ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO PARECER Nº 13.912 LICITAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE MANDADO DE SEGURANÇA. 1. ALTERAÇÃO DAS NECESSIDADES DA ADMINISTRAÇÃO DECURSO DO CELEBRADO PÚBLICA, TEMPO, O ANTES CONTRATO. OBRIGATORIEDADE DE PELO DE NÃO SUA FORMALIZAÇÃO. 2. REPACTUAÇÃO DE CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL NA PENDÊNCIA DE AÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE. 1. Procede do INSTITUTO RIOGRANDENSE DO ARROZ – IRGA, em regime de urgência, consulta indagando acerca de licitação sustada por Mandado de Segurança e de conseqüente contratação emergencial. Versa a hipótese sobre certame licitatório deflagrado no ano de 2001, por aquela autarquia, objetivando a contratação de serviços de natureza contínua. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Irresignada com sua desclassificação, a licitante COOTRALNORTE COOPERATIVA DE TRABALHO DO LITORAL NORTE impetrou Mandado de Segurança objetivando corrigir equívocos que entendia ocorrentes no competitório. Prolongando-se o trâmite da ação mandamental, viu-se o IRGA impelido a formalizar sucessivas contratações emergenciais para que não se interrompesse a prestação dos mencionados serviços. Já em segundo grau a demanda (bem assim ação cautelar inominada incidental que ventilava a mesma matéria) e se aproximando o término do contrato emergencial ora em curso, apresenta o Instituto consulente os seguintes questionamentos: “- Com o passar do tempo, modificou-se, conforme se constata dos editais posteriores, o objeto da licitação primitiva, ou seja, o número de pessoas, atividades, valores, etc. Assim, residente a dúvida de, se transitada em julgado a sentença, há a obrigatoriedade dessa Autarquia em contratar com essa participante, nos moldes anteriores. “- Pelo curto espaço de tempo, e pela iminência da solução de continuidade dos serviços, em época de extrema importância para a lavoura arrozeira, como acentuou o Senhor Gerente da DMS, em sua informação, poderá a Autarquia ainda valer-se da contratação emergencial?” Instruído com documentos relativos à licitação embargada, além dos que respeitam às contratações emergenciais posteriores, vem o presente, com prioridade, à análise e pronunciamento desta Procuradoria-Geral. É o relatório. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO 2. Trata-se de procedimento licitatório e de intercorrente Mandado de Segurança secundados por contratações emergenciais. A primeira questão apresentada concerne em verificar se existe obrigatoriedade de contratar a licitante nos moldes originariamente fixados no edital, haja vista que, com o decurso de tempo, alteraram-se as necessidades daquela autarquia. A solução do problema perpassa pelo exame sistêmico do plexo de atos que a Administração pratica para o atingimento de uma finalidade específica, ora a execução indireta de serviços contínuos. Se a licitação procura selecionar a proposta que melhor atenda aos fins visados pela Administração, não há lógica em que resulte em uma contratação diversa dos objetivos para os quais foi instaurada. Constatada excepcional delonga entre o início da licitação desencadeada pelo IRGA (em 2001) e a celebração do respectivo contrato (ainda não concretizada em 2004), é de toda razoabilidade que se tenham modificado as condições primevas que nortearam aquele procedimento. Transformada a realidade fática por obra tempo, portanto, não está aquela autarquia obrigada a contratar com a pessoa jurídica que se vitoriar na licitação. Erige-se na espécie o princípio da supremacia do interesse público, não podendo o do particular a ele se sobrepor. Reformular-se o objeto da licitação, assim, sobreviria como a primeira e mais consentânea medida a ser adotada. Ocorre, porém, como é de todos sabido, que o objeto lançado no edital é intangível quanto a seus limites, não ficando ao alvedrio da Administração alterá-lo. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Essa inadmissibilidade de modificação do objeto licitado vem, em VERA LÚCIA MACHADO D’ÁVILA, com propriedade abordada: “A toda evidência, não poderá haver alteração de quantidade do objeto para mais ou para menos, na fase licitatória. “Como já visto, os acréscimos e supressões só são cabíveis nos limites estipulados no § 1º do art. 65 da lei em comento, após a contratação, ou seja, após o término do procedimento licitatório. “Só na fase de execução do contrato está obrigado o particular a suportar as alterações quantitativas que se fizerem necessárias, por ato unilateral da Administração, respeitados os percentuais indicados na lei. Antes disso, qualquer procedimento que vise à modificação quantitativa do objeto é absolutamente nulo. (“Alterações do Objeto Licitado Antes da Celebração do Contrato. Inviabilidade.” In Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e outros, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.184). Diante dessa impossibilidade de redefinir o objeto da licitação, haveria de se sopesar, então, sob o viés da conveniência e da oportunidade, se a contratação inicialmente prevista no edital ainda atenderia aos propósitos do IRGA. Havendo-se tornado inservível à autarquia, a revogação do procedimento licitatório seria a solução a adotar. É o que preconiza o Estatuto das Licitações, verbis: “Art. 49 – A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.” Grifou-se. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Analisando o citado comando normativo, anota MARÇAL JUSTEN FILHO: “A Administração pode concluir que, na licitação, havia uma proposta que era a melhor de todas. Por isso, homologa o resultado encontrado pela Comissão. Se concluir que a proposta, embora a melhor dentre as formuladas, não era suficientemente interessante para a Administração, deverá revogar a licitação.” omissis “Ao determinar a instauração da licitação, a Administração realiza juízo de conveniência acerca do futuro contrato. Esse juízo é confirmado quando da elaboração e aprovação do ato convocatório. No momento final da licitação, após apurada a classificação, exercita-se novo juízo de conveniência. Não se trata, porém, do mesmo juízo. Exercita-se sobre supostos fáticos distintos. Vale dizer, a Lei reconhece um condicionamento à revogação. A Administração pode desfazer seus próprios atos, a qualquer tempo, tendo em vista avaliação de sua conveniência. Tendo concluído que o ato é conveniente e determinado sua prática ou manutenção, a Administração se vincula a essa decisão. Poderá revê-la desde que existam circunstâncias novas, inexistentes ou desconhecidas à época anterior. “ (Comentários, à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª ed., São Paulo: Dialética, 2002, p. 406 e 438). Grifou-se. Ora, a transformação quantitativa e qualitativa das exigências da Administração constituiria o fato superveniente a que alude a Lei. Restaria perquirir, destarte, se tal transformação é sobremodo expressiva de forma a provocar a incidência da norma do art. 49. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Em rigor, apenas se robustamente caracterizado o descompasso do objeto da licitação com o fim almejado pelo IRGA é que existiria motivação substancial e bastante a revogar a licitação, promovendo-se outra com diverso objeto. Esse juízo de valor, saliente-se, porém, cumprirá indeclinavelmente à autoridade responsável pela contratação, à luz de elementos fáticos que só a ela compete apreciar. Qualquer que seja a opção dentro do critério de discricionariedade da Administração, por derradeiro, uma fundamental observação há de se consignar: inexiste direito subjetivo da licitante à contratação. O procedimento seletivo de que se cuida sequer alcançou a fase homologatória, precedente à adjudicatória, na ordem dada pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. A elas deveria se seguir ato concreto do IRGA, externando sua vontade de contratar. Nada disso houve. A Cooperativa impetrante, nessas circunstâncias, possui exclusivamente expectativa de direito, não titulando pretensão qualquer a instar aquela pessoa jurídica de direito público a consumar dita avença. 2.1. Já a segunda questão retrata preocupação do IRGA quanto à possibilidade de efetuar nova contratação emergencial ante a iminência de período crucial para a colheita da lavoura arrozeira no Estado. Embora lavre na doutrina grande dissenso acerca do cabimento dessa repactuação, a melhor exegese do inc. IV do art. 24 da Lei de Licitações aponta no sentido de que, permanecendo os motivos ensejadores da contratação excepcional, há substrato jurídico suficiente a que novamente se recorra a esta via. Sufragando essa tese, MARÇAL JUSTEN FILHO, ainda uma vez, leciona: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO “As limitações impostas às contratações por emergência têm de ser interpretadas em face do interesse a ser tutelado. Bem por isso, todas as regras do inc. IV são instrumentais do interesse público. Não possuem fim próprio e autônomo. Não podem ser aplicadas sem consideração aos fins buscados e tutelados. Por isso, o próprio limite de 180 dias deve ser interpretado com cautela. Afigura-se claro que tal dimensionamento pode e dever ser ultrapassado, se essa alternativa for indispensável a evitar o perecimento do interesse a ser protegido. omissis “Uma situação peculiar deriva da impossibilidade de contratar por motivo independente da vontade da Administração. Isso se passa especialmente nos casos de provimentos jurisdicionais impeditivos da conclusão de licitação. A Administração instaurara a licitação tempestivamente mas, no curso do certame, recorreu-se ao Poder Judiciário e se obteve decisão vedando a contratação ou impondo observância de certas providências impeditivas da conclusão do certame. Logo, surge necessidade imperiosa a ser atendida e não há licitação respaldando a contratação. É caso de contratação direta, fundada no inc. IV.” (Op. cit., p. 242). Grifou-se. Protraindo-se o debate judicial tocante à licitação atacada, pois, o certo é que outra alternativa não resta ao IRGA que reencetar a contratação emergencial como garantia da continuidade dos serviços então sobrestados. Nesse diapasão, os seguintes arestos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a saber: - “CONTRATO ADMINISTRATIVO PROVISÓRIO. Exaurimento do prazo. Necessidade de outro, igualmente emergencial, face ser ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO imprescindível a continuação dos serviços e a impossibilidade de ser celebrado o definitivo, tendo em conta empecilho gerado por processos judiciais envolvendo a licitação. Circunstâncias do caso concreto que afastam o livre arbítrio do administrador. 1. Tendo a própria Administração Pública deflagrado procedimento para escolher empresa para contrato emergencial, vinculou-se aos respectivos princípios que lhe são inerentes, dentre eles os da impessoalidade e da legalidade, o que, inexistindo questionamento a respeito de matéria de fato controvertida, viabiliza o uso do Mandado de Segurança. Assim: (a) exaurindo-se o prazo de um contrato provisório; (b) não sendo possível celebrar o definitivo por causa de processos judiciais envolvendo a licitação; e (c) sendo necessário outro ser celebrado, igualmente emergencial, por causa da imprescindibilidade da continuação dos serviços, este deve, em princípio, acontecer com a empresa que já vem atuando, máxime quando contra ela não há qualquer queixa quanto ao desempenho. De outro modo, enseja-se troca pela troca, o que fere o "princípio da impessoalidade". E resta ferido também o "princípio da legalidade" se o critério da licitação em curso é o de melhor preço, e a administração, ainda que em caráter emergencial, e dentro do procedimento instaurado, adota critério impertinente, acabando por contratar empresa que apresentou proposta mais onerosa ao Poder Público. Exegese do art. 37, caput, da CF, e dos arts. 3º e 24, IV, da Lei 6888/93. 2. Segurança concedida. Votos vencidos.” (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 70002807469, PRIMEIRO GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS, 05.10.01) - “DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. Contrato emergencial de serviço de vigilância. Não havendo motivação plausível para contratar emergencialmente outra empresa, deverá ser mantida aquela que já presta os serviços de vigilância, com a finalidade de dar continuidade aos serviços e evitar maiores prejuízos à coletividade. Decisão: deram provimento ao recurso. Unânime.” (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70003093556, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, 07.11.01) ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO - “MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. Coleta de lixo. Contratação emergencial. Estando sub judice o processo licitatório e sendo essencial o serviço de coleta de lixo, a situação configura hipótese de contratação emergencial. Situações fáticas não esclarecidas no Mandado de Segurança devem sê-lo em procedimento próprio, inclusive, se for o caso, por iniciativa do Ministério Público. Sentença mantida em reexame.” (REEXAME NECESSÁRIO Nº 599487931, PRIMEIRA CÂMARA DE FÉRIAS CÍVEL, 28.12.99) 3. Em conclusão, transmutado o interesse público na tomada de serviços de natureza contínua pelo decurso do tempo, inexiste obrigatoriedade do INSTITUTO RIOGRANDENSE DO ARROZ – IRGA firmar contrato com a licitante COOTRALNORTE COOPERATIVA DE TRABALHO DO LITORAL NORTE. Faculta-se-lhe, ao revés, promover a revogação do certame licitatório, em havendo razões de conveniência e oportunidade na espécie. Entrementes, se e enquanto se postergar a discussão entretida no mandamus impetrado por aquela licitante, poderá a autarquia renovar as contratações emergenciais que se fizerem preciso, até o desate final da contenda. É o parecer. Porto Alegre, 22 de março de 2004. MARIA DENISE VARGAS DE AMORIM Procuradora do Estado Exp. Adm. nº 2264-1538/03-1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Processo nº 002264-15.38/03-1 Acolho as conclusões da PARECER nº 13.912, da Procuradoria do Domínio Público Estadual, de autoria da Procuradora do Estado Doutora MARIA DENISE VARGAS DE AMORIM. Encaminhe-se o expediente ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento, registrando que as próximas consultas da estatal deverão ser encaminhadas através dessa Secretaria de Estado. Em 25 de março de 2004 Helena Maria Silva Coelho, Procuradora-Geral do Estado.