"O AMANHECER DO 3º MILÊNIO - PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE "
ARTIGO 143 – O AMANHECER DO 3º MILÊNIO: PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE
DE MASI, Domenico. O amanhecer do 3º milênio: perspectivas para o trabalho e tempo livre.
RESUMO: O mundo funciona a mil por hora, as cidades cada vez mais são 24 horas/dia e os
trabalhadores estão entrando nesse jogo sem tomarem consciência disso. É comum vermos
trabalhadores, principalmente executivos, trabalhando 10 a 12 horas/dia quando não mais. E,
engraçado, justamente numa época em que buscamos qualidade de vida onde engloba o lazer, o prazer
de viver. O filósofo italiano, DE MAIS, apresenta uma explicação para isso.
PALAVRAS-CHAVE: Tempo livre - Trabalho "O AMANHECER DO 3º MILÊNIO - PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE "
Dividirei minha conferência em duas partes: na primeira, falarei a respeito de como está se
transformando o trabalho na sociedade pós-industrial; na segunda, procurarei ilustrar como está-se
transformando o ócio, sempre na sociedade pós-industrial. Mas acredito que antes é preciso explicar,
como premissa, o que entendo por sociedade pós-industrial.
Dizia que irei falar, na primeira parte de minha conferência, a respeito da transformação do trabalho e, na
segunda parte, da transformação do ócio, a maneira pela qual estão mudando na sociedade pósindustrial. Isto requer uma premissa: requer que eu ilustre, brevemente, o que entendo por sociedade
pós-industrial.
Nos últimos séculos, muitos países no mundo passaram por uma tríplice transformação. Uma primeira
fase, muito longa, foi caracterizada pela produção rural. O centro do sistema social foi ocupado pela
produção rural e o poder estava nas mãos dos proprietários de terra. Esta fase, em alguns países, como
a França e a Inglaterra, como a Alemanha e, depois, os Estados Unidos, terminou por volta do fim do
século XVIII e ao longo do século XIX. Em outros países, ao contrário, a fase rural perdura até hoje. No
Brasil, por exemplo, a porcentagem de trabalhadores na agricultura é ainda muito alta. Na China esta
porcentagem ainda representa quase 60%. Pensem que, na Inglaterra no início do século, a
porcentagem de trabalhadores na agricultura já era de apenas 9%. A partir do fim do século XVIII, e
durante todo o século XIX, em muitos países desenvolveu-se um segundo tipo de sociedade que hoje
chamamos de sociedade industrial. A sociedade industrial foi caracterizada pelo fato de ter em seu
epicentro não mais a produção dos bens rurais, mas a produção de bens industriais de grande escala. O
poder, então, passou das mãos dos proprietários de terra às mãos dos proprietários das indústrias. A
sociedade industrial não deixou de usar os produtos rurais, pelo contrário, os consumiu ainda mais do
que a sociedade rural. A sociedade industrial não absorveu a mão-de-obra dos camponeses e os
substituiu pelos adubos químicos e pelas máquinas automáticas. A sociedade industrial durou só
duzentos anos, enquanto a sociedade rural durou aproximadamente sete mil anos. Isto significa que as
longas ondas da história, como dizia Fernand Braudel, tornam-se sempre mais curtas.
Enquanto a sociedade rural precisou de sete mil anos para produzir a sociedade industrial, a sociedade
industrial precisou de somente duzentos anos para produzir a sociedade pós-industrial. O que entendo
por sociedade pós-industrial? Entendo que é uma sociedade em cujo epicentro não existe mais a
produção de bens materiais em grande escala, mas sim a produção de bens imateriais em grande
escala, ou seja, a produção de serviços, de informação, de estética, de símbolos e de valores. Portanto,
também o poder está passando das mãos dos proprietários dos meios de produção material às mãos dos
produtores de bens imateriais. Da mesma forma que a sociedade industrial absorveu os bens rurais mas
não absorveu a mão-de-obra camponesa, a sociedade pós-industrial está absorvendo os bens
industriais mas não absorve a mão-de-obra dos operários, os empregados e, em parte, até mesmo os
executivos, substituindo-os pelos computadores e pelos robôs. E, em parte, substitui os robôs quando
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transfere suas fábricas para o terceiro mundo. Por isso, quando novas fábricas são instaladas em um
determinado país, isto não quer dizer que este país está-se modernizando. Simplesmente quer dizer que
os países ricos transferem para os países pobres aqueles tipos de atividades que não querem mais
fazer.
O que determinou esta grande transformação? Esta grande transformação foi determinada por alguns
fatores. O primeiro fator é o desenvolvimento tecnológico, o desenvolvimento científico. Desenvolvimento
tecnológico e científico não significam somente informática. Significam também novos materiais, o laser,
as fibras óticas, a biotecnologia, a farmacologia, a medicina. Na história da humanidade, o processo
tecnológico não foi uniformemente acelerado. Até a Mesopotâmia, isto é, até sete mil anos atrás, o
progresso tecnológico foi extremamente lento. E da mesma forma foi o progresso científico. Depois,
quase que de repente, em uma zona muito pequena do mundo, entre os rios Tigre e Eufrates, em
poucos anos foi descoberta e inventada a roda, foi descoberta a astronomia, foi descoberta a moeda, foi
descoberta a escrita, foi descoberta a escola, foi descoberta a cidade, foi inventada a cidade. O
progresso foi tão rápido e impressionante que, por muitos séculos, de cinco mil anos antes de Cristo até
os séculos XI ou XII depois de Cristo, todos os nossos ancestrais estavam convencidos de que todo o
tipo possível de progresso já tivesse sido alcançado. Aristóteles, no primeiro livro da metafísica, diz:
"Tudo aquilo que deveria ter sido descoberto para o bem estar material e para a melhoria da vida
cotidiana do homem já foi descoberto. A partir de agora, então, vamos nos dedicar à descoberta do
espírito". E assim os gregos dedicaram todas as suas forças à política, à filosofia, à literatura, à arte. E
descuidaram-se totalmente da tecnologia. Ou melhor, em seus mitos, puniram todos os tecnólogos e
todos os engenheiros. Ulisses era em engenheiro naval e teve um fim triste. Ícaro era um engenheiro
aeronáutico e também teve um fim triste. E a mesma coisa aconteceu com todos os outros, com Sísifo,
com Prometeu, quase como uma maneira de dizer aos jovens para que, quando crescessem, não
freqüentassem uma universidade tecnológica, para que não se inscrevessem na universidade de
engenharia.
No ocidente, o ódio pela tecnologia durou até o século XII depois de Cristo. E pode-se explicar porque:
porque os gregos já tinham a tecnologia mais perfeita que poderia existir no mundo. Eles tinham os
escravos. Na Atenas de Péricles havia quarenta mil homens livres, vinte mil estrangeiros e trezentos e
cinqüenta mil escravos. Isto é, cada grego, até mesmo o mais pobre, tinha em média oito escravos.
Portanto, tinha quase o que tem hoje uma dona de casa moderna com sua máquina lava-louças, com
sua geladeira e sua máquina de lavar roupas. Calcula-se que, hoje em dia, cada um de nós tenha à
disposição trinta e três escravos mecânicos. Porém, são escravos mecânicos e eles não tem cérebro.
Mas os escravos o tinham. Quando a disponibilidade de escravos esgotou-se, por volta do século XII
depois de Cristo, também por causa de outros fatores, como o Cristianismo por exemplo, os seres
humanos redescobriram a tecnologia e no século XII foi descoberta a energia hidráulica com o moinho de
água, a barda moderna dos cavalos, que veio a aumentar significativamente sua capacidade de tração,
os óculos, a pólvora, a bússola, uma série de tecnologias extraordinárias que permitiram a substituição
dos escravos, ou seja, do esforço humano, da força motriz humana. Todos estas grandes descobertas
tecnológicas não se teriam desenvolvido, não se teriam difundido se, contemporaneamente, não tivesse
ocorrido uma grande descoberta teológica: a descoberta do purgatório. Pois saibam que o purgatório não
existia antes do século XII. O purgatório foi uma grande descoberta, talvez maior do que a descoberta da
América, pois trata-se de uma área de transição entre o paraíso e o inferno e é também uma área de
transição entre o céu e a terra.
A religião católica é a única religião do mundo que tem o purgatório. O purgatório permite que os vivos
ajudem os mortos através do pagamento de dízimos à Igreja. Isto é um fato histórico e permitiu as
primeiras acumulações capitalistas. Os grandes bancos, principalmente os italianos, os bancos
florentinos, por exemplo, que foram os primeiros e os maiores do mundo, têm nome de Banco do Santo
Espírito, Pio Monte de Piedade, Banco de São Paulo, ou seja, são bancos que administraram os grandes
capitais que foram se acumulando nos arredores dos santuários graças à descoberta do purgatório. E no
ano que vem, no ano 2000, nós, os italianos, ainda vamos fazer um jubileu e vocês irão à Roma e
levarão para lá tanto dinheiro por causa do medo que vocês têm de ir para o inferno! Então, o conjunto, a
união daquilo que os economistas chamam de acumulação primária, ou seja, a grande capitalização dos
séculos XII e XIII e as novas tecnologias, mais as novas viagens, que foram possíveis por causa da
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bússola e, portanto, a descoberta de novos mundos, como por exemplo a América do Sul e depois a
América do Norte, o conjunto de tudo isto, permitiu o início da sociedade industrial. Bacon, que é o
grande pai ideológico da sociedade industrial, junto com Descartes, começa o seu livro, Novum
Organum, com esta frase, que é o oposto da frase de Aristóteles: "Tudo o que deveria ser descoberto
para a melhoria do espírito foi descoberto. Então, de agora em diante, vamos nos dedicar ao progresso
material do homem e ao melhoramento de sua vida cotidiana". Com esta frase foi decretado o fim do
tempo livre! O que acontece daquele momento em diante? Acontece que o progresso tecnológico
aumenta continuamente de velocidade. Eu li há poucos dias atrás um livro de Georges Simenon que me
impressionou pois foi escrito em 1938, ano no qual eu nasci, há sessenta anos atrás. Neste livro,
especialmente uma frase me marcou: "Diante de minha janela", diz o protagonista, "os carros, os
automóveis correm a setenta quilômetros por hora". Setenta quilômetros por hora, há sessenta anos
atrás. Hoje, os automóveis podem atingir muito mais do que o dobro desta velocidade. Mas é muito ou é
pouco ter dobrado a velocidade? Pensem que em 1971 foi descoberto o micro processador, o chip. A
potência do chip não é redobrada a cada sessenta anos, como acontece com a potência dos automóveis,
mas é redobrada a cada dezoito meses. Em 1971, o primeiro chip tinha possibilidade de realizar vinte mil
operações por segundo. Hoje, o chip chega a realizar um bilhão de operações por segundo. A mesma
coisa vale hoje para os relógios. Os relógios mecânicos, aqueles que eram usados quando eu era
pequeno e que ainda são mantidos por alguns como um vezo tecnológico, tinham um oscilador que, no
melhor dos casos, oscilava aproximadamente quatro vezes por segundo. Hoje, qualquer relógio a
quartzo tem um oscilador que oscila pelo menos um bilhão e oitocentos milhões de vezes por segundo.
Os relógios a césio oscilam nove bilhões de vezes por segundo. Portanto, cada relógio é pelo menos
duzentas vezes mais preciso do que o necessário para um alemão e, consequentemente, muito mais
preciso do que o necessário para um italiano ou para um brasileiro.
Além do progresso tecnológico, que tem uma velocidade fortemente acelerada, o outro grande fator de
mudança foi o progresso organizacional. A partir de Taylor, no final do século XIX em Filadélfia, a partir
de Ford, no início do século XX em Detroit, as ciências organizacionais deram importantes passos à
frente. E nós começamos a organizar cientificamente, em primeiro lugar, o trabalho, depois a escola, a
sociedade e agora o tempo livre. De alguma maneira todos vocês estão aqui para tornarem-se uma
espécie de Taylor do tempo livre. E este é um fato monstruoso. Creio que as ciências organizacionais
tenham dado uma grande ajuda no processo de transformação da sociedade industrial em sociedade
pós-industrial. Um terceiro fator, além do progresso tecnológico e do progresso organizacional é, sem
dúvida, a globalização. Isto é, graças aos meios de comunicação de massa, graças a escolarização,
graças ao progresso industrial, o mundo torna-se cada vez mais conhecido. E, cada vez menos, é
possível irmos a lugares diferentes daquele no qual vivemos. A grande dificuldade para os operadores de
turismo é criar diversidades ; é prometer aos turistas algo diferente daquilo que fazem todos os dias. A
cada hora, no mundo, são vendidas trinta e dois milhões de garrafas de Coca-Cola. Isto significa que, no
mundo, a cada hora, trinta e dois milhões de paladares sentem o mesmo gosto. Junto da globalização
política, segundo a qual há, portanto, um só país que administra todo o universo, há a globalização dos
gostos. Nosso ouvido foi globalizado com a música que é sempre a mesma. Antes de dar início à
conferência, eu escutava música americana. Música americana até mesmo em um país como o Brasil
que, sem dúvida nenhuma, tem a música mais linda de todos os tempos. E esta é a globalização do
ouvido, mas depois há a globalização da vista com a televisão, as telenovelas e a CNN. E há ainda a
globalização do olfato: todos os aeroportos do mundo têm o mesmo cheiro. Todos os hotéis do mundo
têm o mesmo cheiro. E há também a globalização do tato, como também nos ensinou Bill Clinton. Logo,
a globalização constitui um fator a mais de transformação. Todas estas transformações determinaram um
grande conflito entre dois regimes políticos: de um lado o capitalismo e, de outro, o comunismo. No final
das contas estes dois regimes estão demonstrando que o comunismo é capaz de distribuir a riqueza mas
não é capaz de produzi-la, enquanto que o capitalismo é capaz de produzir a riqueza mas não é capaz
de distribuí-la. Este problema determina que o comunismo perdeu, mas que o capitalismo não ganhou.
Encontramo-nos em uma crise de passagem, pois é necessário criar um terceiro modelo que não seja
nem o comunismo, baseado somente na solidariedade, nem o capitalismo, baseado somente na
competitividade. E é necessário criar um modelo que não se baseie no trabalho, mas que esteja baseado
no tempo livre. Então, o problema não é administrar o tempo livre. Antes de administrar o tempo livre é
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necessário criar um modelo de vida baseado no tempo livre e este modelo ainda não existe. E se não
temos um novo modelo, baseado no tempo livre, não é possível administrar bem o tempo livre. Devemos
fazer hoje pelo tempo livre aquilo que Taylor e Ford fizeram, no início do século, pelo tempo de trabalho,
ou seja, um novo projeto global do trabalho, do estudo e da vida. Quais foram as conseqüências
principais da industrialização que nos levaram ao mundo pós-industrial? A primeira conseqüência é o
aumento da longevidade, isto é, os seres humanos aprenderam a viver mais. Nossos bisavós, na Itália,
viviam trezentas mil horas em média e trabalhavam cento e vinte mil horas. Hoje, na Itália, vivemos
aproximadamente setecentas mil horas, setenta e seis anos os homens e oitenta e dois anos as
mulheres. Na Itália hoje existem oitocentos mil viúvos e dois milhões e setecentas mil viúvas. E é
praticamente assim no mundo inteiro. O homem paga por sua eficiência gerencial morrendo muito antes
de infarto. E bem feito! Além da característica da longevidade, a sociedade industrial propicia à
sociedade pós-industrial um bem estar maior. Porém, é um bem estar com forte discriminação. Em 1997,
o Produto Interno Líquido per capita, a renda per capita de um cidadão suíço foi de vinte mil dólares, de
um cidadão americano, quinze mil dólares, de um cidadão italiano, treze mil dólares, em média, de um
cidadão indiano, oitocentos e sessenta dólares, de um cidadão da Somália, sessenta dólares por ano.
Isto significa que quando um americano convida um casal de amigos para jantar, é como se convidasse
cento e quarenta indianos. A Índia gasta com alimentação o equivalente ao que os Estados Unidos
gastam com os invólucros nos quais colocam os seus alimentos. Uma outra conseqüência importante é o
aumento exponencial da população. Em 1700, a população mundial era de seiscentos milhões de
habitantes. Hoje, a população mundial é de 6 bilhões de habitantes. E, nos dias de hoje, é registrado que
o número de habitantes dos grandes centros urbanos supera 50% da população mundial. Mas, como
vocês devem saber, a população também não é igualmente distribuída no globo. Há zonas desertas e
vazias e há áreas super povoadas. Como dizia Bacon, o tempo, assim como o espaço, tem os seus
desertos e suas solidões. Um físico americano, Stone, calculou que, se todos os chineses combinassem
e, ao mesmo tempo, dessem um pulo de um metro, isto provocaria uma onda telúrica que, cinqüenta
minutos depois, destruiria a Califórnia com um terremoto de grau 8 da escala Mercalli. Uma outra
conseqüência da passagem da sociedade industrial à sociedade pós- industrial é constituída pelo que os
economistas americanos chamam de jobless growth , isto é, desenvolvimento sem trabalho. Neste
momento, em seis bilhões de habitantes, cinco bilhões não trabalham, condenados a um tipo de ócio
permanente. Um bilhão de pessoas trabalha muito. Porém, também este bilhão de pessoas, que estão
nos Estados Unidos, na Alemanha, no norte da Itália, em São Paulo, todas estas pessoas estão
aterrorizadas pela possibilidade de não encontrar mais trabalho. Então há no mundo cinco milhões de
pessoas que não trabalham, um milhão que trabalha e, neste milhão, o número de pessoas que trabalha
é sempre menor. O desemprego é uma decorrência do fato que aprendemos a produzir sempre mais
com cada vez menos trabalho humano. Na Fiat, em Turim, na Itália, para produzir um automóvel, há dez
anos atrás, eram necessárias quatorze pessoas. Hoje é necessária uma pessoa só. E isto vale também
para os computadores, para os aviões, para todos os nossos produtos. Graças à tecnologia e as ciências
organizacionais aprendemos a produzir cada vez mais trabalhando cada vez menos. Ora, se vocês
pensarem bem, este foi sempre um grande objetivo da espécie humana. Os seres humanos sempre
sonharam viver o maior tempo possível, sofrer o menos possível e trabalhar o menos possível. Posso
dar uma demonstração disto, do fato de que os seres humanos sempre sonharam não trabalhar. Antes,
falei a respeito do purgatório; agora vou falar a respeito do paraíso. Como vocês sabem, existe um
paraíso, ou melhor, muitos paraísos, descritos pelos teólogos da Igreja Católica. Existem também
paraísos descritos pelos grandes teólogos protestantes. O próprio Lutero, em uma carta que escreveu à
sua sobrinha, descreveu como é o paraíso. Mas o paraíso cristão é muito diferente do paraíso
maometano. Não posso descrever como é o paraíso maometano, senão vocês se converteriam
imediatamente ao maometanismo. E há os paraísos hindus, os paraísos dos vários ritos espiritas. Li
várias histórias do paraíso e cheguei à conclusão de que existem dezoito paraísos. Existem várias
histórias do paraíso ... Bem, em alguns paraísos se reza, em alguns paraísos se canta, em alguns
paraísos se medita. Nos paraísos maometanos fazem-se coisas que não posso mencionar aqui. Mas em
nenhum paraíso se trabalha. Em nenhum paraíso se trabalha! Então, tenha o paraíso sido criado por
Deus, tenha sido inventado pelos homens, se o trabalho fosse um valor positivo, no paraíso se
trabalharia. Parece-me que seja claro. De fato, o trabalho é uma grande invenção industrial. Até a
chegada da sociedade industrial, sempre se trabalhou pouco. Mesmo os escravos não trabalhavam mais
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de cinco horas por dia. Os artesãos nunca trabalharam mais do que quatro horas por dia, antes da
industrialização. O dia cheio de trabalho, que começava de madrugada e terminava no final da tarde, é
uma invenção industrial que nasceu no final do século XVIII. Ontem fui visitar a cidade de Ouro Preto.
Lá, no século XIX, existiam minas das quais os escravos não saiam nunca. Se entravam, só saiam
quando estivessem mortos. Este é um tipo de vida totalmente industrial na qual, em uma primeira fase,
se estuda - os poucos que podem estudar, em uma Segunda fase se trabalha e, em uma terceira fase,
espera-se pela morte por inércia. Este é um modelo que foi importante para desenvolver a riqueza de
alguns países e para determinar a passagem da sociedade industrial à sociedade pós-industrial. Acredito
que sejam parênteses de duzentos anos, no âmbito de uma trajetória milenar, que vai do trabalho ao não
trabalho, da dor ao prazer e, possivelmente, da morte prematura à longevidade. Isto modifica
completamente todas as hierarquias das atividades humanas. Enquanto que na sociedade industrial a
maior aspiração era o trabalho, e o luxo consistia na acumulação de coisas e no consumismo, hoje o
luxo consiste em uma coisa completamente diferente. Hoje o luxo é caracterizado por ser raro. Uma
coisa é de luxo se é rara. Mas o que é raro em Nova York? O que é raro em São Paulo, que é uma
imitação feia de Nova York? Em Nova York, assim como em São Paulo, é raro o silêncio, é raro o
espaço, é rara a autonomia, é rara a segurança social, é rara a criatividade. Estes serão os grandes
luxos do século XXI. Isto porque são modificados completamente os valores. Os valores da sociedade
industrial eram o racionalismo e a produtividade. E a produtividade era obtida através da padronização,
da especialização, da sincronização, da concentração de todos nas grandes cidades e nos locais de
trabalho. E o racionalismo da sociedade industrial era um racionalismo completamente distorcido em
relação ao racionalismo que quiseram os iluministas. Os iluministas, no final do século XVI,
contrapunham a razão humana à completa falta de uma pesquisa científica, à magia. Na industria,
porém, o racionalismo iluminista foi aplicado de uma maneira distorcida. Quando as industrias falam de
racionalismo querem dizer isto: tudo o que é bom é racional; tudo que é racional, é masculino; tudo que é
masculino, tem a ver com a produção e tudo o que tem a ver com a produção é feito nos locais de
trabalho. Contrariamente, tudo o que é emotivo é negativo; tudo que é emotivo é feminino; tudo o que é
feminino tem a ver com a reprodução e tudo o que tem a ver com a reprodução é feito em casa. Por isso,
a industria separou nitidamente os locais de vida e os locais de trabalho; o tempo de trabalho do tempo
livre. E quando termina o trabalho, todos voltam para casa na mesma hora. E quando começa o trabalho,
todos devem ir para o escritório na mesma hora. E quando chegam as férias, todos tiram ao mesmo
tempo. Um escritor italiano diz que, nas horas de pico, até o adultério é impossível! Tudo é complicado.
Ora, a tudo isto a sociedade pós - industrial contrapõe uma situação completamente diferente. Os
valores da sociedade pós-industrial são de outro tipo. A sociedade industrial apreciava a executividade
acima de tudo, a obediência, a ductilidade, a conformidade. A sociedade pós-industrial aprecia sobretudo
a flexibilidade e a criatividade. A sociedade industrial apreciava sobretudo a prática. A sociedade pósindustrial , a estética. Se um relógio é duzentos vezes mais preciso do que o necessário, qual a
necessidade de aperfeiçoa-lo ainda mais, do ponto de vista prático? Aquilo que hoje distingue dois
relógios não é a prática mas sim o design. A estética é um dos grandes valores da sociedade pós –
industrial . E um outro valor é a emotividade, que é conjugada com a racionalidade. Não mais só a
racionalidade, não mais a emotividade como um fator negativo, mas a emotividade como um fator
importantíssimo da alma humana. E a sociedade pós - industrial aprecia ainda a subjetividade. Não mais
somente coisas de massa, consumo de massa, política de massa, sindicato de massa, tempo livre de
massa, mas cada um quer ser apreciado como único. Como indivíduos únicos. Kirkegaard dizia:
"Gostaria que sobre meu túmulo estivesse escrito: Aqui jaz aquele único". Ora, emotividade,
subjetividade e estética são três valores tipicamente femininos, dos quais os homens descuidaram
durante os duzentos anos da sociedade industrial e que só as mulheres continuaram a cultivar. Por isso,
junto com a criatividade, a flexibilidade, a emotividade, a estética, um outro valor importante é a
feminilização. Isto é, a sociedade pós-industrial não é nem homem, nem mulher: é andrógina. É uma
sociedade na qual são apreciados tanto os valores tipicamente femininos, como os valores tipicamente
masculinos. E cada homem descobre que tem em si mesmo uma parte feminina, da mesma forma que
as mulheres descobrem que têm em si mesmas certas capacidades que eram típicas dos homens. As
sociedades que ainda não perceberam a feminilização são sociedades bárbaras. Infelizmente, acredito
que no próximo século não existirá a paridade entre o homem e a mulher, mas que as mulheres serão
superiores por um pequeno detalhe: porque as mulheres podem ter filhos sem ter um marido enquanto
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que os homens não podem ter filhos sem ter uma mulher. Um outro valor da sociedade pós-industrial
constituído pela desestruturação do tempo e do espaço. Graças à rádio, graças à televisão, graças ao
telefone, graças ao fax, graças ao correio eletrônico e à Internet, hoje tornou-se quase indiferente o lugar
e o tempo nos quais é feita grande parte de nossas atividades. Por exemplo: já que o sadismo dos
organizadores deste congresso os condena a escutar sem falar, então tudo isto poderia ter sido feito
pelo rádio ou pela televisão. Esta é a desestruturação do tempo e do espaço. E creio que cada vez mais
estamos nos dirigimos para o tele - trabalho, isto é, um número crescente de pessoas fará em casa os
trabalhos que hoje faz nos escritórios. E ir ao escritório hoje, para muitos, não é uma exigência prática de
trabalho, mas um rito, determinado não pelo amor ao trabalho, como os homens procuram fazer crer,
mas pelo ódio à família. Fugir de casa e permanecer no escritório o maior número de horas possível com
a desculpa que precisa trabalhar. Há homens que permanecem duas, três, quatro horas a mais que o
necessário no escritório, sem serem remunerados por isso, só pelo prazer de ficar no escritório fazendo
companhia ao próprio chefe.
Até agora falei de trabalho e gostaria de pedir desculpas a vocês por isso. Agora procurarei dizer algo a
respeito do ócio. Como disse, nossos antepassados, nossos bisavós, viviam cerca de trezentas mil horas
e trabalhavam cerca de cento e vinte mil horas. Hoje, nós vivemos cerca de setecentas mil horas e
mesmo aqueles que trabalham oito horas por dia, dos vinte aos sessenta anos de idade, trabalham, no
máximo, oitenta mil horas. Isto significa que nossos bisavós trabalhavam quase que a metade de suas
vidas. Nós trabalhamos um décimo de nossas vidas. Mesmo os executivos mais eficientes, aqueles que
dedicaram suas vidas à carreira, não trabalham mais de oitenta mil horas na vida. Façamos os cálculos
rapidamente: aqueles de vocês que tem quarenta anos, segundo as estatísticas, deverão viver ainda
cerca de trezentas e cinqüenta mil horas, deverão trabalhar ainda quarenta mil horas. Cento e trinta mil
horas serão necessárias para realizar aquelas atividades que os ingleses chamam de "care", de
cuidados, dormir, comer, etc., e cento e oitenta mil horas de tempo serão livres. Então , uma pessoa de
quarenta anos, qualquer um de vocês com aproximadamente quarenta anos de idade, deverá viver
trezentas e cinqüenta mil horas, deverá trabalhar quarenta mil horas e terá cento e oitenta mil horas de
tempo livre. O problema é que, dado que todos nós fomos preparados para o trabalho, tanto na família
como na escola, na universidade, ninguém nunca nos preparou para o tempo livre e muitos de nós
sabem trabalhar mas não sabem administrar o tempo livre. O tempo livre é difícil de ser administrado
porque, como eu disse, ainda não existe um modelo de vida e de sociedade que se baseie no tempo
livre. Todos os modelos ocidentais de vida e de sociedade baseiam-se no tempo de trabalho. São uma
exceção alguns países, muitos países orientais, muitas áreas do terceiro mundo, como por exemplo
Salvador, na Bahia, e acredito que estes serão os modelos do futuro, não Nova York. E o que é uma
loucura é que os brasileiros que perseguem o modelo de futuro baseado no tempo livre estão destruindo
este modelo a favor de outros modelos americanos que estão baseados no tempo de trabalho. Isto é um
genocídio, como foi um genocídio o que aconteceu com os escravos. Agora, nos quinze minutos que me
restam, vamos falar um pouco a respeito do ócio. Hoje, principalmente nas grandes cidades pós
industriais, frenéticas, hiperativas, temos vários tipos de trabalhadores. Há trabalhadores hiperativos
alienados, que estão contentes por trabalhar sempre mais e quando conversam conosco nos dizem: "é,
infelizmente o meu trabalho não me permite tirar férias". São pessoas perigosíssimas! Não tão perigosas
para si mesmas, mas muito mais para os outros. São pessoas para as quais existe um só remédio:
aconselhar e induzir ao suicídio. Porque, trabalhando muito, fazem trabalhar as pessoas que trabalham
com elas e tornam-se escravistas de tipo moderno. Existem ainda os trabalhadores hiperativos que se
queixam, aqueles que, quando falam a respeito de seu trabalho, dizem: "Infelizmente, infelizmente, sou
obrigado a trabalhar muito", mas nunca mudam o seu modelo de vida. Finalmente, existem os hiperativos
arrependidos, isto é, aqueles poucos managers que deixam o trabalho e dão início a uma nova vida,
levando um tipo de vida mais introspectivo, mais humano. O problema é que nós incorporamos a idéia
que o trabalho é um dever e o ócio é um pecado. Bertrand Russell, que escreveu um livro delicioso sobre
o ócio, que se chama Elogio ao Ócio, escreveu: "Historicamente, o conceito de dever foi um meio
encontrado pelos homens de poder para induzir outros homens a viver pelos interesses de seus patrões
em vez de viver por seus próprios interesses". É isto que diz Bertrand Russell. Acredito que a grande
sabedoria do ano 2000 será conseguir viver bem o próprio tempo. Na década de 20, um amigo de
Herman Hesse que se chamava Erick Shouerman, descobriu que uma tribo nas ilhas de Samoa, por
medo de ser colonizada pelos brancos, não sabendo como os brancos viviam, mandou um membro da
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tribo a Paris para que analisasse como viviam os brancos, os cidadãos evoluídos, que em sua língua
chamam-se papalagi. O enviado, quando retornou às ilhas, fez um relatório a seus companheiros de tribo
no qual descreve muito bem a vida dos brancos e o que o impressionou mais é que os brancos nunca
têm tempo. Disse que os brancos, mesmo quando caminham, vão com os braços apressados, como se
estivessem na água em uma canoa, para caminhar o mais depressa possível. No entanto, o tempo a
eles destinado já existe na vida, não há nada a ser feito. É inútil acelera-lo. E este maravilhoso
antropólogo às avessas diz: "para nós, o maior perigo que vai resultar da colonização branca é que eles
nos imponham os ritmos de seu tempo". O que depois aconteceu, como vocês podem ver aqui em São
Paulo. Mas, por que os papalagi, isto é, nós, não temos tempo? Porque nós lançamos mão de certos
artifícios. Eu listei sete. O primeiro, contraproducente para nós, é o mal uso do tempo. Temos fases
sobrecarregadas de trabalho e outras sem trabalho, como as férias, por exemplo. O outro artifício é que,
para evitar que saiamos dos locais de trabalho para ir ao bar ou ao restaurante, o bar e o restaurante
foram levados para dentro da empresa de modo que não saiamos mais porque, fora, há a vida e a vida
pode contagiar o trabalhador. Um terceiro artifício são as defasagens entre os horários de trabalho. Por
exemplo, há mulheres que trabalham de dia e maridos que trabalham de noite e, portanto, encontram-se
fugazmente só no elevador, dando vida a amores rapidíssimos, sem paixão. Depois há a sincronização,
pela qual os filhos estão na escola enquanto os pais estão trabalhando e é impossível que possam viver
juntos. Há também a hostilidade em relação ao tele-trabalho que, como falei anteriormente, há a
possibilidade tecnológica de trabalhar em casa. Depois há a ilusão de que poderemos recuperar, quando
nos aposentarmos, todas as alegrias que perdemos quando estávamos trabalhando. Por isso cada um
de nós junta livros e não os lê e diz: vou ler estes livros quando estiver cego. Ou acumula discos e não os
escuta e diz: vou escutá-los quando estiver surdo. E ainda há o fato de que o trabalho permite que nos
libertemos de nosso pecado mortal. Esta é a maior balela que existe! O fato que um meu antepassado
distante, que eu não conheço, não sei nem mesmo se existe, um belo dia, em vez de comer mamão
papaia, em vez de comer uma manga, tenha comido uma maça, e que eu, por causa disso, milhares de
gerações depois, devo trabalhar para libertar-me, acho uma loucura total. É difícil entender quem tenha
podido ter criatividade para inventar um Deus assim tão terrível. É mais difícil ainda entender quem
acredita nisso! Resta o fato de que a encíclica Populorum Rerum Novarum, de 1891, reforça que nós
estamos condenados a comer o pão com o suor de nosso rosto, que as mulheres são obrigadas a sofrer
na hora do parto porque são tristes e culpáveis as conseqüências do pecado, literalmente, as quais,
gostemos ou não, nos acompanharão até a morte. Este Papa era um sádico! Leão XIII, naturalmente.
Era um sádico a quem os cardeais, naturalmente, devem ter contado coisas erradas porque, em um
certo ponto diz, sempre entres aspas: "Hoje, especialmente, com tanto ardor e desenfreada cobiça, é
necessário conduzir a plebe com rédeas curtas", assim está escrito na Rerum Novarum. Tinham contado
ao Papa que a plebe, isto é, o proletariado, os pobres, freqüentavam cassinos, que gastavam milhões,
que cometiam pecados terríveis, que tinham iates, coisas terríveis. E de tudo isso nasceu a Rerum
Novarum. Este castigo pelo qual o ócio é, por si mesmo, um fato negativo. Observei quais são as
principais acusações contra o ócio. Em primeiro lugar, o ócio é o pai dos vícios. Ou seja, do ócio
resultam só vícios. Assim que vocês ficarem sem fazer nada, logo começarão a usar drogas, começarão
a cometer violência sexual, começarão a estuprar. Então, o ócio é perigosíssimo! Vocês nunca devem
ficar sem fazer nada, senão imediatamente irão se tornar delinqüentes. Secunda acusação: do ócio vem
a anarquia. Se as pessoas não fazem nada, não é mais possível governá-las. Terceira acusação: do ócio
resultam as crises econômicas, as quedas nas bolsas. As pessoas que não fazem nada consomem sem
produzir, portanto são perigosíssimas para a economia. As pessoas ociosas, ainda, quando às vezes
trabalham, exigem uma alta remuneração. Estas são as principais acusações contra o ócio. Por isso, se
procurarem nos dicionários por um sinônimo da palavra ócio perceberão que, quase sempre,
encontrarão significados negativos. Eu contei que, dentre 74 sinônimos da palavra ócio em um dicionário
italiano, somente 23 têm significados quase positivos, como alívio e repouso, por exemplo; 13 têm um
significado neutro, como trégua; e 38 têm um significado negativo, como dissipação, traição,
periculosidade. Naturalmente, o ócio é uma arte. Quase todos sabem trabalhar. Pouquíssimos são os
que sabem ficar sem fazer nada. E isto é devido ao fato que todos nos ensinaram a trabalhar mas
ninguém, como eu já disse, nos ensinou a ficar sem fazer nada. Para ficar sem fazer nada são
necessários os lugares certos. Vocês não podem ficar sem fazer nada em São Paulo. Podem criar estes
grandes centros mas nestes centros descansamos como se estivéssemos trabalhando. Estamos sempre
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"O AMANHECER DO 3º MILÊNIO - PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE "
frenéticos. Creio que muitos de vocês tiveram, nos livros de história, aquele lindo retrato de Napoleão
montado em um cavalo desenhado pelo pintor David. Quando David desenhou este quadro perguntou a
Napoleão: "Majestade, como gostaria de ser retratado?" E Napoleão respondeu: "Sereno, montado em
um cavalo desgovernado". Os cidadãos de cidades como São Paulo ou como Nova York são
exatamente o contrário. São desgovernados em cavalos serenos. Não há nenhum motivo para sermos
frenéticos mas nós nos damos a frenesis.
O AMANHECER DO 3º MILÊNIO - PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE - Fim
É preciso concluir, pois daqui a quatro minutos termina o meu tempo. Acredito que a sociedade industrial
nos deixou como herança, a nós, homens da sociedade pós - industrial, muitos instrumentos que nos
permitem viver bem o nosso tempo livre que, nos dias de hoje, corresponde a 9/10 da vida humana.
Existem máquinas que nos permitem economizar tempo, como o telefone e o avião. Existem máquinas
que nos permitem enriquecer o tempo, como o rádio que pode ser escutado no carro ou enquanto
realizamos os nossos afazeres domésticos. Existem máquinas que nos permitem programar o tempo,
como as agendas eletrônicas. E existem máquinas que nos permitem estocar o tempo, como por
exemplo as secretárias eletrônicas. Logo, nós herdamos uma tecnologia extremamente sofisticada que
nos permite fazer sempre mais produtos com sempre menos esforço físico. O problema é que nós somos
portadores de dois blocos de necessidades. De um lado, temos as necessidades de tipo alienado, que
são as necessidades de poder, a necessidade de dinheiro, a necessidade de consumismo , de
acumulação de coisas. Estas são necessidade quantitativas, que nunca são satisfeitas pois quanto mais
dinheiro temos, mais dinheiro queremos, mais poder temos, mais poder queremos. Junto deste grupo de
necessidades, a socióloga Agnes Seller que as estudou coloca um outro grupo de necessidades que
não são alienadas, não são quantitativas, mas são necessidades radicais que têm a ver com as raízes do
ser humano. São necessidades qualitativas. E estas são a necessidade de introspecção , a necessidade
de amizade, a necessidade de amor, a necessidade de brincadeira, a necessidade de convivência. Estas
necessidades não são quantitativas, são qualitativas. E não requerem dinheiro para que sejam
satisfeitas. É necessário educação mental para satisfazê-las. Eu, quando ligo meu computador, aparece
uma frase que é um provérbio espanhol que diz: ombre que trabaja perde tiempo precioso, homem que
trabalha perde tempo precioso. Não acredito que o trabalho seja negativo em si mesmo. Creio que o
trabalho é muito bonito quando é realizado com as modalidades da brincadeira e acredito que devemos
redistribuir o trabalho pois há pais que trabalham dez horas por dia e seus filhos estão desempregados.
Devemos redistribuir a riqueza, pois não podem conviver lado a lado milionários e paupérrimos. O
presidente da General Eletric ganha seiscentos bilhões por ano. Significa que, por dia, ganha dois
bilhões de liras. Não sei se está claro: por dia, dois bilhões de liras, quatro milhões na moeda de vocês!
Isto não é possível. É necessário redistribuir o trabalho, redistribuir a riqueza, redistribuir o poder e,
sobretudo, é necessário redistribuir o saber pois o tempo livre é feito de saber. Mais eu aproveito meu
tempo livre gastando menos, quanto mais eu consigo aproveitar as coisas que tenho e as coisas que
estão disponíveis a todos. Acredito que o símbolo da sociedade industrial tenha sido a linha de
montagem. E é um símbolo que chegou até nós da Ford de Detroit , e foi inventada em 1913. Acredito que o símbolo da sociedade pós industrial possa vir do Brasil e seja a rede. Espero que este seja o símbolo do futuro porque custa pouco,
é confortável e permite-nos pensar. No início, falei a respeito dos mitos gregos. Gostaria de terminar com
a análise de um mito grego, que é o mito de Sísifo. Como vocês devem saber, Sísifo ousou roubar dos
deuses o segredo da inteligência. Sísifo era um grande intelectual. Então os deuses o puniram com uma
punição que consistia em levar, por toda a eternidade, uma grande pedra até o topo de uma montanha e
quando chegava até o topo da montanha esta grande pedra caía e Sísifo deveria pegá-la e levá-la até o
topo de novo a assim sucessivamente. Há três interpretações deste mito. Uma delas é a interpretação
clássica, aquela que Dante também deu na sua Divina Comédia: Sísifo é um intelectual e foi punido
pelos deuses com o dever de ter que realizar um trabalho material, e Sísifo sofre especialmente quando
está subindo, quando deve empurrar esta pedra, porque faz um trabalho que não está habituado a fazer.
Houve também uma outra interpretação deste mito, a de Albert Camus naquele belo livro que se chama
justamente O Mito de Sísifo. Camus observa, de uma maneira muito inteligente, que não estamos mais
na sociedade rural, mas na sociedade industrial - porque ele escreveu quando ainda existia a sociedade
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"O AMANHECER DO 3º MILÊNIO - PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO E TEMPO LIVRE "
industrial - e que, provavelmente, Sísifo, que era um intelectual, não sofria quando subia a montanha
porque, ao subir, deveria fazer um grande esforço e sua mente era toda tomada por este esforço, não
tendo, assim, a calma para pensar. Mas Sísifo sofria principalmente na descida. Quando a pedra caía,
ele deveria voltar para pegá-la sem fazer esforço, com toda a lucidez e calma para refletir sobre o fato de
que tinha sido condenado, por toda a eternidade - diz Camus - a um trabalho inútil e sem esperança.
Que é a condenação do trabalhador da indústria que trabalha em uma linha de montagem. Mas creio que
nós, homens e mulheres da sociedade pós-industrial, podemos nos permitir dar uma terceira
interpretação a este mito: hoje Sísifo pode construir um robô que é capaz de levar a grande pedra
montanha acima e montanha abaixo. E ele senta-se no topo da montanha, olha para o Deus cruel e lhe
diz: te tapeei. Muito obrigado.
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o amanhecer do 3º milênio - perspectivas para o trabalho e tempo