Título: Uma visão holística da criança no varejo de baixa renda
Autoria: Andres Rodriguez Veloso, Diogo Fajardo Nunes Hildebrand, Patricia Regina Caldeira Daré
Resumo: A proposta deste trabalho é a abordar um segmento de mercado ainda pouco
abordado no Brasil: crianças até 14 anos pertencentes a famílias de baixa renda. Sob tal foco,
pretende-se analisar e detectar os padrões de comportamento deste segmento de mercado
dentro de um ambiente varejista e a sua influência dentro deste ambiente, por meio de análise
bibliográfica, da utilização das técnicas de observações e de entrevistas para coleta de dados.
Este trabalho se apóia nas principais obras que tratam do desenvolvimento psicológico e do
processo de socialização da criança e em pesquisa de campo com funcionários, gerentes e
donos de supermercados, com crianças e seus pais. A análise dos dados obtidos gerou
categorias que auxiliam a construção de uma visão holística do comportamento e do processo
de socialização da criança no ambiente varejista.
1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo conferir uma visão holística da criança no varejo de
baixa renda, priorizando o entendimento integral dela neste ambiente. Busca-se, desta forma,
analisar a presença da criança em estabelecimentos varejistas, com ênfase no segmento da
baixa renda, ou, na denominação de Prahalad (2005), a base da pirâmide – BP, fixando-se o
público alvo na faixa etária de 0 a 14 anos, pertencentes às classes C, D e E. O recorte
escolhido abrange duas áreas que ainda carecem de estudos específicos no Brasil, apesar da
importância econômica e social que encerram. Este é o segundo artigo em uma linha de
pesquisa desenvolvida pelos autores, que buscam solidificar um corpo teórico consistente que
sirva como referência no estudo da criança como consumidora e nas práticas administrativas.
O segmento composto por crianças de 0 a 14 anos constitui um público de cerca de 50
milhões de crianças ou 29,6% da população brasileira, conforme atesta o censo realizado pelo
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). A importância deste público se
intensifica ainda mais se for levada em conta os diferentes papéis que a criança-consumidora
assume: mercado primário (a criança pode ser um consumidor); mercado influenciador (a
criança pode influenciar o consumo); e mercado futuro (a criança constitui um mercado
potencial) (MCNEAL, 1992). A relevância desse segmento é reafirmada pelo interesse de
publicações não acadêmicas no tema, como por exemplo, a revista semanal Veja, os jornais
Folha de São Paulo e Estado de São Paulo e a revista especializada no varejo SuperHiper
(BANNON, 1998; FERNANDES, 1997; GRANATO, 1998 e PIRES, 1995). Esse interesse
também pode ser identificado nas ações de empresas, como no caso do varejista de
supermercados Pão de Açúcar, que criou o espaço Pão de Açúcar Kids buscando criar um
vínculo da marca com esse público, o mercado futuro da empresa.
O outro recorte proposto por este trabalho é o foco na base da pirâmide, segmento
composto pela classe C, D e E, que no Brasil representam respectivamente 48,9 milhões, 44,2
milhões e 54,3 milhões de pessoas (PRAHALAD, 2005). Apesar do baixo poder de compra
individual de seus integrantes, esse mercado pode ser representativo devido ao seu tamanho
numérico, mesmo que apenas para determinadas categorias de produtos. A afirmação anterior
é corroborada pela reportagem do jornal O Globo (2006), que apresenta dados de 2005
informando que as classes C, D e E brasileiras consumiram um total de 137 bilhões de dólares
no ano, e por Montigneaux (2003), quando afirma que diversas empresas já disputam
arduamente este público nas mais diversas áreas, desde a bancária, a de perfume, higiene e
distribuição até empresas de mídia.
A relevância da intersecção entre estes dois segmentos é ressaltada sobremaneira
quando se observa que para cada criança da classe A e B existem dez crianças das classes D e
E (LATIN PANEL, 2005). O professor Juracy Parente, consultor e professor da FGV, avalia
1
que “As famílias de classes mais baixas têm um maior número de filhos, o que evidencia a
demanda por produtos infantis” (LONGARESI, 2006).
Diante do apresentado, para uma melhor construção do problema de pesquisa e o
desenvolvimento da análise integral, faz-se necessário explorar a teoria acerca da evolução da
criança como consumidora, do modo de aprendizagem e das etapas pela qual ela passa antes
de atingir a maturidade para a compra independente.
A revisão começa com um breve histórico da evolução da importância da criança na
sociedade atual. Posteriormente, apresenta-se o processo de socialização da criança e como
isso impacta em sua cognição e nas suas ações no ambiente de varejo. Por fim, será analisado
o segmento da Base da Pirâmide, permitindo ao leitor uma melhor compreensão dos temas
trazidos à tona na pesquisa de campo. No que diz respeito ao método, serão apresentadas as
técnicas (observações e entrevistas) utilizadas para coletar os dados que serão analisados e
discutidos na seqüência.
2. Revisão
De acordo com McNeal (1992), a importância da criança como consumidora começa a
crescer a partir da década de 50. Isso decorre do fenômeno do Baby Boom, que expandiu o
número de crianças em 50% nos Estados Unidos. Outro fator fundamental foi a afluência
econômica experimentada pelos norte-americanos, transferindo o poder aquisitivo dos adultos
para os adolescentes e posteriormente para as crianças (MCNEAL, 1969).
Desde o fim da década de 60 McNeal (1969) trabalhou o segmento infantil,
desenvolvendo esforços para descrevê-lo adequadamente. Eles ajudaram a sociedade como
um todo a entender o papel que a criança desempenhava na sociedade de consumo crescente
nos EUA. Já no final da década de 70, McNeal (1979) fez uma revisão do papel da criança na
sociedade como consumidora. O autor destaca as controvérsias que começam a surgir,
questionando se a criança realmente deveria ser considerada uma consumidora e se a
sociedade não seria responsável pela proteção das crianças frente às ações de marketing.
Roedder-John (1999) enfatiza que essa controvérsia, liderada por grupos ativistas norteamericanos, gerou um maior interesse no tema por parte dos acadêmicos e dos profissionais
de marketing.
Como resultado desses esforços, Ward (1974) aborda a questão sob uma perspectiva
até então não levada em consideração, a da socialização da criança como consumidora.
Segundo o autor, este caso especifico de socialização abarca a fase que as crianças adquirem
habilidades, conhecimento e atitudes relevantes para o seu funcionamento efetivo como
consumidores. A discussão sobre essa abordagem psico-sociológica será aprofundada a
seguir.
Socialização do consumidor
Ao versar sobre a criança inserida em uma sociedade, participando e interagindo com
o ambiente, deve-se analisar cuidadosamente a ação continuada que transforma o ser humano
em um ser social. O processo de adaptar o indivíduo ao grupo social e, mais especificamente,
uma criança à vida em comunidade nomeia-se socialização (HOUAISS, 2002). López (1995,
p. 83) agrega declarando que “se a criança vincula-se afetivamente a determinados adultos, se
adquire o conhecimento do que a sociedade é e o que esta espera dela, e se tem um
comportamento adequado a estas expectativas, estará bem socializada”. Este trabalho, a partir
de seus objetivos, foca na socialização das crianças como consumidora.
Como levantado anteriormente, Ward lança, na década de 70, a pedra fundamental
para os trabalhos acadêmicos voltados para o tema. Cerca de 30 anos depois, Roedder-John
(1999) busca a convergência dos estudos acerca da socialização do consumidor, tomando
emprestado da psicologia o fundamento teórico, construindo por meio de um processo de
2
dedução racional um instrumento concreto que servisse como pilar para o prosseguimento dos
estudos na academia. Em seu artigo, a autora destaca que o ser humano enfrenta desde seu
nascimento um período de desenvolvimento cognitivo e aprendizagem ou amadurecimento
social. Ainda, aponta que ao longo dos anos a criança adquire habilidades de pensar mais
abstratamente sobre o ambiente que a cerca, obtém informações, aprende a processá-las e
compreende as relações interpessoais mais profundamente.
Teorias de Desenvolvimento da Criança: Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizado
Social
A literatura psicológica divide a questão da socialização da criança em duas frentes
teóricas: a escola do Desenvolvimento Cognitivo e a escola da Aprendizagem Social.
Enquanto uma criança evolui cognitivamente, ela interage gradativamente com o ambiente,
desenvolvendo a exteriorização do individuo e criando de mapas cognitivos e esquemas, ou
seja, ela aprende como a sociedade está estruturada e o que se espera dela em cada ambiente
de convivência. A seguir, serão apresentados os principais conceitos relacionados a cada uma
das escolas e, posteriormente, trabalhos que tentam conciliá-las.
Escola do Desenvolvimento Cognitivo. O trabalho mais reconhecido em se tratando
de desenvolvimento cognitivo da criança é a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget
(1959). O francês propõe três estágios básicos no desenvolvimento cognitivo: o sensóriomotor, o de inteligência representativa (subdividido em pré-operacional e concretooperacional) e o operacional formal.
O primeiro período avança até aproximadamente 1,5 a 2 anos e passa primeiramente
por uma fase de centralização do próprio corpo seguida por uma de objetivação e
especialização de esquemas da inteligência prática. A criança desenvolve até os dois anos o
pensamento simbólico, mas ainda esta mais preocupada com as propriedades perceptíveis dos
estímulos (PIAGET, 1959).
Montigneaux corrobora com a teoria de Piaget afirmando que os primeiros anos de
vida de uma criança constituem um período dominado “pelo seu egocentrismo, isto é, a
impossibilidade de considerar e levar em conta o mundo lá fora, para além dela própria, e de
uma maneira objetiva” (MONTIGNEAUX, 2003, p. 34). Desta forma, crianças dessa idade
não diferenciam produtos adequadamente, com menos intensidade ainda conseguem
distinguir marcas e muito raramente comunicar seus desejos, primeiro por incapacidade
lingüística e segundo por desinteresse na interação com outros indivíduos.
O segundo período de desenvolvimento cognitivo prossegue até os 7 ou 8 anos e
envolve a evolução das funções direcionais e identidades qualitativas e o inicio dos
agrupamentos operacionais nas suas diversas formas concretas e tipos de conversação
(CARMICHAEL, 1975). Em sua primeira fase, por volta dos 4 ou 5 anos, a criança ainda é
incapaz de partilhar e assumir compromissos (MONTIGNEAUX, 2003). É somente a partir
dessa idade que ela começa a interagir de forma mais significativa com aqueles a sua volta.
Esses infantes são claramente egoístas e seu comportamento é caracterizado pela
centralização, tendendo a perceber apenas uma dimensão do objeto por oportunidade.
Em contraste com a etapa anterior, o jovem consegue gradativamente avaliar diversas
dimensões de estímulos ao mesmo tempo e relacionar as dimensões de uma forma inteligente
e relativamente mais abstrata. Neste contexto, espera-se que a existência de um grande
número de elementos visuais de forma simultânea confunda a criança.
Por fim, o individuo inicia a etapa das operações proposionais, dividida na fase de
organização e na de aquisição da combinatória geral. A partir desse momento as crianças
progridem para um padrão mais maduro, capaz de raciocínios ainda mais complexos acerca
de situações e objetos concretos e hipotéticos (CARMICHAEL, 1975).
3
Segundo Roedder-John (1999), a capacidade de processar informações também é um
indicativo do desenvolvimento da criança e serve como uma forma de segmentar o público
infantil nas seguintes categorias: processadores estratégicos (acima dos 12 anos),
processadores indicativos (7 aos 11 anos) e processadores limitados (abaixo dos 7 anos).
Ainda, para a autora a habilidade para processar a informação é um indicador bastante
importante das capacidades da criança como consumidor.
Na década de 70, o precursor da teoria da socialização do consumidor analisou
empiricamente a problemática do processamento de informações pelos indivíduos. Os
achados de Ward (1974) confirmam as expectativas e apontam que os petizes analisam as
informações de forma diferente se comparada à adultos e que, como observado, elas
processam mais informações à medida que envelhecem, da mesma forma com que crianças
mais velhas avaliam as marcas em mais dimensões que as mais novas.
Escola do Aprendizado Social. O aprendizado social cinge uma variedade de tópicos,
como desenvolvimento moral, desenvolvimento altruísta, formação de impressões, e
formulação de perspectiva social, sendo as ultimas duas as mais importantes o presente
trabalho.
O trabalho mais respeitado na formulação de perspectiva social foi exposto por
Selman (1980) que propõe uma descrição de como as habilidades das crianças de entender as
diferentes perspectivas evoluem no tempo.
A primeira fase da vida social, entre os 3 e 6 anos, a criança não percebe nenhuma
outra perspectiva a não ser a própria. À medida que avançam no segundo estágio (6 a 8 anos),
elas evidenciam que outras pessoas podem ter outros motivos e opiniões, mas acreditam isso
ser proveniente da falta ou falha de informações por parte dos terceiros envolvidos.
Continuando, entre os 8 e 10 anos de idade o individuo passa a considerar outros pontos de
vista. Já entre os 10 e 12 anos, o cidadão desenvolve a capacidade de conectar diferentes
opiniões e pessoas em uma mesma perspectiva. Contudo, apenas no ultimo estágio, entre os
12 e 15 anos, a criança pondera outros pontos de vista e observa a forma com que se relaciona
com o grupo social.
Estágios do desenvolvimento social e cognitivo da criança. Tomando por base os
trabalhos mais representativos da teoria psicológica e social Roedder-John (1999) propôs um
modelo conceitual conciliador e que segmenta a socialização do consumidor em três
categorias básicas:
Estágio perceptual – Esse estágio e caracterizado por uma orientação geral da
criança para as características observáveis mais imediatas no ponto de venda. O conhecimento
de consumo das crianças nessa faixa etária é baseada geralmente em uma única dimensão e
representada pelas suas próprias observações. Elas apresentam familiaridade com os conceitos
relacionados ao ato da compra, como por exemplo a marca, mas dificilmente têm algum
conhecimento aprofundado. A orientação é basicamente simples, limitada e egocêntrica.
Estágio analítico – Mudanças severas tanto no campo cognitivo quanto no social
caracterizam essa fase. Algumas das principais evoluções em termos de desenvolvimento de
conhecimento e habilidades como consumidor acontecem nesse período. A alteração de um
pensamento baseado na percepção convertido para um pensamento marcadamente baseado
em simbologias, como exposto por Piaget, e o aumento do processamento de informações
engendram em um melhor entendimento do mercado e do ponto de venda. Conceitos como
ponto de venda ou preço já passam a ser assimilados, assim como a diferenciação de produtos
e marcas em um nível mais abstrato. Essa tendência tem influência também no modo com que
o jovem discute e negocia os itens desejados - tomando decisões e argumentando com base
em complexas análises multidimensionais.
Estágio reflexivo – As mudanças nesse estágio são mais uma questão de intensidade
e profundidade que de estrutura. O individuo nessa fase mantém as características básicas
4
descritas no item anterior, embora as apresente de forma muito mais complexa, abstrata e com
mais nuances. Brëe (1995) aponta que os agentes que interagem diretamente no processo de
socialização do consumidor. Cada uma das etapas apresentadas por Roedder-John (1999) são
impactadas pelos fatores expostos.
Tendo em mente os conceitos expostos por Brëe (1995) em seu célebre estudo é
possível afirmar que a socialização do consumidor está relacionada com o conhecimento dos
conceitos (p.e.: dinheiro, troca), com as instituições envolvidas (p.e.: empresas varejistas) e
com o aprendizado de como se dá o consumo (p.e.; compra, venda, satisfação). Brëe (1995)
apresenta de forma bastante didática o processo de socialização do consumidor, tentando, à
semelhança de Roedder-John (1999), incorporar em um mesmo modelo as escolas de
Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizado Social.
No Quadro 1 apresenta-se a categorização criada por McNeal (1992) para melhor
compreender o desenvolvimento da criança como consumidora. Nesse quadro são
identificadas as características centrais do comportamento de acordo com a faixa etária. Essa
categorização é interessante para melhor compreender a forma como a criança interage com o
ambiente do varejo e família no momento da compra.
Fase
Acompanhando
pais e
observando
Acompanhando
pais e
requisitando:
Acompanhado
os pais e
selecionando
produtos com
permissão:
Acompanhado
os pais e
fazendo
compras
independentes
Quadro 1 - Desenvolvimento da Criança como Consumidora
Idade
Comportamento
AproxiA criança que vai ao supermercado e fica sentada no carrinho,
madamente 1
observando as coisas que acontecem ao seu redor. Ao se aproximar da
ano de idade
idade de 2 anos a criança já começa a fazer ligações entre anúncios
televisivos e o conteúdo das lojas. Ela também passa a fazer ligações
entre certas lojas e produtos que as satisfazem.
A partir dos 2
Nesta idade as crianças já começam a fazer requisições aos pais. Visitas
anos de idade
mais freqüentes a lojas e a exposição a mídia televisiva faz com que
cresça a variedade de itens que as crianças pedem. Nestes primeiros
momentos as exigências podem tomar forma no grito, choro etc.
A partir da
Nesta fase a criança não está mais sentada no carrinho de supermercado.
idade de
Ela tem permissão para circular pelos corredores do estabelecimento.
3 ou 4 anos
Ela já começa a reconhecer algumas marcas, principalmente
relacionadas aqueles produtos que ela gosta. A criança começa a receber
permissão para buscar alguns produtos, seja para manter a criança
ocupada, seja para ensinar - lá os rudimentos do papel de consumidor.
Fase que
Nesta etapa a criança percorre todo o processo de consumo chegando a
ocorre entre o
pagar pelo produto. Surge aqui uma série de problemas para o infante
4 e o 5 ano de
relacionados com o entendimento do processo de troca de uma
idade.
economia capitalista (valor do dinheiro e processo de compra). Também
faz falta aqui um determinado nível de conhecimento matemático para
que a criança possa realmente entender o que está acontecendo. Surgem
também as primeiras impressões marcantes sobre o consumo. Problemas
encontrados com relação ao atendimento ao à loja podem resultar em
impressões negativas.
Etapa entre 5 e Nesta fase acontecem as primeiras experiências como consumidor
7 anos.
independente. Os itens comprados dividem-se entre produtos destinados
a própria satisfação (doces e refrigerantes) e para a casa (leite e pão).
Indo sozinha a
loja e fazendo
compras
independentes
Fonte: Adaptado de McNeal (1992)
Percebe-se no Quadro 1, que o autor busca analisar as diferentes etapas de
desenvolvimento da criança como consumidora em relação ao seu nível de dependência dos
pais. O desenvolvimento da criança acontece de acordo com a sua capacidade de tomar
decisões e realizar compras de forma autônoma. Esse processo de aprendizado é
fundamentado nas experiências vividas com os pais. A influência dos pais nas primeiras
impressões em relação ao consumo é significativa, visto que são eles que escolhem os
estabelecimentos que a criança irá conhecer e os produtos que ela presenciará sendo
comprados. Esse processo de aprendizado faz com que a criança, por volta dos 10 anos, já
5
possa fornecer descrições detalhadas de lojas, produtos, propagandas, embalagens etc. Como
pode ser visto o processo de aprendizado não é algo fácil nem programado, é uma série de
erros e acertos que acontecem ao longo da infância da criança (MCNEAL, 1992).
A classificação de McNeal (1992) exclui crianças menores de um ano de idade. Isso
pode ser explicado pelo fato de que o sistema visual da criança se desenvolve de forma
significativa apenas entre os 6 e 12 meses de idade (MONTIGNEAUX, 2003). Antes deste
período, não faz sentido analisar o comportamento do jovem em um ambiente varejista, visto
que ele nem ao menos tem a capacidade de reconhecer os pais, quanto mais um
estabelecimento, produto ou marca.
Por fim, McNeal (1992) aborda o caráter multidimensional do papel da criança como
consumidora, dividindo a atuação da criança como consumidora em três mercados: Mercado
Primário, Mercado de Influencia e Mercado Futuro. Estes mercados são apresentados em
maior profundidade no Quadro 2. Essa visão tridimensional indica a extensão da importância
que a criança pode ter nos negócios de uma empresa. Essa divisão, em conjunção com as
etapas do desenvolvimento cognitivo e social, pode ser amplamente utilizada para melhor
compreender a forma e os meios que devem ser utilizados para atingir esse público-alvo.
Essa visão tridimensional indica a extensão da importância que a criança pode ter nos
negócios de uma empresa. Essa divisão, em conjunção com as etapas do desenvolvimento
cognitivo e social, pode ser amplamente utilizada para melhor compreender a forma e os
meios que devem ser utilizados para atingir esse público alvo.
Quadro 2 - A Criança como Mercado Multidimensional
Características
Tamanho
As crianças constituem um mercado primário se for considerado 8 Bilhões de dólares, dos
que elas têm dinheiro próprio, desejos, necessidades, autoridade quais 6 bilhões são gastos em
e a vontade de gastar esse dinheiro nas suas necessidades e
brinquedos, doces, vestuário
desejos.
etc. O restante é economizado.
A influência direta se dá quando a criança requisita produtos e
As crianças influenciam de
Mercado
serviços como, por exemplo, comer fora, falar de alguma marca forma direta mais de 130
de
bilhões em compras para o
Influência de sorvete ou escolher algum item quando a família está no
ambiente do varejo. A influência indireta ocorre quando as
domicilio. Estima-se uma
preferências da criança são levadas em conta pelos pais no
influência semelhante de
momento da compra de algum produto ou serviço.
forma indireta.
As crianças serão os consumidores do futuro para todos os tipos Dos três mercados este é o que
Mercado
de produtos e serviços. Ao trabalhar este segmento a empresa
apresenta maior tamanho
Futuro
deve ter a visão voltada para o momento em que a criança
potencial. Empresas que
crescer e passar a ser um adulto, quando os investimentos feitos investirem no segmento
pela empresa serão pagos.
infantil estarão construindo
um segmento de consumidores
fiéis no futuro.
Fonte: Adaptado de McNeal (1992, p.15-16).
Segmento
Mercado
Primário
Agentes Socializantes
A socialização do consumidor não se dá, no entanto, de forma independente, no vácuo.
Conforme apresentado por Brëe (1995), existem diversos agentes que impactam o estágio de
socialização do consumidor. A teoria enfatiza a importância dos agentes socializadores no
processo de adequação do individuo ao papel social (MCNEAL, 1992; MOSCHIS e MOORE,
1979), destacando-se o papel da família, da escola, amigos e da mídia de massa nesse
processo (WHITE, 1997). Coutheux e Umeda (2004) realçam o fenômeno de urbanização nas
grandes capitais como um fator que diminui o impacto dos amigos da socialização, mas ao
mesmo tempo identificam que a mídia ganha espaço neste segmento infantil que passa cada
vez mais tempo no domicilio. Apesar dos avanços conquistados no entendimento desse
processo, Roedder-John (1999, p.205) assinala que “continuamos a encontrar lacunas
significantes em nossa conceitualização e compreensão de exatamente qual o papel do
ambiente social e experiências na socialização dos consumidores”.
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Aproveitando essa lacuna acadêmica, Page e Ridgway (2001) desenvolveram um
estudo analisando o impacto do ambiente no padrão de consumo das crianças de origens
socioeconômicas díspares. Os autores indicam que não são as diferenças no aprendizado que
geram o nível de socialização da criança como consumidora, mas sim o ambiente onde se dá
esse aprendizado. Dessa forma, destacam que o ambiente de varejo em que o infante tem suas
primeiras experiências é fundamental no seu processo de socialização. Como ambiente
entende-se características como o tamanho, o tipo e o ambiente da loja, entre outras
características que podem caracterizar um ambiente de varejo. Os resultados encontrados
apontam para grandes diferenças no nível de socialização de crianças da alta e da baixa renda
em razão do tipo de loja freqüentado pela família. Esse trabalho foi realizado com crianças de
11 e 12 anos, por meio de entrevistas. Page e Ridgway (2001) consideram recomendável a
extensão desse trabalho para outras faixas etárias, utilizando-se métodos menos intrusivos.
A existência de disparidades no comportamento e no nível de interação com o mundo
externo de acordo com faixas etárias é notória (PIAGET, 1959; CARMICHAEL, 1975;
MONTIGNEAUX, 2003; MCNEAL, 1992 e ROEDDER-JOHN, 1999), indicando a
necessidade de conduzir pesquisas que visem identificar as diferenças de comportamento que
existem para cada faixa etária dentro de determinado contexto. A discussão exposta leva a
uma importante questão - “Existe uma diferença da idade da criança em seu comportamento
durante a interação no ambiente de compra?”.
Para o desenvolvimento deste estudo não podem, entretanto, ser ignoradas as
conclusões de Page e Ridgway (2001), que destacam a variação do comportamento entre
crianças oriundas de ambientes socioeconômicos diferentes. Isso conduz a uma reespecificação do problema de pesquisa, envolvendo a opção pelo mercado de alta renda
(classes A e B) ou pelo mercado de baixa renda (classes C, D e E).
Alguns fatos ressaltam a importância da escolha da base da pirâmide como objeto de
estudo deste artigo. Primeiro, o fato de as empresas multinacionais terem passado décadas
explorando os segmentos formados por consumidores das classes A e B (HART e
PRAHALAD, 2002) gerou um mercado saturado que impede o continuo crescimento das
empresas no esforço de atender as expectativas dos acionistas (HART, 2005). Dessa forma
surge a necessidade de abordar o mercado composto pelas classes C, D e E. Essa mudança
estratégica nas ações das empresas indica a necessidade de um esforço de pesquisa acadêmico
direcionado para este foco.
Continuando, a importância econômica deste segmento de mercado é significativa,
correspondendo a 4 bilhões de pessoas, que apesar de apresentar um baixo poder de compra
individual, seu conjunto representa um mercado significativo (Hart e Prahalad, 2002).
Por fim, Prahalad e Lieberthal (2003) indicam a Índia, China e Brasil como os paises
onde o mercado da Base da Pirâmide (como é comumente conhecido o segmento de baixa
renda, devido à posição na pirâmide Poder de Compra per capita X População) seria mais
significativo, representando assim uma oportunidade para as empresas.
Diante do apresentado surgem questões importantes, que serão mais profundamente
abordadas na pesquisa de campo: (1) As crianças apresentam diferenças de comportamento no
ambiente varejista de acordo com a faixa etária? (2) Qual é o comportamento exibido por
crianças de diferentes faixas etárias no ambiente de varejo?
3. Aspectos metodológicos
Esta sessão apresenta os passos seguidos para responder as questões propostas. As
escolhas metodológicas aqui tomadas estão fundamentadas principalmente nas características
únicas apresentadas pelo público infantil.
Montigneaux (2003, p. 23) avalia as dificuldades de estudar o segmento infantil
colocando que “As crianças representam uma população particularmente difícil para os
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estudos de marketing (...) é muito difícil, ao interrogar as crianças, deixar de cometer desvios
(...)”. Ainda, um dos maiores estudiosos da psicologia da criança, Piaget, utilizou-se
amplamente da técnica de observação para desenvolver seus trabalhos. Os meios utilizados
pelo pesquisador francês foram amplamente utilizados e indicados por pesquisadores da área
infantil (RUST, 1993; SCHOR, 2004; ELLIOTT e JANKELL-ELLIOTT, 2003; MCNEAL,
1969; MCNEAL. 1979 e MCNEAL, 1992). De forma geral pode-se afirmar que a escolha da
observação como forma de coleta de dados é eficaz para identificar o comportamento das
crianças da forma mais natural possível. Cabe então conceituar a observação:
A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza
os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste
apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se
desejam estudar (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 190).
Prahalad (2005) indica que o estudo da população de baixa renda exige o uso de
técnicas de pesquisa diferenciadas em relação ao público de alta renda. Empresas brasileiras
de pesquisa da baixa renda lançam mão costumeiramente de técnicas qualitativas, a exemplo
da empresa Data Popular (2005).
Percebe-se então que o uso de técnicas qualitativas de coleta de dados é o mais
apropriado, tanto para o recorte composto pelo público infantil, como pelo recorte composto
pelo segmento de baixa renda.
A escolha do ambiente de varejo supermercadista como local de observação é
justificada pelas declarações de McNeal (1992), que apontam o supermercado como o
ambiente mais citado pelas crianças quando questionadas sobre um local para fazer compras.
Para este estudo escolheu-se os supermercados Loyola e Pioneiro, supermercados localizados
em bairros de baixa renda, como ambiente de pesquisa para o nosso objeto de estudo –
crianças originárias de famílias de baixa renda.
Os dois estabelecimentos varejistas, alvos deste estudo, foram o Supermercado Loyola
– um supermercado de tamanho mediano localizado na periferia de Santo André, e os
Supermercados Pioneiro também de médio porte, localizado em Uberaba – MG, com duas
lojas em bairros de classe C, eminentemente residenciais, com densidade populacional média
(grande concentração de casas e poucos prédios), possuindo 10 caixas registradoras cada um.
Nos supermercados Loyola aplicou-se as técnicas observacionais e de entrevistas, com pais,
gerentes e funcionários. Já, nos Supermercados Pioneiro foram realizadas entrevistas com os
donos do estabelecimento, após a análise dos resultados da pesquisa feita no supermercado
Loyola apenas para comparar os resultados e a confiabilidade nos resultados.
Para captar imagens do comportamento das crianças dentro do supermercado Loyola
utilizou-se a ferramenta de observação comportamental de consumo desenvolvida pela
empresa Cameraweb. A área captada pelas câmeras compreendeu as gôndolas de biscoitos,
salgadinhos e iogurtes. De acordo com o gerente do estabelecimento essas linhas de produtos
se caracterizam como de grande apelo para as crianças, facilitando assim a captura de
momentos interessantes. As percepções do gerente da loja são suportadas por Coughlin e
Wong (2002), que identificaram as gôndolas de salgadinhos e lacticínio (principalmente
iogurtes líquidos e achocolatados) como as que recebem uma carga maior de atenção das
crianças consumidoras. Coughlin e Wong (2002) também identificaram a gôndola de cereais
matinais como bastante importante, ocorre que no segmento de baixa renda este produto não
tem um consumo significativo em razão do seu elevado custo relativo. Já a observação in loco
ocorreu por todo o supermercado, dado que os pesquisadores circulavam pelo ambiente,
simulando estarem realizando compras.
As informações coletadas pelas câmeras foram analisadas posteriormente, gerando um
banco de dados com as descrições das observações que não tinham sido captadas
pessoalmente. As imagens também foram importantes para re-analisar algumas situações
dúbias ou conflitantes para os pesquisadores.
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Também foi desenvolvido um protocolo de pesquisa, destinado aos pais das crianças,
que respondiam aos questionamentos sempre ao final da compra. Esse protocolo visava
melhor compreender as observações realizadas, identificar como se dá a relação do adulto
com a criança dentro do ambiente varejista, perceber se existem iniciativas no sentido de
educar a criança, verificar se o adulto tem uma compreensão complementar do processo de
aprendizado que ocorre dentro do supermercado, obter dados para melhor descrever a
população e determinar de forma mais precisa a idade da criança.
Esse conjunto de técnicas de pesquisa permitiu uma visão mais ampla e aprofundada
do comportamento da criança no varejo e como isso é visto pelos pais da criança. As questões
eram direcionadas exclusivamente aos adultos em razão das restrições éticas colocadas pelo
Esomar (2005). De acordo com a instituição, ao realizar entrevistas com menores de 14 anos o
pesquisador deve requisitar autorização dos pais. Crianças desacompanhadas dos pais que
foram observadas no supermercado não foram abordadas para entrevistas em função da
impossibilidade de requisitar a devida permissão.
Foram realizadas 88 observações no período de três dias. Essas observações foram
transcritas para uma base de dados. Nessa base, as descrições das ações das crianças e
familiares foram agrupadas com o objetivo de gerar categorias uniformes de comportamento
que pudessem ser analisadas em conjunto.
Por fim, com base nos resultados da pesquisa bibliográfica e análise dos dados
preliminares das observações dos comportamentos das crianças e entrevistas com os pais, foi
desenvolvido um questionário estruturado de pesquisa com questões abertas, destinado aos
donos, gerentes e funcionários dos supermercados. Essa última etapa visava coletar as
opiniões dos agentes sobre a influência das crianças no ambiente varejista e melhor
compreender as observações realizadas. Dessa forma, encerram-se todos os agentes
componentes do ambiente de varejo, conferindo uma visão holística da interação da criança
neste espaço.
4. Análise dos dados
Os dados coletados foram transcritos para formar quatro bases de dados. A primeira
foi constituída das observações dos pesquisadores dentro do supermercado. Foram observados
os comportamentos no ambiente do varejo de 88 crianças. Foram conduzidas paralelamente
27 entrevistas com pais de crianças que haviam sido observadas, resultando na segunda base.
As filmagens foram analisadas para criar o terceiro banco de dados. E, por fim, entrevistaramse 3 agentes – os três com funções administrativas, gerenciais e operacionais nos
estabelecimentos –, compondo a quarta base. Estas fontes de informação foram cruzadas e
analisadas, à luz da revisão bibliográfica, com o intuito de identificar padrões de
comportamento e categorias em que as informações pudessem ser agrupadas para uma melhor
compreensão do fenômeno estudado.
As entrevistas apontaram que a renda média dos pais das crianças estudadas é de cerca
de R$740,00. Grande parte dos respondentes tem renda próxima ao salário mínimo de
R$300,00. Duas pessoas declararam ter renda de cerca de R$1.500,00 e uma pessoa declarou
ter renda de R$2.000,00. Eliminando os outliers a média atingiria R$545,00.
Identificou-se também na enquête que parte dos respondentes utiliza o supermercado
como uma loja de conveniência, onde são comprados produtos que estão faltando na casa e
produtos para consumo imediato sem preparo prévio, como bolachas, salgadinhos e iogurtes.
Sucos, leite e pão também receberam diversas menções.
4.1 – Análise das observações do comportamento das crianças
Fundamentado nas observações do comportamento das crianças, foram criados cinco
segmentos que serviram para agrupar os dados coletados: (1) Pedido de Produtos, (2) O
9
Ambiente do Supermercado, (3) Relação da Criança com os Produtos, (4) Ensino e
Aprendizado e (5) Supermercado como lugar Lúdico. Essas categorias são analisadas
agrupando-se as crianças em três grupos principais: de 2 a 5, de 5 a 7 e acima de 7 anos.
Pedido de Produtos
Observou-se que as crianças com idade entre 2 e 5 anos requisitam uma lista limitada
de produtos, principalmente: bolachas, salgados e iogurtes. Geralmente estes pedidos são
feitos de forma bastante insegura, a criança não demonstra realmente querer o produto, mas
sim ter um desejo momentâneo por ele, algo bastante passageiro. Por final, muitas vezes o
pedido é feito sem que os responsáveis pela criança se conscientizem de que a mesma está
requisitando alguma coisa. Quando ele é percebido pelos responsáveis, geralmente é negado.
Verificou-se, ainda, que as crianças menores, sobretudo aquelas que ainda não
desenvolveram adequadamente a fala, pedem os produtos apontando para os mesmos,
conforme identificado por Rust (1993), McNeal (1992) e Werner et al. (1963). O Quadro 1
indica que nos EUA as crianças desta idade já estão iniciando na sua vida de consumidoras.
Esse fenômeno não é identificado neste trabalho, provavelmente em razão do baixo poder
aquisitivo das famílias, o que impede uma maior liberdade financeira da criança.
Entre 5 e 7 anos os infantes começam a ter maior independência dentro do
supermercado, sendo que algumas delas ensaiam colocar produtos dentro do carrinho de
supermercado sem a permissão dos responsáveis. Em grande parte das ocorrências essa ação é
notada e o produto retirado do carrinho. Os funcionários dos supermercados salientam ainda
que nessa faixa etária as crianças começam a conectar os produtos disponíveis nas lojas com
comerciais vistos na televisão. Nesse sentido, Linn (2005) destaca que crianças do período
pré-escolar não conseguem diferenciar as propagandas da programação televisiva regular.
Afirma também a autora que até os 8 anos elas não compreendem o conceito de apelo
persuasivo (LINN, 2005), maximizando a influência da propaganda na decisão de compras
das crianças. A pesquisadora agrega que as crianças de baixa renda vêem mais televisão e,
portanto, estão mais tempo expostas aos apelos propagandísticos.
A partir dos 7 anos as crianças têm respostas mais positivas aos seus pedidos. Avaliase que os responsáveis começam considerar de forma mais séria as demandas do petiz, sendo
que nesse período é bastante comum ele pedir o produto, receber permissão, procurar o
produto e colocá-lo no carrinho. Rust (1993) apresenta resultados similares, observando em
sua pesquisa uma correlação positiva entre a idade da criança e o número de respostas
positivas a seus pedidos. Os jovens a partir desta faixa etária passam a desejar outros tipos de
produto, como frutas, verduras, tipos específicos de carne, etc. Esse comportamento é
explicado por Montigneaux (2003), que indica que, a partir dos 7 anos, eles começam a
assumir responsabilidades, deixando de lado o egocentrismo que caracteriza etapas anteriores
do desenvolvimento.
Os gerentes de supermercado segmentam o público infantil em duas categorias: as que
pedem educadamente e resilientes aceitam a negativa dos pais; e as que utilizam estrategemas
como gritos, choros, etc., para tentar obter o que desejam. É perceptível para os funcionários
dos supermercados que esse tipo de comportamento gera um desconforto para os pais, e que
quando isso acontece, acaba reduzindo o tempo de permanência na loja.
A pesquisa realizada por Rummel et al. (2000) indica que em crianças até determinada
idade (8 ou 9 anos) uma negativa a um pedido de compra de determinado produto impacta
negativamente em sua percepção com relação a ele. McNeal (1992) indica que um em cada
cinco adultos não faria compra se isso não fosse absolutamente necessário. Talvez essas duas
considerações estejam em parte relacionadas com as negativas recebidas pela pessoa quando
criança.
Ambiente do Supermercado
10
A fase entre 2 e 5 anos de idade representa uma época de descobertas para as crianças
dentro do supermercado. Nos casos observados, identificou-se que o carrinho de compras em
miniatura disponibilizado pelo supermercado era o objeto que mais incitava a curiosidade da
criança. Essa iniciativa do supermercado é apreciada pelas crianças, que podem brincar, e
pelos pais que têm uma forma de entreter a criança durante a compra. Esse estímulo inicial faz
com que a atividade de realizar a compra seja mais prazerosa, incentivando a participação da
criança em outras atividades no ambiente varejista, como a busca por produtos, a averiguação
de preços, entre outros, se configurando em um excelente agente de socialização do
consumidor no varejo supermercadista.
Werner e Kaplan (1963) já ressaltavam que a diferenciação no desenvolvimento da
criança é acompanhada de crescente integração do ator com seu cenário, fazendo com que ele
desenvolva uma compreensão relativamente maior de seu ambiente e das influências deste
último sobre a sua pessoa e de seus efeitos sobre o mesmo. Desta forma, a brincadeira de
empurrar o carrinho pode acelerar ou aprofundar a socialização da criança, pois age como
uma intensificadora da integração do infante com o ambiente. Nessa etapa também é maior a
incidência do consumo de produtos dentro do supermercado. Esse tipo de comportamento não
é restringido pelos responsáveis, pelo contrário, são estimulados por eles. Os funcionários dos
supermercados lembram, no entanto, que as crianças têm liberdade para andar dentro do
supermercado apenas quando os pais têm a convicção de que elas não quebrarão nada nem
causarão prejuízos a eles ou à loja.
É padrão na atitude de crianças que beiram os 5 anos, elas só terem olhares para as
prateleiras inferiores da gôndola, sendo que diversas vezes a criança deitava no chão para
observar os produtos da prateleira mais baixa. Com o aumento da idade, começa a se
desenvolver a percepção de que existem prateleiras superiores, mas que as mesmas se
encontram fora do alcance.
Um dos casos merecedores de registro foi o de uma menina (7 anos de idade),
incumbida pela família de buscar um produto na gôndola de produtos de limpeza. A criança
simplesmente não tinha altura suficiente para alcançar o produto que lhe haviam requisitado,
fazendo com que circulasse por inúmeras vezes na gôndola, até confidenciar para a mãe de
que não conseguia alcançar o produto. A sua frustração com o ocorrido ficou bastante clara.
Percebe-se que o mundo da criança dentro do supermercado é restrito pela sua idade. Esse
fato limita inclusive a incursão de crianças desacompanhadas ao estabelecimento, por estarem
impossibilitadas de selecionar alguns tipos de produtos.
A partir dos 7 anos é notável que a criança tem uma iniciativa maior, auxiliando os
pais no ato da compra, como no exemplo de uma criança de cerca de 8 anos que teve a
iniciativa de buscar um carrinho de supermercado no momento em que os produtos da compra
se tornaram muito numerosos para serem carregados nos braços.
Os funcionários dos supermercados agregam à discussão ressaltando que as famílias
acompanhadas de crianças permanecem mais tempo dentro da loja, em média, aumentando a
probabilidade de aquisição de produtos. Tendo essa consciência, os gerentes dos
estabelecimentos afirmam que adotam um tratamento diferenciado no relacionamento com as
crianças, para que elas percebam o ato da compra como uma atividade prazerosa, motivando a
sua volta. Esse comportamento foi destacado também nas entrevistas, comprovado na fala de
diversos pais que afirmam que os funcionários do supermercado também interagem de forma
significativa com os clientes, revelando um comportamento natural em supermercados de
bairro.
Por fim, ressaltam os gerentes dos estabelecimentos pesquisados que a presença do
petiz no estabelecimento é mais marcante nos finais de semana, fato explicado por eles pela
falta de condição financeira em famílias de baixa renda de contratar empregadas que cuidem
11
de seus filhos, ou que façam as compras, e de disponibilizar outros tipos de entretenimento às
crianças, resumindo na atividade da compra parte do lazer nos finais de semana.
Relação da Criança com os Produtos
A observação mais surpreendente da pesquisa foi a de uma menina de cerca de 3 anos
que, ao passar ao lado da gôndola de mistura para bolo, mandou um beijo e acenou para o
produto. Esse comportamento indica que a jovem criou um intenso vínculo emocional com o
produto. Uma possível explicação encontrada reside no nível de consumo deste produto pelas
famílias de baixa renda. Durante as entrevistas identificou-se que ele é comprado com
bastante freqüência nos finais de semana, gerando assim um apego bastante forte na criança
em questão.
A observação de crianças entre os 2 e 5 anos permitiu a identificação do fenômeno da
uni-dimensionalidade do raciocínio, evento já observado por outros autores como lista
Roedder-John (1999). As crianças pedem um produto (p.e.: Toddynho) não importando para
elas a marca, nem ao menos o sabor do alimento, mas apenas o fato de ser uma bebida láctea.
De forma análoga, se o infante admira as cores de uma embalagem, seu conteúdo pouco
influencia seu desejo de adquiri-lo, o que se comprova para os insistentes pedidos por
produtos de embalagens coloridas, independendo o produto contido (ex: sabonetes, bolachas,
esponjas ou salgadinhos). Nesse mesmo sentido, ficou evidente nas entrevistas que diversos
pais acreditam que para as crianças mais novas (entre 2 e 5 anos) a marca não tem uma grande
influência na satisfação e/ou decisão de compra. Já as crianças a partir dos 5 anos parecem ter
uma preferência mais consolidada.
A partir dos 5 anos a relação do indivíduo com os produtos parece se estreitar. Quando
ela recebe permissão para comprar um produto o mesmo é carregado com uma grande
demonstração de carinho e cuidado, reforçando o caráter hedônico do consumo. Geralmente a
criança passa o resto da compra com o produto nos seus braços, aparentando medo de perder
o mesmo. Skinner e Harriman (1941) já ressaltavam que as crianças gostam de sentir que
podem contar com a possessão de alguns objetos sempre que quiserem, se recusando a
partilhar ou dividir a posse. Observa-se também que jovens desta idade buscam entender
melhor o que são os produtos no supermercado. Elas pegam, cheiram, manuseiam os produtos
na tentativa de melhor compreender o que são.
Os empregados dos estabelecimentos varejistas identificam que é justamente na faixa
etária superior a cinco anos que as crianças começam a tomar a iniciativa de colocar produtos
desejados no carrinho de supermercado sem pedir permissão aos pais, demonstrando que tanto
a criança passa a ter mais consciência dos seus limites e de suas vontades, quanto os pais têm
a percepção da evolução do seu discernimento. Esse fato foi corroborado pelas entrevistas
com os pais, que, sistematicamente afirmaram que as crianças a partir dos cinco ou seis anos
têm maior compreensão da realidade familiar.
Por fim, ficou evidente nas entrevistas e observação in loco que a motivação
primordial dos adultos de baixa renda é utilitário, indo no supermercado para suprir
necessidades básicas. No caso das crianças destaca-se o fator emocional na motivação do
consumo buscando através dele satisfazer suas necessidades hedônicas. Percebe-se que a
pessoa, pela limitação de renda, é condicionada a reprimir os seus desejos, reduzindo o
consumo hedônico.
Ensino e Aprendizado
Rust (1993) identificou o supermercado como um local onde os pais buscam de
alguma forma incentivar o aprendizado das crianças. Esse tipo de comportamento foi
confirmado pelas observações realizadas. Alguns pais começam a estimular a participação da
criança no processo de compra desde os 2 anos de idade, como no caso de um pai que
ofereceu uma lata de molho de tomate para uma criança de aproximadamente 3 anos carregar.
12
Já a partir dos 5 anos de idade, os indivíduos apresentam um comportamento que
transparece o aprendizado de forma mais concreta, como no caso de um menino que seguia a
mãe e imitava seus gestos ao escolher um produto de limpeza – o menino pegou uma
embalagem do produto, a abriu e a cheirou, exatamente como a mãe estava fazendo. Skinner e
Harriman (1941) já haviam chamado atenção para o fato de que o prestigio e a proeminência e
um grande fator motivador em crianças. Nesse sentido, a ação do infante pode significar a
busca por um engrandecimento pessoal e/ou por aprovação social. Nessa idade ele começa
também a se oferecer para participar mais ativamente da compra, ou seja, ela se coloca numa
posição de ajudante da compra, buscando maiores responsabilidades como buscar e escolher
produtos.
A partir dos 7 anos, a criança recebe dos pais um número maior de ensinamentos,
como no caso onde a mãe mostrava para a criança os produtos que estava adquirindo. Essa
relação pode ter haver com o inicio da idade escolar do brasileiro – justamente aos 7 anos –
fazendo com que a atividade de aprendizado seja melhor compreendida pela criança e
aumentando conseqüentemente o interesse dos pais de ensinarem atividades mais complexas.
Observou-se que com 8 anos de idade as crianças começam a participar mais,
discutindo sabores e escolhendo produtos em conjunto com os responsáveis. Um caso
bastante exemplar deste tipo de comportamento foi o de um pai e uma criança resolvendo que
marca/tipo de leite deveriam comprar. As opções eram inúmeras na gôndola. Ambos pegaram
diversos tipos de leite, apresentaram os produtos um ao outro, até que um produto coletado
pela criança acabou sendo escolhido como opção final. Em outro caso, uma menina de 10
anos de idade chamou a atenção dos pais para a qualidade de um produto de limpeza,
relatando uma experiência de consumo ocorrida com terceiros como embasamento para sua
sugestão.
De acordo com a opinião dos gerentes das lojas pesquisadas, apenas a partir dos 10
anos percebe-se uma evolução do aprendizado da criança. Essa percepção pode ter surgido do
fato de que a partir dessa idade é marcante a presença de crianças sozinhas no supermercado
realizando compras para os pais. Ainda, o tipo de aprendizado observado nas fazes anteriores
são menos salientes, sendo difíceis de serem notados. Por fim, lembram os gerentes que entre
os principais agentes na socialização e aprendizado das crianças destacam-se a mídia e os
amigos. É importante lembrar que em nenhum momento os funcionários citaram os pais como
atores no processo de aprendizado dos filhos, contradizendo o que se conclui com as
observações dos pesquisadores e as entrevistas com os pais.
Supermercado como Lugar Lúdico
Skinner e Harriman (1941) ressaltam, respaldados por uma longa lista de
pesquisadores, que a vida lúdica para a criança é vista como fonte de prazer e liberdade,
servindo como um grande fator motivador. Sendo assim, é natural esperar que lugares que
ofereçam a possibilidade do brincar atraiam as crianças com maior intensidade. O
supermercado representa essa possibilidade, caso assim desejem os gestores da loja.
Particularmente no caso aqui estudado essa permissão é bastante clara, considerando que
foram inúmeros os casos observados de crianças se divertindo sem a intervenção de adultos.
Os empregados dos supermercados lembraram que desde que começam a andar as
crianças já brincam no supermercado. Entre 2 e 5 anos nota-se que ela gosta de empurrar o
mini-carrinho de compras. Entre os 5 e 7 anos, por sua vez, o infante deixa aos poucos de
querer conduzir o mini-carrinho, direcionando sua atenção para outros tipos de brincadeira.
Algumas crianças passavam parte do período no supermercado organizando os produtos que
eram colocados dentro do carrinho. Esse comportamento não era imposto pelos pais, mas
espontaneamente conduzido pelas crianças dessa faixa etária. A própria interação delas com
os produtos – segurando, cheirando e manuseando – pode ser considerada uma brincadeira.
13
A partir dos 7 anos os petizes, quando num grupo maior, brincam de esconde-esconde
e de colocar produtos no carrinho de supermercado sem que os responsáveis se
conscientizem. Ainda, os carrinhos de supermercado passam a servir como carrinhos de
corrida – a criança deixa de apenas empurrar o carrinho para querer correr com ele contra
alguma outra criança conhecida.
O comportamento lúdico das pessoas quando jovens pode se perpetuar como um
comportamento de lazer. As observações e entrevistas apontam que, entre os adultos, o
supermercado funciona como um local de convivência, onde os vizinhos se encontram e
interagem socialmente.
A atividade lúdica nem sempre é vista como positiva pelos supermercadistas. Apesar
de saberem que a brincadeira pode tornar o ato da compra mais prazeroso, um dos gerentes
destacou que tem receio de que alguns tipos de diversão, como pega-pega ou esconde-esconde
podem causar acidentes que venham a ferir as crianças, causar estragos ao estabelecimento,
como também incomodar outros clientes. Essa última observação vai de encontro à teoria de
serviços, que indica as relações interpessoais clientes-funcionários e clientes-clientes como
fundamentais na percepção da qualidade do serviço (LOVELOCK e WRIGHT, 2006).
5. Conclusões
Este trabalho teve como objetivo mostrar uma visão holística do comportamento da
criança no varejo de baixa renda, preocupando-se em analisá-las conforme seu
comportamento observado sob a ótica de seus pais e dos agentes do ambiente varejista –
gerentes, funcionários e donos.
O foco na baixa renda se mostrou bastante útil e enriquecedor, indicando que aspectos
socioeconômicos podem impactar de maneira significativa nas etapas de aprendizagem pelas
quais as crianças passam antes de atingirem a maturidade, a compra independente. Este último
estágio pode ocorrer tardiamente em virtude do baixo poder aquisitivo e menor liberdade
financeira.
Destaca-se ainda a triangulação das formas de coleta de dados como uma abordagem
de pesquisa bastante produtiva. O cruzamento do espectro bibliográfico com as observações
pessoais e dinâmicas dos pesquisadores, com a vigilância estática das câmeras e das
entrevistas foi extremamente rico, pois permitiu o confronto de suas análises e suas
conclusões pessoais, o afastamento das dúvidas e a uniformização de uma conclusão conjunta.
Vê-se claramente ao longo do desenvolvimento deste trabalho, a identificação de
aspectos comportamentais da criança no ambiente de varejo e das influências que os agentes
de socialização dispõem sobre o infante. Ela é vista exercendo diferentes papéis dentro deste
ambiente e sendo alvo de diversas práticas administrativas e mercadológicas.
Por fim, registram-se indícios de padrões de comportamento da criança no varejo
supermercadista. Os autores identificaram cinco categorias principais, sendo elas o “Pedido de
Produtos”, o “Ambiente do Supermercado”, a “Relação da Criança com os Produtos”, o
“Ensino e Aprendizado” e o “Supermercado como Lugar Lúdico”. Dentro delas, percebeu-se
uma clara divisão etária, que corroborou os achados de McNeal (1992).
O esforço de pesquisa aqui representa um importante material para o varejista que
pretende entender melhor as relações sociológicas que envolvem o ambiente de varejo. Os
fabricantes de bens de consumo também podem extrair valiosas informações deste trabalho.
Dentre os fatores destacados nessa pesquisa como fundamentais para a prática
gerencial, estariam o caráter evolutivo do aprendizado e do comportamento da criança, a não
valorização das marcas em produtos infantis, tanto por parte dos adultos quanto por parte das
crianças até 5 anos e a característica hedônica da relação criança-supermercado e criançaproduto.
14
Os autores salientam que as atividades realizadas pelas empresas varejistas devem
tratar o lado do aprendizado do consumo, da socialização do consumidor, questões de
natureza ética que tornem a criança mais preparada para o consumo evitando-se iniciativas e
propostas que ensinem à criança o lado perverso da sociedade de consumo: o consumismo.
Por ser exploratória, a pesquisa se constitui apenas no primeiro passo para a melhor
compreensão do comportamento da criança no ambiente de varejo, apresentando algumas
limitações que podem trazer determinado grau de imprecisão a suas conclusões. Devendo-se
observar também que seu caráter qualitativo e exploratório não objetiva, portanto,
generalizações das conclusões.
Os achados deste estudo provocam reflexões que merecem ser analisadas inclusive à
luz de dados provenientes da observação de crianças de famílias de alta renda, caracterizandose como um estímulo e um ponto de referência para futuras pesquisas.
Conforme apresentado anteriormente, espera-se que crianças com diferentes
experiências de consumo e freqüência a lojas apresentem diferentes níveis de socialização.
Estudos quantitativos que analisem os resultados financeiros da introdução de ambientes
lúdicos em supermercados de bairros de classe C, D e E ou mesmo de simples mini-carrinhos
de compra, que acelerem o processo de socialização do consumidor, podem comprovar a real
utilidade e efeito desses acessórios.
Suas limitações apontam para uma última sugestão, o desenvolvimento de pesquisas
quantitativas utilizando os achados desse estudo para generalização dos fatos aqui descritos.
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