Centro de Estudos Bíblicos Dá-me de beber! Nossas sedes e nossas águas A caminho da 20ª Assembleia Nacional do CEBI 1. Introdução O texto escolhido como motivador à 20ª Assembleia Nacional do CEBI trata do encontro entre Jesus e a Samaritana. Apesar de muito conhecido, é palavra sempre nova. Tal como fonte de água, renova-nos a cada leitura. Cada visita ao texto é como que uma nova visita ao poço, onde novos encontros e descobertas sempre acontecem. Nossa Assembleia, na qual também celebraremos os 35 anos do CEBI, terá seu ponto alto entre os dias 14 e 16 de novembro de 2014, em Guarulhos/SP. Entretanto, já vem se realizando a cada encontro, em todos os cantos do Brasil. Cada assembleia estadual é convidada a apresentar sua contribuição, num tecido comum, feito a muitas mãos! O que se segue, mais do que um estudo de João 4, são provocações para que nos sintamos encorajadas e encorajados a dizer reciprocamente: Dá-me de beber! Precisamos de diferentes águas para o conjunto de nossas sedes! Ao final, são apresentadas algumas perguntas para a continuidade do bate-papo. Aguardamos que você envie os frutos da conversa de seu grupo à coordenação do CEBI em seu Estado, para que sejam socializados. 2. Uma reunião de diferenças Vamos puxar alguns fios deste tecido (Jo 4,1-42). Eles podem ajudar-nos no processo de preparação para mais uma assembleia nacional. O encontro de Jesus com a samaritana foi uma reunião entre diferentes. Diferentes no gênero: ele era homem, ela era mulher. Diferentes na cultura e na geografia: ela era samaritana, ele era galileu. E diferentes na religião: ele adorava o Deus de Jerusalém, ela o de Garizim. Embora tão diferentes, experimentaram o encontro e o diálogo, a partilha e a acolhida. Aprenderam do diferente. Os dois tinham sede. Ambos, porém, também tinham água a oferecer. Conviveram. Juntos comeram e beberam. E isso é sinal de intimidade, de confiança e de comunhão. O espaço em que a mulher samaritana e Jesus estabeleceram um diálogo é o poço em Siquém ao pé do monte Garizim. Era o lugar em que todo o povoado buscava água. O poço era espaço de encontro, especialmente das mulheres que ali buscavam água. Era lugar de encontrar o seu amor. Foi junto a poços que nasceu o amor entre Rebeca e Isaac (Gn 24), entre Jacó e Raquel (Gn 29,1-20) e entre Séfora e Moisés (Ex 2,11-22). Não foi a mulher samaritana quem era a estrangeira, pois ali era o seu espaço. Jesus foi o estranho. No entanto, ambos tinham sede e ambos tinham água a oferecer. Estabeleceuse uma troca. Houve abertura para acolher e generosidade para oferecer. Os dois superaram preconceitos. Samaritanos e judeus não se davam, como podemos ler no texto apócrifo (ou Rua João Batista de Freitas, 558 - Scharlau - Fones: 55(51) 3568-2560 / 3568-3225 - Fax: 3568-1113 Caixa Postal 1051 - 93121-970 - Leopoldo/RS - E-mail: [email protected] - www.cebi.org.br deuterocanônico) de Eclo 50,25-26. Não convinha que judeus passassem pela Samaria (Lc 9,51-56). Tão fortes eram o preconceito e os atritos entre os dois grupos que lideranças judaicas, nas suas acusações contra Jesus, teriam dito: “Não dizíamos com razão que és samaritano e que tens um demônio?” (Jo 8,48). Homens e mulheres não conversavam em público (Jo 4,17). Os dois foram corajosos e ousados ao desconstruir paradigmas, ao romper muros que dividiam. Ambos mergulharam na outra pessoa e em sua cultura. Jesus iniciou o diálogo a partir de sua sede: “Dá-me de beber”. Ele precisava da samaritana para resolver a sua sede. Aliás, todos precisamos de ajuda. No entanto, Jesus partiu da água que mata a sede do corpo a fim de indicar para outra água, para outra sede. Jesus propôs água de uma fonte que gera vida plena, vida em abundância. Há uma mistura entre necessidades do cotidiano (sede do corpo) e do sentido da vida (sede do divino). Que outras sedes temos? De que outras águas necessitamos? Que águas temos a oferecer? Que trocas podemos estabelecer? Pense nisso, voltaremos nessas perguntas mais abaixo. 3. Prestar culto em Espírito e em Verdade Depois de conversar sobre as sedes e as águas, passaram para outro assunto. Agora, o tema é a religião, passaram para um debate teológico. A referência aos maridos recorda as divindades trazidas pelos cinco povos que os assírios deportaram para a Samaria em torno de 720 a.C. (2Rs 17,24.29-31). Eram divindades impostas de fora e que faziam parte de um projeto imperialista de opressão. A ordem era: dividir para reinar. Eram divindades que não geravam liberdade. A sexta divindade provavelmente é uma referência à imposição violenta do culto de Jerusalém sobre os samaritanos por João Hircano, rei e sumo sacerdote do templo, em torno de 128 a.C. Nessa ocasião, o seu exército destruiu o tempo dos samaritanos no monte Garizim, aumentando ainda mais a inimizade entre os dois povos. Mais uma vez, o Deus de Jerusalém legitimava a violência. Não promovia liberdade. Conversa ia, conversa vinha e ambos, a samaritana e Jesus, se abriram, ofereceram e acolheram. Foi um diálogo em pé de igualdade. Os dois transformaram e foram transformados. Porque a boa nova de Deus está no coração de cada pessoa. A samaritana reconheceu Jesus como um profeta e como o messias esperado. Logo, foi partilhar a novidade com o seu povo. Tornou-se missionária e anunciou quem lhe oferecera água da fonte da vida. Jesus também mudou. Antes, achava que a salvação vinha dos judeus. No entanto, a samaritana ajudou a abrir os seus olhos. E Jesus sintetizou a conversa, reconhecendo que o verdadeiro culto a Deus é em Espírito e em Verdade, independente de lugar, de rito e de cultura. Cultuar Deus em Espírito e em Verdade é o coração da verdadeira religião. O apóstolo Paulo diria que Deus é Espírito e onde está o Espírito de Deus aí está a liberdade (2Cor 3,17). E a comunidade joanina afirma que a Verdade liberta (Jo 8,32). De qualquer forma, prestar culto a Deus em Espírito e em Verdade é tornar-se sempre mais livre, é permitir que as pessoas sejam livres e, ao mesmo tempo, é promover liberdade. Foi assim que Javé se revelou a Moisés. Ele é o Deus que está junto para libertar e promover a justiça. Adorar em Espírito e em Verdade, portanto, é superar toda e qualquer estrutura ou instituição que impede a liberdade, a justiça e o amor. É voltar a ligar-se à fonte da vida da qual jorra água viva que promove vida divina, vida plena, vida em abundância. 4. Em espírito e verdade, o copo nunca se enche “Você se comporta como se fosse um copo cheio!” Essa frase é dita no filme Avatar por uma mulher do povo ancestral ao representante do povo que quer expulsá-lo para explorar os minérios de sua floresta sagrada. O tema e o lema de nossa assembleia fazem lembrar da mulher, e de sua frase. O filme retrata os conflitos no encontro de dois povos diferentes em quase tudo. É muito bom para refletirmos sobre como nos comportamos diante dos diferentes de nós. Nosso mundo globalizado cada vez traz mais para perto de nós informações, realidades e mesmo pessoas de outras culturas e de outras religiões. Somos chamadas e chamados a perceber o outro, a outra. Ao mesmo tempo é uma sociedade que estimula a manifestação do ser individual, especialmente através do consumo e dos modismos. Mas também, ao afrouxar ou abolir os controles comunitários e familiares, abre espaço para a manifestação de diferente maneiras de ser e de estar no mundo. Assim, somos confrontados e confrontadas por nossas realidades, não somente atravessadas pelas desigualdades sociais, mas cada vez mais marcadas pelas diversidades culturais, religiosas, afetivo-sexuais e outras. Por incrível que pareça, nossa sede mais latente e corriqueira pode ser fruto da ausência de reconhecimento e de diálogo com quem está mais próximo de nós: grupos cristãos variados, irmãos e irmãs de diferentes igrejas, troncos e galhos da mesma raiz, que vivem sua fé e sua espiritualidade de forma distinta. Nossos preconceitos nos impedem não só de fazer análises mais aprofundadas, como também perceber aspectos positivos nos diferentes grupos, especialmente nas igrejas pentecostais. O CEBI precisa beber mais de outras águas, às vezes muito próximas, mas nem sempre conhecidas. 5. Perguntas para quem quer aprender do diferente Em nossa Assembleia Nacional tematizaremos nossa vida e nossas práticas em contexto de pluralidades. Queremos superar compreensões segundo as quais o diferente é uma ameaça. A divindade nos criou plurais. A uniformidade não só empobrece como nega a própria criação. A partir das diferenças, tensões e barreiras presentes no encontro entre a mulher samaritana anônima e Jesus, em João 4, somos estimuladas e estimulados a refletir sobre os nossos “encontros”, sobre nossas relações, nossos desafios, nossas contribuições e nossas necessidades frente às diversidades que nos rodeiam e de nossa crescente consciência a respeito delas. Depois de conversar sobre as perguntas abaixo, você pode enviar um pequeno texto para a coordenação do CEBI em seu Estado. 1. Quais são “as samaritanas”, as águas, os poços alheios a nós, nas áreas sociais, culturais, religiosas, afetivo-sexuais, etc., com os quais nos deparamos em nossas realidades? 2. Como reagimos? 3. Como esses encontros nos fazem olhar e tomar consciência de nossas próprias águas, nossos próprios poços? Como nos fazem refletir sobre nossas próprias raízes culturais, nossa educação moral, afetiva e sexual? 4. Quais são as sedes que sentimos? 5. O que precisamos e como podemos fazer para que esses encontros nos ajudem a purificar nossas águas e sirvam para que encontremos as “águas vivas”, as sagradas águas da vida, presentes tanto nas fontes mais profundas de nossas águas/poços como nas fontes mais profundas das águas/poços que são diferentes das nossas? Sugestões de aprofundamento Vários materiais já foram publicados no CEBI sobre o texto de João 4. Seu grupo pode fazer uso deles para aprofundamento: 1. Elaine NEUENFELDT. Encontros e diálogos entre Jesus e a Samaritana. In: Bíblia e Educação Popular: encontros de solidariedade e Diálogo. PNV 213-214, p. 3743. 2. Carlos MESTERS. “Senhor, dá-me dessa água!” – O diálogo da Samaritana com Jesus (PNV 113). 3. Edmilson SCHINELO. À beira do poço do Bem Viver. In: A comunidade do Discípulo Amado e o Jardim do Bem Viver (PNV 312), p. 14-16. 4. Carlos MESTERS, Mercedes LOPES e Francisco OROFINO. A Samaritana encontra Jesus: em busca da fonte de água viva. In: Raio X da Vida (PNV 147/148), p. 49-55. 5. Maria SOAVE, Uma história do meio-dia, In: Caminhos... Errando entre Vida e Bíblia. p. 81-84. 6. Tea FRIGERIO. Discipulado de mulheres – a Samaritana. Disponível em http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=9¬iciaId=4595. 7. Nancy Cardoso PEREIIRA. A outra história de Jesus e a samaritana. Disponível em http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=7¬iciaId=4742 .