A FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO EXPERIÊNCIA COMPARTILHADA: DOCÊNCIA E PESQUISA MICARELLO, Hilda Aparecida Linhares da Silva1 - UFJF Grupo de Trabalho – Formação de professores e profissionalização Docente Agência Financiadora: CAPES Resumo O relato a seguir descreve uma experiência realizada no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID – financiado pela CAPES e desenvolvido na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. O subprojeto “Letramento” congrega cinco bolsistas licenciandos do curso de Pedagogia, uma professora de uma escola pública municipal, além da professora da universidade, coordenadora do projeto. Desenvolvida em articulação com o projeto de pesquisa “Práticas de leitura no ensino fundamental”, na experiência aqui apresentada discorremos sobre a relação entre teoria e prática na formação de professores, tanto os iniciantes quanto os mais experientes. Destacamos ainda as repercussões desta experiência para na atividade de pesquisa, pelo entrecruzamento de olhares e perspectivas sobre a docência que a mesma tem proporcionado ao grupo de pesquisa. O relato focaliza a realização de um filme por crianças do 2º ano do ensino fundamental, a partir da mediação da professora da turma e das bolsistas do projeto, e o modo como a realização dessa atividade proporcionou novos encaminhamentos metodológicos para a pesquisa em curso. Discute, ainda, os desafios éticos advindos da inserção da professora da escola de educação básica no grupo de pesquisa, e dos pesquisadores no contexto da escola de educação básica, movimento que favoreceu um entrecruzamento de olhares e perspectivas a partir do qual constroem-se novos saberes, sobre a docência e sobre a pesquisa. Incialmente é apresentada uma contextualização do relato, seguido do desenvolvimento do mesmo articulado a algumas reflexões teóricas que subsidiam as ações de formação relatadas. Finalmente desenvolvemos algumas considerações sobre o que é possível aprender a partir da experiência relatada e como a mesma pode subsidiar novas práticas de formação. Palavras-chave: Docência. Pesquisa. Formação docente. Introdução 1 Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora da FACED/UFJF e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFJF e do Programa de Pós-Graduação Profissional do CAEd/UFJF. 13955 O foco deste relato é uma experiência de formação compartilhada entre docentes e discentes da Universidade e docentes e discentes da educação básica, desenvolvido no âmbito do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – articulado à pesquisa acadêmica. Tal experiência está fundamentada em alguns pressupostos teóricos, a saber: (i) a docência é uma atividade que envolve saberes advindos de diferentes fontes, como a formação inicial, a experiência profissional, as relações entre pares (TARDIF, 2002); (ii) nos processos de formação, a relação que os sujeitos estabelecem com esses saberes não é uma relação direta, mas sempre mediada pelo outro: “a ideia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-se do dogmatismo subjetivo), de relação desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber)” (CHARLOT, 2000, p. 61) ; (iii) nos processos de mediação estão envolvidos encontros e confrontos, a partir dos quais os sujeitos se modificam e os saberes são ressignificados, dando origem a novas práticas . Tais pressupostos teóricos têm orientado tanto a experiência de formação aqui relatadas quanto as atividades de pesquisas que vêm se desenvolvendo a partir desta experiência. Incialmente apresentamos uma contextualização do relato, seguido do desenvolvimento do mesmo articulado a algumas reflexões teóricas que subsidiam as ações de pesquisa e formação. Finalmente desenvolvemos algumas considerações sobre o que é possível aprender a partir da experiência relatada e como a mesma pode subsidiar novas práticas de formação. Contextos compartilhados de formação No ano de 2012 a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora apresentou à coordenação do projeto PIBID desta instituição o subprojeto “Letramento”, o qual previa a inserção de dez bolsistas dos cursos de licenciatura em Pedagogia e Letras em escolas da rede pública de Juiz de Fora para atuarem sob a coordenação dos professores da Universidade e de dois professores da educação básica, também bolsistas do Programa. O foco do projeto são práticas de trabalho com a leitura e a escrita no ensino fundamental, havendo um subgrupo que atua nos anos iniciais do ensino fundamental, composto por cinco bolsistas e uma professora da educação básica, e outro subgrupo que atua nos anos finais da educação básica, com a mesma composição do anterior. Cada subgrupo é coordenado por uma 13956 professora da universidade. O presente relato de experiência diz respeito ao primeiro grupo anteriormente referido e focaliza mais especificamente os seguintes objetivos previstos para o PIBID: a integração dos licenciandos à escola básica, a mobilização dos professores da escola básica como coformadores dos licenciandos e a articulação entre teoria e prática na formação docentes. O subprojeto “Letramento” originou-se de experiências de integração entre a universidade e a escola de educação básica em curso, decorrentes de projetos de pesquisa que tinham como campo de investigação escolas da rede pública. No âmbito dos referidos projetos de pesquisa, professores da universidade e alunos das licenciaturas participantes de projetos de iniciação científica já estavam inseridos em escolas públicas na qualidade de pesquisadores, assim como professores das escolas, sujeitos das pesquisas em curso, participavam das reuniões do grupo de pesquisa na universidade. Na experiência abordada neste relato, havia um estudo longitudinal em curso desde o ano de 2010, no âmbito do qual uma mesma turma e sua professora vinham sendo acompanhadas por pesquisadores da universidade. Alunos do curso de licenciatura em Pedagogia e a professora coordenadora da pesquisa realizavam observações na referida turma. A inserção desses sujeitos na escola, na qualidade de observadores, enquanto estratégia metodológica de pesquisa, tinha por objetivo oportunizar uma familiarização dos pesquisadores com o contexto da escola, buscando aprender, naquele contexto, os sentidos produzidos pelos sujeitos para as práticas de leitura em curso nos anos iniciais do ensino fundamental. Os dados produzidos a partir das observações realizadas, registrados em notas de campo pelas licenciandas e pela coordenadora da pesquisa, eram discutidos no grupo à luz dos referenciais teóricos da psicologia histórico-cultural. Para esta abordagem, a pesquisa em ciências humanas difere da pesquisa no campo das ciências naturais, pois naquele caso temos o encontro do pesquisador com sujeitos que se pronunciam sobre o mundo. A esse respeito, ao discutir a epistemologia das ciências humanas, Mikhail Bakhtin (1997) afirma que: Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a título de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. (p. 403) Ao tratarmos, no grupo de pesquisa, dos eventos observados na escola, buscávamos a interpretação dos mesmos orientados pelo esforço de compreensão das ações dos sujeitos, 13957 sem adotarmos uma atitude de valoração de determinadas práticas ou situações em detrimento de outras. Nesse movimento, para além dos conhecimentos que se produziam sobre as práticas de leitura observadas, teciam-se outros, sobre a docência e os desafios enfrentados pela professora, como as restrições impostas pela organização dos tempos e espaços escolares, as relações com alunos e famílias. O grupo deparava-se com esses desafios e sentia-se fortemente implicado, do ponto de vista ético e metodológico, com a análise das práticas observadas, sendo este um tema recorrente nas reuniões da pesquisa. Especialmente as licenciandas, que não tinham ainda a experiência da docência, manifestavam-se com frequência sobre o desafio de registrar os eventos observados na escola sendo fiel ao que efetivamente acontecia, sem que suas crenças sobre como deveriam ser as intervenções da docente se sobrepusessem ao modo como elas efetivamente se davam. Os desafios envolvidos na produção das notas de campo foram abordados por Souza (2011, p. 490), uma das licenciandas participantes do grupo de pesquisa: No momento em que trago minhas considerações registradas em forma de notas de campo não necessariamente exponho o que o outro pensa de si próprio, visto que o olhar que tenho sobre o outro não é o que ele vê de si mesmo, posto que justamente por apresentarmos características semelhantes e diferentes, ao compartilharmos essas características com o outro podemos alterá-lo. A reflexão de Souza remete ao processo de observação e registro em notas de campo como atividade na qual o pesquisador está diretamente implicado na realidade que observa e para a qual desenvolve suas interpretações no ato mesmo de registrar o vivido e observado. No ano de 2011 o grupo de pesquisa realizou uma reunião com os professores da escola para divulgação dos resultados parciais da pesquisa, após a qual a professora da turma manifestou o desejo de participar das reuniões do grupo de pesquisa na universidade, o que passou a acontecer. A integração da professora da turma ao grupo de pesquisa representou um momento de importantes mudanças nas formas de produção e análise dos dados da pesquisa, assim como de novas possibilidades de triangulação dos dados produzidos a partir das intervenções da própria professora da turma, comentando as notas de campo e trazendo seu próprio olhar sobre os fatos ali descritos. Esse movimento de ressignificação das situações observadas no campo de pesquisa, tanto pela professora quanto pelos pesquisadores, foi 13958 propulsor da construção de novos conhecimentos, tanto sobre as questões relacionadas à pesquisa, quanto sobre as práticas docentes. Ressignificando saberes, reconstruindo práticas Quando surgiu a oportunidade de encaminhar um projeto para o edital do PIBID do ano de 2012, decidimos, então, estreitar essa integração com a escola por meio do projeto “Letramento”. Assim o projeto foi incorporado à pesquisa e as ações desenvolvidas em seu âmbito tornaram-se, também, dados a serem analisados. Essa incorporação trouxe uma nova perspectiva para abordagem das relações entre teoria e prática, uma vez que as atividades de docência e pesquisa passaram a ser tratadas de forma mais articulada, alimentando-se mutuamente. Tal articulação entre teoria e prática nos remete ao conceito de práxis, definido por Konder (2001) como "atividade de quem faz escolhas conscientes e para isso necessita de teoria." A práxis, portanto, chama a consciência para o problema, é a prática que necessita da teoria para justificá-la. Esse movimento da prática que “chama” a teoria, e suas repercussões para os professores e licenciandos participantes do projeto é o que abordaremos a seguir, a partir da análise de uma situação específica, vivida no âmbito do subprojeto “Letramento” do PIBID. Uma das primeiras ações desenvolvidas no âmbito do subprojeto “Letramento” na turma do 2º ano do ensino fundamental, sob a regência da professora Gina Carla (mantivemos o nome real da professora por contarmos com sua autorização para tal e por acreditarmos que cabem a ela os créditos do trabalho realizado com as crianças e de orientação das bolsistas do projeto PIBID na escola) foi a produção de um filme com as crianças. Essa ideia surgiu a partir do desejo de uma das crianças da turma e foi prontamente acolhida pelos demais alunos, pela professora e pelo grupo de bolsistas do PIBID. A criança que propôs a realização do filme vinha sendo foco das preocupações da professora da turma, dada a dificuldade encontrada pela professora em despertar o interesse do aluno em relação às atividades escolares. A seguir apresentamos um trecho da ata da reunião da pesquisa na qual a professora manifesta sua preocupação com o referido aluno, motivada por uma discussão sobre o conceito de atividade na psicologia histórico-cultural e o papel da brincadeira como atividade guia da criança. Gina destacou a relação que se estabelece entre o desenvolvimento da vontade e a brincadeira em Vigotski e Hilda completou dizendo que na 13959 brincadeira as crianças aprendem a negociar suas vontades. Nesse momento comentamos várias situações nas quais presenciamos essas negociações ou a ausência delas entre as crianças. Gina lembrou do aluno R., dizendo se preocupar com a falta de vontade que ele apresenta em relação à leitura e à escrita. Hilda ressaltou que talvez essas ainda não sejam atividades significativas para ele, daí a importância de apresentarmos às crianças múltiplas possibilidades de acesso ao mundo da leitura e da escrita, para que elas possam fazer escolhas. (Ata da reunião do grupo de pesquisa do dia 29 de janeiro de 2013) É possível observar na reflexão da professora o chamado que a prática faz à teoria para melhor compreender a ambas. Esse movimento foi vivido em vários momentos do grupo, tanto pela professora da turma quanto pela professora da universidade, coordenadora da pesquisa, e pelas alunas licenciandas. Ao ser solicitada a se pronunciar sobre esse movimento, a professora da turma destaca: Para mim o grupo de pesquisa permitiu um diálogo articulando prática e teoria num exercício de ação e reflexão contínua. No serviço do fazer surgiram certezas e incertezas e fui amparada com sugestões e reflexões que o grupo proporcionou. Neste fazer, ora se descobre que o caminho a seguir está correto, ora é preciso recuar e mudar as ações. Enfim a ideia do coletivo tem ação transformadora, pois permite novas experiências. Refiro-me , aqui, ao conceito de experiência conforme a perspectiva de Jorge Larrosa: como algo que ‘nos toca, nos passa e nos acontece’. Porque experiência não é simplesmente o que se faz, é, sobretudo, o que perpassa a nossa existência e nos transforma. (Depoimento da professora Gina Carla, maio de 2013) O processo de descoberta de novos caminhos, apontados pela professora, tem sido marcado por descobertas e novas realizações, mas também tem sido um caminho eivado de conflitos, recuos e retomadas. Isso porque as relações do sujeito com o conhecimento são sempre mediadas por outros sujeitos, como afirmamos no início deste texto, e os processos de mediação não são sempre harmônicos, mas também de confrontação. Podemos melhor compreender as repercussões desses processos de mediação para o desenvolvimento humano a partir do conceito de internalização, desenvolvido por Vigotski para explicar o desenvolvimento das funções mentais superiores, tipicamente humanas. Conceitos como mediação semiótica e internalização são centrais para se compreender como se constituem, no plano intersubjetivo, as funções mentais tipicamente humanas, aquelas que não advêm apenas de nosso pertencimento a uma espécie, mas que têm origem no plano cultural. 13960 O conceito de mediação semiótica é um instrumento conceitual desenvolvido por Vigotski para explicar “como as funções psíquicas humanas têm sua origem nos processos sociais” (Pino, 2000, p. 40). De forma análoga ao que acontece na atividade de trabalho, mediada pelo uso de instrumentos que permitem a atividade criadora, no plano psíquico os instrumentos semióticos permitem a ação criadora do sujeito, a partir da qual ele modifica a realidade e a si mesmo. Graças a ação dos instrumentos e signos, de forma privilegiada a linguagem, mediadores da relação dos homens entre si e com mundo, torna-se possível a reconstrução interna das atividades externas, vividas no plano social. Com intuito de explicar como, nesse processo de internalização, os sujeitos se desenvolvem, Vigotski criou o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que tem sido muitas vezes traduzidos como a distância entre os processo já internalizados e aqueles em processo de internalização, que poderão ser internalizados pela mediação de um parceiro mais experiente. Szundy (2009), ao discutir a perspectiva da colaboração entre os professores das escolas e pesquisadores da universidade na formação de professores, aborda o conceito de zona de desenvolvimento proximal desenvolvido por Vigotski, propondo abordá-lo como zona potencial de desenvolvimento (ZPD). A autora esclarece essa mudança de perspectiva na abordagem do conceito: Mais do que uma zona proximal marcada pela distância entre os conhecimentos já internalizados na interação, o que se observa é uma zona potencial caracterizada pelo embate, em que o mais importante não é atingir um nível de desenvolvimento definido e pré-estabelecido, mas reconstruir continuamente os conceitos científicos em apreciação e conflito na interação. Essa reconstrução pretende-se ininterrupta na medida em que o processo reflexivo é um processo sempre inacabado, marcado pelo porvir, ou seja, transcende a situação material do diálogo para integrar as trajetórias profissionais e acadêmicas dos participantes da interação. (p. 100-101) O conflito é, portanto, uma condição para o desenvolvimento, para a criação do novo. Na experiência de integração do PIBID à pesquisa, os conflitos têm sido vividos como momentos privilegiados de formação de docentes e pesquisadores. Relatamos, a seguir, duas situações exemplares desses conflitos. A primeira se refere às incertezas da professora diante do tema do filme que o aluno R. desejava realizar, portanto refere-se a um conflito advindo de uma demanda da prática pedagógica da docente. A segunda situação diz respeito aos produtos 13961 das observações realizadas na escola pelas alunas licenciandas, pesquisadoras do grupo. Refere-se, portanto, à dimensão da pesquisa e desvela um processo de triangulação de dados na qual a contrapalavra do sujeito de pesquisa convoca o grupo a uma tomada de posição. Ambas as situações serão apresentadas a partir de excertos de atas produzidas pelo grupo de pesquisa. Situação 1:A professora Gina fala sobre seu incômodo em relação ao nome do filme idealizado por R. e que será realizado na escola pesquisada: “Zumbilândia”. Fala também das ações dos personagens, que comem os cérebros das pessoas. A professora considera que essas são situações de violência, inadequadas às crianças e questiona o grupo sobre o que pensam sobre isso. Hilda explica que as crianças têm que viver e superar seus medos, e que por isso gostam de histórias desse tipo. Para elas, matar os zumbis no final d a história tem uma força muito grande, pois o bem vence o mal, e tudo acaba bem. Destaca o fato de que para as crianças essas situações não têm o mesmo sentido que o adulto atribui a elas. (Ata da reunião do grupo de pesquisa, 16/10/2012) Para a professora, o apoio do grupo foi importante para que ela superasse dúvidas sobre acolher ou não a perspectiva das crianças no projeto de realização do filme. Para o grupo, o conflito manifesto pela professora deu origem a um estudo mais aprofundado sobre o tema da imaginação na infância, a partir do qual outras questões surgiram e novas compreensões sobre os modos como as crianças atribuem sentido ao mundo foram se construindo. No que concerne à prática pedagógica, o título do filme se manteve, assim como a cena na qual os zumbis invadem o castelo e matam todos os seus habitantes, que depois voltam à vida graças à intervenção de um tigre mágico. A experiência de realização do filme foi vivida também pelas bolsistas do PIBID como fonte de novas aprendizagens. Coordenadas pela professora da escola básica as alunas licenciadas puderam imergir no contexto da escola básica, atuando diretamente com os alunos nesta experiência singular. Também elas registraram suas impressões e conflitos. Bem após esta experiência incrível posso dizer que o que ficou pra mim é que as crianças, independente da organização, beleza, estão preocupadas com o que elas querem, com o que criaram, nos olhos de cada uma percebia a felicidade e a satisfação porque estavam realizando algo em que se empenharam. (Relatório da bolsista PIBID Ingrid Cerqueira, 30/11/2012) Além do sentimento de alegria e satisfação vivido por todos os participantes do projeto e das importantes aprendizagens sobre os modos como as crianças atribuem sentido às suas próprias experiências, o grupo teve que enfrentar também o desafio de lidar com as 13962 diferentes perspectivas dos participantes sobre as situações observadas na sala de aula, nas interações entre as crianças e entre estas e a professora, no processo de realização do filme. Essas perceptivas foram registradas nas notas de campo elaboradas pelas pesquisadoras a partir de suas observações e suscitaram a contrapalavra da professora. A situação descrita a seguir demonstra como essas diferentes perspectivas impactaram a professora. Situação 2: A professora Gina nos lembrou que na última reunião havia escrito alguns comentários sobre as notas de campo que foram discutidas, mas não houve tempo de compartilhar esses comentários. Destacou, então, alguns pontos que gostaria de compartilhar com o grupo. A professora ressaltou que achou o material muito bom e rico, enfatizou que realmente ficou tensa no dia da gravação do filme, como fora relatado por algumas bolsistas, mas que isso é normal; sentiu falta, no relato das bolsistas, de um olhar mais voltado ás crianças; sentiu-se pressionada com o fato de o filme ter que ser realizado naquele dia, pois o ano letivo estava se encerrando e não haveria mais tempo para refazer a filmagem e também pelo fato de os materiais, como roupas e cenários, não poderem ficar na escola; se sentiu incomodada com a expressão “holiwoodiano”, usada por uma bolsista para fazer referência à ênfase no produto final da filmagem, em detrimento dos processos vivenciados pelas crianças, destacando que o professor tem, sim, que se preocupar com o produto final; se emocionou ao lembrar que foi produzido muito material em muito pouco tempo, e que a narrativa foi sendo construída ao longo de vários diálogos com as crianças. A coordenadora da pesquisa destacou, então, a importância de Gina ter trazido seu olhar sobre as notas de campo, ressaltando que Sarmento (2003) traz em seu texto, que está sendo discutido no grupo de pesquisa, o conceito de triangulação, que é justamente o entrecruzamento dos olhares de sujeitos e pesquisadores envolvidos na pesquisa. Então debatemos um pouco mais esse conceito. (Ata da reunião do grupo de pesquisa, 05/03/2013) Neste excerto o conflito enseja um momento de formação para todos os participantes, somente possível pelo compartilhamento da palavra e das posições ocupadas pelos sujeitos, que se alternam na dinâmica do grupo. As palavras de Sarmento (2003) ao tratar dos estudos de caso etnográficos, citado no excerto de ata transcrito anteriormente, sintetizam a situação vivida pelo grupo. O esforço de ouvir é eminentemente interactivo, e se nesse ouvir o outro estão as condições de uma ‘ciência mais humana’ (WOODS, 1992, p. 395), é nesse acto de ouvir quem fala sobre seu próprio fazer, na alteridade radical de seu dizer, que se reconhece a presença de uma diferença que se comunica intersubjectivamente, e, por essa via, ganha densidade e significado a ‘democraticidade do olhar sociológico’ (CONDE, 1993, p. 202) (SARMENTO, 2003, p. 147) Considerações finais 13963 A partir do relato apresentado esperamos ter evidenciado o alcance progressivo dos objetivos previstos para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência no desenvolvimento do subprojeto “Letramento” da Faculdade de Educação da UFJF. Embora o Programa focalize de forma direta a docência, o alcance desses objetivos tem fortalecido as atividades de pesquisa, à medida que, ao estreitarmos os vínculos com a escola de educação básica, penetramos de forma mais intensa na experiência dos sujeitos que nela atuam. Essa progressiva aproximação nos leva a viver de forma mais radical os desafios éticos e metodológicos que se colocam aos pesquisadores, sejam eles iniciantes ou mais experientes. Do mesmo modo, o envolvimento na atividade de pesquisa também desafia os professores da escola básica, sejam estes iniciantes ou mais experientes. Finalmente cumpre destacar as possibilidades de abordar a teoria e a prática como dimensões da práxis educativa, para a qual não cabem separações entre fazer e pensar, refletir e agir, pois ela convoca o sujeito em sua integralidade. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: ARTMED editora, 2000. CONDE, I. Falar da vida (1). Sociologia. Problemas e práticas, 14, p. 199-222, 1993. KONDER, Leandro. Marx e a sociologia da educação. In: TURA, Maria de Lourdes Rangel (org.) Sociologia para educadores. Rio de Janeiro: Quartet, 2001, p. 11-24. PINO, Angel. O conceito de mediação semiótica em Vygotsky e seu papel na explicação do psiquismo humano. IN: Cadernos CEDES. Pensamento e linguagem: estudos na perspectiva da psicologia soviética. No. 24, 3ª. Edição, 2000, p. 38-51. SARMENTO, Manuel Jacinto. O estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, N.; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (orgs.) Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003, p. 136-179. SOUZA, Maiara Ferreira As notas de campo: à luz do conceito de responsividade de Mikhail Bakhtin. In: FREITAS, M.T.A. (org.) A responsividade Bakhtiniana: na educação, na estética, na política. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2011, p. 489-491. 13964 SZUNDY, Paula Tatiane. Zona de desenvolvimento potencial: uma zona de conflitos e revoluções no diálogo pesquisadora-professores. In: SCHETTINI, Rosemary; DAMIANOVIC, Maria; SZUNDY, Paula Tatiane (orgs.) Vygotsky: uma revisita no início do século XXI. São Paulo: Andross, 2009, p. 79-101. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. WOODS, P. Symbolic interactionism. Theory and method. In: LECOMPTE, M., MILLROY, D.; PREISSLE, J. (eds.) The handbook of qualitative research in education. San Diego: Academic Press, 1992, p. 337- 404.