Sobre as origens de uma literatura africana de expressão portuguesa: raízes e consciencialização / Ilídio Rocha. Actas do Colóquio Internacional, realizado no Centro Cultural Português de Paris, de 28 de Novembro a 1 de Dezembro de 1984. In: Les litteratures africaines de langue portugaise: a la recherche de l'identite individuelle et nationale. - 2a. - Paris: Fondation Calouste Gulbenkian, 1989. p.407-416. SOBREAS ORIGENS DE UMA LITERATURA AFRICANA : DE EXPRESSAOPORTUGUESA RAIZESE CONSCIENCIALIZAQAO ILID IO R OC H A Escritor l . O p ri m c i ro c s c ri tor dc l fngua portugucsa nasci do cm i vl oqamb i q u c c ra , s o b rc t,u d o p , o c l a. P rcnunci ava o quc vi ri a dcpoi s : trl cl garnbi quc, tc rra d c p < x ' ta s ,q u a s c n 5o tcm prosadorcs. C hamava-secssc pi onci ro J o s c Pc d ro d a Si i v a C a m pos Ol i vei ra, nasccu numa l ocal i dadc frontci ra i Ilha dc Moqiirbiquc, dc nomc Cabaccira, crn 1847, cra filho dc gcn-tc abastada c ao quc parcce tambd'm aii nascida, Egrou ,scrn 0.rito um virou funcionario priblico primciro na India !Ih"I9!-al-o-sm--eggr!gr, e d e p o i s c m l v { o g a m b i quc, col aborou no A l tnattuquc dc Lunbratryas, p u b l i c o u n o s c u p a i s n a ta l um j ornal l i tcri ri o - o pri mei ro r- c comp u n h a s o n c to s o u v c rs o s aparcntados a uma di stante e i ngrata amada, is criangas, a Dcus. Um secuio depois do nascimento de Campos Oliveira que versejava p e l a b i to l a d o A l ma n a q u e de Letnbranqas de l arga ci rcui aE ao nas coi o.nias portuguesas e de influ€ncia cenhecida, o mais importante jornal de Mogambique, o Noticias, pubiicava sonetos na sua primeira p6,gina, quase sempre piores do que os do po€ta da Cabaceira, escritos por hancos como ele, cantando como ele amores impossiveis e criancinhas -rtrreais ou, quando muito, a moga negra que passa, tanagra de dbano polido ou uma Africa que de semelhanga com a real apenas tem as palmei.rasbalotryando ao vento ou a selva onde sozinha, d noite anda rugindo a fera. Floclore no mau sentido da palavra, a Africa e o negro vistos de fora, bizarros, sem alma, sem vida pr6pria, paisagem t6o somente. - 2. No acaso de este entrementes de quase um s6culo de literatura abusivamente classificad,a de mogambicana, mas sintomaticamente chamada por criticos e concursos oficiais de n literatura coionial ), acont+ ceram dois ou tr6s rebates mais ou menos falsos. '909, uma comissio maqonica chcfiada pclo ., he:-c: je paci' -::: j ornal ,* u ,r m a j o r R o q u e de A gui ar, Ii nenci a a crtec:i o c.l c d c d i c a d o i p o p u l a q a c ln i o b r a n c a , e l l a b c t i z a d a , c u j a m a i c n : ' i s m a c a d o r a i d c - m u l a t o s c o m o m u l a t o s s i o o s i r m a o s . - \ l b a s i r : :- : c s t o s a f r c n r e d o n o r ; o p e r i o d i c o , O , ' l l r i c u t t c td c s c u t i t u l o . ( J o s e A , : . . i n i c r f , d c s p a c h a n te o fi c i a i c s c u i rmi cl Joi < .1cra funci oneri o cl os C ::-::hos dc F e rro ; c re m n c to s d c Joi o i \l basi ni , ncr:oci antc c consul po:-.-:' -:.' s ni r p ri n rc i ra R c p u b l i c a d o Trans+ ' al .)P oucos anos dcp< -ri s,O .-i ;::-' :r:o era o j o r n a l r n a i s l i d o c m l l o c a m b i q r r c ,r n t s a s u e t c m a t i c a p o u i c . i u n a ti n h a a v c r c o m o n o mc c i l mai ori a dos scus l ci tc.rrcse' l r i rance. E ,m l 9 l 8 , o s i rm i ro s ,\l basi ni -!-!i 9t. cl c_' _o__quc rnui ro ebus:' .:xrg_n!c, 9.ol!!-o5lll_'-Ulgitos jornelistas cicl'cnsorcsclos intcrcsscs ,-las i,:ii_ecdcs _ i " q -g r- u " n J i " - O ;lf' ri cutttsc [' urrcl avamO B t' ,.tJi .l t-| ri l ,,,r. r.uc sc .i -::ti tul t-r :.ttrtttrc i a v ac o me o rg i c l do Grc' :tti o .\l ' r' i cerrclc i .rpl ' c..,cnt:t\:l c l e S c n l r u t c i r i oa , n p r o l , l o p r o l r c s s o , i t t s tr t t < . ' t i o. ' . j e/ c . s a ! - ( , - : : - ; i / r , ' a l s d o U I t r u , , u t r . . Os i s t c m a ,c o l t ' l o . s cv c l l c l o l n r - r n c i or t u c u s : . , r , : t . . : : u r g c m rro p c rn t< d.1c v i s ta d c L i s boa -\' cr IJl trtuttur- ni o cre posto r= cause,. N c m p o d i a . N o Grd m i o ,\[ri ceno, t.rs i rm:rr:s ,\l basi ni l ' oram . tr:trar-sc, pera a fcitura do jornal, r.Esticir-r Dias, [uncionlrio public::. :. rnais ta rc l c , a o D r. K a rc l Po tt, edr' < l gadcl c t' i l ho cl o cr.rnsull rol ;rnci ,-.s ;.:e rccol h c u K t' u g c r e tra to u do scu cxi l i o pxra a I{ol anci a. Tocl os = ' :l etos c c d u c a d o s n a s c s c o l a s d a trl agonari l , i nsti tui c;l i r.r di ngi da pei o" :-:us pai s l :ra n c o s , c o mo mu l a to s eram os rcstantcs mcmbros, ,l (rIr{rr;t-{j J tJl tratn Qr, c l a q u c l c Grc mi o A fri cano ondc os ncsros ni o poci i a= entrar. T o d o s p e r t c n c c n t c sa u m a c i l i t c q u c , p e l c l r n c n o s a r d 1 9 3 3 , 3 . : o e r n q u . a Iv l a q o n a ri a fo i d i s s o l vi da, ti nha o csraturo dos pai s -- ce l r:rncos, p o rta n to e d c s ta c a n do-seentrc cstes pel as suas proeza,s :os desp o rto s , n a d a n E at e n o amor. Dizer-se,portanto, que nasceu ai un'l jornalismo moc::-:icano, ( revoltado,r, mesmo que entr-easpas,e anti_colonial,c ies.-:nhecel completamenteo meio social em que se desenr-olveue u-\svalores que defendia.E esquecer,por exemplo,que os brancos de -\1o;:=bique, muitos deles casadoscom mulheres de cor, constituiam e:-;o uma burguesia em ascensi,o,radicada,que nunca pos em causa o colonia' iismo, mas que estet'esempreem oposiEio,atravds inclusilatnerteda sua imprensa, ao Ggverno de Lisboa, mas apenas por esre corn eia deixar concorrer os interessesdo comdrcio metropolitano ou a mandar atacar pelo fisco. E fizeram-nosempre mais violentamente oue seus filhos mulatos, instaladosos mais deles no funcionalismo, quiEe mais burguesesque os pais, mas agora gabadospelos seus Africanos,Brados e Clamores. rcssdo portLtg,csa ,3. Um outro trombeteadoacontecimento nasceucom a estreiana revistaMiragem,€Irl 1931,de um poeta muitas vezesaprcsentadocomo ncgr', mas na realidademula.toe integrante do grupo sociai d" q;;;; falamos. (coincidentemente,a .rrr"io= J.u-r" quando aquera revista semanal da entSo cidade de LourengoNlarques era dirigida por dois destacadosmagios : Josc Rocrrigue,iunio., grande amigo e coregado poeta??o capitdo Ant6nio pereira Galante). € _ chamava-r: o.pgeta R*), de Noronha, viveu de r9o9 a rg43,foi ' funciondrio p6blic6 - estava,porranto, do lado da administraEio em seusrcditos- e tambem fazia sonetos 'i.-num a anroresimpossfveis,situando-sc scgundo romant,isrno-rordio, de forma e contqtdo a denunciarem qugsc em e.xcesso as influgnciasde Antnr,;n Nsbr*'3a" entOni;;;;;'; arcldc. Antero de euantal. g*o:.,,*fri* dasjrsuas:,"muiras paix6es €xrrx: eciffislffirgpgEgdgsb:sqqTry&o *' -.teg .Eg! r vo ' .n * ler v )es s ' t ' \ ' ' u9 ' : ' 9u Y ' t 's,s ros, dci. F susp.i rqngl .,- - A g a rra ra m ' s c a c s ta cxccpqi o quc l hcs apazi guava as al mas todos os dcicnsorcs cla dita < litcratura colonialo. Disputaram-lhe mcsmo a c :rn i q a , d c p < -l i sc i c m o ' to, an,s a [i ql , cm cntrc' i stas, ;-l ;;;" ; tu d < l ma i s o u m c n o s o fi ci al oU ofi ci oso. quc, fo, E. 6 sortc," rri para al dm dos so?i'dtb('qdE.rlhi,'.0nChcramum Jivro. portumo, dc zaragatcacio apaclrinha_ rncnt6'rc'qlgumgs:Plrfid.ias;:o mulator (clito ncgro quando convcm) cscrc. v e ra u m p o c mi b a s c a do no anti go ri tual rongachanganc da aprcscnta q S o d c u m ro c d .m-n asci doI Lua : etrcngtdl i qtftzcl - pocma quc, no d i z c r c l c u m c rfti c o mctropol i tano .i tado por R oci ri gucs Jrj ni or no No'ti'ciasmas sem llte escrever o nome, cra a grinrcira ntartilcstagaod.(: t!fi#Iiq:W:il*lW9s.!a'::1.1:1ge!,J\b,y_c.qn$ Ficil e a. ver, m"is uma 'cz, o rolclorc 'istorpor brancos.,.,l,1!iitas de passagem,mesmo que meio negro o seu auror. cffi'Iieciilr-ufqldd"'ritopor'via'de reitir; r, que nio p'qJuy.w€ncia#iqou'sefdoladrjlde fora a ir'o-Doogasfantdsticas ptuiltant f :/ f_g.br.is, .'WtSr'-4tiizdrist... W:?M*lbf,*goes:'elfistibas; / eytdea.nd.o venrres, tro,Tcos : o poerna fora publicado no Brado At'ricano,jornar da burguesia mestigade que ja faiamos, na._qual Ruv de Noro"r,^ ,"''irrr.gr"uo, € ? cuias coiunas o poeta se acolhera ap6s ter deixado de publicar-se a Miragem do seu coleigae grande u-igo noJrig,r.s J6nior. 4. E era isto a literatura ..* ygEurrbique, desde que em 1g6g, no primeiro' jornal n6o oficiar da c"r;;;, o progresso,Jos6 pedro - campos oliveira se estreia como po.ru tnl ,.,u terra - je pubricara versos,crdnicas, um .. romance o a em Goa _ atd aos sucessos atriis resumidos "-l*.rraques o-rjos assim eram aind'apor volta de 1945ou 1946. ora foi exactamentel roda de rgast;" a ad,versidadeatira para ' Mocambiquecom cavalei,rod.e esperanlas,sotthad.orirremed.tavel.um 31 Ilidio Rocln mente ad,olcsecnte, .D. ettixotJ,a pcrsegtir, de peito em chatna, mil de perdtrar ne numdo dos vivos. Estou a citar Fe:::ado lonnas Namora, que no seu livro IJm'Sino na Montanhat explica como foi que esse berrdo cisttttitico,de wn lirisnto destetnperaclo,de nome Au=:sto dos santos Abranches,fundou em coimbia a portugalia Editor", Li", iniciativas lanEaram nomes=qrmo os do proprio Fernando Namora, d.e JoSo Jose Cochofcl, de Polibio Gomes dos Sintos, de Jose iVlarnelo e silva e de alguns mais, no que viria a scr o fcrmento de colec;des -e continuamos a citar Namora- qtrc crcrant Lt,ttcariz diferer::ea \;idu intclccttml porttryttc.sa. Nascia pcla mio dcssevisionario que escrevia poentas, cQrttos,ensaios,ntuna desgovernadaprolixitlade, dcseni3r.a, expqrimentavanovas tdcnicasdc gravura e -ate pintava, para alc:a de lcr livros sobre livros, em fcbre, crn urg0ncia, semprc, nascia pela sua nliro, dizfamos,a possibilidadcdo livro, cla rcvisrai, dos cadcn,cs,, para os primciros do grupo dc coimbra dos que vicram a charn::-sc os nco-realistas. Foi c-ssccombatcntc,lcvando-na bagagc-mdois livros dc p€n::s e um dc tcatro cditadosna sua batalha dc C<;imbrae a antologiapoelas Novos de Portugal, de Cccilia t{circles 7, gnclc vinha inclufdo, que ..:rrl dia dcscmbal'couem Mogambiquc, maltratacio cla vicia, mas se:af,re cavalci.roclc csperangas.Emprcgou-senurna livraria, a maior da ,.:;., c logo atravLrsdcla cditou um cotttorno clc EQa, em corncmor:jo atrasadado ccntcnirio do grandeescritor.Dcdica-oao livreiro e bi:jo[ilo, rcpublicanolibcral c dirigentepagio que lhc dera cmprcgoJoio Antonio de carvalho- e tambem ao director e proprietdrio co ,"I ja falado Noticfas,o capitio lvlanuelsim6es vaz, magio tambem, peio que o livreiro muito deve ter tido a ver com o primeiro moinho a que o Abranches se atirou em Africa : um supiemento liter6rio, rnai-s a mais a chamar-seSrr/co,instalado entre as pdginasdo jornal oficioso, o primeiro verdadeiramentecomplacente com a ordem estabeleci& e soneto de amor.na portada como j6 diss.-ir. O Abranches era tudo no -Srrico;escrevia, desenhava,gravava li:oleos, paginava mas, mais importante, abria portas para a leira de for=a aos novos, desafiava os amigos de Portugal a mandarem-ihe artigos e poemas, permutava o suplemento com iniciativas semeihantesde Cabo Verde, de Angola, do Brasil. Ent5eabria janelas para terrenos insuspg!tados e empurrava para essas n&gas de h.rz os olhos d,os jovens gue ia conhecendo: negros,mulatos, indianos, brancos. A iniciativa, natu:zlmente e Por motivos dbvios, durou pouco. Mas o rastilho ficou ac6o, e tdo forte e-longo, que oito a dez anos depois testemr:nhei ainda a' chegada ao Noticias de correio, jornais, revislas liter6rias, liwos, dirigidos ao Sulco ou ao Abranches. Iam de portugal, de Cabo verde, de Angola, do Brasil. 32 Sobre as origcns de uma litcratura mogambicana dc exprcssd,oportuguesa o sulco deixa de publicar-se, que ndo morre como vimos, mas Santos Abranches ndo desarma. Ao balcio da liwari a f,az saber, aos interessados,dos neo-realistasportugueses;mas conhece-lhes os probiemas eencaminha-os.paratemas mais afins: os dos brasiieiros da denrj.ncia socialdo Nordeste'(Graciliano Ramos,Jorge Amado, Lins do Rego) ou outros como os tratados por Steinbecknas Vlnhas da lra. Tudo em ediE6esbrasileiras idas de barco juntamente collt O Crttzeiro e outras revistas do Rio de'Janeiro. (E nd,o foram menos lidos e digeridos os cronistas espahtososenteo a pontificar naqueie semandrio carioca).Quando o esfomeadode ler ndo tinha dinheiro, o Abranches emprestava,fazia circular, dava o que comprava com custo, generoso, sempre sem cuidar de si. Entretanto, na capital.de MoEambique,uma Publicagdomensal de letras, artc, ciLncia e criti.ca,o Itinerd.rio,deixara de publicar-se.Com o togo atcado pelo Abranchesvolta a aparccer.Nas suas colunaspodem lcr-se,cntre outros, Siddnio Muralha, l\,tiguclTorga, CasaisMonteiro. _E, logo a scguir, um .dos novos poctas dc Mogambiquc: Fonsece Amaral.Estivamos a dcixar 1916. 5. Com 1947,ccm anos exactossobrc o nascimcntodo primeiro cscritor dc lingua portugucsanatural dc Mogambiquc,a pigina dos sonctosdc amor e do ncgrcpaisagemvai scr voltada. E por Augusto dos Santos Abranchcs.O nosso cavalciro de esperanQas. A Socicdadc de Estudos de Mogambique, uma n academiao de brancosfundada cm 1930e ati entio ocupadg,apenascom cicnciasou tccnicascomo a matematica,a geologia,a_medicina tropical, as engenharias,cria uma Secgio de Literatura. O Abranches,atento, salta-lhe para dentro. Mesesdepois,em Setembrode L947,essaSociedaderealiza o seu primeiro Congresso.Augusto dos Santos Abranches inscreve-se com duas teses: Mogambique lugar para poesia e Sobre < Literatura ' Colonial". Assinalemosas datas, que foram decisivaspara a historia literiria da ex<oi6nia portLrguesa:a primeira foi lida no dia 8 de Setembrode L947,de tarde, € a segundano dia 11, de manhd. Desprevenidos,os criticos oficiais nd,o se aperceberam muito bem onde queria,'chegar a primeira e dedicaram-lhemeia duzia de linhas - ali6s tiradas da pr6pria comunicagio- noN oticias de 9 de Setembro. Nesse respigo, o Abranches falava na necessidade de conhecer da exist€,nciado negro o seu aspecto htrmane, mas parece ndo terem dado por nada. Mas j6 ndo sucedeua mesma desatengS,o com a segundatese- Sobre < Literatura Colonial , - a cuja leitura foram assistir, de faca na liga, os sonetistas da primeira p6grna do Noticias e mais 06 premiados 33 Ilidio Rocha pela Ag€ncia Geral das Coldnias no seu concurso de o Literafr:ra Colonial ,. Augusto dos Santos Abranchesnega-llrcsnas bochechasa erist€ncia de uma verdadeira c literatura colonial o portuguesa (exceptua FernSo Mendes Pinto e Castro Soromenho,cste com restrigio, e ndo considera literatura colonial as cronicas dc viagem), afirmandolhes peremptoriamentendo haver ainda literatur;, *ofu*bicana e. E 'ai-se d falada n literattka colonfalo para dizer entrc outras coisasquiEamais , duras de digerir por aquelebando de literar,s espantados: nabra-se um lir.ro e veja-se. Repar,.rl no, personagensapresentados -brancos e pretos, como cempre tio diiiintamente sio descritos ! Siga-selhes as ac96es c. as reac96es, mega_se-lhesos pensamentos. De brancos e pretos, que o sc erl@ntra de inrimo, de panicular a cada um ? Nada. Apenas o exrerior das pessoas, o descritivo da paisagem, se irctl,,. hi paisagem. Unicamenre o c o r , d o p i g m c n t o ., t : r p c i c , idcias feiras." .preqonceito.dc "i", Adverte I laureada plateia de que uma vc, rlaclcira literarura moqam_ bicana teri de ser fcita por africanos, uma ( litcratura onde o ncgro falasscc rrpandissc conl a mcsma ycrdadc ptricol6gica,emotiva c social ( (,mo a clo curopcu. n Cita o excmplo E termina . da litcratura ncgra nortc.anrcricana, atrayis da qual, e pcla' suas obras, pclas suas rcartuirq'cs sc podc comprccndcr para ondc e como o caminho cra ritcratura airrcana sc rasc3r.r um dia. ' ! r segtir, ncste c-r'so conhcccr (, cluc ainda nio conhcccmos, !-:': esta-se lmpondo como um dos mai; fortes prcnfncios clc futuro a que o homem nio sc podcri funl1;! ; to Relembro que corria ainda o ano dc 194./ c que o folheto poesia negra de expressd.o portugrrcsa, de Franciscr, Josd Tenreiro e lvlario Pinto de Andraderr, aliiis circulado em MoE;,rnbique pelo Abranches, sempre ele, s6 sairia em 1g53.Daf a estupel,,.gao i_inaignagio da plateia perante.o dbsaforo,dai a reportag€rrrnfr11aj6 " atenta do Noticias do dia 12 de Setembro, com titulo 1.*to um primeira p:igina e a " escorrer para dentro em mais duas colunas. 4 literatttra foi o prato no congressoda sociatradea, irtuaos, forte do dta de ontem 'abria dizia o - trrulo, que i noticia logo a espadeirar: "i;;r;"Ttirrorr,ra Colonial ,, 'falou o sr. Augttstodos santos Abratrrt,rr, q;r, f o;-o,torod.o, ,o^ ironia contundente,pelo Sr. Eduardo Correia clt, Uiror.l: O ;r. Ed,uardo correia de Matos era um dos laureados corn fr primio de < Literatura 34 Sobrc as origens dc utna litcratura mogambicana cle expressd,oportttgttesa C o l o n i a l ,, p e l o q u e s c percebe a sua contund€nci a e o destaque e espago que lhe dava o Noticias. E foi de tal forma o reagir, que o presidente da sessio, houve por bem encernlr o debate e espalhai cautelas e iigrra na fenn:ra. Segundo o Noticias, o presidente frisou que o Sr. Abranches nd.oprocurara f erir nem ds literatos premiados em literatura colonial, nem os jfiris, nem o governo qtte criara os conclffsos... O discurso do presidente, a avaliar pelo espaqo que o jornd*lh-e dedica, foi longo e sempre num estiio meio incomodado meio conciliadcs- -I/ia-se q u e a d i v i n h a ra o n d e i a dar o rasti l ho eue se acendera. 6. E que nada ia ficar na mesma. As n glorias D passaram a ser contestadas pelos novos e-uma poesia realmente mogamLi.*ro ensaiava passos decisivos. Diz'nos o exemplar, oferecido- pelo Abranches - mais uma vez ele -- da edigao ciplosrilida, clandestina, clos poemas de No€'de mia Sousarz, eue os versos mais anrigos deisa colectinea da jovem poetisa ncgra - firme primciro passo de uma poesia nova t6m a data de I dc Dczembro dc 19-t8,a maioria sio de 1949 e os scus poemas h'Iagaiga c Dii.ra passar g ,,tctt povo, rinicos poemas moqambicanos i n c l u i d o s n a j i c i ta d a a ntol ogi a dc Tcnrci ro e P i nto dc A ndradc, foram c s c ri to s c m J a n c i ro d e 1950. P cl as dcdi catori as, ao Josc C ravei ri nha, ao -Joio Mcndcs, ao Duartc Galvio (Virgilio dc Lemos), ao Rui Guerra, ao Ruy Knopfli e, tambc.m I memoria dc Joio Dias, vemos que se forja um grudo tenrando consciencializar-se. 't "nava ?elos versos, que citam e ate sio is vezes ded.icados a Jorge Amado, que falam do Carnaval do Rio, do Harlem e dos cantores de qttt.ricanos, compreendemos o quanto do caminhci preconizado e i* facilitado pelo Abranchcs fora seguido. E senrimosJhes ai raizes, quiqd mais claras num Rui Nogar (ivloniz Barreto) ou num Jose Craveirinha, que ficaram e continuaram : os neo-realistas portugueses, a prosa d,os brasileiros da denrincia nordestina, a podtica em muito d.e Jorge Amado dessa altura e as cronicas e is vezes cronicas-poerr(a d,o Cruzeiro e d,a Manchete (Carlos Drumond de Andrade, Cecilia Meireles, Fernando sabino, Rubem Braga' e, atd, Manuel Bandeira). Rafzes que d.eram como fmto runa poesia ainda hoje talvez mais de Mogambique do que mogambicana - mas declaradamente de denuncia do colonialismo e do racismo e agora sim, definitivamente, n6o o colonial ,. .,-A prop6sito daqueias rarzes exteriores, brasileiras no caso e na sua maioria, pergunto com M6rio Dionisio quantos dos neo-realistas pbrtugueses as n6o tiveram tambdm, mesmo que em menor grau ? rl E a prosa? Em lg4g, {ui Guerra, entdo ainda muito jovem, ensaia algrrns contos clrrtos (ibspirados - em Zavattini ?) q,r" trao t6m conti' nuagdo. Em 1952, um grupo -de estudantes universitiirios mogambicanos edita em Coimbra o livro Godido do seu ex€olega Jodo Dias, morto 35 Ilidio Rocha de tuberculoseem Lisbqa, tr€s anos antesr{. Trata-se de contos escritos no final dod seus escassosvinte e dois arlos de vida. Filho do jon:alista muJato Est6cio Dias, de quem j6 falamos a prop6sito do Brado Africano, estudante universit6rio-em Coimbra e em Lisboa, Jo6o Dias comeEava ent6o a trilhar um caminho que .levaria quase de certez a uma afirmag6o como verdadeiroprosador mogambicano.o grupo de que emerge pioneira Nodmia de Sousa con.hece-lhe os escritos, pelo menos j6 ero 1950,mas o exemplo ndo foi seguidors.Seria necessdrio esperar 19il e a ediEio do livro de contos,Nos matamos o cdo tinlrcso do negro ronga Luis Bernardo Honwanatt, para ler a primeira aut€ntica pros3 africana de expressd,oportuguesa escrita em Mogambique e d; urn ponto de vista mogambicano.56 que, em prosa, a litetutlrtu mogarn. bicana ficou praticamente por ali. 7, Assirn, teremos de voltar b poesia e ao Augusto dos sanros Abranches.Tal como em Coimbra, o Ab'ranchescuidou dos outros mais do que de si, e f€-los publicar, sernpre quc apanhava a censura distraida e um espago que ele proprio aEiia : no Agora, semanario de 1948de que,foi chefe da redacgdoe quc o Governoda Colonia suprimiu ao dccimo sdtimo nr.imero; no ltincrdrio quc por mais dc Luna vez conseguiu que renascessenem se sabe por que artes; nluna pdgine litcraria douinical do diario Guardian,crn 1949 na Tribttna de l95l por onde tambini andou metido; e nas folhas de Angolas e Brasis onde tinha acessopor direito e teimosia. Ele quc, como diz Fcrnando Namera, nu,tca deixott a slta candcia apagar-sc Em 1956, acossadopor azares e pides, desandou para o Brasil, . onde viveu ainda- cerca de dez a4osr expedincio cartals, espeftrngas, sonhos e projectos, sabe-se16,a que pio roubado o d.inheiro dos seios. Mas deiiara para tr6s, nascida, ,r*" poesia mogambicana afirmadamente'nio colonial, gragas'ao fermento que dela foi a sua militancia qulxotesca, teimosa e aiumiadora. Dai que essa poesia - e com ela a literatura mogambicana nio colonial- tenha dutr de nascimento, 8 de setembro de 7947,e padrinho, Augusto dos santos Abranches. Daquela. data para a frente, p6de esireuer-se com Noemia de Sousa, em consci€ncia,mesmo que clandestinamente: oh deixa passaromeupovo! ,_- 36 Sobrc as origcns dc urna litcratura ntogatnbicana de exprcssdo portuguesa NOTAS 1. \evbtaAfricana, Mogrmbique, 1881(n.orI a3), lgg5 (n.orI ez),e 1gg7(n."2). 2. A inarrabcnta, ?anga mogambicana tida como ncgra, i uma criagio dos anos 30 do mulato Jaime da Graga Palxio, .cc!,hgcicio por 2ogurta, nos bailes dos bairros brancos onde os mestiggs se movimentavam entio como estrelas. Zigrr"ii era, no dizer de Jose Craveirinha, c emdrito-pugilista, emdrito futebolista, bailarino e einirito amoroso r. Q vocdbvlg marrabenta e formado da corn:ptela "rrr..ito da palavra portuguesa, arrebenta e do prefixo ronga rra (preflxo verbal por" u tcrccira pessQa do plural) e era p grito dc inciramenro aos bailarinos langado por Zagucta 3. O rito QuenguElEquize de aprescruaEi,odo recim-nascido i hla vem d,escrito na obra do missionirio suiqo Hcnri A. Junod, The Life of a South Alrican Tribe, traduzida para portugu0s sob o tfrulo dc (Jsos e Cosiutnes clos Bantos (traduEio fcita cla cdiq:io franccsa), c ccliracla pcla primcira vez em Neuchatel, cm 1912.Quando Ruy dc Noronha tomeu conhccimcnto daquele rito ji o mesmo sc n5o pratic-1va.Junxl rccolttcu os ctcmcnros para aquclc importante trabalho 'no durantc a sua cstada Sul dc Moqambiquc, ,corno missionirio, cle lggT a 1909, ano cm quc nasccu Ruy dc Noronha. E intcrcssante corcjar a dcscriqio do rito fcita por Junod cary o flocma dc Ruy clc Noron}a. 4. Fcrnando Namora, urrr sino na l'[ontanlta, s,n cd., pp. 2s5-265, Livraria Bcrtrand, Amadora, lg7g, ,t.''1..5: -Attttudc. Bolctim dc litcrarura e artc. coimbra, n.o l, Fev. 1939; a.o z, Abiil 1939.Dircctorcs: JoSo Josc Cqchofcl, Coriolano Fcrreira, Fernando Namora e Joaquim Namorado. Editor: Augusto dos Sanros Abranches. Colaboradores, aJCm dos dircctores e do editor: Manuel da Fonseca, Ant6nto prado, Carios de Oliveira, Afpnso .Ribciro, fuit6nio Ramos de Almeida, Manuel de Azevedo e Mario Dionrzio. 6, Cadernos da Juventude. Coimbra (s6 foi puUicado r:ne ntmero, do qual, segu'ndo Namora, escaParam tr€s exemplarer -tr queimados restantqs for"r' uo p:ltio do Governo Civil). Directores: Joaquim Namorad,o, polibio Gomes d.os 'Joio Josi Cochofel e outros. Editor: Augusto dos Santos $branches. ,S4ntos, 7. C.ecilia Meireles, Poetas Novos de Portttgal, pp. l0 e 304. Ed.ig6es Dois Mundos,.Rio de Janeiro, 1944. ' 8. Augusto dos Santos Abranches, Contorno d,e Ego- Desenho da capa do Autor. O, lvlinerva Central, lourengo Marques, 1946. I, Portuguesa, claro, pois j6 existiarrr eutSo manifestagdes imporPg-Fg,r" lagles d'e uterattrra escrita eln chaugaue. Embora acredite que nem Augr:sto 'nesr dgs Santos Abranches o setr ptblico daquele coDgresso as coul:,ecessem. panifestag6es litenirias em hnguas locais ioruc d,esencorajad,as> *-pr" . fu. pelas autoridades portuguesas e c viviam o na clas6sstinidade ou ... Do estran. geira. A liog,* changane abrange uma 6rea populacionai importante do Sul de Mogambique e do Transval do Norte (Africa do SuI). 37 Ilidio Rocha 10. Augusta dos santos Abranches, $obrc u Litcratura colonial o, 5 p., Socic. dade de Esrudos da col6nia de Mogambique, Lourengo lvlarques, 1947. 11. Francisco Tenreiro e Miirio Pinto de Andrade, Poesia negra d.e expressdts portuguesa. Vinheta e arranjo de Antonio Doming:es. l8 p. Livraria Escolar ' Editora, Lisboa, 1953. t2- Trata'se de um caderno de 49 pdginas, ciclostilado, sem titulo nem nome da autora, incluindo quareuta e tr€s poemas, o mais anrigo de I de Dezembro de 1918 e o mais moderno'de'Fde illaio de 1951. Circulou clandestinamente em Lourengo Marques (agora Maputo; em l95l. 13. M6rio Dionisio, Descoberta(s) do BrasiL n JL D, r.o 39, Lisboa, 17-30 de Agosto de 1982. 14. Jo6o Dias, Godido e outros contos, 103 p. Secado de Moqambique da CEI, Coimbra-, 1952. 15. No c"rderno a que nos referimos na nota 12 vem inclurdo, na p. 43, um poema datado dc 8 de Junho de 1950intitula<lo Goctido e cledicaclon i memoria \ {c Joio Dias o. 16, Lrris Bernardo Honwana, Nos tnatanros o Cito Tinhoso, 135 p. Lourcngo Marqucs, 196{.