o PLANEJAMENTO
E A GESTÃO DAS CIDADES
EM UMA PERSPECTIVA AUTONOMISTA
Marcelo
Lopes
de Souza"
The planning and management of cities from an autonomist perspective
. explicit discussion of the practical means
In this paper urban development
to achieve an autonomous society. As
is defined in relation to collective and
autonomy is not an all-or-nothing matter;
individual autonomy. As proposed by
it is necessary
to transform
the
Cornelius Castoriadis, autonomy is the
ability of an individual to shape his/her
philosophical notion of autonomy imo a
scientific concept whicb can function as
life freely, and on the basis of equal
a criterion for lhe evaluation of planning
opportunity; and lhe possibility given lo
itself and of public policies. This paper
a group to govem itself without externai
tries to make more operational the idea
oppression from other groups iculturaiiy
of autonomy by discussing indicators of
or politically
defined]
or from
as well as the
interference from above {oppressive and . urban development
potentialities and problems of Brazilian
exploitative structures; metaphysically"politicized planning ". The viewpoint of
defined laws and norms).
the author is that instruments
and
Castoriadis'
contribution
to
criticai theory is a fundamental one for
practices
of urban planning
and
management shruld be evaluated, first,
it provides a radical departure from both
and foremost,
for their capacity lo
capitalism conservatism and Marxism.
What it does not provide, however; is an
support autonomy.
Introdução: ilusões e desafios a prop6sito
da renovação do planejamento e da gestão urbanos
Há três décadas fala-se sobre a "crise do planejamento urbano". Aquilo
a que se imputa a causa dessa crise tem variado conforme o observador;
sempre houve, porém, esperança de que o paciente se recuperasse de sua
• Professor do Departamento de Geografia da UFRJ e pesquisador do CNPq.
O autor deseja agradecer a Demóstenes Andrade de Moraes e Pablo Ortellado por sua leitura
crítica de uma versão anterior deste artigo.
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, na 8, pp. 67-100, janJjun., 2000
enfermidade - e receitas de cura não faltaram. Correntes renovadoras tentaram ora injetar mais cientificidade e "racionalidade" no planejamento (systems
planning; rational view approach', ora mais democracia e pluralismo (a
exemplo do "planejamento advocatício?", ora mais humanismo e "senso de
comunidade" (no estílo de Jane Jacobs", ora mais sustentabilidade ecológica
(corrente atual do "desenvolvimento urbano sustentãvel'": Mesmo dentro ou
nas vizinhanças da esfera de influência do pensamento marxista, onde durante
os anos 70 e 80 a reação predominante ao planejamento, da parte de sociólogos e geógrafos urbanos, foi uma recusa generalizante e uma infantíl ojeriza
à própria palavra, surgiram tentativas de reciclar o planejamento urbano: é o
caso, particularmente, do "planejamento politizado" (expressão de RIBEIRO e
CARDOSO [1990]) ou "alternativo", inspirado pelo ideário brasileiro da Reforma Urbana, e dos "novos planos diretores" dele derivados, desenvolvidos a
partir de fins dos anos 80.
No entanto, toma-se a cada dia mais evidente que o destino desses
esforços de renovação ou reconversão acabou sendo o de frustrar, em
maior ou menor medida, os seus protagonistas, na proporção exata das
suas expectativas. O planejamento regulatório convencional enfraqueceuse gradualmente na esteira do debilitamento do welfare state e, em países
(semi)periféricos como o Brasil, da débâcle do "Estado desenvolvimentista".
Embora o planejamento regulatório não tenha desaparecido por completo,
um outro tipo de planejamento, associado por BRINDLEY et ai. (1989),
em seu estudo sobre a experiência inglesa durante o governo Thatcher, a
três variantes específicas (trend planning; leverage planning e privatemanagement planning), e visto por HARVEY (1989) como um componente do estilo
de governança
urbana
por ele denominado
de
entrepreneurialism
("empresarialismo"
ou "empreendedorismo"),
vem
emergindo, sendo hoje hegemônico em muitos lugares. O planejamento
empresarialista representa, em larga medida, uma negação "pela direita" do
planejamento regulatórioc1ássico
- para muitos o planejamento por excelência. Já não se trata mais, nesse planejamento empresarialista,
e diversamente do regulatório,
de - conforme denunciaram
os sociólogos e
geógrafos marxistas a partir do começo da década de 70 - servir indiretamente e a longo prazo o status quo capitalista, ainda que, eventualmente,
1 Uma boa discussão desses dois enfoques - algumas vezes confundidos inadvertidamente pode ser encontrada em TAYLOR (1998).
2 Ver, por exemplo, DAVIDOFF (1973).
J Ver,de Jane Jacobs, o clássico The Deatb and Life 01 Great American Cities (J ACOBS, 1972).
4 Bons exemplos
desse enfoque são STREN et ai. (orgs.) (1992), WHITE (1994) e
SATTERTHWAITE (1997).
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100,janJjuD.,
2000
Em meio a essas tendências, o "desenvolvimento urbano sustentável"
não é mais do que uma resposta tímida e, em última instância, inócua. No
fundo, a sua versão hegemônica não é outra coisa que uma tentativa de
"atualização ecológica" do padrão capitalista de "desenvolvimento" urbano (vide,
para uma exposição menos sintética do argumento, SOUZA [1998]). Se a
idéia-força central do planejamento urbano regulatório convencional era e é
simplesmente a modernização do espaço urbano (complementada por outras
idéias-força como ordem, racionalidade etc.), no "desenvolvimento urbano
sustentável" a idéia-força central passa a ser uma espécie de modernização
combinada com proteção ambiental. Basta ver que, para o mainstream da
corrente do "desenvolvimento sustentável" em geral (a começar pelo Relatório
Brundtland [COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988]), longe de se problematizar o modelo social capitalísta, tem-se o crescimento econômico, de maneira simplista, na conta de um
remédio imprescindível, sem o qual a pobreza não poderá ser mitigada. Cabe
salientar, a respeito da pobreza e dos conflitos sociais, que eles são, via de
regra, examinados pelos sustentabilistas com o auxílio de categorias vagas,
devendo-se a preocupação com a pobreza parcialmente à sua usual característica de ser um fator de degradação ambientaL Viciado na origem por essa
tensa mistura de ecocentrismo e acriticismo perante a essência do modelo
social capitalista, o "desenvolvimento urbano sustentável" não avança para
além de apelos morais, recomendações técnico-tecnológicas e uma aposta na
sobrevivência de um Estado de tipo keynesiano, capaz de regular a expansão
urbana e investir na preservação do meio ambiente.
De sua parte, o chamado New Urbanism, surgido nos Estados Unidos
no final da década de 80, não passa de uma alternativa conservadora aos
suburbs, forma de assentamento de baixa densidade típica do entorno das
grandes cidades .americanas, normalmente elitizada e que reúne moradias
unifamiliares, complexos de apartamentos, shopping centers e conjuntos de
escritórios. Inspirado em padrões urbanísticos de antes da Segunda Guerra
Mundial, o New Urbanism "procura reintegrar os componentes da vida modermesmo sociedades tribais e grupos de caçadores e coletores "planejam" sua vida e suas
atividades). Como bem exprimiu Carlos Matus: "{s]e planejar é sinônimo de conduzir conscientemente, não existirá então alternativa ao planejamento. Ou planejamos ou somos escravos
da circunstância. Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceitálo seja ele qual for." (MATUS, 1996, tomo I, p, 14) Além disso, o próprio Estado capitalista,
não sendo um mero "comitê executivo da burguesia", mas sim uma "condensação de uma relação
de forças entre classes e frações de classe" (POULANTZAS, 1985:147), como admitiram
marxistas mais sofisticados, pode ser redirecionado para servir de plataforma para alguns
avanços sociais e polftico-pedagógicos.
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100, janJjun., 2000
Em meio a essas tendências, o "desenvolvimento urbano sustentável"
não é mais do que uma resposta tímida e, em última instância, inócua. No
fundo, a sua versão hegernônica não é outra coisa que uma tentativa de
"atualização ecológica" do padrão capitalista de "desenvolvimento" urbano (vide,
para uma exposição menos sintética do argumento, SOUZA [1998]). Se a
idéia-força central do planejamento urbano regulatório convencional era e é
simplesmente a modernização do espaço urbano (complementada por outras
idéias-força como ordem, racionalidade etc.), no "desenvolvimento urbano
sustentável" a idéia-força central passa a ser uma espécie de modernização
combinada com proteção ambiental. Basta ver que, para o mainstream da
corrente do "desenvolvimento sustentável" em geral (a começar pelo Relatório
Brundtland [COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988]), longe de se problematizar o modelo social capitalista, tem-se o crescimento econômico, de maneira simplista, na conta de um
remédio imprescindível, sem o qual a pobreza não poderá ser mitigada. Cabe
salientar, a respeito da pobreza e dos conflitos sociais, que eles são, via de
regra, examinados pelos sustentabílistas com o auxílio de categorias vagas,
devendo-se a preocupação com a pobreza parcialmente à sua usual característica de ser um fator de degradação ambiental. Viciado na origem por essa
tensa mistura de ecocentrismo e acriticismo perante a essência do modelo
social capitalista, o "desenvolvimento urbano sustentável" não avança para
além de apelos morais, recomendações técnico-tecnológicas e uma aposta na
sobrevivência de um Estado de tipo keynesiano, capaz de regular a expansão
urbana e investir na preservação do meio ambiente.
De sua parte, o chamado New Urbanism, surgido nos Estados Unidos
no final da década de 80, não passa de uma alternativa conservadora aos
suburbs, forma de assentamento de baixa densidade típica do entorno das
grandes cidades .americanas, normalmente elitizada e que reúne moradias
unifamiliares, complexos de apartamentos, shopping centers e conjuntos de
escritórios. Inspirado em padrões urbanísticos de antes da Segunda Guerra
Mundial, o New Urbanism "procura reintegrar os componentes da vida moder-
mesmo sociedades tribais e grupos de caçadores e coletores "planejam" sua vida e suas
atividades). Como bem exprimiu Carlos Matus: "[sle planejar é sinônimo de conduzir conscientemente, não existirá então alternativa ao planejamento. Ou planejamos ou somos escravos
da circunstância. Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceitálo seja ele qual for." (MATUS, 1996, tomo I, p. 14) Além disso, o próprio Estado capitalista,
não sendo um mero "comitê executivo da burguesia", mas sim uma "condensação de uma relação
de forças entre classes e frações de classe" (POULANTZAS, 1985:147), como admitiram
marxistas mais sofisticados, pode ser redirecionado para servir de plataforma para alguns
avanços sociais e político-pedagógicos.
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
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na - habitação, local de trabalho, fazer compras e recreação - em bairros de
uso misto, compactos, adaptados aos pedestres, unidos por sistema de tráfego"
(CONGRESS OF NEW URBANISM, 1999). Pouco crítico em relação ao
mercado, o New Urbanism sequer pode ser visto como um legítimo descendente do planejamento regulat6rio clássico, tendo, na verdade, mais afinidade
com o comunitarismo à la Jane Jacobs; de fato, trata-se de uma vertente "neotradicionalista".
Entre as correntes com pretensões reformistas que deslancharam nos
anos 90, o "planejamento politizado" ou "alternativo" brasileiro, derivado do
ideário da Reforma Urbana, parece ser o que mais avançou, apesar dos pesares. O debate anglo-saxão, tão orgulhoso de si mesmo, permanece circunscrito a opções nada convincentes, como um "planejamento comunicativol
colaborativo" possuidor de um discurso ambíguo, embalado por um sonho de
construção de amplos consensos e subestimador da profundidade das contradições sociais e de suas implicações políticas,' e um "planejamento rawlsiano"
ainda limitado ao terreno das propostas e discussões teóricas e não menos
ambíguo, em decorrência da fraqueza crítica de sua base metateórica (a Teoria
da Justiça de John Rawls)." Quanto às experiências concretas, o quadro não
é mais entusiasmante: o community planning e os esquemas usuais de
"participação popular" no planejamento urbano no Reino Unido são, o mais
das vezes, simplesmente consultivos; nos EUA, Clarence Stone admitiu que
exemplares do tipo de regime urbano progressista que ele denominou de
1 Exemplares representativos desse "planejamento comunicati vo/colaborativo", que reclama
a "Teoria do Agir Comunicativo" de HABERMAS (1981,1990) como fonte de inspiração,
são HEALEY (1995, 1996, 1997, 1998) e INNES (l995). Observe-se que sem o estabelecimento da redução de desigualdades e da crescente democratização da gestão das cidades
como prioridades, a apologia de um "planejamento colaborativo" fundamentado na comunicação (HEALEY, 1997, 1998) é, para dizer o mínimo, presa fácil para uma instrumentalização conservadora. Ou bem o propósito da "colaboração" é evitar a violência e a
superação de preconceitos entre os distintos grupos de interesse no contexto de um estilo
de governança que encara uma maior justiça social como a mais alta prioridade, ou bem
"colaboração" não é nada mais que um sonho de harmonia irrealista, o qual contribui para
a estabilização de um estilo de governança que serve, acima de tudo, aos interesses dos
grupos dominantes. Ressalve-se, porém, que não seria inteiramente justo culpar Habermas
por essa fraqueza; ele sabe, provavelmente muito melhor que a maioria dos "planejadores
comunicativos", que a existência de um agir e uma racionalidade comunicativos têm como
premissas liberdade e eqüidade.
H Um representante dessa vertente é Shean McCONNEL (1995). Deve-se salientar que a teoria
da justice as faimess de RAWLS (l972) carece de imunização apropriada contra certas facetas
da heteronomia estrutural, como divisões de classe em uma sociedade capitalista. Como outros
autores (por exemplo, DANIELS [1975]) já evidenciaram, a teoria de Rawls justifica determinadas desigualdades econômicas e pressupõe uma subestimação da extensão em que essas
desigualdades minam ou impedem o exercício da liberdade.
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"devotado à expansão de oportunidades
para a classe desprivilegiada"
(devoted to /ower class opportunity expansion) "são largamente hipotéticos" (STONE, 1993:20).
A comparação acima não pretende sugerir, todavia, que a experiência brasileira seja um mar de rosas; muito longe disso. Os "novos planos
diretores" da cepa do "planejamento politizado" brasileiro têm tropeçado
em muito mais obstáculos do que previa a maioria de seus inspiradores."
O planejamento social-reformista
vem, aos poucos, sendo esmagado pelo
peso de tudo aquilo que tem subestimado por força de um certo resíduo
tecnocrático ("tecnocratismo de esquerda" [SOUZA, 1998]): da crise dos
movimentos sociais urbanos à fragilidade técnica da maioria das prefeituras, da cultura política não-participativa à força de inércia do tecnocratismo
enraizado
nos quadros técnicos das administrações
municipais.
Em
contrapartida, a importância dos planos e dos instrumentos de planejamento
alternativos tem sido grandemente exagerada, especialmente em virtude da
escassez de análises mais exigentes das condições sociais (econômicas,
culturais e institucionais) de exercício do poder local. Curiosamente, esse
planejamento alternativo, caracterizado por uma objeção ao vício racionalista
de se trabalhar com uma cidade ideal em detrimento da confecção de
instrumentos adequados ao enfrentamento dos problemas da cidade real,
com suas situações de informalidade e mesmo ilegalidade, tem apresentado
uma certa carência de realismo no que tange à sua leitura da viabilidade
de se conquistar uma Reforma Urbana com base em planos diretores. De
que adianta, por exemplo, elencar os municípios onde as leis orgânicas ou
planos diretores preconizam a aplicação de instrumentos progressistas sob
os ângulos da coibição da especulação imobiliária, da redução da segregação residencial e da democratização da gestão urbana (IPTU progressivo,
"solo criado", contribuição de melhoria, fundo de desenvolvimento urbano
etc.), sem que se proceda a uma avaliação em profundidade da forma
como os instrumentos estão previstos e estão (se é que estão) sendo efetivamente implementados nos municípios considerados'I!" De todo modo,
quando se começa a perceber a verdadeira dimensão do desafio. a falta de
um referencial metateórico (político-filosófico
e ético) adequado tem conUma advertência a esse respeito havia sido já feita em SOUZA (1993).
Vide RIBEIRO (1995), onde foram sumariados os resultados de uma pesquisa que examinou
as leis orgânicas e os planos diretores dos 50 municípios brasileiros mais populosos. Embora
o trabalho deixe perceber que há disparidades entre as legislações no que toca à consistência,
isso foi insuficientemente explorado no material publicado, cujo tom permanece por demais
otimista. Uma análise um pouco mais madura e cautelosa dos resultados da mesma pesquisa
está contida em CARDOSO (1997).
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e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
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denado vários analistas à desorientação ou mesmo a uma postura derrotista,
uma vez que a realidade tem sido madrasta: não é fácil descobrir vitórias
incontestes colhidas pela línha social-reformista.'!
O panorama é. por conseguinte, pouco animador, no que concerne à
existência de alternativas viáveis. Essa situação é, contudo, facilmente explicável. As fundações materiais e institucionais do velho planejamento regulatório
(a saber, um Estado com uma capacidade no mínimo apreciável de regular e
investir) vão aos poucos se esfarelando, o que deixa o terreno livre para que
se vá desenhando um planejamento empresarialista que, por contraste, quase
deixa seu antecessor com uma aura de progressista; entrementes, a intelligentsia
de esquerda nada consegue produzir a não ser soluções técnicas sustentadas
por um referencial metateórico desfibrado. desinteressado em conceber algo
para além dos limites postos pela fórmula constitucional da "função social" da
propriedade privada (cf. Art. 182 da Constituição Federal de 1988 [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, 1999]) e incapaz de propiciar um embasamento
interpretativo arrojado da dinâmica sócio-espacial no Brasil urbano. A dimensão técnica, por assim dizer, e a despeito da linhagem crítica de que descendem
os "planejadores politizados", é explorada sem uma correta contextualização,
pautada em um exame profundo das relações sociais. Sem disposição para
atualizarem o velho discurso pseudo-revolucionário de rejeição niilista do planejamento, mas também desprovidos de um horizonte político-filosófico que
lhes permita oferecer uma resposta a um só tempo contundente e realista ao
quadro de aguçamento de contradições, os planejadores social-reformistas
arriscam-se a uma crescente irrelevância.
As tarefas técnicas e os obstáculos políticos de curto e médio prazos não
devem obscurecer a visão no que toca aos desafios estruturais, de longo prazo;
tampouco devem asfixiar o reconhecimento pleno de que a discussão dos
instrumentos de planejamento precisa se dar nos marcos de uma análise densa
e realista dos problemas locais, nacionais e globais. Tomando o Brasil urbano
como exemplo - pois, se o enfoque advogado neste trabalho tem uma
aplicabilidade muito mais ampla, de outra parte é para o Brasil que se voltam
as preocupações mais imediatas do autor - e considerando também a escala
11 O projeto de lei do Plano Diretor do município de São Paulo, preparado durante a gestão
de Luiza Erundina (1989-1992), é um documento tecnicamente muito bem elaborado, a ponto
de ter servido de modelo para muitos outros planos progressistas pelo Brasil afora (cf, DIÁRIO
OFICIAL DO MUNICfPIO DE SÃO PAULO, 1991); não obstante, isso não impediu a
Câmara Municipal de rejeitá-lo. A experiência de Angra dos Reis, bastante citada na literatura
(ver GUIMARÃES e ABICALlL, 1990; GUIMARÃES, 1997), foi, de sua parte, uma vitória
apenas parcial. O Plano Diretor do município do Rio de Janeiro, votado em 1992 e razoavelmente progressista (cf. CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 1992), acabou tendo
a esmagadora maioria de seus instrumentos não regulamentada até hoje.
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internacional e sua dinâmica, é imprescindível examinar intensamente problemas típicos de um país capitalista semiperiférico, como uma democracia representativa frágil e viciada por uma cultura política autoritária, além de outros
tantos obstáculos, menos ou mais específicos: apatia e desmobilização no interior da sociedade civil. mediocridade dos partidos políticos de esquerda, dificuldades financeiras dos municípios etc. Todos esses aspectos necessitam ser
integrados em benefício de avaliações estratégicas e táticas pragmáticas e
ousadas ao mesmo tempo. Só assim poder-se-á falar de uma concepção de
planejamento e gestão urbanos verdadeiramente alternativa em relação às
abordagens que dão suporte ao modelo social capitalista. A perspectiva
autonomista apresentada e discutida ao longo deste artigo pretende possuir as
credenciais para desempenhar esse papel, e é disso que se tentará persuadir
o leitor nas páginas que seguem.
1. Autonomia e perspectiva autonomista
Para os leitores que não estão familiarizados com a Filosofia de Cornelius
Castoriadis, a expressão "perspectiva autonomista" decerto soa intrigante e
enigmática. Com o fito de se evitarem desde já mal-entendidos, faz-se mister,
portanto, oferecer um conjunto de esclarecimentos acerca do conteúdo de
alguns termos-chave, precedidos por breves comentários sobre a obra de
Castoriadis.
Cornelius Castoriadis, nascido em 1922 em Istambul no seio de uma
família grega, cresceu e educou-se em Atenas. A guerra civil em que a Grécia
mergulha, após a Segunda Guerra Mundial. determinará sua saída do país rumo
à França em 1945, país onde desenvolverá uma das mais fecundas obras
filosóficas do século XX e onde permaneceu até sua morte, em 1997. Formado
em Direito, Economia e Filosofia, dono de uma imensa erudição que abrangeria
ainda campos como a Lingüística e a Psicanálise, Castoriadis foi, inicialmente,
sobretudo um militante de esquerda. Ligado ao trotskismo em meados dos anos
40, momento em que já iniciara uma crítica implacável do totalitarismo stalinista,
ele abandona o movimento trotskista em 1948, ano em que funda, ao lado de
outros ex-militantes, a lendária revista e o grupo homônimo Socialisme ou
Barbarie. No decorrer dos anos 50 e 60 Castoriadis se afasta mais e mais do
próprio marxismo, até a ruptura definitiva em meados da década de 60.
De acordo com Castoriadis, as democracias representativas ocidentais
são, na realidade, "oligarquias liberais", as quais encarnam um gap estrutural
entre uma minoria de poderosos (os dirigentes) e uma maioria de cidadãos
ordinários (os dirigidos): esferas decisórias são largamente fechadas à partici-
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
75
pação do público, O déficit de accountability democrática é gigantesco, a
informação que é trazida ao conhecimento das massas é não raro filtrada e
mesmo manipulada e o Estado garante a reprodução da ordem econômica e
política existente por meio de seu monopólio legal da violência (vide, entre
outros trabalhos: CASTORIADIS, 1999). Dirá, a esta altura, um marxista: "até
aí, nenhuma novidade". Deveras. A questão é que o marxismo, aos olhos de
Castoriadis, não foi capaz de propor uma alternativa convincente ao capitalismo e à democracia representativa. No marxismo, a resistência contra a desigualdade estrutural na distribuição da riqueza gerada pela sociedade deu ensejo
a uma crítica das relações de produção capitalistas, mas tipicamente não
originou qualquer objeção às forças produtivas associadas ao modo de produção capitalista. O desenvolvimento da humanidade necessariamente deveria
incluir a utilização do legado tecnológico do capitalismo, o qual, em si mesmo,
haveria de ser reputado como positivo. O grande e verdadeiro problema seria
que essa. tecnologia se encontraria gerida por mãos erradas e de um modo
errado (em proveito de poucos e não de todos) - problema esse que a classe
trabalhadora, guiada pelo Partido Comunista, iria se encarregar de resolver, ao
promover a revolução que poria fim à divisão de classe e à exploração do
trabalho pelo capital. Mesmo a propósito das relações capitalistas de produção
e da "superestrutura" que colabora para a sua manutenção, a alternativa marxista
foi muito limitada, sob um ângulo libertário; as respostas à questão da organização da produção em uma sociedade "socialista" permaneceram repletas de
deficiências e contradições, e doutrinas e estratégias como o "centralismo
democrático" leninista e a idéia de um "Estado socialista" estabelecido por
meio de uma "ditadura do proletariado" revelaram a dimensão autoritária do
marxismo mesmo antes da entrada em cena do stalinismo. Como Castoriadis
mostrou, todos esses problemas são sintomas da presença de "significações
imaginárias sociais?" capitalistas no pensamento marxista, inclusive, em certa
medida, já no pensamento do próprio Marx (CASTORIADIS, 1975; 1978;
1985).
Sob o ângulo político-filosófico, o ápice da multifacetada obra intelectual
de Castoriadis foi uma seminal contribuição para a "refundação" da democracia: a (re)colocação e lúcida defesa do projeto de autonomia. Nessa emprei12 "Significações imaginárias sociais" correspondem a um conceito que desempenha um papel
central na obra filosófica de Castoriadis. Ele não admite nem ser reduzido ao conceito marxista
de ideologia ("falsa consciência") nem propriamente ser empregado como sinônimo do amplo
conceito antropológico de cultura; tampouco podem as significações imaginárias sociais ser
vistas como representando meramente "imaginação" (no sentido de irrealidade). Significações
imaginárias sociais são muito reais em sua efetividade; elas correspondem aos valores societais
nucleares (crenças, mitos, visões de mundo ...) que fornecem um "sentido" para o mundo de
cada sociedade particular e modelam a psiquê dos indivíduos (vide CASTORIADIS, 1975).
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 8, pp. 67·100, janJjuD., 2000
tada ele se deixou inspirar tanto pela herança grega clássica no que conceme
à democracia direta quanto pela experiência do movimento operário, notadamente a experiência dos conselhos operários e o debate em tomo da auto gestão
da produção pelos trabalhadores, a propósito do que autores anarquistas e
mesmo um "comunista conselhista" como PANNEKOEK (1975) já haviam
dado uma relevante contribuição anteriormente. O grande mérito de Castoriadis
foi o de ter sustentado, com uma coerência ímpar, duas frentes de batalha
simultaneamente: ao mesmo tempo em que apontou, com uma acuidade muito
superior à dos teóricos do empowerment da sociedade civil e da maior democratização do sistema político sob o capitalismo (como FRIEDMANN [1992]
e HELD [1996]), os limites estruturais da moderna democracia representativa,
refutou o marxismo teoricamente e denunciou-o politicamente como tendo se
convertido em uma nova ideologia a serviço da opressão de uma minoria sobre
uma maioria. Especificamente no que diz respeito à herança grega clássica,
decerto que Castoriadis reconhecia que à democracia antiga faltou o necessário componente universalista, ingrediente introduzido no Ocidente muitos séculos mais tarde; ele não subestimava a escravidão e o status social inferior das
mulheres como sendo os calcanhares-de-aquiles
da pális (CASTORIADIS~
1996a: 192-3). Não obstante essa restrição, a Grécia clássica assistiu não somente ao "co-nascimento" da Filosofia (ou seja, o questionamento lúcido e
explícito da tradição) e da política (isto é, a deliberação explícita sobre, assim
como o lúcido esforço de modificação das leis, normas e instituições), mas,
sobre essa base mesma, igualmente ao nascimento da democracia e, mais
amplamente, da autonomia (CASTORIADIS, 1986b; ver, também, 1986ae 1996c).
A idéia de autonomia engloba dois sentidos inter-relacionados: autonomia
coletiva, ou o consciente e explícito autogovemo de uma sociedade dada,
o que depreende garantias político-institucionais, assim como uma possibilidade
material efetiva (o que inclui o acesso a informação suficiente e confiável) de
igualdade de chances de participação em processos decisórios relevantes no
que toca aos negócios da esfera pública; e autonomia individual, isto é, a
capacidade de indivíduos particulares de realizarem escolhas em liberdade, com
responsabilidade e com conhecimento de causa (o que, obviamente, depende
tanto de circunstâncias estritamente individuais e psicológicas quanto de fatores políticos e materiais). Mais que interdependentes, autonomia individual e
coletiva são, com efeito, os dois lados de uma mesma moeda. O inverso da
autonomia, a heteronomia, corresponde a uma situação onde as leis (latissimo
sensu) que regem a vida de uma coletividade são impostas a alguns, via de
regra a maioria, por outros, via de regra uma minoria, nos marcos de uma
assimetria estrutural de poder, de uma separação institucionaJizada entre dirigentes e dirigidos.
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
77
Uma sociedade autônoma, enfim, é uma sociedade que se "auto-institui"
sobre os fundamentos da liberdade tanto em relação a constrangimentos de
ordem metafísica (por exemplo, leis e normas fundadas em dogmas religiosos),
que bloqueiam a lucidez e transferem parcelas de responsabilidade pela condução da vida social das motivações e do agir humanos para uma esfera
transcendente ("vontade de Deus", "karma" etc.), quanto em relação à opressão política (CASTORIADIS, 1975; 1983; 1986b; 1990b; 1996c; 1997). Não se
deve, porém, confundir a sociedade autônoma visada pelo projeto de autonomia
com uma sociedade "perfeita", um "paraíso terreno", no estilo da mítica "sociedade comunista" preconizada pelo marxismo. Uma sociedade basicamente
autônoma significa, isso sim, uma sociedade onde a separaçãoinstitucionalizada
entre dirigentes e dirigidos e a opacidade e mutilação da esfera pública que
disso derivam foram abolidas. A esse respeito, a seguinte passagem constitui
um esclarecimento lapidar:
Uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas
para sempre. Uma sociedade justa é uma sociedade onde a questão da
justiça permanece constantemente aberta, ou seja, onde existe sempre a
possibilidade socialmente efetiva de interrogação sobre a lei e sobre o fundamento da lei. Eis aí uma outra maneira de dizer que ela está constantemente
no movimento de sua auto-instituição explícita. (CASTORIADIS, 1983:33; grifo
do próprio Castoriadis)
Para Castoriadis, a despeito da rica experiência do movimento operário
e das importantes lições extraídas de sua história, a nenhuma classe ou grupo
deve ser atribuído um privilégio absoluto no que conceme à tarefa de construir
uma sociedade mais justa e autônoma. Superar a exploração de classe, desafio
que remete em primeiro lugar à esfera da produção, foi considerado por ele
como algo de crucial, mas não necessariamente como mais importante que o
enfrentamento de outros desafios, tais como a opressão de fundo étnico ou de
gênero e a natureza anti-ecológica do capitalismo. Conseqüentemente, ele
dedicou grande atenção à contribuição política dos "novos movimentos sociais",
ao mesmo tempo em que rejeitava uma perspectiva estreita do conflito social
e da dominação, incapaz de enxergar além da "luta de classes" e de valorizar
devidamente
questões não diretamente
ligadas à esfera da produção
(CASTORIADIS, 1985).
A autonomia é, para o autor do presente artigo, considerada como o
princípio e parâmetro central para a avaliação de processos e estratégias de
mudança sócio-espacial - o que inclui a promoção do desenvolvimento urbano
por meio do planejamento e da gestão. Sem embargo, para que possa ser
78
Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100, janJjun., 1000
efetivamente útil para fins concretos no âmbito da pesquisa empírica, bem
como da avaliação de políticas e estratégias, a idéia castoriadiana de autonomia
precisa ser desdobrada e detalhadamente articulada com outros ingredientes da
problemática da mudança social positiva. O próprio Castoriadis não se ocupou
dessa tarefa, concentrado que estava em um patamar muito mais geral -:- o
desbravamento filosófico da questão da autonomia. Entretanto, revestir o projeto de autonomia de um maior apelo prático, naturalmente que sem emasculálo, é uma tarefa imprescindível tanto sob o ângulo da pesquisa científica empírica
como sob o ângulo da prática política, uma vez admitido que a conquista da
autonomia não é uma questão de "tudo ou nada" (como se se tratasse de
confundir a mudança social com o momento dramático da "revolução" em sua
acepção marxista e leninista, tudo O mais sendo irrelevante
ou puro
diversionismo), mas sim um processo histórico complexo.
2. Parametrizando o desenvolvimento urbano
A rigor, esta seção bem poderia chamar-se "parametrizando o desenvolvimento sócio-espacial". Realmente, trata-se, aqui, de fornecer indicações que
permitam conferir maior operacionalidade ao conceito de desenvolvimento sócioespacial formulado e discutido pelo autor em trabalhos anteriores (SOUZA,
1996; 1997a; 1997b; 1998) - o qual tem por fundamento, precisamente, a idéia
e o projeto de autonomia -, em um nível adequado às necessidades de estudos
científicos empíricos, assim como do desenho pormenorizado de estratégias de
intervenção, isto é, de planejamento e gestão. Ademais, estratégias de âmbito
municipal, tais como as consignadas nas leis de planos diretores, não devem
perder de vista que, mesmo em municípios onde as atividades agrárias são
economicamente pouco importantes ou mesmo residuais, sua importância social
pode ser assaz significativa. Impõe-se, principalmente, a necessidade de se
encontrarem mecanismos apropriados de proteção a cinturões verdes e estímulo à agricultura periurbana, potencialmente tão importantes para o abastecimento das cidades; isso demanda uma grande atenção para com uma problemática, a da esterilização maciça de solos agricultáveis a reboque da especulação imobiliária e da expansão urbana, onde os espaços urbano e rural se
acham entrelaçados. O alcance da essência da discussão metodológica que se
segue é. por conseguinte, geral, e não restrito ao espaço urbano, posto que as
preocupações imediatas do autor, sua experiência de trabalho e o assunto deste
texto vinculam-se todos. basicamente, ao meio citadino.
o Planejamento e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
79
2.1. Constructos, princípios e parâmetros
A autonomia (levando em conta, conjuntamente, a autonomia individual
e a coletiva, as quais, como já se disse, são os dois lados da mesma moeda)
possui tanto um valor instrumental quanto um valor intrínseco. O valor instrumental da autonomia refere-se à liberdade para fazer coisas; já o seu
valor intrínseco diz respeito ao prazer do exercício da liberdade como um
valor em si mesmo.
De um ponto de vista operacional, propõe-se que a autonomia seja
entendida, em virtude de sua importância, como um parâmetro subordinador.
O papel preeminente atribuído à autonomia explica-se à luz do pressuposto de
que o caminho democraticamente mais legítimo para se alcançar mais justiça
social e uma melhor qualidade de vida é quando os próprios indivíduos e grupos
sociais específicos definem os conteúdos concretos e estabelecem as prioridades com relação a isso. Por isso é que a defesa da autonomia pode e deve
ser, ademais, tida como um princípio básico. Registre-se, ainda, que a defesa
da autonomia, para ser eticamente válida como princípio libertário, deve ser
assumida por cada um não apenas para si. mas para todos os indivíduos; a
maximização da autonomia de alguns indivíduos ou grupos em detrimento de
outros não passa de egoísmo e corporativismo, o que só reforça a heteronomia
ao nível da sociedade.
Justiça social e qualidade de vida são consideradas. aqui, como parâmetros
subordinados (subordinados à autonomia enquanto parâmetro) mutuamente
complementares. Por que complementares? Porque uma maior liberdade efetiva para todos, embora configure um aumento de justiça social, não se traduzirá, necessariamente, em um melhor desempenho de alguns ou muitos fatores de qualidade de vida; por seu turno, um aumento de qualidade de vida
apenas ou principalmente para os mais privilegiados em uma sociedade
heterônoma muito menos é defensável, de um ponto de vista autonomista.
Em tempo: subordinarjustiça social e qualidade de vida, como parâmetros,
à autonomia, não equivale a pô-las no mesmo plano. Se a autonomia tem a ver
com o controle democrático dos processos decisórios e com a ausência de
opressão, é evidente que a justiça social deriva da autonomia, ou é dela uma
instância. O mesmo não se pode dizer da qualidade de vida, pois a igualdade
política e um processo decisório livre e transparente não conduzem, por si sós,
obrigatoriamente, a bons resultados. Não obstante, embora uma melhor qualidade de vida não seja. diversamente da justiça social genuína, propriamente
derivada do princípio de defesa da autonomia, não é ilógico pretender subordinar a qualidade de vida à autonomia, ainda que de modo sutil e indireto.
Afinal, conquanto melhorias de qualidade de vida, assim percebidas pelos pró-
80
Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100, janJjun ••2000
prios indivíduos, não sejam incompatíveis com um modelo social heterônomo,
não se deve perder de vista que, em tais circunstâncias: 1) quanto menor for
a autonomia individual, mais difícil será a satisfação de diversas necessidades
humanas; 2) a heteronomia constatável no plano coletivo sabota, incessantemente, a possibilidade de uma qualidade de vida substancialmente melhor para
a maioria da população, a despeito das ilusões imbecilizantes disseminadas por
uma ideologia exaltadora da modernização e do consumismo.
Acresce que cada um desses dois parâmetros subordinados deve ser
visto como estando vinculado, por vocação, a uma esfera diferente da vida
social. A justiça social está relacionada com a esfera pública, que é a esfera
do debate e da deliberação legislativos e em tomo da administração dos negócios da coletividade - debate e deliberação essas que, em uma sociedade
autônoma, hão de se dar em consonância com o princípio da maior igualdade
efetiva possível de condições para participação nas tomadas de decisão como
na ecclesia da pôlis grega clássica, a assembléia dos cidadãos -, ao passo que
a qualidade de vida, da mesma maneira que "felicidade", remete fundamentalmente à esfera privada - ao oikos dos gregos, isto é, à casa, à família -, pois
a definição e a percepção do que seja qualidade de vida pode variar de
indivíduo para indivíduo (isto, evidentemente, em que pese o fato de que as
preferências e possibilidades dos indivíduos são influenciadas e condicionadas
por processos e instituições situados no nível da sociedade). Observe-se, ainda,
que, em uma verdadeira democracia, a justiça social dirá respeito também a
uma outra esfera, a esfera privada/pública, que é aquela da discussão pública informal e do estabelecimento de contratos privados - simbolizada, na pólis
democrática, pelo espaço da ágora, misto de mercado e local de reunião (ver,
sobre a clara distinção entre essas três esferas da vida social em uma democracia autêntica CASTORIADIS, 1996c).
Conquanto justiça social e qualidade de vida sejam ambos parâmetros
substantivos, eles são, porém, ao mesmo tempo constructos extremamente
abstratos. Isso significa dizer que, só com a ajuda deles, pouco se pode fazer
para conferir ao enfoque autonomista do desenvolvimento urbano maior
operacionalidade, capaz de revelar satisfatoriamente a sua utilidade para a
análise de processos sociais e a avaliação de propostas de intervenção. Destarte,
justiça social e qualidade de vida devem ser tratados como parâmetros subordinados gerais, os quais necessitam ser especificados. Essa complementação
é lograda desdobrando-se cada um dos dois parâmetros subordinados gerais
em parâmetros subordinados particulares. Exemplos de parâmetros subordinados particulares associados à justiça social são o nível de segregação
residencial, o grau de desigualdade socioeconômica e o grau de oportunidade
para participação cidadã direta em processos decisórios relevantes. Exemplos
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
81
de parâmetros subordinados particulares associados à qualidade de vida são
aqueles relativos à satisfação individual em termos de saúde, educação etc.
Por fim, podem ser identificados parâmetros singulares, que representam uma singularização, conforme as circunstâncias temporais e espaciais
concretas, dos parâmetros subordinados particulares. A forma como o comportamento de um determinado parâmetro subordinado particular poderá ser avaliado, no âmbito de uma dada cultura ou sociedade, em relação a um certo
grupo ou conjunto de grupos sociais, em um determinado espaço e em um dado
momento histórico, exige uma concretude ainda maior que aquela permitida
pelos parâmetros particulares. Tanto os particulares quanto os singulares são
relativos às circunstâncias, mas os singulares, por serem menos abstratos (são,
de fato, fundamentalmente concretos), variarão mais que os particulares. Ambos,
particulares e singulares, não devem ter seu conteúdo definido "de cima para
baixo", mas sim pelos próprios indivíduos, direta ou indiretamente, sobre os
fundamentos da autonomia como princípio. Não caberá ao analista especificar
os parâmetros particulares e singulares válidos para a avaliação de uma situação concreta sem, de alguma forma, levar em conta, ainda que criticamente,
a vontade dos indivíduos e grupos envolvidos, especialmente por meio de inquéritos. Em um contexto menos acadêmico e mais político, os resultados de
esquemas de participação popular no planejamento e na gestão urbanos,
onde os cidadãos possam manifestar suas preferências e deliberar de acordo
com elas, bem podem substituir os surveys para fins de definição ou calibragem
de parâmetros. 13
2.2. A questão da hierarquia de objetivos e parâmetros
Existe uma relação hierárquica entre os parâmetros? É possível falar de
desenvolvimento s6cio-espacial quando houver ganhos relativos aos parâmetros
subordinados sem que haja ganhos quanto aos parâmetros subordinadores (por
exemplo, menos poluição ou menos pobreza sem maior liberdade)? Considerando-se o desempenho de alguns parâmetros particulares e singulares específicos, sim, é possível. No entanto, com muitas ou muitíssimas reservas, pois se
trata de um ganho não defensável quando se alargam os horizontes analíticos
(longo prazo e grande escala). O que significam melhorias materiais coexistin13 É lógico que isso não autoriza a concluir que os pesquisadores devem abrir mão de meditarem
sobre as condições e os fatores que influenciam a justiça social e a qualidade de vida na cidade.
Por exemplo, a reflexão do urbanista Kevin LYNCH (1994) sobre o que ele denominou as cinco
"dimensões de performance" do espaço urbano (vitality, sense, fit, access e control) é especialmente estimulante para um esforço de discussão daquilo que se está a chamar, aqui, de
parâmetros subordinados particulares.
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Revista Território. Rio de Janeiro. ano V. n° 8, pp. 67·100. JanJjun .• 2000
do com uma tutela política das elites sobre o restante da sociedade? Significam
"alimentar melhor o cavalo": os homens são "melhor tratados", "melhor adestrados" ou ainda "acariciados" no âmbito de relações heterônomas. Assim
encarados os indivíduos são, por conseguinte, "animalizados", ao serem tratados à maneira de bichos de estimação ou animais de trabalho. Ou, para usar
uma analogia menos chocante: os indivíduos são infantilizados, conseqüência
natural de qualquer tutela.
Daí não ser razoável postular que haja um desenvolvimento sócio-espacial pleno ou autêntico se o melhor desempenho de alguns parâmetros subordinados particulares, notadamente os basicamente relativos à esfera privada.
não se faz acompanhar por melhorias do desempenho de outros parâmetros
subordinados particulares, diretamente dependentes do que se passa na esfera
pública (instituições garantidoras ou não de significativa justiça social). e, no
limite, por melhorias no desempenho do parâmetro subordinador. Daí. também,
ser importante o pesquisador manter o seu senso crítico, ao mesmo tempo em
que se recusa a subir, com arrogância, no pedestal dos experts, com o seu
"discurso competente"!": ele deve ser capaz e ter a coragem de alertar para
a ilusão e as armadilhas de melhorias em alguns parâmetros em detrimento de
outros, mesmo que isso o leve a ir contra a opinião corrente.
Um complemento imprescindível dessas ponderações é que a eficiência
econômica e os objetivos econômicos em geral não devem ser considerados
fins em si mesmos. A eficiência econômica é. para o autor deste trabalho,
meramente um meio a serviço do aumento da justiça social e da melhoria da
qualidade de vida - e somente no caso de realmente contribuir para esses fins
é que a eficiência econômica poderá ser, a partir de uma perspectiva autonomista.
considerada como moralmente aceitável. Isso contrasta vivamente com a ideologia economicista do desenvolvimento capitalista, onde objetivos econômicos
como crescimento, modernização tecnológica e do espaço urbano e ganhos de
eficiência passam a ser perseguidos, ao frigir dos ovos, como fins em si
mesmos - o que se coaduna com a satisfação dos interesses econômicos e
não-econômicos dos grupos dominantes, mas não do restante da sociedade.
2.3. Escalas de avaliação
É possível e necessário construir escalas de avaliação dos parâmetros.
mesmo que sejam apenas escalas ordinais - o que, de fato, será quase sempre
o caso, dado que a natureza da grande maioria das variáveis que podem vir
a ser utilizadas para se medirem constructos relevantes como "poder" e "se1. Ver,
sobre a questão do "discurso competente", (CHAU1. 1982).
o Planejamento e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
83
gregação" não se presta a uma mensuração em sentido estrito, com base em
escala de razão ou intervalo.
A mensuração dar-se-á no nível dos parâmetros subordinados particulares ou dos singulares. Esses parâmetros funcionarão como indicadores, os
quais serão elaborados em face de situações concretas e para atender a
objetivos determinados. Uma boa dosagem entre comparabilidade (permitida no
nível dos parâmetros particulares com o sacrifício da concretude e o risco da
excessiva
abstração)
e aquilo
que
os alemães
chamam
de
Wirklichkeitsiihnlichkeit, ou semelhança com a realidade (tanto maior quanto
mais concreto for o plano de análise), deverá ser buscada.
De toda sorte, importa ressaltar que o procedimento metodológico presentemente advogado é o oposto de uma construção apriorística de indicadores
pretensamente universais (como renda per capita, índice de Desenvolvimento
Humano [IDHJ e outros, independentemente de suas diferenças quanto à riqueza e ao alcance): o que ora se defende é uma construção de indicadores
tão próxima quanto possível da realidade dos contextos valorativos de culturas
e grupos sociais específicos, solução que é cientificamente a mais correta e
eticamente a mais legítima (ética autonomista). Assim, a especificação dos
parâmetros subordinados deve ser encarada não como uma tarefa somente
para intelectuais e especialistas em planejamento, mas sim como uma tarefa
coletiva ao nível da sociedade mais ampla.
De toda maneira, mesmo recusando uma construção apriorística dos
indicadores, alguns comentários preliminares a respeito do grau de oportuni-
dade para participação cidadã direta em processos decisórios relevantes
podem ser oferecidos aqui. De uma parte, a oportunidade para a participação
direta na tomada de decisões que afetam a regulação da vida coletiva pode ser
entendida como sendo um dos parâmetros subordinados particulares. De outra
parte, contudo, ela merece um lugar especial entre os parâmetros particulares,
uma vez que corresponde a uma "tradução" direta do coração mesmo da
autonomia em um patamar mais concreto, no qual mensurações em escala
ordinal são factíveis. Esse parâmetro admite ser operacionalizado com a ajuda
da clássica "escada da participação popular" de Sherry ARNSTEIN (1969). O
esquema de Arnstein compreende oito categorias, correspondentes a situações
diferentes caracterizadas por um nível crescente de abertura do Estado à
participação popular direta (daí a expressão "escada", ladder) que vão da pura
e simples manipulação dos indivíduos e grupos por parte do Estado (primeiro
"degrau" da "escada") ao controle cidadão (último "degrau"). Para Arnstein,
apenas as três categorias que representam as partes mais altas da "escada",
vale dizer, parceria, delegação de poder e controle cidadão, constituiriam
uma autêntica participação. As três categorias intermediárias tapaziguamen-
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100, janJjun., 2000
to, consulta e informação) não passariam de expressões de pseudo-participação, enquanto que as duas categorias inferiores (manipulação e terapia) nada
mais seriam que manifestações explícitas de autoritarismo e tecnocratismo. As
três categorias superiores correspondem aos marcos político-institucionais onde
se pode, efetivamente, ter a esperança de que as soluções de planejamento e
gestão possam ser encontradas de modo fortemente democrático; já as três
categorias inferiores representam a arrogância do "discurso competente" em
sua forma pura. As situações representadas pelas categorias intermediárias
diferem daquelas representadas pelas inferiores muito mais na forma que no
conteúdo, pois a cooptação, a ilusão de participação e as concessões limitadas
expressas pelo simples apaziguamento, consulta e informação são manifestações evidentes de uma sociedade heterônoma.
Sem dúvida, embora seja útil como um referencial preliminar, o esquema
de Amstein não prescinde nem de refinamentos posteriores, nem de uma
expansão, uma vez que a manipulação pelo Estado e o "controle cidadão"
possível nos marcos de uma sociedade capitalista não representam os extremos
imagináveis em matéria de, respectivamente, heteronomia e autonomia (escravidão e totalitarismo, de um lado, e uma sociedade fundada sobre os princípios
de democracia direta, transparência e igualdade efetiva de oportunidades, de
outro, é que correspondem aos extremos do espectro sociopolítico). Além do
mais, não se deve perder de vista que um controle cidadão pleno exige, em
última análise, muito mais que uma transformação política na escala local; no
sentido castoriadiano de autonomia, faz-se mister uma transformação social
muito mais profunda, impossível de ser alcançada apenas dentro do raio de
ação político, econômico e cultural de uma cidade. Isso, porém, não exclui a
possibilidade de se avançar em matéria de democratização do processo decisório
mesmo no interior de uma sociedade capitalista, desde que, malgrado as tensões daí decorrentes, elementos de democracia direta sejam consistentemente
combinados com os mecanismos convencionais da democracia representativa.
Por menor que seja esse tipo de avanço em comparação com a problemática
e os obstáculos principais, seria obscurantismo qualificá-lo de desprezível,
deixando na sombra os seus eventuais desdobramentos político-pedagógicos e
seus efeitos de longo prazo. É precisamente um progresso dessa natureza que
as experiências mais sérias de participação popular na elaboração do orçamento municipal, a começar pela de Porto Alegre, parecem estar atualmente conseguindo (ver, sobre o orçamento participativo de Porto Alegre, o qual tem
contribuído, inclusive, para fortalecer o ativismo de bairro local, (NAVARRO,
1996), (ABERS, 1998) e (FEDOZZI, 1997).
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
85
3. Quem planeja (ou gere) o quê e como?
Adequando o planejamento e a gestão ao
princípio de defesa da autonomia
Não seria sensato tentar dar um passo tão maior que a perna neste
momento, buscando refletir sobre a natureza do planejamento e da gestão
urbanos em uma sociedade basicamente autônoma, se na arena de luta imediata do autor e de seus 1eítores,um país capitalista semiperiférico, obstáculos
elementares e disparidades gritantes em matéria de heteronomia subsistem.
Além do mais, buscar respostas teóricas por antecipação para algo ainda tão
distante seria de um racionalismo desmedido, pois só a própria história, mais
exatamente, a atividade coletiva e transformadora da maioria dos homens e
mulheres, poderá (ou não) determinar a forma concreta que as instituições
assumiriam em uma tal sociedade. Observe-se que até mesmo as etapas intermediárias escapam à nossa capacidade de prognóstico: quanto mais se tenta
antecipar os próximos passos na direção de uma mudança sócio-espacial, mais
incerto e nebuloso fica o caminho e mais irrelevante tende a ser a resposta.
Só durante a própria marcha será possível vislumbrar os novos desafios que
irão surgir - as limitações das táticas adotadas e da própria estratégia - e as
maneiras de vencê-los. Se, como belamente disse o poeta, o caminhante faz
o próprio caminho ao caminhar, o que importa é ter clareza quanto aos objetivos da empreitada e saber dar os passos iniciais; os passos seguintes dependerão dos anteriores, de tal modo que tentar planejar pormenorizadamente o
percurso seria um absurdo de fundo teleológico. As indicações que se seguem
visam, por conseguinte, a um público de pesquisadores engajados e militantes
de movimentos sociais que se vêem ou hão de se ver arrostados, inicialmente,
com o desafio de contribuir para que sejam dados os primeiros passos rumo
a uma superação da heteronomia, instaurando mecanismos e adotando medidas
que permitam a redução da segregação sócio-espacial, a coibição eficaz da
especulação imobiliária e que se vá além da pseudoparticipação.
Seja como for, seria de uma enorme incoerência pretender fornecer, ao
final de um trabalho comprometido com uma perspectiva autonomista, um
balizamento metodológico no estilo de um receituário, ou seja, um esquema
apriorístico de validade pretensamente universal, como se o método fosse inteiramente independente do objeto e como se uma reflexão teórica, e não o
debate sobre a realidade entre os próprios sujeitos sociais envolvidos, tivesse
a capacidade e a responsabilidade de orientar a intervenção sobre o real.
Destarte, o que se segue constitui, tão-somente, um conjunto de alertas e
recomendações.
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3.1. O contexto político do planejamento e da gestão urbanos
Quem planeja ou gere? Em princípio, a resposta óbvia é: o Estado. NI
entanto, não é SÓ o Estado que planeja e gere; certos agentes modeladores dr
espaço, como o grande capital industrial e imobiliário, elaboram sua:
geoestratégias de forma clara e, não raro, sofisticada. A parcela majoritária d:
sociedade civil, que não pertence a nenhum grupo dirigente, precisa qualificar
se e organizar-se para elaborar suas propostas e estratégias e lutar para pô
las em prática (diretamente ou pressionando o Estado).
O que é planejado ou gerido? Planejar e gerir não é planejar e geri
apenas ou sobretudo coisas, mas sim planejar e gerir relações sociais. En
cada local específico, os agentes sociais que tiverem a iniciativa de elabora
estratégias de ação e intervenção visando a um desenvolvimento sõcio-espacia
autêntico precisam começar, assim, estabelecendo respostas para as seguinte:
perguntas: que problemas precisam ser superados? Com quem se pod.
contar para essa empreitada, e sob quais condições?
táculos e as dificuldades previsíveis?
Quais são os obs
A primeira pergunta remete à necessidade de muita clareza quanto ao:
fins da ação/intervenção proposta, clareza essa que só pode advir de un
debate lúcido e democrático. Esse debate é um debate essencialmente polui
co, não uma discussão eminentemente técnica (a qual se dá em um momenu
posterior, e que visa à seleção dos meios mais eficientes e eficazes para SI
atingir os fins sobre os quais se deliberou); por conseguinte, os pesquisadore:
e conhecedores de técnicas de planejamento e gestão, sejam eles moradore:
do locaI ou não, não podem pretender estabelecer as prioridades e definir a:
metas e os objetivos em nome da população. Sob um ângulo dialógico (expres
são que é tomada de empréstimo a Paulo Freire 1 5 ), a missão do intelectual
pesquisador/planejador é a de chamar a atenção daqueles que, para ele, são
ao mesmo tempo, objeto de conhecimento e sujeitos históricos cuja autonomh
precisa ser respeitada e estimulada, para as contradições entre objetivos, o:
problemas e as margens de manobra que o seu treinamento técnico-científicr
15 Paulo Freire, em seu Pedagogia
do oprimido (FREIRE, 1986), defende o ato de educar nãc
apenas como fundado no diálogo e infenso a autoritarismos, onde o educador afasta-se daquik
que ele chama de concepção "bancária" da educação (na qual o professor "deposita" conteúdo:
na cabeça de seus alunos, que são assim reduzidos a um papel essencialmente passivo). )
importância dessa mensagem transcende de muito a esfera da "educação" em sentido restrito
sendo, com efeito, de um ponto de vista Iibertário, uma sabedoria de valor inestimável par:
qualquer processo de ação coletiva visando a uma mudança social positiva. De fato, parece qw
o alcance politico-filosôfico da obra de Paulo Freire, sintetizado na poderosíssima sentenç
"ninguém líberta ninguém, ninguém se liberta sozinho; os homens se libertam em comunhão"
está ainda para ser devidamente apreciado.
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva AutonomJsta
87
lhe permitam vislumbrar. Esse treinamento, significando uma proficiência na
coleta, no manuseio e na integração de um grande volume de dados de natureza díspar e uma capacidade de reflexão combinando diversas escalas temporais e espaciais, entre outros aspectos, é de um valor inestimável. Entretanto,
o papel do intelectual e do cientista social é o de esclarecer quanto a determinados assuntos referentes à escolha e ao uso otimizado dos meios da mudança social; quanto aos fins, estes dizem respeito a valores e expectativas
que, sob um ângulo radicalmente democrático, não podem ser definidos por
uma instância técnica ou política separada do restante da sociedade. Os fins
têm de ser estabelecidos pelos próprios envolvidos, cabendo aos intelectuais, no
máximo, o papel de contribuir para a sua discussão crítica, aconselhando e
alertando para possíveis contradições e incompatibilidades entre metas. Um
planejamento crítico, portanto, como pesquisa científica aplicada que é, deve,
por um lado, manter-se vigilante diante do senso comum, desafiando-o e buscando ''ultrapassá-lo'' ao interrogar o não interrogado e duvidar de certezas
não-questionadas; ao mesmo tempo, um planejamento crítico não-arrogante
não pode simplesmente ignorar os "saberes locais" e os "mundos da vida"
(Lebenswelten) dos homens e mulheres concretos, como se as aspirações é
necessidades destes devessem ser definidas por outros que não eles mesmos.
A esse respeito, a pedra angular do pensamento autonomista é, precisamente,
a convicção de que o usuário de um produto, e não o expert que o concebeu
ou produziu, é o melhor e o mais legítimo juiz de suas qualidades. Seguramente,
esse juiz não é infalível, mas é seu direito correr 'O risco de falhar em liberdade.
Responder à segunda indagação pressupõe habilidade para fazer uma
lúcida avaliação da constelação de forças. É preciso identificar os grupos
sociais e seus interesses latentes ou manifestos, examinando-se as divergências e convergências, as compatibilidades e incompatibilidades, as possibilidades
de alianças e o caráter menos ou mais estável (menos ou mais conjuntural) das
alianças.
Finalmente, a terceira pergunta conduz a uma identificação tanto dos
gargalos materiais e institucionais (real disponibilidade de recursos financeiros,
técnicos e midiãtico-comunicacionais,
competências e atribuições legais etc.)
quanto dos grupos dominantes que, previsivelmente, serão focos de resistência
ativa ou passiva à implementação de políticas redistributivistas e à ampliação
da democracia. Conflitos não devem ser escamoteados; saudar o diálogo mesmo
entre oponentes, sobre a base de um "agir comunicativo", conforme defendido
por HABERMAS (1981, 1990), não significa buscar, ingenuamente, costurar
consensos artificiais a expensas de uma insuficiente explicitação das contradições existentes, como ocorre com o "planejamento comunicativo/colaborativo"
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anglo-saxão. Consenso, em um sentido forte, só se pode lograr sobre os alicerces da livre participação de todos os participantes. Não se pode esperar o
consentimento dos participantes "a não ser que todos os afetados possam
aceitar livremente as conseqüências e os efeitos colaterais que a observância
geral de uma norma controvertida deve ter para a satisfação do interesse de
cada indivíduo" (HABERMAS, 1990:93). Contradições não se "resolvem"
como se resolve uma equação; contradições se superam, sendo os
enfrentamentos quase sempre inevitáveis - o que não é o mesmo que dizer que
a violência é quase sempre inevitável.
3.2. Sugestões para o encaminhamento de
processos de planejamento e gestão
Sobre a parametrização delineada na Seção 2, ela deve ser empregada
tanto em diagnósticos quanto em propostas de intervenção. Aliás, as propostas
de intervenção. para serem compatíveis
precisam ser derivadas dos diagnósticos.
com uma abordagem
científica,
Esclareça-se que aquilo que, na
prática do Urbanismo (o qual constitui tão-somente uma modalidade de
planejamento urbano, não devendo ser tomado como equivalente ao planejamento tout court), entende-se por diagnóstico ou estudo preparatório,
ainda que se distinga do apriorismo nu e cru, corporificado por visionários
arrogantes como Le Corbusier, normalmente não chega a ser um procedimento propriamente científico, seja pela falta de rigor metodológico, seja
pelo viés apriorístico remanescente. Muito longe de querer sugerir que a
ciência seja o único saber que conta quando o que está em jogo é a
otimização dos meios para o desenvolvimento sócio-espacial das cidades, o
fato é que as facetas técnico-funcional e técnico-estética (considerações
sobre a volumetria, sobre os relacionamentos funcional e estético de um
objeto geográfico com O seu entorno, e por aí vai), trazidas principalmente
pelo arquiteto-urbanista, se devem combinar com os aportes teórico-conceituais
e metodológicos a serem oferecidos diretamente pelos cientistas sociais para
a consecução desses empreendimentos de vocação inter e transdisciplinar por
excelência que são o planejamento e a gestão urbanos.
Os diagnósticos tanto podem dizer respeito à análise de processos
gerais (orientada por questões do tipo: quais são as necessidades dos indivíduos e grupos de um local "y" no momento "x"? Elas têm sido melhor ou pior
satisfeitas ao longo do período de tempo "z"? Quais os fatores que têm contribuído para isso? Qual é o conteúdo da justiça social, nesse contexto histórico-geográfico específico? Têm ocorrido avanços ou retrocessos no que
conceme à garantia de uma maior justiça social?) quanto à avaliação ex-post
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
89
de experiências de planejamento e gestão (orientada por questões do tipo:
os esquemas de planejamento ou gestão utilizados no local "y" ao longo do
período de tempo "z" têm contribuído para uma melhor qualidade de vida e
para maior justiça social?). Devido ao seu cunho prático-político, as propostas
de intervenção, mesmo tendo a sua formulação baseada em diagnósticos que
incorporam a dimensão (inter)subjetiva dos agentes sociais envolvidos, necessitam ter a sua implementação submetida a escrutínio popular, ocasião em que
poderão ser calibradas e corrigidas. Em se tratando de diagnósticos e análises,
o pesquisador, mesmo recusando o objetivismo e o cientificismo, tem o direito
à última palavra sobre as idéias que são, ao fim e ao cabo, de sua responsabilidade; diversamente - e nunca é demais insistir sobre isso -, no caso de
propostas de intervenção quem detém a última palavra são, sob um ângulo
autonomista, os envolvidos, cabendo ao pesquisador o papel de um interlocutor
que propõe (e alerta para contradições e riscos embutidos nas propostas feitas
por outros, pesquisadores ou não), mas jamais o de um consultor que impõe ou
sugere que se imponha.
Uma abordagem tecnocrática típica obedece ao seguinte modelo:
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DIAGNÓSTICO (elaborado por "especialistas" pretensamente neutros e
imparciais; freqüentemente superficial; não considera verdadeiramente a
percepção e a vivência dos usuários dos espaços [objetivista]) ~ PROPOSTA DE INTERVENÇÃO (elaborada por "especialistas", parcialmente
com base no diagnóstico, parcialmente com base em modelos sobre a
"cidade ideal' e, sobretudo, com base em injunções políticas de cima para
baixo; preocupação em atingir metas e objetivos que, se alcançados,
concretizariam a "cidade ideal'; indicações impositivas e pretensamente
racionais a respeito tanto dos meios quanto dos fins; proposta fortemente
normativa, tendendo a ser impermeável à participação popular ou, na melhor
das hipóteses, a reduzir esta à pseudoparticipação [apaziguamento, consulta e informação])
...................................................................
o
enfoque preconizado pelo mainstream do "planejamento politizado"
brasileiro, de sua parte, rompe em larga medida com o viés tecnocrático desse
modelo, mas sem conseguir eliminá-lo inteiramente. Isto porque, na prática, não
se cogita de abraçar um projeto alternativo à "democracia" representativa (ou,
mais exatamente, oligarquia liberal) e ao capitalismo, mas sim de aumentar o
grau de transparência e controle popular da primeira e de diminuir o grau de
exclusão social inerente ao segundo. Eis os traços essenciais do modelo:
90
Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 8, pp. 67-100,janJjun •• 2000
DIAGNÓSTICO (elaborado por "pesquisadores/planejadores
engajados";
análise crítica. porém pouco aberta para com a dimensão [inter]subjetiva,
via de regra negligenciando a percepção e a vivência dos usuários dos
espaços [viés objetivista]) -+ PROPOSTA DE INTERVENÇÃO (elaborada
por "pesquisadores/planejadores
engajados", parcialmente com base no
diagnóstico, parcialmente com base em injunções políticas de cima para
baixo; preocupação em definir instrumentos que permitam minimizar ou
eliminar os problemas sociais e espaciais detectados na cidade rest;
indicações dos "pesquisadores/planejadores
engajados" podem dizer respeito tanto aos meios quanto aos fins; proposta permeável à participação
popular, mas tendendo a limitar seus objetivos a uma incorporação pelo
Estado de alguns mecanismos de democracia direta e uma atenuação das
injustiças sociais no âmbito da sociedade capitalista)
...................................................................
Já o enfoque autonomista concilia um espírito pragmático, capaz de
valorizar os pequenos desafios situados no interior da ordem heterônoma e as
pequenas conquistas realizadas no interior da mesma ordem, com um horizonte
político-filosófico que não se satisfaz com uma mera "minimização do horror",
Na prática. o modelo autonomista. sintetizado abaixo, aproveita o que há de
mais arrojado em algumas experiências já em andamento, notadamente orçamentos participativos (cujos plenos potencial e alcance não raro escapam ao
mainstream do "planejamento politizado"), recontextualizando, com o auxílio de
alicerces metateóricos ambiciosos, os elementos resgatados:
DIAGNÓSTICO (elaborado por "pesquisadoreslplanejadores engajados", que
confrontam sua leitura da realidade "objetiva" com as intersubjetividades.
ao incorporarem a análise dos Lebenswelten dos diversos grupos sociais,
de sua percepção e de sua vivência espaciais) -+ PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ("pesquisadores/planejadores engajados" fazem recomendações
a propósito do que poderia ou deveria ser feito, tomando por base o
diagnóstico; preocupação em definir instrumentos que permitam minimizar
ou eliminar os problemas sociais e espaciais detectados na cidade real
[não sendo essa "realidade", contudo, definida de maneira objetivista, mas
incorporando as percepções dos usuários]; sugestões restringem-se, via
de regra, aos meios, conquanto possam, eventualmente, chamar a atenção para incompatibilidades entre diferentes fins, conforme identificados a
partir de trabalho de campo [diagnóstico] ou manifestados pela população
no âmbito de processos políticos participativos) -+ EXAME, DEBATE
PÚBLICO E DELIBERAÇÃO POR PARTE DA COLETIVIDADE (a coleti-
o Planejamento e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
91
vidade [sociedade civil, no caso de uma sociedade heterõnoma; no caso
de uma sociedade basicamente autônoma, onde não haja um aparelho de
Estado separado da sociedade, a coletividade simplesmente] detém a
palavra final sobre os fins e os meios do planejamento e da gestão) -+
RETROALlMENTAÇÃO
DO DIAGNÓSTICO E DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO (resultados do exame, do debate e da deliberação pelos
cidadãos devem retroalimentar o diagnóstico e a elaboração da proposta
de intervenção; pesquisas de avaliação podem ser usadas como coadjuvantes)
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Um documento orientador de uma estratégia de desenvolvimento urbano,
no que conceme ao planejamento, deve conter, pelo menos, as seguintes partes:
1) introdução (comentando a relevância do esforço de regulação. os princípios
básicos perseguidos e expondo as diretrizes, isto é, as metas e seu desdobramento e detalhamento sob a forma de objetivos); 2) base institucional (expondo o funcionamento do sistema de planejamento e/ou gestão, com destaque
para as normas para a constituição de fundos e operação do Conselho de
Desenvolvimento Urbano); 3) instrumentação (instrumentos de planejamento,
incluindo zoneamentos).
Instrumentos clássicos, como os parâmetros urbanísticos (afastamentos,
taxa de ocupação etc.), deverão ser combinados com os chamados (amiúde
impropriamente) "novos instrumentos". Quanto a estes últimos, deverá ser
dada nítida prioridade a certos tributos de grande potencial extrafiscal, especialmente o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), desde que instaurada a sua progressividade no tempo, cuja vocação é a de colaborar para
coibir a especulação imobiliária, e a contribuição de melhoria, cuja rationale
é capturar para os cofres municipais a valorização imobiliária decorrente de
obras públicas não voltadas para a satisfação de necessidades materiais básicas, notadamente em bairros privilegiados (portanto, entender como fato gerador do instrumento a valorização decorrente de obras essenciais como a pavimentação, a iluminação ou a construção de rede de esgotamento pluvial em
logradouros públicos, como ocorreu em diversas ocasiões, na legislação e na
prática administrativa, constitui uma distorção socialmente injusta, que tem de
ser rechaçada). Já outros instrumentos merecem reservas e cuidados no tocante à sua aplicação, o que não quer dizer que não sejam interessantes: é o caso
da concessão onerosa do direito de construir, ou "solo criado", que pode
servir para se perseguirem múltiplos objetivos, mas cujas três funções precípuas
(rebaixamento dos preços da terra, aumento de arrecadação e controle do
adensamento, com vistas a evitar-se a saturação da infra-estrutura) não estão
isentas de atritos entre si, logo, não podendo ser maximizadas simultaneamente.
92
Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67·100, jan.ljun., 2000
No que diz respeito aos zoneamentos, especificamente, há que se repudiar o tipo convencional de zoneamento funcionalista, adotando-se, em lugar
disso, um zoneamento alternativo, onde sejam identificados diversos tipos de
espaços em relação aos quais a intervenção estatal seja prioritária para fins de
dotação de infra-estrutura técnica e social básica (favelas, loteamentos irregulares e cortiços), regularização fundiária (favelas), coibição da especulação
imobiliária (vazios urbanos) e preservação ambiental, O espírito desse
zoneamento foi didaticamente exposto por RIBEIRO e CARDOSO (1990),
alcançando uma forma diretamente operacionalizável no projeto de lei do Plano
Diretor de São Paulo (cf. DIÁRIO OFICIAL DO MUNICíPIO DE SÃO
PAULO, 1991), lamentavelmente não aprovado, o qual combina esse tipo de
zoneamento com um zoneamento de densidades, sem esquecer de dois importantes cuidados de ordem funcional: a localização de indústrias e a proteção
das atividades primárias produtoras de alímentos, por meio do estabelecimento
de um coeficiente de aproveitamento baixo (0,1) para os lotes e glebas da zona
rural do município. O caminho aí indicado é válido, independentemente das
limitações de sua base político-filosófica, devendo ser enriquecido - lançandose mão de incentivos à agricultura periurbana suplementares às restrições à
edificação na zona rural e mediante uma hierarquização de cada subtipo de
zona de especial interesse social conforme o grau de carência infra-estrutural
da área.
No caso da regulamentação de orçamentos participativos (que são, acima
de tudo, mecanismos de gestão), o formato será mais simples que o de um
documento-guia de planejamento, bastando duas partes, a introdução e a base
institucional. Na introdução comentar-se-ão a relevância da co-gestão Estado/sociedade civil na elaboração do orçamento, os princípios básicos perseguidos e as metas gerais. Na parte sobre a base institucional expor-se-á como o
sistema e o processo orçamentários são ajustados à participação direta da
população - regras de extração de delegados, unidades territoriais de referência etc. -, apresentar-se-á o calendário e dispor-se-á sobre a integração entre
planejamento e orçamento.
O planejamento, que, por definição, remete ao futuro, deve, não menos
que a gestão, a qual tem a ver com a administração dos recursos disponíveis
no presente (conquanto a gestão sempre tenha de incluir uma dimensão de
planejamento, como ocorre com o orçamento), ser tratado como um processo
continuo. Deve-se diferenciar entre objetivos de longo prazo, atinentes ao
enfrentamento de problemas estruturais, e de médio e curto prazos, de sabor
mais conjuntural. Por sua natureza, documentos-guia de planejamento (planos
de desenvolvimento urbano) conterão metas e objetivos de longo prazo, os
quais devem, no entanto, ser periodicamente atualizados (a cada cinco anos,
o Planejamento e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
93
pelo menos) em consonância com a evolução dos fatos. Objetivos de médio e
curto prazos orientarão a elaboração de intervenções específicas, respeitados
os princípios gerais e observados as metas e objetivos de longo prazo.
A definição, a atualização, a integração e a compatibilização de objetivos
e propostas pertencem, ao lado do monitoramento da implementação das estratégias e políticas, ao conjunto das missões sob responsabilidade do Conselho
de Desenvolvimento Urbano. A este Conselho, a ser previsto em lei (Lei
Orgânica Municipal, Plano Diretor) e composto por representantes do Estado
e da sociedade civil, cabe dar a última palavra acerca das questões mais
importantes referentes à regulamentação do uso do solo, aplicação de instrumentos de planejamento etc. O Conselho de Desenvolvimento Urbano, portanto, terá caráter deliberativo, e não meramente consultivo, e esforços de articulação de suas atividades com aquelas do Conselho do Orçamento
Participativo - seu equivalente no que tange à elaboração do orçamento deverão ser envidados tanto pelo Executivo municipal quanto pela sociedade
civil. Na verdade, o ideal seria que houvesse um conselho único a cuidar do
planejamento e da gestão, para que fossem evitadas tanto a duplicação de
esforços quanto a disputa de competências.
A existência
de um Conselho
de Desenvolvimento
Urbano
institucionalizado e com legitimidade é uma garantia de que os documentos-guia
de planejamento não serão peças demasiado rígidas, isto é, estorvos mais que
uma ajuda, uma vez que eles serão apenas cristalizações provisórias no contexto de um processo contínuo de debate, (auto)crítica, atualização e revisão.
Por outro lado, flexibilidade, aqui, não significará abrir as portas ao casuísmo
(como mudanças de zoneamentos por decreto, abusos com instrumentos do
tipo "operações interligadas" etc.), justamente porque a transparência e a
accountability funcionarão corno inibidores de distorções e corrupção. Uma
instância deliberativa desse tipo configura urna co-gestão entre Estado e sociedade civil, representando, se não urna ruptura decisiva para com a ordem
social heterônoma - a qual reclama uma genuína autogestão da coletividade,
incompatível com uma sociedade capitalista -, pelo menos algo que vai bem
além da mera pseudo-participação.
Um tópico adicional da maior relevância é aquele atinente à conveniência de não se perder de vista que, como acontece especialmente nos núcleos
metropolitanos, muitos dos equipamentos do município servem igualmente a
uma população que mora em municípios limítrofes. Acresce que, dada a forte
interdependência existente em áreas metropolitanas, muitos dos serviços são de
interesse comum a mais de uma municipalidade e poderiam ser melhor prestados, com ganhos de economia de escala e evitando-se o desperdício decorrente da duplicação de esforços, com urna integração institucional a um s6
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 8, pp. 67·100, janJjun., 2000
tempo democrática e eficaz (logo, diferente do modelo tecno-burocrático de
gestão das regiões metropolitanas imposto no Brasil dos anos 70). Assim como
se tem geralmente percebido que a liberdade da população de um bairro ou
setor geográfico para decidir sobre a alocação de verba advinda com o orçamento participativo deve ser enquadrada por critérios de justiça, eqüidade e
bom senso que assegurem que as conquistas de uma parte da cidade não
prejudicarão as demais áreas (o que inevitavelmente ocorreria se fossem
desconsideradas diferenças de tamanho demográfico ou centralidade entre os
bairros ou se fossem negligenciadas obras estruturantes, de interesse para toda
a cidade), assim também a escala local ampliada, supramunicipal, necessita ser
levada em conta. A maior autonomia conquistada pela população de um dado
município não deve traduzir-se em decisões egoístas que venham a ferir os
direitos daqueles que não residem no município mas dependem dos equipamentos nele existentes para a satisfação de algumas de suas necessidades. O
problema do "corporativismo territorial" já havia sido levantado em SOUZA
(1997a), no mesmo trabalho no qual o princípio de autonomia foi subdividido em
dois componentes: autonomia interna (isto é, ausência de opressão em um
determinado território controlado por uma dada coletividade) e externa (referente ao direito de cada coletividade à autodeterminação, sem que constrangimentos originários do exterior a ameacem)." A exigência de respeito à
dimensão externa do princípio de autonomia depreende que as intervenções
sejam concebidas e as decisões sejam tomadas após uma avaliação ponderada
de seus impactos em diferentes escalas. No caso em tela, mecanismos de
cooperação, regras de consultação e canais de diálogo intermunicipal deverão
ser instituídos, a fim de se afastar o perigo de que um acréscimo de autonomia
internamente a um município degenere em "corporativismo territorial".
Já se disse que o papel dos pesquisadores e intelectuais envolvidos com
planejamento há de ser relativamente modesto, por ser de assessoria para a
tomada de decisões (especialmente quanto aos meios, ou seja, quanto aos
16 Castoriadis já aludira a uma "face interna" e a uma "face externa" da autonomia, porém
reportando- se a outra escala. O interno, em seu texto, é o interno ao próprio indivíduo, tendo
a ver com a relação entre a instância reflexiva e as demais instâncias psíquicas, bem como com
a capacidade de autoconhecimento a partir do confronto reflexivo entre presente e passado na
trajetória biográfica individual. Quanto à face externa, ela diria respeito à relação do indivíduo
com os demais indivíduos (CASTORIADIS, 1990b:131·3). Ora, nada impede que os dois
sentidos do par interno/externo sejam utilizados, desde que se atente para o fato de que são
atinentes a duas escalas distintas: em um caso, o que está em questão é o interno ou externo
relativamente ao indivíduo, estando em jogo, pois, diretamente, a autonomia individuai; no outro
caso, interno e externo referem-se ao grupo ou sociedade, sendo, por conseguinte, uma discussão sobre a autonomia coletiva.
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva Autonomista
9S
aspectos técnicos strictu sensu) e não de proposição fechada, em nome de
uma "verdade científica" e de uma "racionalidade" das quais eles seriam os
depositários, das decisões a serem tomadas pelos detentores do poder. Devese, adicionalmente, salientar que, na medida em que o "método" (no sentido
amplo da palavra grega méthodos: caminho para se chegar a um fim) não é
independente do objeto, pesquisadores e técnicos que não tenham uma relação
forte e intensa com o espaço de referência para um planejamento ou uma
gestão devem abdicar, via de regra, de aconselhamento direto. Os técnicos e
intelectuais locais, sejam membros dos conselhos populares ou não, têm uma
responsabilidade muito maior quanto ao destino do espaço no qual residem e
trabalham - o qual é, para eles, um espaço vivido, um lugar com o qual se
acham organicamente comprometidos. Os pesquisadores "de fora" devem procurar se restringir a uma colaboração mais indireta, sobretudo contribuindo
para o aprimoramento e a requalificação dos quadros locais, em vez de atuar
como consultores que elaboram planos acabados e como que saídos de urna
linha de montagem.
Cabe ainda registrar, a propósito dos instrumentos de planejamento ou
gestão, que de pouco ou nada adianta delinear e aprovar "novos" instrumentos,
como o IPTU progressivo, a concessão onerosa do direito de construir, a
contribuição de melhoria e outros mais, se não se cuidar de enfrentar dificuldades básicas eventualmente presentes, como plantas de valores e cadastros
de imóveis desatualizados e repletos de erros. A aplicação da maioria dos
instrumentos, sejam eles novos ou não, depende de dados confiáveis, atualizados
e facilmente disponíveis a respeito da realidade fundiária do município.
Por fim, ainda no que concerne à informação, um cuidado indispensável
refere-se à sua disseminação. Socializar o conhecimento sobre os problemas
e as possíveis soluções é essencial tanto para incentivar mais pessoas a se
integrarem a debates e processos decisórios, quanto para prestar contas aos
atores sociais já envolvidos (mas que não sejam membros de conselhos) sobre
os trâmites legais, as modificações e a implementação de propostas. O estímulo
à mobilização e participação da população, estímulo esse que deve ser urna
iniciativa compartilhada entre as organizações da própria sociedade civil e o
aparelho de Estado, deve caminhar pari passu com a disponibilização de dados
e informações sobre a realidade local (fruto de diagnósticos e levantamentos)
e os próprios mecanismos e propostas de planejamento e gestão, à medida que
forem sendo examinados, debatidos e, eventualmente, aprovados. A essência
de todas as estratégias e de todos os planos deverá estar disponível sob uma
forma acessível a uma população letrada porém de escolaridade baixa ou
elementar, para além da forma mais técnica como for aprovada enquanto lei
ou documento de referência para ações do Executivo e de organizações da
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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 67-100, janJjun., 2000
sociedade civil. As versões simplificadas dos planos e das propostas, em consonância com o requisito de transparência que é condição sine qua non para
decisões com conhecimento de causa e o exercício da autonomia, não poderão
sonegar informações-chave, seja quanto aos fins, seja quanto aos meios.
Conclusão
Ao contrário do que querem fazer crer alguns observadores da cena
contemporânea obcecados pela "globalização" e pela mudança no modo de
regulação do capitalismo, a margem de manobra para movimentos de resistência e conquista de direitos existente nas escalas nacional e local não desapareceu, a despeito de suas mutações e de seu encolhimento. Mesmo a escala
local não tomou-se irrelevante, quer seja econômica ou politicamente, em que
pese a força do grande capital, mais dotado de mobilidade e poder deformador
e corruptor do que nunca. A escala local continua sendo, potencialmente, uma
escala privilegiada para experimentos político-pedagógicos, para a formação de
uma consciência de direitos e para a prática da participação política. Além do
mais, o "conformismo
generalizado",
irretocavelmente
apresentado por
CASTORIADIS (1990a) como um traço lamentável das sociedades ocidentais
na segunda metade do século XX, não é absoluto ou irreversível.-queiram
alguns exemplos extraíveis da experiência brasileira recente, como t<> orçamento participativo de Porto Alegte, servir de ilustração r
É possível e urgente construir uma alternativa estratégica que seja, a um
só tempo, pragmática e ambiciosa. Uma alternativa capaz de valorizar a margem de manobra para avanços existente mesmo no interior de uma sociedade
heterônoma sem sacrificar os objetivos de longo ou longuíssimo prazo e a visão
dos obstáculos mais estruturais e duradouros. Sobre os alicerces dessa alternativa pode-se contribuir para construir uma esfera privada/pública dotada de
vitalidade, a qual, em uma democracia genuína, fará a ponte entre as esferas
privada e pública.
Purgar o planejamento alternativo inspirado no ideário da Reforma Urbana de seus resíduos tecnocráticos, ao mesmo tempo oferecendo-lhe um
horizonte político-filosófico mais ambicioso, é algo verdadeiramente imprescindível, caso se queira superar o falso dilema que apresenta como únicas saídas
aparentes, de um lado, um planejamento e uma gestão de índole mercadófila
e cunho empresarialista, que só fazem agravar as contradições e as tensões
sociais, e, de outro, um planejamento social-reformista com pouco ferrão crítico, incapaz de contrapor-se eficazmente à onda empresarialista, sendo os
seus adeptos, por isso, presas fáceis de sentimentos derrotistas e de impotência
o Planejamento
e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva AutonomJsta
(os quais são, muitas vezes, a ante-sala de uma guinada pseudorealista
conservadorismo e o cretinismo políticos).
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O Planejamento e a Gestão das Cidades em uma Perspectiva