A RESPONSIVIDADE DE UMA CRIANÇA COM TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO EM INTERAÇÃO COM O PAI PRISCILA CAMARA DE CASTRO ABREU PINTO [email protected] UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO MARCIA MIRIAN FERREIRA CORRÊA NETTO [email protected] DOUTORANDA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO LEILA REGINA D’OLIVEIRA DE PAULA NUNES [email protected] DOCENTE DO PROPED DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RESUMO O presente trabalho consiste em um relato de experiência de uma assistente de pesquisa que participou de treinamento e formação, com a pesquisadora, para a categorização e análise dos dados de um estudo, em andamento, com o objetivo de verificar os efeitos na responsividade de uma criança, menor de três anos de idade, com Transtorno Global do Desenvolvimento, na interação com o pai, após o início de um programa de capacitação de pais com o objetivo de estimular a linguagem e a comunicação de seus filhos. Foram categorizadas as filmagens da fase de Linha de Base e algumas da fase de Capacitação/Intervenção, que se encontra ainda em execução. Já se observam, até o momento, algumas mudanças nos comportamentos do pai e, consequentemente, ganhos na responsividade da criança. Os dados sugerem que as mudanças nos comportamentos do pai, após as orientações, possibilitarão o desenvolvimento da comunicação da criança. PALAVRAS-CHAVE: Transtornos Globais do Desenvolvimento – Comunicação – Capacitação de pais. 1 INTRODUÇÃO O autismo é um dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs) mais conhecido na atualidade (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, CID-10, 2000), cujas características básicas são os distúrbios qualitativos na interação social recíproca, na comunicação verbal e não verbal e na manifestação de padrões restritos de interesses, atividades e condutas repetitivas e estereotipadas. Os TGDs acomete crianças antes dos 3 anos de idade e se manifesta de duas a quatro vezes mais que no sexo feminino do que no masculino (KLIN, 2006, p.54). As pessoas com autismo apresentam tendência inusual de vinculação a objetos comuns, fixação a rotinas particulares, rituais de caráter não funcionais, incapacidade acentuada de estabelecer relações pessoais (AJURIAGUERRA; MARCELLI, 1991) e déficits de linguagem, desde a falta até a presença de uma linguagem restrita, estereotipada, com manifestações verbais típicas. Não há cura para os TGDs e o prognóstico é variável, entretanto, teorias recentes apontam a importância das interações precoces entre os pais ou cuidador e a criança como uma forma de suavizar os sintomas pregnantes. (DAWSON, 2008). O desenvolvimento normal da linguagem ocorre durante os primeiros anos de vida e é essencial para a comunicação, através de um código denominado língua, intermediando a relação humana. Logo, os distúrbios de linguagem que afetam uma criança nos primeiros anos de vida podem causar danos expressivos em seu desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, pois é através das relações interpessoais, permeadas pela linguagem, que a criança, desde o seu nascimento, aprende sobre o mundo em que se encontra inserida através das trocas com o meio. Sob a perspectiva histórico-cultural, a linguagem é indispensável ao indivíduo - é com a linguagem e através da linguagem que se constituem as relações entre as pessoas e a cultura. Chapman (1996, p.262) afirma que os desvios pragmáticos da linguagem da criança com algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs) podem ser esperados, pois “o tipo de entendimento social que parece estar faltando para estes indivíduos é um importante precursor para o desenvolvimento e uso da linguagem”, e que as dificuldades de processamento cognitivo, social, afetivo e sensorial, comuns em 2 pessoas com algum dos TGDs, podem estar associados aos posteriores atrasos e desvios de linguagem. E Tomazello (2003) afirma que há uma falta de habilidades sociocognitivas nas pessoas com algum dos TGDs. O autor pontua que essa incapacidade é que dificulta a aquisição espontânea de símbolos linguísticos e outros símbolos comunicativos. Segundo Glennen (2007), 61% das pessoas com algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs) são mudas funcionais, e quando oralizam, a expressão verbal apresenta pouco ou nenhum significado. Klin (2006) assinala que cerca de 20 a 30% das pessoas com algum dos TGDs não desenvolve a linguagem verbal e 75% das pessoas que falam demonstram padrões anômalos de verbalização (NATIONAL RESEARCH COUNCH, NRC, 2001). Também são observados déficits na linguagem receptiva de pessoas com algum dos TGDs, pois apresentam dificuldades na compreensão de enunciados verbais e nas formas não verbais de comunicação. Halle (1984) destaca o papel dos pais/cuidadores no ensino da linguagem para crianças pequenas. O autor salienta a importância deste papel, a sua eficácia e, também, o desconhecimento, em geral, dos pais ou cuidadores, sobre as infinitas oportunidades de aprendizagem, decorrentes das interações que estabelecem com as crianças. O NATIONAL RESEARCH COUNCIL (2001); Ello; Donovan, (2005) assinalam que este é o caso de famílias de crianças com algum dos TGDs, devido interação ser inibida, dentre outras ocorrências, pelas situações estressantes vividas ou à limitada responsividade da criança (WALTER; NUNES, 2008). No momento, na literatura internacional, existem três estudos que examinam a eficácia do programa Hanen (MCCONACHIE et al., 2005; GIROLAMETTO et al., 2007; CARTER et al., 2011). E, na literatura nacional, há dois estudos, em desenvolvimento: um na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a coordenação da professora Dra. Débora Nunes e outro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a coordenação das professoras Marcia Mirian Ferreira Corrêa Netto e Leila Regina d’Oliveira de Paula Nunes. O presente trabalho consiste na apresentação e análise dos dados obtidos, após a categorização das sessões de filmagem durante as interações pai-criança, para verificar se ocorreu o aumento na responsividade da criança, a partir da modificação 3 de comportamento do pai. Os dados compõem uma pesquisa de doutorado, em andamento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para verificar os efeitos de um programa de capacitação de pais e cuidadores no desenvolvimento da linguagem e comunicação de crianças menores de três anos de idade, com algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs), na qual a autora principal do trabalho atua como assistente de pesquisa. O programa de capacitação implementado é baseado nos procedimentos do programa More Than Words: The Hanen Program for Parents of Children with Autism Spectrum Disorders, do ensino naturalístico e da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA). OBJETIVO Verificar os efeitos na responsividade da criança, após a implementação de um programa de capacitação de pais, para estimular a linguagem e a comunicação de crianças menores de três anos, com algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. METODOLOGIA • Participantes – João (nome fictício), com 2,2, apresentando Transtorno Global do Desenvolvimento; Alex¹ (nome fictício), pai do menino, professor de Matemática; Priscila, assistente de pesquisa; Marcia, pesquisadora. • Local - uma sala de atendimento de uma instituição especializada do município do Rio de Janeiro e residência da díade (pai-criança). • Materiais – Filmagens das interações e planilhas, para categorização das variáveis, elaboradas pela pesquisadora, notebook e impressora. • Delineamento – a pesquisadora utiliza um delineamento quase-experimental intrasujeito, do tipo A-B-C e a análise qualitativa. 4 DESENVOLVIMENTO Até o presente momento foram categorizadas 13 sessões da Linha de Base e 8 sessões da fase de Capacitação/Intervenção. Os seguintes procedimentos foram realizados: • Participação do treinamento com a pesquisadora - houve um encontro com a pesquisadora no qual foram discutidas as categorias utilizadas e realizadas demonstrações de como categorizar cada sessão, utilizando filmagens de outras díades. A seguir, a pesquisadora e a assistente de pesquisa realizaram categorizações de algumas filmagens. O treinamento finalizou após a obtenção de 75% de concordância em cada variável Fagundes, (2004), em três sessões consecutivas. • Categorizações das sessões da Linha de Base - foram realizadas a partir das categorias fornecidas pela pesquisadora. Apenas os cinco primeiro minutos de cada filmagem foram considerados para análise, com o objetivo de homogeneização. • Fidedignidade – após o encerramento da Linha de Base, a pesquisadora realizou a categorização de 25% das sessões, randomicamente selecionadas. Foram observadas discordâncias em duas categorias: apresenta jogo simbólico e se a criança responde a solicitação. A partir dessa observação, um novo encontro foi realizado, para esclarecer as dúvidas e nova categorização foi realizada. A categorização das sessões da Linha de Base encerrou após a obtenção do índice de concordância igual ou maior a 75%, de cada categoria analisada. • Categorização das sessões de Capacitação/Intervenção – estão sendo realizadas a partir das categorias fornecidas pela pesquisadora. Apenas os cinco primeiro minutos de cada filmagem são considerados para análise, com o objetivo de homogeneização. • Resultados – está sendo empregado o cálculo da frequência média de respostas, em cada categoria, nas 5 Fases de Linha de Base e de Capacitação/Intervenção. A seguir, são apresentadas as categorias cujos resultados obtidos, até o momento, foram analisados: A - Comportamentos do pai em interação com a criança 1. Arranjo ambiental – dispõe o sistema os cartões de Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) ao alcance da criança, com os objetos de seu interesse à vista e ao seu alcance; apresenta elementos insuficientes para completar uma tarefa; se coloca entre a criança e o objeto. 2. Comunicação ocorre face a face - se posiciona frente à criança para buscar interação e/ou realizar alguma solicitação. 3 - Deixa a criança liderar - observa o interesse da criança e busca integrar-se favorecendo a interação. 4 - Deixa a criança iniciar a comunicação - espera a criança buscar interação ou realizar alguma solicitação. 5 - Realiza mando solicitando resposta expressiva - faz comentários, formula perguntas e faz solicitações utilizando, concomitantemente, a linguagem oral, objetos reais, miniaturas e/ou cartões com pictogramas (CAA). Olha para a criança e aguarda a resposta. 6 - Oferece modelo para a criança e aguarda a resposta – oferece ajuda física com a finalidade de guiar a criança para a utilização de recursos da CAA. Tal procedimento é acompanhado de comentários, perguntas ou solicitações verbais. 7 - Foi observado jogo simbólico – Durante a atividade de brincadeira com a criança, o pai estimula o jogo simbólico. 8 - Frequência do comportamento observado Sempre – O pai apresenta o comportamento 100% das vezes, no espaço de 1 minuto. Frequentemente – O pai apresenta o comportamento 75% das vezes, no espaço de 1 minuto. Às vezes – O pai apresenta o comportamento 50% das vezes no espaço de 1 minuto. Nunca – O pai não apresenta o comportamento, no espaço de 1 minuto. 6 B - Comportamentos da criança em interação com o pai 1. Responde os comandos – responde logo após ouvir o que foi solicitado, sem necessitar que se repita o que é desejado que ela realize. 2. Inicia interação sem qualquer solicitação de respostas – se aproxima do adulto ou de outra criança buscando interagir e/ou se comunicar. 3. Tipo de resposta (Verbal – V; Vocalização – Vo; Gestual – G; CAA ou Mista – M) - A forma pela qual responde a uma solicitação. A classificação da mensagem, ou seja, como a mensagem foi emitida: V – verbal; Vo – vocalização; G – gestual; CAA - recursos da CAA (pictogramas); M – mista (mais de um tipo). Número: quantas vezes, em cada minuto, a criança apresentou o tipo de mensagem observada. DISCUSSÕES PARCIAIS Ao longo da categorização das 21 sessões, sendo 13 sessões da fase de Linha de Base e 8 sessões da fase de Capacitação/Intervenção, foi observada variação dos dados, isto é, a presença de ganhos em alguns comportamentos, alguns retrocessos em outros e, ainda, o não desenvolvimento de certos comportamentos. No entanto, cabe destacar que a pesquisa se encontra em andamento. A seguir, são exibidos os resultados parciais, mais significativos, de cada categoria analisada: 1- Comportamentos do pai em interação com a criança • Arranjo ambiental – na Linha de Base foi encontrada, na opção nunca, frequência média de 1,92 e na fase de Capacitação/Intervenção 2,37. Um acréscimo de 0,42. • Presença de comunicação face a face – na Linha de Base foi obtida, na opção sempre, frequência média de 1,61 e na de capacitação/Intervenção 2,12, denotando um acréscimo de 0,51. • Deixar a criança liderar – na Linha de Base, na opção sempre, a frequência média foi 3,23 e na Capacitação/Intervenção de 3,25, com ganhos de 0,2. Já na opção nunca, na Linha de Base se computou 0,53 e na Capacitação/Intervenção 0. 7 • Deixa a criança iniciar a comunicação - Na Linha de Base, a frequência média, da opção às vezes, foi de 0,46 e na Capacitação/Intervenção se obteve 1, com um acréscimo de 0,54 . Já na Linha de Base, na opção nunca, a frequência média foi de 0,61 e na Capacitação/Intervenção de 0, denotando ganhos significativos. • Realiza Mando - Na Linha de Base, na opção às vezes, a frequência média foi de 1,5 e na Capacitação/Intervenção foi de 1,87, com diferencial de 0,37. • Oferece Modelo para a Criança – Na Linha de Base, na opção nunca, a frequência média foi de 1,30. Já na Capacitação/Intervenção foi encontrada frequência média de 2,37, denotando decréscimo significativo desse comportamento, com diferencial de 1, 07. • Presença de Jogo simbólico – observado aumento importante da frequência média, na opção sempre, e decréscimo expressivo na opção nunca. Na Linha de Base, na opção sempre, a frequência foi de 2,15 e na Capacitação/Intervenção de 3,25, com diferencial de 1,1. Já, na opção nunca, na Linha de Base a frequência média encontrada foi de 0,69 e na Capacitação/Intervenção de 0,12, com diferencial de 0,57. 2. Comportamentos da criança – Verificou-se que as oportunidades oferecidas pelo pai para a criança responder as solicitações sugere uma tendência ascendente. Na Linha de Base, com 13 sessões, foram computadas 142 oportunidades para a criança responder e na Capacitação/Intervenção, com apenas 8 sessões, já foram verificadas 134 oportunidades. Com isso, a criança apresentou 111 respostas gestuais e 16 vocalizações, na Linha de Base, e 85 respostas gestuais, na Capacitação/Intervenção. CONCLUSÕES PARCIAIS Os resultados sugerem mudança em alguns comportamentos do pai e principalmente da criança, após o início da implementação do programa de Capacitação/Intervenção. Tais mudanças vêm propiciando que a criança se apresente mais responsiva e apresente evolução no seu desenvolvimento, nos aspectos referentes à comunicação. Observa-se, que tanto na categoria de fazer arranjo 8 ambiental quanto na de realizar comunicação face a face, uma tendência ascendente, denotando que o pai vem percebendo que a presença destes comportamentos favorece o desenvolvimento da comunicação e da linguagem de seu filho. Cabe destacar que a observação da tendência ascendente em outras categorias denotam que as mudanças no comportamento do pai tem influenciado, de forma positiva, na responsividade da criança e, por seguinte, que o programa de capacitação para pais pode ser uma estratégia promissora para estimular a comunicação e a linguagem de crianças, menores de três anos, com algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NUNES, D. P. Efeitos dos procedimentos naturalísticos no processo de aquisição de linguagem através de sistema pictográfico de comunicação em criança autista. (Dissertação Mestrado em Educação), 2000. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegres: Artes Médicas, 1993 TOMAZELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2007. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. WALTER, C. C. F.; NUNES, D. R. P. Estimulação da linguagem em crianças com autismo. IN: LAMONICA, D. A. C. (Org.) Estimulação da linguagem: Aspectos teóricos e práticos. São José dos campos: Pulso, v.1, p. 133-162, 2008 9