COMPOSIÇÃO DE EVENTOS DE DISTÚRBIOS ONDULATÓRIOS DE LESTE SOBRE AS REGIÕES DE ALCÂNTARA E NATAL: CARACTERIZAÇÃO PRELIMINAR Maria Aparecida Senaubar Alves 1 , 2 , Marcos Daisuke Oyama 1, Jorge Yamasaki 1 RESUMO. Os distúrbios ondulatórios de leste (DOL) são sistemas de grande escala que atuam na costa norte do Brasil (CNB). Por meio de composição de eventos de DOL que atuaram em JJA de 1996 a 2005, obtiveram-se as características gerais da onda composta sobre duas localidades da CNB: Alcântara (MA, 2º24’S, 44º25’W) e Natal (RN, 5°55’S, 35°10’W). Utilizaram-se dados de Reanálise do NCEP/NCAR. A identificação dos casos de DOL foi feita pela mudança de sinal do vento meridional em 700 hPa. Em média, há 7 eventos de DOL por ano em JJA, e, dos DOL que alcançaram Alcântara, 38% provieram de Natal. Para ambas as localidades, o período médio é de 34 dias; a velocidade de fase, de 20 m s-1; e o comprimento de onda, de 5500-6500 km. Em jun-jul, somente de 10 a 20% da precipitação, seja em quantidade (mm) ou número de eventos, estaria associada à ação de DOL. As características da onda composta, exceto para convergência atmosférica, são semelhantes em Alcântara e Natal. ABSTRACT. The easterly waves (EW) are an important large scale system for the Northern Coast of Brazil (NCB). The main features of the composite EW for JJA from 1996 to 2005 over two locations in NCB, Alcântara (MA, 2º24’S, 44º25’W) and Natal (RN, 5°55’S, 35°10’W), were studied. NCEP/NCAR Reanalysis data were used. The sign change of the meridional wind at 700 hPa was used to select the EW events. On average, there are 7 EW cases per year in JJA, and it was found that some EW (38%) cross over Natal and reach Alcântara. For both locations, the average period is 3-4 days; the phase velocity, 20 m s-1; and the wavelength, 5500-6500 km. In JunJul, only 10-20% of precipitation, either in amount (mm) or number of cases, would be associated with EW. The features of the composite EW, except for atmospheric convergence, are similar to both locations. Palavras-Chave. costa norte do Brasil, onda de leste. INTRODUÇÃO Os Distúrbios Ondulatórios de Leste (DOL), também conhecidos como ondas de leste (easterly waves), são sistemas de grande escala que atuam sobre a costa norte e nordeste da América do Sul (AS) (p.ex., Diedhiou et al., 1999, p.803). Vários estudos, utilizando dados de diferentes fontes [imagens de satélite, radissondagens e (re)análises], investigaram a ação de DOL na costa nordeste da AS (p.ex., Neiva, 1975; Yamazaki e Rao, 1977; Chan, 1990; Espinoza, 1996). Desses estudos, conclui-se que as principais características dos DOL são: período predominante de 3-5 dias (o regime de 6-9 dias seria secundário, o que concorda com Diedhiou et al., 1999), velocidade de propagação em torno 10 m s-1 e comprimento de onda de cerca de 4000 km. Há poucos estudos sobre a ação de DOL sobre a costa norte do Brasil (CNB) (Kagano, 1979; Mota, 1997; Coutinho, 2001; Barbosa, 2005; Alves et al., 2005). Neste trabalho, o objetivo geral é 1 Instituto de Aeronáutica e Espaço, Divisão de Ciências Atmosféricas, Pça Marechal Eduardo Gomes, 50, 12228-904, São José dos Campos, SP. 2 Autora para correspondência. Tel: (12) 3947-4590, Email: [email protected]. investigar as principais características dos DOL sobre duas localidades: Alcântara (MA, 2º24’S, 44º25’W), localizada em uma posição intermediária na CNB, e Natal (RN, 5°55’S, 35°10’W), localizada no extremo leste da CNB. Em ambas as localidades, encontram-se centros de lançamento de foguetes. As características climatológicas dessas duas localidades são semelhantes (Fisch, 1999; Pereira et al., 2002): ventos em baixos níveis predominantemente de leste (alísios); temperatura do ar e umidade relativa com pequena variação sazonal; e precipitação com clara sazonalidade. Em Alcântara (Natal), a estação chuvosa se estende de jan-jun (fev-ago); a seca, de jul-dez (set-jan). Especificamente, abordam-se as seguintes questões: – Como seria a onda composta (i.e., obtida por meio de composição de eventos de DOL) sobre Alcântara e Natal para JJA (trimestre que há grande atividade de DOL)? – Há DOL que atuam em Alcântara sem passar por Natal? – Qual é a relação entre ação de DOL e ocorrência de precipitação? Trabalhos anteriores enfocaram parcialmente essas questões com dados de somente 1 ano (junjul/1994: Mota, 1997; jun-jul/1996: Alves et al., 2005). No presente trabalho, pretende-se ampliar esses resultados com o uso de dados de 10 anos (1996 a 2005). DADOS E METODOLOGIA Para identificar os eventos de DOL e obter a onda composta, utilizam-se dados de Reanálise do National Centers for Environmental Prediction / National Center for Atmospheric Research (Reanálise do NCEP/NCAR; Kalnay et al., 1996) para os meses de jun-ago de 1996 a 2005. Os dados possuem resolução horizontal de 2,5°, temporal de 6 h (00, 06, 12 e 18 Z) e vertical de 17 níveis (níveis padrões de 1000 a 10 hPa). Para estudar preliminarmente as relações entre DOL e precipitação, utilizam-se dados de precipitação diária para a América do Sul do Climate Prediction Center / National Oceanic & Atmospheric Administration (http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/precip/realtime/). Os dados possuem resolução espacial de 1°. A metodologia de identificação dos casos de DOL segue essencialmente Mota (1997). Utilizase o vento meridional em 700 hPa (V700; Diedhiou et al., 1999). Elaboram-se diagramas do tipo Hovmoller, que são seções bidimensionais de tempo versus longitude, para as latitudes de 2,5°S e 5,0°S. Considera-se que o ponto de grade em 2,5°S, 50°W (5,0°S, 35°W) corresponde a Alcântara (Natal). Para Alcântara (Natal), identifica-se um evento de DOL quando V700 passa de positivo para zero na longitude de 50°W (35°W) no diagrama de Hovmoller de 2,5°S (5,0°S). A propagação de DOL (de leste para oeste) é obtida acompanhando a linha de zero do vento entre as longitudes de 20°W a 40°W. Para uma dada localidade (Alcântara ou Natal): – Uma vez identificado um evento de DOL, divide-se o evento em 7 categorias utilizando a série temporal de V700 para o ponto de grade correspondente à localidade. Nenhum tratamento (p.ex., filtragem) é realizado na série temporal. A categoria 2 indica valor positivo de maior magnitude de V700; 4, V700 igual a zero (eixo do cavado); e 6, valor negativo de maior magnitude de V700. As categorias 1, 3, 5, e 7 correspondem as posições intermediárias da passagem do DOL. Então, obtêm-se os parâmetros da onda. A velocidade de fase (c) é obtida pela inclinação da isolinha de V700 igual a zero no diagrama Hovmoller; o período (T), como a duração do evento estimada por meio da série temporal de V700; e o comprimento de onda (L), pela relação L = c·T. Por fim, obtém-se a precipitação associada ao evento de DOL. – Uma vez obtidos todos os eventos de DOL, gera-se a onda composta por meio da média dos perfis em cada categoria. A média é feita inicialmente para cada ano (onda composta anual) e, então, para os 10 anos, ponderando cada onda composta anual pelo número de casos. – Para cada mês, anotam-se os dias de chuva em que ocorre passagem de DOL. Com isso, obtêmse a fração de dias de chuva e a fração da precipitação mensal associada a DOL. Os dias de chuva são definidos como aqueles em que a precipitação diária é superior a 2 mm [com esse limiar, o número mensal de dias com chuva é próximo do observado (Cf. Pereira et al., 2002).] RESULTADOS Características gerais dos DOL Para Alcântara (Natal), encontram-se 67 (71) eventos de DOL em JJA de 1996 a 2005 (Tabela 1). Em média, há cerca de 7 eventos por ano em JJA, mas há considerável variabilidade interanual. Em 38% dos casos em Alcântara, os DOL passaram por Natal e chegaram a Alcântara. Isso sugere que pode haver 2 caminhos (tracks) de propagação de DOL na América do Sul: um, mais ao norte, passando por Alcântara; e outro, mais ao sul, passando por Natal. Esses dois caminhos sugeridos não são encontrados em Diedhiou et al. (1999). Para Alcântara (Natal), o período médio é de 3 (4) dias; a velocidade de fase, em torno de 14,8° (17°) de longitude por dia; e o comprimento de onda, de cerca de 49° (63°) de longitude. Logo, as características em Alcântara e Natal são semelhantes entre si e concordam com os encontrados na literatura (Neiva, 1975; Yamazaki e Rao, 1977; Kagano, 1979; Chan ,1990; Espinoza, 1996; Mota, 1997; Coutinho, 2001; Barbosa, 2005). Para Alcântara (Natal), nos meses de jun-jul, a precipitação associada a DOL é cerca de 1516% (10-11%) do total mensal de precipitação, e cerca de 14% (15-19%) do total de dias de precipitação está associada a DOL. Portanto, em jun-jul, para a CNB, somente de 10 a 20% da precipitação – seja em quantidade (mm) ou número de eventos – estaria associada à ação de DOL. Tabela 1 – Número de eventos de DOL em Natal (N), Alcântara (A) e que passam por Natal e chegam a Alcântara (N→A) de 1996 a 2005. ano 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 total N 16 7 4 6 7 5 6 6 10 4 71 A 9 7 4 6 7 5 4 13 7 5 67 N→A 3 3 2 4 2 3 1 3 2 1 26 Onda composta As características da onda composta estão resumidas na Tabela 2. Exceto para a convergência atmosférica, as características (para vento e vorticidade) são semelhantes em Alcântara e Natal. Um aspecto a ser destacado é a ocorrência de divergência atmosférica em baixos níveis sobre Alcântara para todas as categorias. Isso contradiz a noção de que DOL estariam associados a precipitação e tempestades. Uma investigação mais detalhada sobre essa contradição será objeto de trabalhos futuros. Tabela 2 – Características da onda composta. O sombreado indica característica comum a Alcântara e Natal. Nível Variável Alcântara Natal (hPa) Núcleos positivos na categoria 2 e Semelhante a Alcântara. Vento 700 negativos na categoria 6 (o que meridional decorre da metodologia utilizada). (Fig. 1) Negativo antes e depois da Semelhante a Alcântara 200 passagem do DOL. Vento zonal negativo em todas as Semelhante a Alcântara 700 categorias. Vento zonal Vento zonal positivo em todas as Semelhante a Alcântara (Fig. 2) 200 categorias. Máxima vorticidade ciclônica nas Semelhante a Alcântara. 700 categorias 3 e 4 (o que decorre da Vorticidade metodologia utilizada). (Fig. 3) Vorticidade anticiclônica em todas Semelhante a Alcântara 250 as categorias. Divergência em todas as categorias Divergência na categoria 2 e 3 e 700 com núcleo nas categorias 2 e 6. convergência nas categorias1, 4, 5 e 6. Divergência Divergência em todas as Convergência na categoria 1 a 5, (Fig. 4) 500 categorias, menos na categoria 1 e divergência nas demais categorias. 6. 300 Convergência em todas categorias Semelhante a Alcântara 200 Divergência em todas categorias Semelhante a Alcântara (a) (b) Fig. 1 – Perfil de vento meridional (m s-1) da onda composta. No eixo horizontal, 1 a 7 representam as categorias. Eixo vertical em hPa. (a) Alcântara; (b) Natal. (a) (b) Fig. 2 – Igual à Fig. 1, mas para vento zonal (m s-1). (a) (b) Fig. 3 – Igual à Fig. 1, mas para vorticidade (10-6 s-1). (a) (b) Fig. 4 – Igual à Fig. 1, mas para divergência (10-6 s-1). CONSIDERAÇÕES FINAIS As características gerais da onda composta sobre Alcântara e Natal foram obtidas com dados de 10 anos da Reanálise do NCEP/NCAR. Preliminarmente, obteve-se que somente de 10 a 20% da precipitação em jun-jul na CNB estaria associada a DOL. Para trabalhos futuros, pretende-se estender o período de análise para 25 anos, bem como incluir outras fontes de dados (p.ex., precipitação observada) e refinar a metodologia de identificação de eventos de DOL. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, M.A.S. et al. Distúrbios Ondulatórios de Leste sobre a Região da Alcântara, Maranhão, Brasil:Estudo Preliminar.III Congresso Cubano de Meteorologia, SOMETECUBA, Havana-Cuba, 2005. Barbosa, R.L. Interação das Perturbações Convectivas Iniciadas na Costa Norte do Brasil com os Distúrbios Ondulatórios de Leste. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2005. Chan, S.C. Análise de Distúrbios Ondulatórios de Leste sobre o Oceano Atlântico Tropical Sul. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1990. Coutinho, E.C. Estudo das Características Atmosféricas na Região do Centro de Lançamento de Foguetes de Alcântara (CLA). Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2001. Diedhiou, A. et al. Easterly Wave Regimes and Associated Convection over West Africa and Tropical Atlantic: Results from the NCEP/NCAR and ECMWF reanalyses. Climate Dyn., v.15, p.795-822, 1999. Espinoza, E.S. Distúrbios nos Ventos de Leste no Atlântico Tropical. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1996. Fisch, G.F. Características do Perfil Vertical do Vento no Centro de Lançamento de Foguetes de Alcântara (CLA). Rev. Bras. Meteor., v.14, p.11-21, 1999. Kagano, M.T. Um Estudo Climatológico e Sinótico Utilizando dados e Radiossodagem (1968-1976) de Manaus e Belém. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1979. Kalnay, E. et al. The NCEP/NCAR 40-Year Reanalysis Project. Bull. Amer. Meteor. Soc., v.77, n.3, p.437-472, 1996. Mota, G.V. Estudo Observacional de Distúrbios Ondulatórios de Leste no Nordeste Brasileiro. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 1997. Neiva, E.J.F. 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