás ou Minas Gerais. Lá recebem um registro local e só então são despachados ao
destino final, em São Paulo. Com esse passeio, a tributação seria inferior à que seria se
o produto fosse recebido diretamente pelo importador em São Paulo. O benefício fiscal
compensaria os quilômetros e o tempo a mais com o transporte e ainda geraria lucro
4
5
REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. P. 105
REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. P. 106
4
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para a empresa. Contudo, contribuiria para o encarecimento do transporte, o desgaste
das estradas, o trânsito e a poluição.6
Por essas e outras razões, a questão tem sido matéria recorrente nas seguidas
Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que procuram implementar a tão almejada
Reforma Tributária.
A título de exemplo, a PEC da Comissão Executiva para a Reforma Fiscal, de
1992 (Governo Collor), propunha a transformação do ICMS num Imposto sobre o Valor
Adicionado (IVA) estadual, com a adoção do princípio de destino nas transações
interestaduais7. Ou seja, o imposto numa transação entre estados seria devido ao estado
de destino, não partilhado com o de origem como é atualmente.
A PEC 175/1995, conhecida como PEC Mussa Demes, por sua vez, pugnou por
uma legislação única e alíquotas uniformes para o ICMS em todo o território nacional,
definidas pelo Congresso, deixando para o Senado a decisão sobre quem ficaria com a
arrecadação em transação interestadual8.
A proposta do Ministério da Fazenda, de 1997, conhecida como proposta Pedro
Parente, então secretário executivo deste Ministério, almejava a extinção do ICMS e a
criação de um novo tributo, denominado Imposto da Federação, partilhado entre União,
Estados e Distrito Federal, e entre estes e seus Municípios, com a competência
legislativa transferida para o Governo Central9.
Por fim, as mais recentes PEC 41/2003 e PEC 233/2008, dos respectivos
deputados Virgilio Guimarães e Sandro Mabel, propunham legislação única e alíquotas
uniformes para o ICMS, em âmbito nacional10.
Não obstante tais propostas não tenham sido aprovadas por motivos políticos dos
quais não caberia se discutir neste trabalho, o tema da Reforma Tributária, inclusa a
questão da Guerra Fiscal do ICMS, não deixa de ser atual, figurando inclusive como
pauta da campanha dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2010.
Recentemente, a ex-ministra chefe da Casa Civil e atual candidata à Presidência pelo
Partido dos Trabalhadores, Dilma Roussef, concedeu entrevista na qual ressaltou que
6
Matéria disponível em:
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0961/economia/so-brasil531219.html?page=1
7
Relatório da CERF (1993)
8
Proposta de Emenda à Constituição nº 175/95. Disponível em www.camara.gov.br
9
Proposta de Emenda à Constituição do Ministério da Fazenda. Disponível em
www.fazenda.gov.br
10
Propostas de Emenda à Constituição ns. 41/2003 e 233/2008. Disponíveis em
www.camara.gov.br.
5
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uma de suas metas seria acabar com a disputa tributária em torno do ICMS. Segundo a
candidata:
"O problema é a superposição de impostos. A confusão que se
cria na própria economia brasileira, quando, por exemplo, em
relação ao ICMS, você tem o mesmo produto tributado
diferentemente no território nacional. É inviável."11
Enfim, fato é que, mesmo já tendo sido amplamente debatido, o tema da
competição tributária em torno do ICMS ainda continua relevante e atual, fazendo jus
ao estudo que se propõe no presente trabalho.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A Guerra Fiscal Do ICMS
O trauma em relação à centralização do poder, decorrente do regime autoritário
imposto no Brasil pós-1964, pode ser constatado no anseio pela democratização em
todas as esferas de governo, com uma força pró-autonomia fiscal dos Estados e
Municípios que se mostrou evidente na Assembléia Nacional Constituinte de 1987.
De acordo com Fernando Rezende, esta demanda por autonomia financeira foi
atendida mediante ampliação das bases tributárias de estados e municípios e forte
ampliação das percentagens da receita dos principais impostos federais repartidas
mediante fundos constitucionais12. No caso dos estados, houve significativa ampliação
da base tributável de ICMS, bem como aumento do coeficiente de distribuição do
Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Este fato acelerou o processo de redução do esforço fiscal da maioria dos estados
e incrementou as iniciativas na disputa fiscal entre os estados para atração de
investimentos e geração de empregos. Embora, anteriormente a 1988, vários estados já
11
Matéria exibida no Jornal Nacional do dia 12.08.2010. Disponível em:
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/08/dilma-rousseff-diz-que-reforma-tributaria-euma-das-suas-prioridades.html
12
REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. P.
83
6
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utilizassem concessões fiscais por meio do ICM, tal mecanismo foi disseminado, de
maneira generalizada, com a maior autonomia dos estados obtida na nova
Constituição13.
Ocorre, no entanto, que, esta Guerra Fiscal se dá por meio da concessão de
incentivos fiscais de maneira ilegal. A Constituição, em seu art. 155, §2º, inciso XII,
alínea g14, estabeleceu que cabe à Lei Complementar regular a forma como tais
incentivos deveriam ser concedidos.
Pois bem, a Lei Complementar nº 24/75 veda as concessões de isenções e outros
incentivos relacionados ao ICMS, salvo quando previstas em convênios celebrados em
reuniões do Conselho de Política Fazendária (CONFAZ) que congrega todos os estados
e o Distrito Federal. A lei determina que a aprovação da concessão de um benefício
dependa de decisão unânime dos estados representados e prevê penalidades em caso de
inobservância de seus dispositivos15.
A concessão de incentivos fiscais de forma unilateral é, portanto,
inconstitucional. Neste sentido, uma pesquisa de jurisprudência no sítio do Supremo
Tribunal Federal (STF) em relação aos diplomas legais que tiveram sua
constitucionalidade questionada por conceder incentivos unilateralmente, bem como a
análise de quadros que mapeiam os benefícios que cada estado concede16 e a análise das
listas de incentivos anexas ao Comunicado CAT nº 36/2004, da Secretaria da Fazenda
do Estado de São Paulo17, possibilitaram a identificação de diversas espécies de
benefícios utilizados na prática da Guerra Fiscal, bem como a conclusão de que a
violação da lei se trata de prática constante e usual por diversos membros da Federação.
Os benefícios identificados em relação ao ICMS foram:
- Prazos especiais para pagamento;
- Isenção total ou parcial;
- Redução da alíquota;
- Redução da base de cálculo;
13
PIANCASTELLI, Marcelo. ICMS: Evolução recente e guerra fiscal. IPEA: 1996. P. 9
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
XII - cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
15
VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem ganha e quem perde. Rio de Janeiro :
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 1997. P. 1
16
Anexo 1.
17
Anexo 2.
14
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- Crédito presumido;
- Desoneração expressa;
- Diferimento;
- Suspensão;
- Restituição total ou parcial;
- Financiamentos vinculados ao imposto.
Segue, abaixo, quadro com os resultados da pesquisa, cujo parâmetro de busca
foi: ―ADI e guerra fiscal‖. Os julgados encontram-se disponíveis no sítio do Supremo
Tribunal Federal: www.stf.jus.br
Caso: ADI 1179/SP
Incentivo questionado: RJ – Lei 2.273/94 – prazo especial (cinco anos) para
pagamento do ICMS
Resultado do julgamento: Procedente
Caso: ADI 1247 MC/PA
Incentivo questionado: PA – Lei 5.780/93 – dá competência ao Executivo para
conceder benefícios fiscais independente do CONFAZ
Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 1.308/RS
Incentivo questionado: RS – Lei 10.324/94 – isenção de ICMS
Resultado do julgamento: Procedente
Caso: ADI 1.978/SP
Incentivo questionado: SP – Lei 10.231/99 – redução, por 75 dias, da alíquota do
ICMS de 12 para 9% em relação a veículos automotores
Resultado do julgamento: Prejudicada – perda de objeto
Caso: ADI 2.021/SP
Incentivo questionado: SP – Lei 10.327/99 – redução, por 90 dias, da alíquota do
ICMS de 12 para 9,5% em relação a veículos automotores
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Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 2.155/PR
Incentivo questionado: PR – RICMS (Decreto 2.736/96) – redução de alíquota, crédito
presumido, concessão de prazos especiais para pagamento, redução da base de cálculo
Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 2.352/ES
Incentivo questionado: ES – Decreto 153-R/00 – crédito presumido de ICMS (100%)
Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 2.376/RJ
Incentivo questionado: RJ – Decreto 26.005/00 – desoneração expressa do ICMS
Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 2.377/MG
Incentivo questionado: SP – Decreto 45.362/00 – Retaliação (Inconstitucionalidades
não se compensam) – desoneração expressa do ICMS em resposta ao ES e ao RJ
Resultado do julgamento: Liminar concedida
Caso: ADI 3.246/PA
Incentivo questionado: PA – Lei 6.489/02 – isenção, redução da base de cálculo,
diferimento, crédito presumido e suspensão do ICMS
Resultado do julgamento: Procedente
Caso: ADI 3.936/PR
Incentivo questionado: PR – Lei 10.689/93 e Decreto 5.141/01 (RICMS) –
possibilidade de retaliação e redução de alíquota
Resultado do julgamento: Cautelar deferida
Como se pôde constatar, a Guerra Fiscal ocorre à revelia da Lei Complementar
nº 24/75 e do CONFAZ e, ao que parece, o mecanismo de combate à mesma tem se
mostrado ineficaz, na medida em que depende da declaração de inconstitucionalidade,
pelo Supremo Tribunal Federal, do diploma legal que concede o incentivo fiscal
unilateralmente.
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Os Estados sistematicamente violam esta dinâmica, concedendo incentivos e,
após declarada a eventual inconstitucionalidade, acabam editando novas leis que
garantam os mesmos incentivos. Neste sentido, Osvaldo de Carvalho:
―No tocante à propositura de ADINs pelos Estados prejudicados
junto ao STF, não raras vezes, quando aquele Tribunal
Constitucional Maior lhes concede liminares favoráveis,
suspendendo a eficácia da medida política (o STF, instado a
manifestar-se sobre a matéria, construiu reiterado entendimento
sobre a inconstitucionalidade da concessão, pelo Estado, de
benefícios fiscais sem Convênio prévio celebrado nas hostes do
CONFAZ), os Estados mudam formalmente o instrumento
legislativo, continuando a conceder os mesmos favores fiscais
sob outra roupagem.‖18
Outra forma utilizada para burlar o sistema é a revogação do diploma antes do
julgamento de sua inconstitucionalidade, de forma que a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) perca seu objeto. Os Estados revogam e, em seguida,
editam nova lei concedendo o mesmo incentivo.
A dinâmica atual acaba gerando, ainda, outras anomalias, que surgem como
forma de repressão à Guerra Fiscal, a exemplo do caso do estado de São Paulo, que
glosa arbitrariamente créditos de operações interestaduais tendo em vista o que foi
escriturado e não-pago por força de benefícios concedidos por outros Estados, a
despeito do entendimento chapado do STF de que ―inconstitucionalidades não se
compensam‖.
Enfim, fato é que a atual sistemática se demonstra ineficaz, de modo que cada
Estado concede o incentivo que bem entende.
Numa federação em que há grandes disparidades sociais e econômicas, é
razoável que se permita a adoção de níveis distintos de tributação para que os Estados
que dispõem de menor infra-estrutura e se localizam mais distantes do mercado
consumidor possam atrair investimento e, conseqüentemente, desenvolvimento. No
entanto, parece não haver razoabilidade em exigir que tais diferenciações dependam de
18
CARVALHO, Osvaldo Santos de. A Guerra Fiscal no âmbito do ICMS. Considerações sobre
os benefícios fiscais e financeiros concedidos pelos Estados e Distrito Federal. P. 31
10
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aprovação unânime de todos os outros membros da Federação, de modo que a dinâmica
atual de concessão de incentivos está desenhada para ser desrespeitada. O ônus para a
concessão de um incentivo dentro da legalidade é tão grande que acaba sendo mais
interessante desrespeitar a lei, fazendo com que esta se torne ―letra morta‖, como no
caso da Lei Complementar 24/75.
Segundo Ricardo Varsano:
―Os 22 anos de vigência e inobservância da Lei Complementar
nº 24/75 autorizam a conjectura de que os estímulos econômicos
prevalecem sobre as disposições legais que coíbem a guerra
fiscal.‖19
A concessão unilateral, embora ilegal, acabou se tornando a regra, até mesmo
porque, como acima descrito, o combate à Guerra Fiscal é ineficaz, de modo que os
Estados vêm sistematicamente concedendo os benefícios fiscais que desejam.
Ao que parece, não há um interesse em que essa sistemática seja modificada, na
medida em que ela permite que cada corpo político estadual faça sua própria política
tributária por meio dos incentivos que entende por bem conceder. A ilegalidade parece
ter se tornado a regra, sendo que os Estados talvez entendam ser mais interessante a
manutenção do “status quo” à uma possibilidade de mudança em que venham a perder
sua capacidade de fazer política tributária.
Mesmo porque os dados mostram que as arrecadações estaduais com o ICMS,
bem como a receita total dos Estados, incluindo-se o montante recebido a título de
fundo de participação, só têm crescido20. Obviamente, tal constatação merece a ressalva
de que outros fatores como o aumento da eficiência da fiscalização, bem como o fato de
que a competição tributária se dá também em relação a empresas que ainda não se
instalaram no Brasil, podem mascarar eventuais perdas que a Guerra Fiscal implique, de
modo que a arrecadação total continue subindo. Mesmo assim, se trata de uma
constatação relevante.
Conforme mencionado, há ainda a questão do aumento do coeficiente de
distribuição do FPE. Para diversos estados brasileiros, a receita advinda de
19
VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem ganha e quem perde. Rio de Janeiro :
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 1997. P. 9
20
Dados obtidos no site do Tesouro Nacional: www.tesouro.fazenda.gov.br
11
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transferências incondicionadas do Governo Federal representa parcela significativa da
receita total. Há casos, inclusive, que o montante recebido à título de transferências é
maior que o total arrecadado com tributos próprios. Desta forma, como os estados não
dependem exclusivamente da arrecadação própria, podem lançar mão de renúncias
fiscais significativas em relação ao ICMS, agravando a questão da Guerra Fiscal.
Para piorar ainda mais a situação, os recursos do FPE são distribuídos por meio
de percentuais fixos, estabelecidos com base no contexto da época em que a Lei
Complementar 62/89, que disciplina os recursos dos Fundos de Participação, foi
editada. Trata-se, portanto, de um critério ultrapassado, que não reflete a realidade
sócio-econômica dos estados brasileiros.
Conforme o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 2º da Lei Complementar
62/8921, os referidos critérios deveriam vigorar até o exercício de 1991, e a partir daí,
novos critérios seriam estabelecido com base na apuração do censo de 1990. No
entanto, tais critérios seguem sendo utilizados até os dias atuais.
Tendo em vista que já não condizem com o contexto sócio-econômico vigente e
que, desta forma, não estariam cumprindo com a função redistributiva de equilíbrio
entre as diversas regiões da Federação, o STF entendeu por julgar o referido artigo
inconstitucional (ementa abaixo), estabelecendo o ano de 2012 como prazo máximo
para o Congresso definir novos critérios.
―EMENTA: Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n.°
875/DF, ADI n.° 1.987/DF, ADI n.° 2.727/DF e ADI n.°
3.243/DF).
Fungibilidade
entre
as
ações
diretas
de
inconstitucionalidade por ação e por omissão. Fundo de
Participação dos Estados - FPE (art. 161, inciso II, da
Constituição).
21
Lei
Complementar
n°
62/1989.
Omissão
Art. 2° Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE serão
distribuídos da seguinte forma:
I - 85% (oitenta e cinco por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
II - 15% (quinze por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Sul e
Sudeste.
§ 1° Os coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal no
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE a serem aplicados até o
exercício de 1991, inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante desta
Lei Complementar.
§ 2° Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, a
vigorarem a partir de 1992, serão fixados em lei específica , com base na apuração do censo
de 1990.
12
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inconstitucional
de
caráter
parcial.
Descumprimento
do
mandamento constitucional constante do art. 161, II, da
Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer
os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com
a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os
entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a
inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do art. 2º,
incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei
Complementar n.º 62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de
dezembro de 2012.
(ADI 875, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, julgado em 24/02/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010
PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-02 PP-00219)‖22
O mecanismo de equalização institucionalizado pelo FPE, portanto, ao invés de
mitigar os efeitos negativos da competição tributária do ICMS, acaba por agravá-los.
Em meio a todo esse cenário complexo e perturbador, as arrecadações estaduais
seguem aumentando ano a ano, quem é o maior prejudicado da Guerra Fiscal?
Conforme dispõe Eurico Marcos Diniz de Santi, o perdedor é o contribuinte:
―Guerra fiscal: contra quem? Nessa tática de guerrilha é o
contribuinte quem cai e sofre no campo de batalha: os Estados
seduzem com incentivos ilegais que mobilizam os contribuintes
para seus territórios, mas os outros Estados buscam caçar os
efeitos de tais incentivos, normalmente relativos ao direito ao
crédito do ICMS, causando dano direto aos contribuintes. Ou
seja, na prática dessa guerra fiscal quem sempre sai perdendo é
o contribuinte que fica iludido por ilegalidades patrocinadas
pelos próprios Estados que fomentam a insegurança jurídica e
subjugando o contribuinte a enfrentar juridicamente, ao mesmo
tempo, o Estado que concede o benefício ilegal e o Estado que
glosa o mesmo benefício em nome da legalidade. Ou seja, nessa
22
Disponível no sítio do STF. <www.stj.jus.br>
13
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guerra fiscal enquanto os Estados e o STF brincam no jogo da
legalidade/ilegalidade, explorando as ineficiências do sistema de
controle de constitucionalidade, quem ―toma bala‖ é o
contribuinte. Talvez isso explique o porquê do prolongamento
dessa guerra sem nenhuma atitude efetiva por parte dos Estados
ou do Senado Federal: não é problema deles, é problema do
contribuinte!‖23
Em suma, o quadro da Guerra Fiscal do ICMS entre os estados brasileiros é um
paradoxo, na medida em que se desenvolveu uma ordem dentro do caos e da
ilegalidade, cujo maior prejudicado é o contribuinte, que sofre não só com a
complexidade tributária gerada, mas também com as distorções que tal fenômeno
acarreta na atividade econômica, como já mencionado.
A situação é, portanto, digna de mudança, de modo que a experiência
internacional poderia dar uma luz do caminho a ser seguido.
2.2 A Experiência Internacional
2.2.1 O Caso Japonês: Monarquia Centralizada
Num modelo de Estado como a Monarquia Constitucional unitária japonesa, o
poder se situa centralizado na mão do Governo Central, de modo que os governos locais
e municipais dispõem de pouca autonomia.
No caso japonês, cabe ao Governo Central a competência para definir os tributos
e alíquotas das ―Prefeituras‖ (equivalentes aos nossos estados) e Municipalidades. O
Governo Central estabelece alíquotas mínimas, máximas e padrão, sendo que as
mínimas e máximas variam muito pouco em relação à padrão, o que resulta em relativa
uniformidade por todo o país. Caso os governos sub-nacionais desejem situar suas
23
SANTI, Eurico de. Reforma Tributária: um ensaio entre percepções, desafios e propostas
rumo ao desenvolvimento nacional. Texto não publicado.
14
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alíquotas acima ou abaixo do padrão, ainda assim não dispõem de autonomia, na
medida em que dependem de aprovação do Ministério de Assuntos Internos24.
Estudos empíricos demonstram que, no caso concreto, os entes sub-nacionais
não cobram alíquotas menores que as alíquotas-padrão, tendo em vista que pela
legislação financeira, quem o fizer fica proibido de emitir títulos locais. Trata-se de um
grande desincentivo, na medida em que os governos locais japoneses dependem
significativamente deste tipo de empréstimo para arcar com suas despesas totais. No
geral, também não determinam suas alíquotas do ―personal tax‖ acima do padrão, pelo
temor de conseqüências eleitorais25.
Soma-se à falta de autonomia dos entes locais a excessiva dependência de
recursos transferidos do Governo Central. No Japão, há culturalmente uma
uniformidade na provisão de serviços e bens públicos pelas ―Prefeituras‖. No entanto,
tendo em vista a vasta gama de serviços que devem ser prestados pelos governos locais,
a arrecadação com impostos locais significa apenas 37.4% de sua receita total. Grande
parte da receita vem de transferências incondicionadas feitas pelo Governo Central
(34.6%). Além destas, ainda há transferências para propósitos específicos que auxiliam
os governos locais com suas despesas.26
Enfim, fato é que este modelo japonês de dominação vertical faz com que a
competição tributária seja bastante limitada, uma vez que os governos locais sequer
possuem autonomia para determinar as alíquotas de seus tributos. Esta constatação
reforça a idéia de que governos centralizados tendem a suprimir a Competição Fiscal
entre os governos locais, na medida em que estes não dispõem dos mecanismos
necessários à prática da mesma.
2.2.2 O Caso Alemão: Federalismo Cooperativo
24
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison.
25
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison
26
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison.
15
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O Federalismo é uma forma de organização política em que o princípio da
independência deve conviver com o da interdependência entre as esferas de poder. A
questão é encontrar o desenho institucional adequado à resolução dos conflitos entre os
níveis de governo, sem destruir a autonomia de cada ente e a conflituosidade inerente
aos pactos federativos.27
Neste sentido, como o Federalismo procura manter a autonomia de cada ente, o
quadro de competição tributária tende a ser bem mais propício que em países
centralizados.
No entanto, existem diversos modelos que procuram explicar o funcionamento
ideal do jogo federativo. Partindo do pressuposto de que a Federação se sustenta a partir
da existência de mecanismos cooperativos e competitivos de atuação, eles se
diferenciam por privilegiar o aspecto competitivo, o cooperativo, ou um meio-termo
entre os dois.
No modelo de federalismo baseado na cooperação, defendido por B. Schwartz, o
Governo Central deve ter sua importância valorizada dentro do sistema federativo. Não
que seja um órgão centralizador, mas sim um compatibilizador das tarefas nos
diferentes níveis de governo. Este modelo crê numa maior integração entre os diferentes
entes federados, resultando em eqüidade de condições28.
Este parece ser o caso do Federalismo Alemão. Para a quase totalidade dos
impostos, os governos subnacionais não têm autonomia para controlar alíquotas e
definição de base29. Trata-se, portanto, de uma situação em que a legislação tributária é
centralizada na competência do Governo Central, de modo que falta autonomia para que
os entes possam se engajar em uma eventual competição tributária.
Trata-se, como visto na introdução, de um modelo já proposto em PECs que
almejavam a Reforma Tributária, mas cujo obstáculo político parece enorme, na medida
em que dificilmente os estados brasileiros estariam dispostos a perder sua atual
competência e capacidade de fazer ―política tributária‖.
2.2.3 O Caso Norte-Americano: Federalismo Competitivo e Judiciário Eficaz
27 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro”. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.
28 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro”. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.
29
PRADO, Sergio. Equalização e federalismo fiscal: uma análise comparada. KonradAdenauer Siftung: 2006. P. 88
16
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Na contramão da cooperação acima tratada, há o modelo competitivo de
Federalismo, proposto por Dye. Neste, a competição entre os entes federados de todos
os níveis contribuiria para uma melhor atuação de todos, de modo que o Poder político
não permaneça centralizado, o que pressupõe uma autonomia dos estados sobre suas
políticas fiscais. A competição para a captação de recursos aqui se dá não só entre os
estados, mas também entre estes e o Governo Central. Dye não apresenta formas para
atenuar as desigualdades, o autor parte da premissa de que todos os entes federados
devem ter igualdade de oportunidades, resultando numa maior eficiência na prestação
de serviços, atingindo assim uma situação de equilíbrio.30
Os Estados Unidos da América aparecem como expoente desta situação, na
medida em que dispõem de um sistema federativo baseado na autonomia e na
competição.
Os entes subnacionais, tanto estados quanto municípios, possuem autonomia e
competência para determinar seus próprios tributos, alíquotas, formas de arrecadação,
procedimentos administrativos. Podem, inclusive, tributar sobre as mesmas bases
tributadas pelo Governo Federal.
O resultado é um quadro de distintas políticas tributárias e de grande diversidade
de alíquotas, como se percebe pelos quadros abaixo31:
30 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro”. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.
31
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison
17
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A autonomia é tamanha que não há qualquer tipo de mecanismo institucional de
equalização. Ou seja, não há sistemas de transferências incondicionadas do Governo
Federal para os estados, nos moldes do FPE, de modo que as receitas dos últimos
dependem exclusivamente de sua própria arrecadação.
Em suma, o ambiente é de total autonomia para a prática da competição
tributária. Ressalte-se, no entanto, que os entes têm um desincentivo enorme para a
prática da renúncia fiscal, na medida em que como descrito, não recebem transferências
sistemáticas do Governo Central.
Importante destacar que, diferentemente do Brasil, a tributação sobre o consumo
tributa, de fato, o consumo, no fim da cadeia, por meio do ―Sales Tax‖, isentando-se as
etapas anteriores. No caso das transações interestaduais, como a tributação é sobre o
consumo, não sobre a produção, o imposto é devido para o estado de destino, diferente
18
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do ICMS, que divide o produto entre o estado de origem e o estado de destino. Este
assunto será melhor explorado adiante, não cabendo maiores elucidações para o
momento.
Enfim, os estados americanos são dotados de todos os meios para a prática da
competição tributária e, até o momento, não há dados empíricos que mostrem que houve
a temida ―race to the bottom‖, o que desmistifica alguns temores em relação à Guerra
Fiscal.
Não obstante, poder-se-ia argumentar que esse quadro de autonomia
generalizada acaba gerando um quadro de grande complexidade tributária para o
contribuinte, na medida em que cada estado e cada município possui um ―sistema
tributário‖ próprio.
É aí que entra o papel do Judiciário, como órgão protetor dos indivíduos contra
as ações do Estado. No caso Quill Corp VS. North Dakota (ementa abaixo), a Suprema
Corte proferiu uma decisão que serve como paradigma da devolução da complexidade
tributária para quem a gera.
―QUILL CORP. v. NORTH DAKOTA, by and through its TAX
COMMISSIONER, HEITKAMP
certiorari to the supreme court of north Dakota
Held:
1. The Due Process Clause does not bar enforcement of the
State‘s use tax against Quill. This Court‘s due process
jurisprudence has evolved substantially since Bellas Hess,
abandoning formalistic tests focused on a defendant‘s presence
within a State in favor of a more flexible inquiry into whether a
defendant‘s contacts with the forum made it reasonable, in the
context of the federal system of Government, to require it to
defend the suit in that State. See Shaffer v. Heitner, 433 U. S.
186, 212. Thus, to the extent that this Court‘s decisions have
indicated that the Clause requires a physical presence in a State,
they are overruled. In this case, Quill has purposefully directed
its activities at North Dakota residents, the magnitude of those
19
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contacts are more than sufficient for due process purposes, and
the tax is related to the benefits Quill receives from access to the
State. Pp. 305–308.
2. The State‘s enforcement of the use tax against Quill places an
unconstitutional burden on interstate commerce. Pp. 309–319.
(a) Bellas Hess was not rendered obsolete by this Court‘s
subsequent decision in Complete Auto, supra, which set forth
the four-part test that continues to govern the validity of state
taxes under the Commerce Clause. Although Complete Auto
renounced an analytical approach that looked to a statute‘s
formal language rather than its practical effect in determining a
state tax statute‘s validity, the Bellas Hess decision did not rely
on such formalism. Nor is Bellas Hess inconsistent with
Complete Auto. It concerns the first part of the Complete Auto
test and stands for the proposition that a vendor whose only
contacts with the taxing State are by mail or common carrier
lacks the ―substantial nexus‖ required by the Commerce Clause.
Pp. 309–312.
(b) Contrary to the State‘s argument, a mail-order house may
have the ―minimum contacts‖ with a taxing State as required by
the Due Process Clause and yet lack the ―substantial nexus‖
with the State required by the Commerce Clause. These
requirements are not identical and are animated by different
constitutional concerns and policies. Due process concerns the
fundamental fairness of governmental activity, and the
touchstone of due process nexus analysis is often identified as
―notice‖ or ―fair warning.‖ In contrast, the Commerce Clause
and its nexus requirement are informed by structural concerns
about the effects of state regulation on the national economy.
Pp. 312–313.
(c)
The
evolution
of
this
Court‘s
Commerce
Clause
jurisprudence does not indicate repudiation of the Bellas Hess
rule. While cases subsequent to Bellas Hess and concerning
20
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other types of taxes have not adopted a bright-line, physicalpresence requirement similar to that in Bellas Hess, see, e. g.,
Standard Pressed Steel Co. v. Department of Revenue of Wash.,
419 U. S. 560, their reasoning does not compel rejection of the
Bellas Hess rule regarding sales and use taxes. To the contrary,
the continuing value of a bright-line rule in this area and the
doctrine and principles of stare decisis indicate that the rule
remains good law. Pp. 314–318.
(d) The underlying issue here is one that Congress may be better
qualified to resolve and one that it has the ultimate power to
resolve. Pp. 318–319.‖ 32
Este julgamento determinou que os ―remote sellers" (vendedores que utilizam
internet, serviços postais, entre outros) são isentos de recolher o ―Sales and use tax‖
para vendas em Estados em que não possuam presença física, uma vez que não é
razoável que conheçam todas as legislações de todos os Estados e municipalidades para
os quais eles vendem, bem como por não haver nexo substancial entre eles e os Estados
em questão.
A complexidade não é suportada pelo contribuinte, sendo devolvida aos Estados.
Para que possam cobrar o Sales Tax, o Congresso terá que regulamentar a questão das
transações interestaduais, de modo que se estabeleça um ambiente no qual seja razoável
a cobrança do tributo.
Essa decisão, somada ao fato de que as vendas pela internet aumentaram
substancialmente, faz com que bilhões de dólares não sejam recolhidos. Tendo isso em
vista, os Estados têm despendido esforços para uniformizar as legislações a respeito do
Sales Tax (Streamlined Sales Tax Agreement), para viabilizar sua cobrança no futuro.
O Projeto tende à simplificação tributária por meio de: definições tributárias
uniformes; fiscalização e arrecadação mais simples e uniformes; simplificação de
alíquotas; competência estadual para o ―Sales Tax‖; financiamento estatal dos custos
administrativos33.
32
Disponível no site da Suprema Corte
Streamlined
Sales
Tax
http://www.streamlinedsalestax.org/
33
Agreement
Governing
Board.
Sítio:
21
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Núcleo de Estudos Fiscais
Em termos jurídicos, o principal argumento da decisão da Suprema Corte no
caso ―Quill Corp. VS. North Dakota‖ é que um vendedor, cujo único contato com o
Estado de destino da mercadoria se dá por serviço postal ou transportador, carece do
―nexo substancial‖ exigido pela ―Commerce Clause‖ da Constituição.
Esta ―Commerce Clause‖ limita a competência tributária dos Estados para
assegurar que o comércio interestadual não sofra limitações indevidas. Desta forma, a
enorme variedade de alíquotas, isenções e legislações administrativas implicaria que o
―remote seller‖ se afundasse num mar de obrigações complexas, impondo uma
limitação indevida.
Para que o ―nexo substancial‖ seja verificado, é preciso que o vendedor possua
alguma presença física no Estado em questão, como escritório, planta industrial ou
vendedores.
Um dos argumentos do Estado de North Dakota era que os tempos mudaram e
que o critério da presença física já não se aplica, tendo em vista o advento do comércio
eletrônico. Em relação a este argumento, a Suprema Corte disse que o critério da
presença física permanece e que se os tempos mudaram, quem tem a competência para
tratar do tema é o Congresso. Enquanto o Congresso não legislar no sentido de
regulamentar como e quando o comércio interestadual por serviço postal pode ser
taxado, os Estados não podem lançar mão desta tributação.
Desta forma, embora 23 Estados (Arkansas, Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky,
Michigan, Minnesota, Nebraska, Nevada, New Jersey, North Carolina, North Dakota,
Ohio, Oklahoma, Rhode Island, South Dakota, Tennessee, Utah, Vermont, Washington,
West Virginia, Wisconsin e Wyoming) já tenham adotado a uniformização da legislação
do ―Sales Tax‖ ao aderirem ao ―Sales Tax Agreement‖, o Congresso ainda não tratou da
questão, de modo que os ―remote sellers‖ seguem isentos da obrigação de pagar este
tributo.
Segundo informações do Conselho Administrativo do ―Streamlined Sales Tax‖,
1.200 empresas já pagaram mais de 468 milhões de dólares de ―Sales Tax‖ aos Estados
do Tratado de forma voluntária. Mas isso não seria nada em relação ao tanto que segue
isento pela falta da legislação federal34.
34
Streamlined Governing Board. Sítio: http://www.streamlinedsalestax.org/
22
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A idéia do Tratado, portanto, é de que agora que os Estados simplificaram a
cobrança do ―Sales Tax‖, o Congresso já pode passar uma legislação que permita a
tributação dos ―remote sellers".
O que chama atenção nesse contexto é o fato de a complexidade não ser ônus do
contribuinte, mas dos próprios estados que dela são os criadores. A partir do momento
que os estados sentem ―no próprio bolso‖ os custos do problema, há interesse e
mobilização política no sentido da simplificação.
2.2.4 O Caso Canadense: Federalismo Misto Entre Competição E Cooperação
Retomando as classificações quanto aos modelos de federalismo, há, finalmente,
o modelo competitivo-cooperativo, que prevê um meio-termo entre a cooperação e a
competição, de modo que se obtenha os melhores resultados. Este modelo, proposto por
Elazar e Ostrom e defendido no Brasil por Abrucio e Costa, acredita que ao se
estabelecer somente competições nas relações intergovernamentais, o resultado é um
esvaziamento total do papel do Poder Central, pois este teria que disputar espaço com os
demais entes federados, resultando não em um Estado federal com unidades internas
autônomas, mas sim em diversos Estados se digladiando. Dessa forma, a dicotomia
existente entre a cooperação e competição demonstra a necessidade de constantes pactos
entre os entes federados. Por isso, as instituições se tornam tão importantes no jogo
federativo. A estratégia dos jogadores é procurar institucionalizar as negociações, a fim
de manter, ao mesmo tempo, a diversidade e a unidade (Abrucio e Costa)35.
Enfim, a cooperação encontra-se presente na origem e no desenvolvimento do
arranjo federativo, influenciando, permanentemente, a relação entre a União e os
estados e, destes, entre si. Entretanto, a cooperação não pode ser pretexto para a
intervenção do governo federal na esfera estadual, ou permitir a criação de qualquer
hierarquia federativa entre os entes federados. A competição é resultado natural da nãocentralização do modelo federalista. As diversas unidades territoriais possuem poderes
para disputar os recursos necessários para o seu desenvolvimento econômico e social. O
ambiente competitivo, porém, não deve inibir a formação de arenas políticas
35 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro”. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.
23
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cooperativas e a elaboração de projetos compartilhados entre as unidades da
federação36.
O Canadá parece adotar esse sistema misto entre competição e cooperação As
províncias canadenses são dotadas de relevante autonomia tributária, na medida em que
a Constituição lhes outorga competência para instituir impostos diretos, inclusive sobre
a mesma base tributável pelo Governo Central, como no caso do Imposto sobre a Renda
e o Imposto sobre Produtos e Serviços. Ademais, as Províncias podem determinar a
alíquota dos impostos que cobram, de modo que possuem os instrumentos necessários à
prática do ―Tax Competition‖.
Como resultado, tem-se um quadro de relativa diferenciação no que diz respeito
aos impostos cobrados e à arrecadação, como exemplificado na Tabela abaixo37:
36 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro”. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1998.
37
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison
24
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Essa autonomia é, no entanto, acompanhada de um sistema institucionalizado de
Cooperação, na medida em que as Províncias assinaram em 1994 o ―Agreement on
Internal Trade‖, que possui um Código de Conduta38 para disciplinar a questão dos
incentivos fiscais. Segundo este Código, as Províncias reconhecem que o
desenvolvimento econômico dentro de seus territórios pode incluir a concessão de
incentivos, mas se comprometem a não conceder qualquer tipo de subsídio que, de
alguma forma, implique em realocação de uma operação existente de alguma empresa
para outra Província39. Ademais, dispõem que devem esforçar-se para evitar a
concessão de incentivos que (i) sustentem, por um longo período, operações não-viáveis
economicamente que afetem a competitividade de outras empresas; (ii) aumentem a
capacidade em setores cujo aumento não é justificável pelas condições de mercado; (iii)
sejam excessivos em relação ao valor do projeto para o qual são concedidos40.
Para garantir o enforcement em relação aos incentivos que são proibidos as
Províncias dispõem de um mecanismo de solução de controvérsias pela instauração de
Painéis, semelhante ao sistema da Organização Mundial de Comércio. Caso uma
Província entenda que outra esteja desrespeitando o disposto no Código, pode
inicialmente lançar mão da Consulta. Se o conflito não for resolvido por Consulta, pode
ser instaurado um Painel.
Em relação às disposições que devem ser evitadas, no entanto, não caberia o
mecanismo de solução de controvérsias, na medida em que não se trata de uma
obrigação propriamente dita, mas algo como uma recomendação com vocabulário vago
e de pouca aplicação prática. Neste sentido:
―In any event, these vague obligations to "endeavour" are not
subject to the dispute settlement process of the Internal Trade
Agreement. Whether, these obligations are subject to dispute
38
Documento Anexo.
“4. No Party shall provide an incentive that is, in law or in fact, contingent on, and would
directly result in, an enterprise located in the territory of any Party relocating an existing
operation to its territory or to the territory of any other Party.”
40
The Parties shall endeavour to refrain from providing an incentive that:
(a) sustains, for an extended period of time, an economically non-viable operation whose
production adversely affects the competitive position of a facility located in the territory of
another Party;
(b) increases capacity in sectors where the increase is not warranted by market conditions; or
(c) is excessive, either in absolute terms or relative to the total value of the specific project for
which the incentive is provided, taking into account such factors as the economic viability of the
project and the magnitude of the economic disadvantage that the incentive is designed to
overcome.
39
25
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settlement or not seems to be of little significance,
since GATT dispute settlement was ineffective in applying such
vague obligations.‖41
Mesmo para o caso dos incentives proibidos, a literatura chama atenção para
algumas dificuldades práticas em relação ao enforcement:
―Yet the Code of Conduct on Incentives raises complex
analytical questions with the approach it takes to the subsidy
issues. On the one hand, incentives explicitly linked to
relocation of investment from one province to another are
prohibited, yet these incentives are permitted if it can be shown
that the incentives only offset the cost advantages to relocation
outside Canada. Obviously, this type of determination involves
complex analytical issues about which of these economic effects
is dominant in a particular case. The lack of institutional
capacity is an obstacle to the functioning of the Code of Conduct
for Incentives.‖42
Além da adoção do Código de Conduta, o Canadá ainda dispõem de outros
mecanismos de cooperação que visam reduzir os impactos da Competição Tributária,
como a institucionalização de um programa de equalização administrado pelo Governo
Federal, o qual apóia as Províncias que se situem abaixo da capacidade média de
arrecadação de todas as 10 províncias por meio de transferências.43
Enfim, o Canadá adota um sistema de harmonização com autonomia para as
Províncias, uma espécie de federalismo que possibilita a competição, mas a limita por
meio de mecanismos institucionais de cooperação.
41 DEMMERS, Fanny. Subsidies to Investment and the Fragmentation of the Canadian
Economic Union.
42
DEMMERS, Fanny. Subsidies to Investment and the Fragmentation of the Canadian
Economic Union
43
WON, Dong Ah et. al. Sub-Central Tax Competition in Canada, the United States, Japan, and
South Korea. Robert M. La Follette School of Public Affairs. University of Wisconsin-Madison.
26
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2.2.5 O Caso Europeu: Auto-regulação Voluntária
Embora a União Européia não possa ser formalmente considerada uma
Federação, ela se aproxima muito desse conceito. Supondo se tratasse de um
federalismo, com os países-membros representando os entes subnacionais, a União
Européia se aproximaria do modelo competitivo-cooperativo, assim como o Canadá.
Isto na medida em que os países-membro são autônomos do ponto de vista
fiscal, cada um com seu sistema tributário e sua legislação própria, mas todos
submetidos a mecanismos institucionais de controle que procuram mitigar eventual
competição tributária prejudicial (―harmful tax competition‖).
A União Européia dispõe de um Código de Conduta44 para tributação, que
contesta medidas (legislativas, regulatórias e administrativas) que afetem ou possam
afetar de maneira significativa a localização de empresas dentro da Comunidade. Como
cada país-membro é soberano, este código não possui força de Lei. No entanto, não
deixa de ser eficaz, na medida em que tem uma força política muito grande.
Segundo este Código, os países membros se comprometem à (i) revisar as
medidas fiscais que constituem competição tributária predatória, reformando-as de
acordo com os princípios estabelecidos no Código (―rollback‖); e (ii) não adotar
medidas deste tipo no futuro (―standstill‖). Os critérios utilizados para identificar se
uma medida é prejudicial são os abaixo elencados45:
- nível efetivo de tributação significativamente menor que o comumente adotado
no país em questão;
- benefício fiscal concedido para não-residente;
- incentivos fiscais para atividades isoladas da economia nacional e que,
portanto, não possuem impacto na base arrecadatória;
- concessão de benefícios mesmo na ausência de real atividade econômica;
- base para determinação dos lucros em grupos multinacionais se afasta das
adotadas por regras internacionais, em especial as da OCDE;
- falta de transparência.
Para assegurar o cumprimento do disposto, foi criado o ―Code of Conduct
Group‖, que identifica as medidas prejudiciais, dando prazo para que sejam
44
45
Documento Anexo.
Site da união européia.
27
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reformuladas. Este grupo se reporta regularmente ao Conselho de Ministros de Finanças
da União Européia.
O caso europeu é, portanto, um modelo de auto-regulação sem enforcement
legislativo, mas com alto valor político, de modo que não perde sua eficácia.
2.2.6 Análise de Seminário da OCDE Sobre Competição Tributária Entre Entes
Subnacionais
Nos dias 31 de maio e 1º de Junho de 2010, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), juntamente com o Ministério das Finanças da
Suíça, organizou, em Berna, um Seminário para discutir o tema da competição tributária
entre entes subnacionais, contando com representantes dos seguintes países: Áustria,
Bélgica, Brasil, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Japão, Polônia, Portugal,
Espanha, Coréia do Sul, Suíça, Turquia, Estados Unidos e União Européia. Alguns
destes representantes apresentaram, sinteticamente, o quadro de competição em seus
países.
As conclusões teóricas contidas no Relatório46 sintético sobre o encontro, bem
como as informações disponibilizadas por cada representante, chamam a atenção para
aspectos interessantes a respeito da competição fiscal entre entes subcentrais.
A respeito dos fatores que afetam este tipo de competição fiscal, os mais
relevantes identificados no Seminário foram:
(i) a questão da autonomia fiscal – a autonomia é um ingrediente essencial para
que haja competição fiscal, na medida em que quanto maior, mais potencial há para a
prática da competição;
(ii) a estrutura tributária – a competição fiscal se mostrou intensa em relação aos
impostos de renda, tanto para pessoa física quanto para jurídica, mas diferentemente do
Brasil, há pouca competição em relação ao imposto sobre o consumo;
Tratando dos impactos que a competição fiscal entre os entes subnacionais
acarreta, a conclusão mais interessante foi que a despeito do alto nível de autonomia e
46
Summary report: Seminar on sub-central Tax competition, organised by the OECD Fiscal
Relations Network and the Swiss Ministry of Finance. Disponível em:
http://www.oecd.org/document/34/0,3343,en_2649_35929024_45469346_1_1_1_1,00.html
28
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competição verificado em países como o Canadá e os EUA, as alíquotas não tiveram um
comportamento de ―race to the bottom‖, o que desmistifica muito do comumente
alegado em relação à competição fiscal.
Por fim, quanto às medidas tomadas com o intuito de mitigar eventuais efeitos
negativos da competição, destaca-se:
(i) o estabelecimento de limites institucionais à competição – a Itália possui um
sistema de limitação à competição entre suas 20 (vinte) regiões semelhante ao do Japão,
já explicitado. Isto na medida em que o Governo Central estabelece alíquotas padrão
para o Imposto de Renda e o IVA, de modo que as regiões podem variar suas próprias
alíquotas em um ponto percentual para mais ou para menos do padrão. Trata-se de uma
limitação na autonomia, na medida em que o âmbito de ação no sentido da competição é
bastante limitado, pois um ponto percentual na alíquota tem se mostrado menos
importante para a alocação de empresas dentro do território italiano do que outros
fatores como proximidade do mercado consumidor, oferta de bens públicos, infraestrutura, entre outros. Ademais, há um fator determinante para a competição no que diz
respeito às regiões do Sul da Itália, que são reconhecidamente menos desenvolvidas e
mais carentes, com o que teriam mais incentivos para a prática da redução de suas
alíquotas. Como estas regiões apresentam constantes déficits em suas contas públicas, o
Governo Central determinou que devem obrigatoriamente se situar acima da alíquota
padrão, com o que mitiga a competição tributária exatamente onde ela mais poderia
ocorrer47.
(ii) harmonização das bases tributárias - no geral, os países analisados no
Seminário, à exceção dos EUA, possuem um desenho institucional interessante à prática
da competição tributária entre os entes subnacionais. Isso porque a competição se dá nas
alíquotas, uma vez que as bases tributárias são harmonizadas por regulamentação do
Governo Central. Neste aspecto destacam-se os exemplos do Canadá, da Suíça, que a
despeito da grande autonomia das suas províncias e cantões, respectivamente, fazem
com que a competição se dê na alíquota, por meio de bases tributárias harmônicas em
relação a interpretações, definições, isenções, entre outros. Também a Finlândia adota
bases harmônicas para a competição entre as municipalidades, com o que estas só
possuem autonomia para determinar as alíquotas;
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MARÈ, Mauro. Tax competition and fiscal federalism in Italy. Paper presented at the OECD
conference on Tax competition between sub-central governments. Bern: 2010
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(iii) mecanismos de equalização – a adoção de mecanismos de equalização é
adotada por grande parte dos países para reduzir os efeitos negativos da competição
tributária. A equalização funciona de duas maneiras: reduz, ex ante, os incentivos para
que os entes subnacionais compitam, e equaliza, ex post, eventuais disparidades
consideradas excessivas. O caso da Finlândia merece destaque, pois dispõe de um
sistema de equalização cujo cálculo leva em conta a alíquota média das municipalidades
e a base real individual, sendo que os municípios que se situarem muito acima do
resultado devem transferir parte do excedente ao fundo equalizador. Neste sentido, há
um desincentivo à atração desenfreada de bases tributárias por meio de alteração de
alíquotas, desviando a competição para outros campos como a oferta de serviços e infraestrutura. A Suíça, por sua vez, dispõe de um mecanismo que leva em conta a base
tributária e as necessidades de gasto, o que diminui os incentivos para um
comportamento predatório. Enfim, fato é que a adoção de sistemas de equalização tende
a mitigar os efeitos negativos da competição tributária.
3. CONCLUSÃO
A análise a respeito da forma como outras nações tratam a questão da
competição tributária entre seus entes subnacionais permitiu a conclusão de que a
competição não deve ser vista necessariamente sob um ponto de vista pejorativo, como
o caso da Guerra Fiscal. Conforme já mencionado na introdução, a competição também
possui aspectos positivos, dentre os quais, a aproximação das políticas públicas locais
com a preferência dos residentes e o estabelecimento de freios ao crescimento da
atividade estatal.
A competição tributária é, portanto, uma questão política, de modo que ocorre
em maior ou menor grau de acordo com o nível de autonomia dado aos entes
subnacionais e com os mecanismos institucionais utilizados para incentivá-la ou refreála. Isto na medida em que a competência para determinar alíquotas, estabelecer tributos
e sua administração, ou até para conceder incentivos fiscais de caráter específico, vai
depender do grau de autonomia e descentralização do poder decisório que o desenho
institucional do modelo de Estado permitir.
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Ao que parece, o Brasil procura um modelo misto de cooperação e competição,
na medida em que institui um sistema em que se garante a competência estadual para o
principal imposto sobre o consumo (ICMS), ao mesmo tempo em que se estabelece um
mecanismo que depende de aprovação de todos os entes federados para a concessão de
renúncias fiscais em relação a este imposto.
Tentar passar para um mecanismo de maior cooperação, por meio da
federalização do ICMS, por exemplo, como já tentaram em Proposta de Emenda à
Constituição, não parece ser o caminho desejável politicamente no Brasil.
Ocorre, no entanto, que a atual sistemática é constantemente desrespeitada, com
o que resta provado que simplesmente proibir, ou condicionar a concessão de incentivos
à aprovação unânime no CONFAZ não adianta.
Deve-se portanto, buscar outro mecanismo para mitigar os efeitos negativos da
Guerra Fiscal do ICMS.
A análise da experiência internacional demonstrou que a competição tributária
ocorre geralmente em relação aos impostos de renda, não em relação aos impostos de
consumo. Isto porque, no geral, nas operações interestaduais adota-se o princípio do
destino, de modo que o valor arrecadado fica com o estado onde o produto é consumido,
não o produtor.
No Brasil, há um misto entre produção e consumo. Este é, exatamente, o maior
problema da Guerra Fiscal do ICMS. Isto porque ao dividir a tributação das transações
interestaduais entre os estados de origem e de destino, o fato de haver tributação na
origem faz com que este imposto, que deveria ser sobre o consumo, acabe incidindo
sobre a produção. Deste modo, como há tributação na produção, um estado X pode
conceder incentivos que reduzam tanto o custo de produção de uma empresa que seja
interessante que ela se mude para o estado em questão. A despeito, inclusive, de uma
hipótese em que este estado não disponha de infra-estrutura adequada e se situe longe
do mercado consumidor, aumentando os custos com logística, transporte, entre outros.
Se o ICMS fosse transformado num imposto que tributasse somente o consumo,
adotando-se o princípio de destino nas transações interestaduais, os incentivos fiscais
concedidos unilateralmente, à revelia da lei, perderiam seu poder de atração de
investimento, com o que a competição tributária teria que se dar de uma maneira muito
menos distorcida, mitigando-se os efeitos nefastos da Guerra Fiscal.
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Esta solução passa longe de ser inovadora. Ricardo Varsano, em texto datado de
1997, já apontava tal entendimento:
―Do ponto de vista nacional, o ICMS é hoje um imposto sobre o
consumo; mas, da ótica de cada estado, ele é um híbrido, parte
imposto sobre a produção do estado e parte sobre o seu
consumo. Como a mobilidade dos fatores de produção,
especialmente a do capital, é muito maior que a dos
consumidores, o imposto sobre a produção é arma muito mais
poderosa na guerra fiscal que o de consumo. A minimização do
estímulo para dela participar requer que se transforme o ICMS
em um imposto sobre consumo também do ponto de vista do
governo estadual. Para tanto, basta adotar o princípio de destino
para a tributação dos fluxos de comércio interestaduais, a
exemplo do que já se faz no comércio exterior.
Adotar o princípio de destino significa eliminar a alíquota
interestadual do imposto. Isto feito, todos os produtos destinados
ao consumo em determinado estado — sejam eles produzidos no
próprio estado, em outro ou no exterior — geram arrecadação
exclusivamente para aquele estado; e bens ali produzidos,
destinados a outros estados ou ao exterior, não são por ele
tributados.
Esta sistemática não elimina de todo a guerra fiscal, mas impõe
fortíssima restrição à eficácia dos incentivos do ICMS. Como
todas as saídas de mercadorias destinadas a outros estados ou ao
exterior não são tributadas, elas não servem de base para a
concessão de incentivos; e como a Constituição veda aos estados
estabelecer diferença tributária entre bens em razão de sua
procedência ou destino, não há como privilegiar o consumo de
bens produzidos no estado. A única forma possível de conceder
benefício fiscal para atrair empreendimentos é a redução do
imposto a recolher, cujo valor agora depende do volume de
vendas da empresa para dentro do estado. Evidentemente,
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somente as empresas que pretendam dirigir a sua produção
primordialmente para este mercado poderão ser atraídas.
Ademais, elimina-se a hipótese — que, como se viu, existe
atualmente e não é mera curiosidade teórica, pois efetivamente
ocorre — de um estado conceder incentivo e outro pagar a
conta.‖48
O modo de solucionar o problema da Guerra Fiscal já é conhecido há tempo, o
problema é conseguir superar as barreiras políticas que impedem sua implementação.
Isto porque a manutenção do ―status quo‖ parece ser interessante tanto para os estados
produtores quanto para os estados mais pobres e distantes do mercado consumidor. Para
os estados produtores porque exportam para o país todo, logo, é interessante que parte
da alíquota fique na origem. Para os estados pobres, porque dentro da dinâmica atual de
desrespeito à lei, conseguem atrair investimento através de renúncia fiscal ilegal que
diminui substancialmente os custos de produção.
Como já mencionado, quem sofre com o quadro atual é o contribuinte. Enquanto
o custo for arcado por ele, as propostas de Reforma Tributária seguirão esbarrando no
custo político de uma alteração drástica no Sistema. Como ressalta Richard Bird:
―grandes mudanças na estrutura tributária são geralmente
possíveis somente quando há algum tipo de crise. Somente
nestes momentos é possível superar a oposição política e a
inércia administrativa que normalmente bloqueam alterações em
matérias ‗semi-constitucionais‘ como a distribuição dos custos
do governo.‖49
A esperança é confiar no chamado período de ―lua-de-mel‖ que sucede as eleições
presidenciais, no qual ainda não se estabeleceu forte oposição frente ao novo eleito, de
modo que há um índice maior de aprovação de grandes projetos. A atual candidata do
Partido dos Trabalhadores, como mencionado na Introdução, já disse que uma de suas
pautas é a reforma do ICMS. Resta saber se conseguirá aprová-la.
48
VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem ganha e quem perde. Rio de Janeiro :
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 1997. p. 9
49 BIRD, Richard M., “Tax Reform in Latin America: A Review of Some Recent Experiences”. Latin American Research Review, Vol. 27, No. 1
(1992), pp. 7-36
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a guerra fiscal do icms sob uma perspectiva comparada de