01-04 VIII Assembléia da OPIR RR VIII Assembléia Estadual da OPIR - Organização dos Professores Indígenas de Roraima 09-12 / 03 / 2001, Canauanin-Cantá, Região Serra da Lua Tema: Definindo alternativas educacionais Arizete M. Dinelly CSA Fernando López SJ Com o ritual Maruai a anciã pajé, Bernardina Makuxi, defumou os parentes pedindo o afastamento dos maus espíritos e invocando a força de Deus; com danças, cantos, e muita alegria, se deu início à VIII Assembléia Regional da OPIR. O evento teve lugar na comunidade Canauanin-Cantá, com a participação de uns 350 professores mais umas 150 pessoas entre lideranças, pais de alunos, alunos/as e representantes de distintas instituições de apoio à causa indígena. Os povos participantes foram: Makuxi, Wapixana, Yanomami, Wai-Wai, Yekuana e Taurepang. O tema central trabalhado foi: “Definindo alternativas educacionais”. A OPIR nasceu no dia 28 de Outubro de 1990. Ela é a instância que reúne todos os professores indígenas do estado de Roraima para discutir e decidir o futuro da educação escolar indígena no estado, para definir seus delineamentos políticos, avaliar e propor projetos políticos pedagógicos-culturais alternativos, acompanhar os professores/as, controlar e exigir do estado uma educação adequada às demandas e interesses dos povos indígenas da região. Na abertura (09/03), o Prof. Enilton André da Silva, Wapixana, coordenador da OPIR, deu as boas vindas aos participantes e declarou aberta oficialmente a VIII Assembléia. O Sr. Jacir de Sousa, Makuxi, coordenador da região das Serras e atual membro da coordenação provisória do CIR (Conselho Indígena de Roraima) destacou: “A educação deve servir, em primeiro lugar, para que os alunos possam aprofundar nossa cultura, nossa organização, nossa luta pela terra para garantir nossa existência. Não adianta ter educação se não temos uma terra onde viver como povos indígenas!”. Frente ao crescimento populacional, Jacir declarou: “Os professores devem ajudar para que todo nosso povo tome consciência da necessidade de defender nossas terras, da ampliação das terras indígenas já demarcadas e da homologação em área continua da Raposa Serra do Sol”. A professora Irani Barbosa, Makuxi, vice-coordenadora da OMIR (Organização das Mulheres Indígenas de Roraima), destacou o papel fundamental das mulheres indígenas na luta e denunciou emocionada: “O meu grito é por todas as mulheres indígenas e hoje, de modo especial, pelas mulheres Yanomami que estão sendo violentadas pelos militares e garimpeiros”. E concluiu: “Se hoje, nesta Assembléia da OPIR, tem muitos homens presentes é porque suas mulheres ficaram em casa assumindo a pescaria e a roça para cuidar e sustentar seus filhos. Na primeira noite foram apresentadas uma exposição de fotos e três fitas de vídeo sobre a Marcha e Conferência Indígena 2000, a partir das quais vários professores se colocaram: “Vendo os vídeos da Marcha, senti a bravura e a coragem dos parentes que ali estiveram. Apesar dos obstáculos enfrentados não fomos derrotados e sim fortalecidos” (Prof. Cleo Magalhães, Wapixana da região de Amanjari). “Irmãos, o que vi nos vídeos sobre a Marcha acordou mais ainda a minha consciência e vai ficar gravado na minha memória... A partir de hoje, meus parentes estarão sempre em minhas orações. E para mim já não entrarão mais em minhas orações, nem o FHC nem todos os políticos que não respeitam e não reconhecem os povos indígenas. Eles, desde 1500, mataram nossos avós, mataram nossa sabedoria, destruíram nossas matas, nossos peixes, nossos rios, nossa terra... e hoje ainda 1 querem o quê? Que todo o mundo saiba: Somos um povo digno e forte!” (Prof. Eder Barroso, Taurepang da comunidade Araça do Amajari). “Meu carinho e respeito para todos os parentes que participaram da Marcha. É indignante a repressão da Polícia Militar da Bahia. Isso nos mostra que a democracia não existe em nosso país. Os povos indígenas somos tratados como se não fôssemos cidadãos brasileiros... Mas vale a nossa luta e sofrimento. Só unidos teremos êxito! Não vamos parar de reivindicar os nossos direitos. Fica aqui meu grito de guerra: Lutar e vencer!” (Prof. Moisés da Silva, Makuxi da comunidade Napoleão, Raposa Serra do Sol). No segundo dia (10/03) se trabalhou em grupos por região. Algumas propostas tiradas: • Projeto OPIR: Estruturação da sede, transporte, centro de documentação indígena, biblioteca, assessoria pedagógica e antropológica. Também se pediu dois professores para apoiar a educação Yanomami. • Projeto de Educação: Planejamento de formação, continuação do projeto Anikê, projeto por região e para todas as regiões, curso de formação de professores na língua materna, curso de informática, assessoria e planejamento pedagógico, curso de regimento escolar, curso na universidade para formação continuada de professores indígenas, formação superior. • Projeto de Autosustentação: Horticultura, artesanato, agricultura, criação. O terceiro dia (11/03) teve inicio com o ritual Maruai de defumação para afastar os maus espíritos, com orações e cantos. A delegação da Raposa Serra do Sol rezou: “Pedimos a Deus nosso Pai que reine a harmonia e a paz entre nós professores e que ilumine nosso trabalho para melhorar nossa educação e fortalecer nossa cultura”. Em seguida foi cantado o hino Makuxi “Urinikon paapa pemonkonon’yami” -Somos o povo de Deus-. A oração terminou rezando o Pai Nosso em Makuxi e com o canto “Saber amar”. No plenário foram apresentadas diferentes experiências escolares realizadas nas comunidades assim como a proposta de elaboração do calendário escolar, gestão escolar, ingresso na universidade e as reivindicações para a Secretaria de Educação: • Experiências escolares: Roça comunitária, tiração de palha, trabalho escola-comunidade, horta escolar, oficina da terra, artesanato, remédios caseiros, excursões, danças de parixara, projeto de produção de carteras, envolvimento das mães na merenda escolar, plantação e criação para ajudar na merenda escolar. • Calendário escolar: Deve contemplar o ritmo e a vida da comunidade, suas atividades produtivas, suas festas, etc. Se sugeriu o seguinte modo de trabalho: Cada escola com a comunidade elabora sua proposta de calendário; depois, nas regiões devem colocar-se as ditas propostas para relaborar uma nova proposta de calendário regional; por último, na assembléia da OPIR de 2001, com todos os calendários regionais, será elaborada uma proposta de calendário escolar indígena para Roraima. • Ingresso na universidade: Proporcionalmente ao número de professores por região As regiões indicarão os candidatos/as; dentre eles a Universidade selecionará as 30-35 vagas disponíveis. No próximo semestre entrarão outros tantos e assim sucessivamente. • Gestão escolar: Deve ser melhorado o acompanhamento e a assessoria pedagógico às escolas. Curso de gestão escolar para professores, sobretudo os que são diretores. Maior entrosamento entre escola e comunidade. Contratação de dois professores para cada sala de multiseriado. Permanência de professores. Criar estratégias para elaborar o planejamento escolar e sua efetivação. Troca dos nomes das escolas; nomes escolhidos pelas comunidades que sejam significativos para elas. • Reivindicações para a Secretaria de Educação: Um supervisor indígena por região para acompanhar os trabalhos pedagógicos. Sala de multiseriado de 1-4 série com dois professores por 2 turma. Construção de escolas indígenas de acordo com o estilo e características da comunidade; os professores indígenas definem o modelo junto com os arquitetos da secretaria de obras. Lotação dos professores de acordo com a necessidade de cada escola. No último dia (12/03), de manhã, a assessora jurídica do CIR, Dra. Joenea Batista, Wapixana, ajudou a refletir sobre o Estatuto do Índio. Para a advogada, os pontos críticos do texto apresentado pelo deputado Mário Pissato são os seguintes: • Povo x Comunidade. O conceito de “povo” está sendo substituído por “comunidade”. O conceito de “comunidade” é mais restrito e tem menos implicações políticas que “povo”. • Tutela. Se mantém a velha história da “tutela” contra a autonomia dos povos indígenas. Se quer continuar representando o índio e que ele tenha que pedir licença à FUNAI... • Exploração dos recursos. Na exploração mineral do subsolo não ficam defendidos os interesses das comunidades indígenas. Na questão dos recursos hídricos há problemas de inconstitucionalidade no que se refere a remoção das comunidades. • Unidades militares. Sobre esse tema que tanto tem impactado as áreas indígenas nos últimos meses não há nenhum tipo de regulamentação. • Outros temas importantes. Competência da Justiça Federal; Unidades de conservação; Patrimônio e conhecimentos tradicionais indígenas, etc. Na tarde se procedeu a eleição da nova coordenação da OPIR. Foi reeleito, quase por unanimidade, o Prof. Enilton André da Silva, Wapixana. Na ocasião o Secretário de Educação, Sr. Francisco Flamanion Portela, deu seu próprio exemplo e expressou sua visão competitiva da sociedade e da educação: “Eu nasci lá no interior do Ceará. Meus pais ainda hoje moram lá... Quando eu vou de avião, de dois em dois anos, lá no sertão onde meus pais moram, eu vejo muitos coleguinhas meus de quando a gente era criança, que a gente ia tomar banho no açude e brincava disso e daquilo, estão lá tendo uma vida muito diferente da minha porque eles não estudaram, porque eles não tiveram oportunidade de aprender e desenvolver o tanto que eu desenvolvi. Mas foi a única maneira de competir com as pessoas mais abastardas, competir com os mais ricos e vencê-los, só teve uma: através da educação. Só com a educação eu pude competir com eles e vencê-los; em outra condição a gente perde porque a corda sempre rompe no lado do mais fraco. Quando a gente compete com conhecimento, a gente passa deles, olha para trás e eles estão lá atrás...”. Muitos professores ficaram revoltados com as palavras do Secretário. Depois dele sair, a festa e a cerimônia de posse continuou com muita alegria. 3