CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ A VOZ NA ESQUIZOFRENIA JÉSSICA TERESA LABIGALINI SÃO PAULO 1.998 C CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ A VOZ NA ESQUIZOFRENIA Monografia de conclusão do curso de especialização em Voz. Orientadora: Míria Goldeberg. JÉSSICA TERESA LABIGALINI SÃO PAULO 1.998 2 RESUMO Relatando diferentes pesquisas através dos anos sobre a possibilidade ou não da localização de características vocais comuns a pacientes psicóticos – especialmente os esquizofrênicos – de forma a configurá-las como sintomas (diferenciais até mesmo quanto ao tipo de patologia), este estudo investiga os resultados até agora produzidos por este debate científico num momento em que os laboratórios de voz aprimoram as análises acústicas e monitoram com precisão matemática uma a uma as características vocais. Além do uso diagnóstico, tal caracterização da “voz psicopatológica” pode constituir importante ferramenta para a definição de prognósticos e avaliação da eficácia dos vários tratamentos. Sem desconsiderar outros fatores, como a linguagem, a interpretação dos dados encontrados revelou de forma conclusiva que o diagnóstico médico na psiquiatria pode ser estabelecido através da análise perceptiva e acústica da voz. A personalidade psicótica, em especial, a do esquizofrênico, pode ser detectada e diferenciada das demais com base nas configurações de sua voz, e impressões específicas são determinadas pela qualidade vocal do falante. E mais, a objetivação de tais componentes e o estabelecimento das correlações clínicas é uma base de pesquisa interessante para afirmação de diagnósticos, apreensão de mecanismos psicopatológicos, estruturação da mente individual e estudos simultâneos da linguagem. 3 ABSTRACT By relating different researches through the years about the possibility or not of the location of vocal characteristics common to patient psychotic - especially the schizophrenic ones - in way to configure them as symptoms (you differentiate even with relationship to the pathology type), this study investigates the results up to now produced by this scientific debate in one moment in that the laboratories of voice improve the acoustic analyses and they monitor mathematics accurately one by one the vocal characteristics. Besides diagnostic use, such characterization of the " psychopatological voice" can constitute important tool for the definition of prognostics and evaluation of the effectiveness of the several treatments. Without disrespecting other factors, as the language, the interpretation of the found data revealed in a conclusive way that the medical diagnosis in the psychiatry can be established through the perceptive and acoustic analysis of the voice. The psychotic personality, especially, the one of the schizophrenic, it can be detected and differentiated of the others with base in the configurations of its voice, and specific impressions are determined for the speaker's vocal quality. And plus, the objectification of such components and the establishment of the clinical correlations is a base of interesting research for stablishment of diagnoses, apprehension of mechanisms psychopathological, structuring of the individual mind and simultaneous studies of the language. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os que contribuíram para a realização desta monografia, em especial ao jornalista Fernando Kuhn e às professoras Míria Goldeberg, Marta de Andrada e Silva e Sandra Madureira, que destacando a importância do tema, incentivaram-me a uma investigação que não se encerra aqui. 5 “É justo ser gratos não só àqueles com os quais condividimos as opiniões, mas também aos que expressaram opiniões superficiais: também estes, de fato, contribuíram para a formação do nosso hábito de pensar”. Aristóteles, Metafísica a1, 993 b, 11-14 “...Nem valem os raios do sol para afastar as trevas e este terror do espírito, mas só o estudo do verdadeiro, só a luz da razão”. Lucrécio, De Rerum Natura, II, 59-61. 6 SUMÁRIO 1. Introdução 8 2. Discussão teórica 11 2.1. Os primórdios da investigação 12 2.2. A evolução do conceito de esquizofrenia 16 2.3. A voz na esquizofrenia 18 2.4. Estudos recentes: a busca de relações mais precisas 22 3. Conclusões finais 32 4. Referências bibliográficas 35 7 1. INTRODUÇÃO Atentos ao fato de que as qualidades vocais de um indivíduo têm o poder de suscitar impressões acerca de suas atitudes, emoções e personalidade, muitos autores vêm manifestando interesse em investigar a possível correlação entre os parâmetros acústicos da voz e as características inerentes às personalidades normal e patológica; a movê-los, o intuito de prover eficiência diagnóstica, definir prognósticos e avaliar a eficiência dos vários tratamentos. Divergem os achados, e embora seja evidenciado por alguns que os traços da personalidade patológica – ou seja, psicótica -, mormente da esquizofrenia, podem ser denunciados pela análise acústica e perceptiva da qualidade vocal independentemente do contexto lingüístico da mensagem, a maioria dos estudos volta-se para as anormalidades da linguagem esquizofrênica (exaustivamente perseguidas) em detrimento dos desvios de voz, que têm recebido menor atenção. Interessa-nos, especificamente, a esquizofrenia por tratar-se de um distúrbio típico da personalidade, que afeta um por cento da população mundial e constitui-se na mais freqüente das psicoses. De um terço a dois terços dos pacientes psicóticos são esquizofrênicos, representando em torno de 67% dos casos de internação em hospitais psiquiátricos. A esquizofrenia é encontrada no mundo inteiro em todas as raças, culturas e classes sociais, afetando homens e mulheres com igual freqüência. 8 Normalmente atinge adultos jovens com idade entre 16 e 25 anos - nos homens o período de aparecimento freqüentemente vai até os 20 anos, enquanto que no sexo feminino ocorre usualmente mais tarde do que no masculino, ou seja, dos 20 aos 30 anos. Embora a esquizofrenia possa ocorrer mais tarde, é menos comum depois dos 30 e ainda mais rara após os 40 anos. Também rara é a forma infantil da enfermidade, que pode atingir até mesmo crianças com idade de cinco anos. A outrora chamada “demência precoce” ou “psicose de dissociação” ostenta como principal característica – compartilhada por todos os tipos em que se classifica – a dissociação da personalidade. As pessoas afetadas habitam simultaneamente dois mundos, o real e o patológico. A etiologia da esquizofrenia é ainda uma incógnita, para cuja decifração acena-se com uma hipótese que alia fatores coadjuvantes de caráter somático a elementos heredo-familiares e psicosociais. Sua patogênese estaria, pois, configurada como multifatorial. De acordo com o site da British Columbia Schizophrenia Society1, conforme os sintomas predominantes, a psicopatologia subdivide-se em catatonia (sintomas motores: o estupor catatônico caracteriza-se pela manutenção de uma postura rígida ou estranha, excitação física despropositada, não influenciada por ambiente, mudez e ainda por uma resistência imóvel para todas as instruções ou tentativas de ser movido fisicamente), hebefrenia (também chamada como “tipo desorganizado”, manifesta-se através de um comportamento atoleimado e pueril, concentração 9 pobre, mau humor, confusão, idéias estranhas, fala freqüentemente incoerente, vaga e de difícil compreensão, ilusões ou falsas convicções, perda de emoção e euforia fora de contexto), esquizofrenia paranóide (idéias delirantes, alucinações, ilusões sobre perseguição ou uma sensação exagerada de auto-importância, ou mesmo a combinação de ambos; ansiedade sem razão aparente, fúria, ciúme, e ocasionalmente, violência) e esquizofrenia simples (também conhecida como “tipo residual”, termo usado quando há pelo menos um episódio reconhecível de esquizofrenia mas nenhum sintoma óbvio de psicose contínua: sintomas primários, apenas, como retirada social, comportamento excêntrico, emoções impróprias, pensamento ilógico, etc). O propósito do estudo que ora se introduz é ensejar – através de um extenso levantamento bibliográfico – o encontro de relações mais precisas entre a esquizofrenia e sua expressão vocal, traduzindo os modos pelos quais se opera a percepção de tal personalidade psicótica, rastreando as características vocais envolvidas e aferindo a viabilidade de um diagnóstico diferencial para a esquizofrenia baseado nas análises perceptiva e acústica dos parâmetros vocais. 1 htpp://www.mentalhealth.com/book/p40-sc02.html. 10 2. DISCUSSÃO TEÓRICA Não é recente a idéia de que patologias mentais possam sistematicamente estar relacionadas a determinadas características de voz. Hoje objeto de estudos científicos, tal pensamento vem há séculos permeando concepções operísticas, literárias e, contemporaneamente, cinematográficas. Teriam a ópera, através da estereotipia vocal de seus personagens, e demais manifestações artísticas posteriores sido determinantes para que tal associação se tornasse quase um (lendário) “senso comum” ou, inversamente, terá sido a mera observação da realidade a inspiradora de tais criações? Independentemente do que se conclua sobre o assunto, cumpre verificar o grau de procedência da hipótese associativa, e é o que pesquisas vêm perseguindo. Embora a recorrência, ao crepúsculo do milênio ainda emergem poucas respostas em meio às insistentes indagações. De qualquer forma, indícios jamais poderiam ser negligenciados – e, na verdade, começam a se avolumar. Assim, para dizer o mínimo, faz sentido a hipótese de que distúrbios psiquiátricos poderiam refletir-se, entre todos os demais sintomas, numa peculiarização da voz do paciente. Uma vez encontrado um nexo entre a patologia e sua “expressão vocal”, através da reconstituição invertida do percurso, tornar-se-ia possível diagnosticar e avaliar com maior segurança a ocorrência do problema e, mais além, a eficácia terapêutica. Rumo a tal objetivo, portanto, o primeiro procedimento seria o de submeter a acurados exames as vozes emitidas por esta categoria de pacientes, para em 11 seguida compará-las entre si e com as de pessoas não afetadas pela patologia. Suas características prevalentes estariam identificadas, aguardando que novos e detalhados estudos corroborassem tais informações. Uma vez conhecidas, poderiam remeter o profissional de saúde diretamente a associações précatalogadas, antecipando o tempo necessário para o diagnóstico e o início do tratamento. O desafio vai se tornando mais atraente à medida em que o desenvolvimento científico passa a possibilitar a realização de exames mais completos e confiáveis. Atualmente, as características acústicas da fala já são fisicamente mensuráveis; com a introdução do uso do computador na fonoaudiologia, a tarefa de aferir e interpretar os resultados obtidos de tais exames tende a ser ainda mais facilitada. Embora o assunto venha despertando a atenção de um número crescente de pesquisadores, o conhecimento que até aqui se produziu a respeito permanece incipiente. Assim, parece-nos oportuno empreender um levantamento que situe, desde os primórdios até a contemporaneidade, as sucessivas etapas da investigação. 2.1. OS PRIMÓRDIOS DA INVESTIGAÇÃO Diante de tal premissa, configura-se como de valiosa utilidade a pesquisa empreendida por Chevrie-Muller, Sevestre e Seguier (1985): buscando registros de estudos que relacionassem patologias mentais a qualidades vocais, lograram 12 não apenas identificar-lhes uma origem remota como ainda formalizaram uma proposta de classificação histórica de tais referências. Seu rastreamento conduziu-os ao início do século XIX, quando principia o que denominaram como “período de descobertas”, o qual estaria caracterizado por uma abordagem eminentemente clínica da questão. Estendendo-se até 1950, daria então lugar ao “período moderno”, de essência mais voltada à pesquisa fisiopatológica na doença mental, bem como o desenvolvimento de métodos para explorar comportamento, afetividade ou personalidade, e técnicas para medir os parâmetros acústicos da fala. Assim, o ponto de partida pode ser localizado no ano de 1800. Descrevendo eventos vocais à luz da semiologia, Pinel sugeriu em suas pesquisas clínicas que volume e tom de voz fervorosos, comovidos ou apaixonados, em pronúncia de ritmo acelerado, seriam indicativos de um temperamento maníaco. Indo um pouco mais além, Bayle (1826) apresentou detalhadamente “a paralisia geral do insane” enquanto perfil clínico, atribuindo a cada um de seus estágios evolutivos uma variação específica de voz e fala. Relatos convergentes puderam ainda ser encontrados em Esquirol (1838), que apontou a incidência em pacientes jovens de vozes intoleráveis, com repetições em voz alta, murmúrios e grande loquacidade associada a uma dificuldade de pronúncia e articulação de sons. Também Morel (1860), ao estudar as repetidas lamúrias de um sujeito hipocondríaco e o caráter irascível de outro paciente, conferiu ao assunto (voz, fala e perda da fala) o status de cabeçalho de parágrafo. Anos depois, foi a vez 13 de Kahlbaum (1874) encontrar peculiaridades vocais (voz uivante, em urros incessantes) comuns à enfermidade que à época se identificava como “catatonia ou loucura rígida”. Na transição entre os séculos XIX e XX, intensificou-se o interesse dos pesquisadores: as oscilações de ritmo e tonalidade na fala como decorrência direta de demência precoce, melancolia e mania foram objeto das pesquisas de Séglas (1892); observações extensas e mais sistematizadas a respeito das características de timbre, melodia e ritmo verificadas em expressões paranóides de demência precoce foram acrescentadas por Kraepelin (1905), para quem um caráter demasiado melodioso da voz denunciaria persistência libidinal; e Mignoti (1907), por sua vez, dedicou-se a analisar as anomalias de intensidade, volume, timbre, ritmo e articulação. Baseando-se nos trabalhos de Kahlbaum e Kraepelin, Bleuler (1911) agregou-lhes sua percepção de vacuidade implícita à voz de tal tipo de pacientes, comparando-a à proferida por pessoas normais durante o sonho; e foi além, propondo nova nomenclatura para os efeitos vocais relatados por seus dois precursores. Na mesma época, Ferenczi (1915) arriscou algumas considerações com respeito a anomalias psicogenéticas de fonação. Não se restringindo a meramente relacionar distúrbios da fala a patologias mentais, Stinchfield (1933) os apontou como sendo seu primeiro sintoma. Taylor (1934), no entanto, não conseguiu vincular avaliações auditivas a uma classificação de personalidades. Variando o modo de experimentação, Skinner 14 (1935) introduziu uma análise oscilográfica de interjeições emitidas por falantes induzidos a diferentes estados emocionais através de música e literatura; paralelamente, Laswell (1935) mensurou comparativamente a condutibilidade da pele e a velocidade de fala em meio a sessões psicanalíticas. Em termos cronológicos, a próxima tentativa de relevo foi ensejada por Newman e Mather (1938). Examinando 40 pacientes distribuídos entre “depressivos clássicos”, “maníacos depressivos em fase maníaca” e “melancólicos/insatisfeitos”, obtiveram um perfil do comportamento de suas vozes, associando, por exemplo, ao último grupo quebra de articulação, ruído estridente, pigarros e entonações de longo alcance. Outra contribuição veio de Dusenbury e Knower (1939), que flagraram oscilações de sentimento (reveladas por código tonal) durante recitação de letras do alfabeto. Novos resultados apareceram em 1942: contrariando o que supunha Taylor (1934), Jones conseguiu análises consistentes a partir da audição de falas pré-gravadas; por outro lado, embora sem a mesma ousadia de Laswell (1935), Brody (1943) também desligou-se do teor do que dizia seu analisando para concentrar-se em sua voz, que o intrigava por suas repentinas alterações. Chevrie-Muller, Sevestre e Seguier (1985) referiram que a partir da década de 50 o pensamento dos psicanalistas genéticos contribuiu para que as atenções dos pesquisadores se direcionassem ao estudo das características vocais, difundindo a idéia de que ao longo do desenvolvimento individual a voz desempenharia relevante função como organizadora do sistema psíquico. A teoria foi defendida em 1950 por Schilder e retomada mais tarde por Spitz (1965), 15 Rossolato (1974), Vasse (1974) e Anzieu (1976), culminando com os experimentos de Mehler, Bertoncini e Barriere (1978), conclusivos na constatação de que bebês reconheciam muito cedo a voz materna. A investigação prosseguiu através de Lorenz e Cobb (1952), que estudaram o comportamento da linguagem em pacientes maníacos; de Moskowitz (1952), que pesquisou a qualidade da voz na reação esquizofrênica, destacando em suas observações a monotonia de pitch; e sobretudo através de Moses (1954), o qual em “The voice of neurosis” criteriosamente postulou um rol de diferenças entre a expressão da voz na neurose e na esquizofrenia que, dada a sua importância, cabe aqui referir. Embora duas citações de período posterior sejam imperiosas, a de que o julgamento de emoções e características pessoais foi ainda investigado por Kramer (1963) e de que Mahl e Schulze (1964) adaptaram entrevistas psicanalíticas ao “contexto extralingüístico”, a partir dos trabalhos de Moskowitz (1952) e Moses (1954) estabeleceu-se uma clara bifurcação nos rumos da pesquisa. E aqui nosso interesse envereda definitivamente pelo ramo da abordagem das características vocais vinculadas à esquizofrenia. 2.2. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA Antes, porém, convém situá-la em meio às demais psicopatologias. De acordo com Chevrie-Muller, Sevestre e Seguier (1985), a doença mental seria compartimentada em duas psicoses maiores. Uma, extremamente alienante, transitória, evoluindo por períodos de depressão melancólica e em alguns casos 16 de estados maníacos; outra, em constante desenvolvimento, evoluindo a partir da juventude e continuando através da vida da pessoa, sem remissão, destruindo sua individualidade, personalidade e debilitando suas capacidades intelectuais: a “demência precoce” relatada por Kraepelin (1905), a “psicose de dissociação” identificada pelo mesmo Bleuler (1911) que lançou o conceito de esquizofrenia, como a partir de então tornou-se conhecida. Tratava-se, como definiu Alias (1974), do enfraquecimento do ego, especialmente fragilizado com respeito a suas funções integrativas e executivas quando submetido a uma pressão temporal, resultando na dissipação de suas fronteiras. Spoerri (1988) acrescentou que uma das características da psicopatologia em questão seria o caráter dual adquirido pelo paciente, que passaria a viver duas vidas paralelamente, uma no mundo tal qual o concebemos e outra num universo psicótico e estranho, onde irromperia para experimentar vivências inteiramente desconhecidas. O processo de rompimento com a realidade aí introduzido manifestar-se-ia em ritmo célere ou vagaroso, dependendo do caso. Distúrbios de afetividade (contato, ambivalência), de pensamento (incoerência, interceptação, falha, aceleração do curso de pensamento) e de personalidade (autismo, despersonalização, estranhamento de si mesmo, idéias de influência, dupla orientação) foram caracterizados como sintomas primários da doença. Seria, no entanto, através dos secundários (fenômenos catatônicos, alucinações e idéias delirantes manifestados como reação aos primários – e até 17 mesmo mais destacados, embora menos característicos), que via de regra determinar-se-ia o quadro clínico. Conforme os sintomas predominantes, a esquizofrenia estaria subdividida em catatonia (sintomas motores), hebefrenia (comportamento atoleimado, pueril, extravagante), esquizofrenia paranóide (idéias delirantes, alucinações) e esquizofrenia simples (sintomas primários, apenas). Assim, Moses tratou da importância da análise da voz como elemento propiciador de uma interpretação distintiva das personalidades normal e neurótica. Ademais, vislumbrou diferenças marcantes entre expressão vocal psicótica e neurótica, sem no entanto descartar combinações entre ambas - ao se observarem configurações vocais de neurose num paciente psicótico, o fato estaria a significar a combinação da neurose à psicose; o sintoma neurótico da gagueira no esquizofrênico indicaria a possibilidade de coexistência das duas condições. 2.3. A VOZ NA ESQUIZOFRENIA Uma descrição clínica da voz esquizofrênica foi dada por Moses (1954), que encontrou em pacientes da doença os seguintes sintomas vocais: ritmo prevalente sobre a melodia (com repetição rítmica de padrões vocais característica); registros constantemente separados: o de cabeça, isolado e usado por longos períodos, freqüentemente por dias. O uso de registros misturados provavelmente acompanhando de forma temporária uma comunicação bem sucedida; completa ausência de melismas, representando a 18 inabilidade do paciente para expressar simpatia; ressonância nasal reduzida; quebras de melodia, freqüentemente sem estar relacionada a algum contexto; maneirismos usados num excesso histriônico (a pretensa voz de autoridade produzida por um paciente soando mais burlesca, grotesca, caricata do que autoritária); e acentuações inadequadas para o conteúdo de sua fala, parte de um padrão rítmico constantemente repetido, mantido de maneira mais compulsiva (sintoma nunca encontrado em vozes neuróticas). Moses concordou com Moskowitz (1952) no tocante à monotonia de pitch e lembrou que, na esquizofrenia, sua diminuição nunca remetia a um decréscimo da intensidade vocal. Outras peculiaridades da expressão vocal esquizofrênica seriam, segundo seu entendimento, o emprego de padrões rítmicos, tanto verbais quanto vocais. O paciente parecia possuído por tais padrões, dos quais não conseguia escapar. Até a divergência de registros ocorria num certo padrão rítmico, ora registro de cabeça, depois peito, ou fusão dos registros (registros mistos). O uso isolado do registro de cabeça conferia à voz masculina uma marca de caráter feminino, enquanto que o registro de peito enfatizava a qualidade masculina da voz. Ou seja, como era intuito do paciente consumar a fusão dos dois sexos (sugerindo uma tentativa esquizofrênica de realizar o hermafroditismo ideal), a intenção acabava transparecendo em sua voz. À notável divisão dos registros pela esquizofrenia, Moses preferiu chamar de “esquizofonia”. A voz esquizofrênica freqüentemente tinha uma típica característica de monólogo, como se a fala não fosse endereçada ao interlocutor. Tal fenômeno seria causado por ausência de interesse. Por fim, Moses sugeriu aos psiquiatras que passassem a se interessar pelo estudo das associações entre estado mental e voz. 19 A monotonia de pitch, apontada por Moskowitz (1952) e Moses (1954), foi atestada também por Goldfarb, Braunstein e Lorge (1956), que estudaram os padrões da fala na esquizofrenia infantil. As relações entre a voz e a patologia despertaram as atenções de Uldall (1960), que estudou a influência da entonação na apreensão do significado, e de Chappel, E. D., Chappel, M.F., Wood, Miklowitz, Kleine e Saunders (1960), que aplicando um método de interação cronográfico para analisar as diferenças entre esquizofrênicos e pessoas normais obtiveram resultados que não os autorizaram a confirmar tal ligação (alguns pacientes raramente permaneciam em silêncio, enquanto outros o faziam com freqüência). A exemplo de Chappel et al. (1960), outros autores posicionaram-se com ceticismo ante a possibilidade de que houvesse características vocais distintivamente intrínsecas à esquizofrenia. Foi o caso de Sharp (1963), Weiss (1964) e Spoerri (1966). A despeito de tais posições, novas pesquisas vieram respaldar as conclusões de Moskowitz (1952), Moses (1954) e Goldfarb, Braunstein e Lorge (1956): primeiro com o próprio Spoerri (1966) e mais tarde com Chevrie-Muller, Dodart, Seguier-Dermer e Salmon (1971), que também constataram a monotonia de pitch na voz falada do paciente esquizofrênico. A aparente contradição de Spoerri explicava-se: o autor, ao investigar o valor diagnóstico da voz na esquizofrenia através de leituras eletroacústicas que registraram mudanças de pitch, duração e intensidade do som, concluiu que, embora a condição do esquizofrênico se espelhasse em sua mudança de voz, 20 isoladamente a qualidade vocal não permitia o diagnóstico da psicopatologia. Segundo Spoerri, assim como não seria possível falar em linguagem esquizofrênica também não haveria voz típica de esquizofrênico. Deveria ser levado em conta o todo do discurso - forma e competência comunicativa - bem como o contexto e os campos vizinhos da expressão facial e gestual. O autor observou ainda o predomínio do valor expressivo da voz falada do esquizofrênico sobre o informativo e comunicativo (usada não apenas para comunicar; tornando-se mais e mais um monólogo onde o emissor expressava seus sentimentos doentios). Melodia, esforço, tensão e aspereza prevaleciam e o registro oscilava entre voz de peito e falsete. Na formação dos sons, consoantes e desarticulação salientavam-se mais, enquanto sussurro, ruído e hiperarticulação eram menos percebidos. Notavam-se ainda um tom metálico e alterações extremas de volume, velocidade, timbre (da melancolia ao embotamento), além de ritmo complexo e maneirismos melódicos, tendendo a melodia à monotonia. Por outro lado, Mehrabian e Wiener (1967) realizaram experimento similar ao de Uldall (1960), promovendo testes de apreensão de conteúdo (positiva, negativa e neutra) e verificando sua ocorrência principalmente através de isoladas variações de tom de voz. Embora sem realizar testes com pacientes acometidos pela psicose, sugeriram a utilidade de sua pesquisa enquanto embasamento de futuros estudos sobre a comunicação de atitudes dentro da esquizofrenia. 21 Resultados que esclareciam o modo através do qual um ouvinte respondia às diversas características acústicas da fala foram obtidos por Addington (1968) a partir da modificação das características vocais de falantes. Por sua vez, estudando a freqüência fundamental da voz, Saxman e Burk (1968) encontraram aumento da variabilidade de pitch em mulheres esquizofrênicas. 2.4. ESTUDOS RECENTES: A BUSCA DE RELAÇÕES MAIS PRECISAS. Em 1971, Dodart relatou exames realizados com a voz e a fala de três adolescentes esquizofrênicos que apresentavam muda patológica, sem problemas laringológicos ou endócrinos, no entanto. As avaliações foram feitas aliando a técnica eletrologográfica a um estudo detalhado da voz e da fala. No primeiro paciente encontrou um leve problema articulatório, algumas assimilações e mutações quando da repetição de palavras difíceis. Seu timbre era anasalado e rouco, transmitindo uma impressão de bizarria e artificialidade. A estrutura acústica de um mesmo fonema experimentava variações extraordinariamente bruscas ao longo da emissão, duas partes distintas de estruturas completamente diferentes. A intensidade do discurso ora se mostrava normal, ora muito forte. Também a amplitude revelava-se oscilante, com grandes variações de palavra a palavra, fonema a fonema, e até mesmo dentro de um mesmo fonema; e particularmente falha durante o uso de consoantes constritivas surdas. A altura apresentava-se igualmente variável, com freqüentes mudanças de registro e abruptas passagens em elevado (420 HZ) falsete. Observaram-se ainda ausência de melodia – apesar de grande alternância entre voz falada e cantada – e elocução variável: rápida, com redução de palavras e pausas, e introdução de 22 pausas pouco freqüentes e pouco prolongadas, sem analogia com o sentido; o primeiro tipo de elocução era monótono, mecânico, muito escandido e explosivo, dando lugar após um longo período a outro ainda mecânico mas um pouco mais cantado. O segundo paciente apresentava voz forte numa freqüência anormalmente alta. As variações de altura (melodia da frase) eram normais, bem como a entonação ligada ao conteúdo e também o timbre, rico para uma voz aguda. Igualmente rica era a estrutura acústica dos fonemas, sobretudo na leitura de uma lista de palavras. Já a elocução carecia de homogeneidade, variando de rápido - com redução de palavras, sílabas, fonemas e pausas – para lento, com alongamentos dos mesmos elementos. O terceiro paciente apresentava uma altura de voz excepcionalmente elevada (“verdadeiramente sobre-aguda’”), com breves e repetidas oscilações. Ao quadro acrescentava-se um timbre nasalado e agudo que se traduziu no filme do fonograma por um traço pobre em harmônicos. Durante a leitura, o paciente apresentava elocução normal; porém, na fala espontânea, variava entre acelerado e normal, com pausas anormalmente freqüentes e pouco prolongadas no último caso. Chevrie-Muller et al. (1971) ofereceram uma tentativa de explicação para a inconsistência dos dados encontrados na literatura concernente ao assunto: atribuíram-na ao uso de metodologias diferentes, à diversidade sintomática (e os variados graus de severidade) entre os esquizofrênicos e ainda à ausência de melodia normal de fala, que poderia estar associada a variações anormais de pitch, aumentando a variabilidade da medida sem no entanto transmitir a impressão de melodia. 23 Brown, Strong e Rencher (1973, 1974) mostraram a correlação entre a quantidade de oscilações da freqüência fundamental e o grau de “benevolência” apreendido a partir da voz. Concordando com os referidos autores e com Uldall (1960), anos depois Chevrie-Muller, Seguier, Spira e Dordain (1978) flagrariam na melodia o poder de conferir agradabilidade e “normalidade” à voz e no timbre um espelho da competência e do dinamismo do paciente: assim, a qualidade ruim passaria a impressão de estupidez e passividade e, mais além, de patológico. A propósito do tema, Addington (1968) já encontrara relações entre a qualidade de voz e os pares “inteligente-estúpido” e “energético-preguiçoso”, sem no entanto tê-las especificado. Num trabalho comparativo entre duas adolescentes esquizofrênicas que apresentavam sintomas distintos da doença, Chevrie-Muller e Decante (1973) puderam perceber que as diferenças também se refletiam fortemente em seus comportamentos vocais. Em outro estudo, de Chevrie-Muller et al. (1971), um grupo de adolescentes esquizofrênicas do sexo feminino havia sido facilmente distinguidas de adolescentes normais através do simples critério de pequena oscilação de pitch. O mesmo, porém, não ocorrera com um grupo de adolescentes esquizofrênicos masculinos estudados com idêntico critério, segundo os autores por apresentarem menor homogeneidade do ponto de vista da fala. A pesquisa revelou ainda que nenhum dos adolescentes do sexo masculino havia manifestado anormalidades vocais adequadas à muda, que deveriam explicar a heterogeneidade. Muda vocal, a propósito, vinha sendo descrita alhures como um distúrbio profundo em alguns adolescentes esquizofrênicos com padrões de muda exagerada. 24 Um padrão vocal para a esquizofrenia foi implicitamente sugerido por Fichter, Wallace, Liberman e Davis (1976), que desenvolveram uma técnica para facilitar a integração social de pacientes apáticos vítimas da psicopatologia. Aplicada num único paciente, a técnica definiu três metas de comportamento, duas relacionadas à voz: volume suficientemente alto a ponto de três quartos do conteúdo ser audível a uma distância de três metros, e duração de fala por um período mínimo de 15 segundos. Aprofundando os experimentos de Addington (1968), que simulara variações nas características acústicas para avaliar como seriam apreendidas, e de Brown, Strong e Rencher (1973, 1974), que também manipularam a voz para os mesmos fins, Chevrie-Muller et al. (1978) empregaram pacientes psiquiátricos na busca de relações mais precisas entre psicopatologia e sua expressão através da voz (sintomatologia psiquiátrica), de modo a verificar se a personalidade patológica poderia ser percebida e, em caso afirmativo, como tal ocorreria. Três métodos paralelos foram usados para a aferição simultânea dos dados: entrevistas psiquiátricas para a coleta de sintomas psiquiátricos, avaliação das qualidades vocais do paciente examinado, através da audição de cada uma das gravações de sua fala, e finalmente o uso das mesmas gravações na tentativa de determinar as características de sua personalidade. Relações significativas foram estabelecidas: certos traços da personalidade patológica, aquela dos pacientes psicóticos – especialmente os esquizofrênicos -, puderam ser percebidas pela audição da voz do paciente, 25 independentemente da competência de linguagem da mensagem. Alguns sintomas psiquiátricos (comportamento motor prejudicado, ansiedade, distúrbios de pensamento) foram relatados por outras características vocais. As qualidades características vocais de fala e melodia vincularam-se à percepção do grau de extroversão e dinamismo dos sujeitos ouvidos. Concluíram que a velocidade de fala refletia o nível percebido de extroversão e introversão, bem como de dinamismo e contribuía para o caráter agradável da voz. Os resultados estavam de acordo com os obtidos por Brown, Strong e Rencher (1973, 1974), que descobriram uma correlação entre velocidade lenta e decréscimo de competência, e particularmente com os de Addington (1968), que concluíra que conforme o aumento de sua velocidade de fala, os falantes seriam percebidos como mais animados e extrovertidos. A partir das inúmeras correlações significantes que conseguira verificar entre velocidade e adjetivos bipolares (“enérgio-preguiçoso”, “falante-quieto” e “bem ajustadoneurótico”), a melodia (variação de pitch) surgira como outro parâmetro acústico através do qual extroversão e dinamismo seriam percebidos (Addington, 1968; Chevrie-Muller et al., 1978). Atualizando a busca – já empreendida em 1971 - de explicações para resultados inconsistentes em certos grupos esquizofrênicos estudados ao longo do tempo, Chevrie-Muller et al. (1978) inferiram como causa diferenças sintomáticas entre pacientes analisados em termos de correlações entre parâmetros de fala e sintomas psiquiátricos, em vez do diagnóstico. E demonstraram que num grupo de pacientes esquizofrênicos alguns sintomas de 26 fala haviam sido específica e significativamente correlatados com outros da escala internacional BPRS (“Brief Psychiatric Rating Scale”): melodia pobre, qualidade anormal de voz e articulação ruim com apatia emocional; variabilidade de velocidade de fala, com desorganização conceitual e desorientação; e “tensão”, com ocasional voz sussurrada. Outro aspecto da questão só foi levado em conta por Chevrie-Muller, Sevestre e Seguier em 1985, quando argumentaram que medidas acústicas de fala pareciam ser úteis para objetiva e quantitativamente apreciar os efeitos das drogas na evolução do distúrbio psiquiátrico - métodos por vezes executados com o intuito de avaliar os efeitos de várias terapêuticas, incluindo convulsivoterapia, bem como drogas psicotrópicas (Ostwald, 1961; Wood, Miklowitz, Chappel, E. D., Chappel, M. F., Kleine e Saunders, 1961). Os dados analisados para o referido propósito concerniam à quantidade total de atividade vocal (Glaister, Feldstein e Pollack, 1980) e fluência verbal (Ebert, Ewing, Rogers e Reynolds, 1977), mais maioria de dados temporais, tais como duração das pausas durante contagem (SPT, “Speech Pause Time”). O diagnóstico baseado nas diferenças entre a população psiquiátrica e controles tem sido feito por diversos autores: Chevrie-Muller e Decante (1977), Hollien e Darby (1979), Todt e Howell (1980) e Mc Caffrey e Blackmon (1985). As condições peculiares de vocalização que Todt e Howell (1980) encontraram em pacientes esquizofrênicos, no entanto, não os impediram de destacar que diferenças de leitura (os pacientes cometiam erros de repetição, enquanto os não pacientes erros de substituição) podiam ter influenciado na distinção. 27 Mesmo assim, as dessemelhanças de qualidade vocal (enunciação e inflexão) mostraram-se um elemento diferencial dos dois grupos estudados pelos autores. Possivelmente, a variável inflexão constituía-se na chave da qualidade vocal dos esquizofrênicos, tendo entre eles se mostrado como monótona. Outra característica aí encontrada foi o ritmo significativamente vagaroso de sua fala, aspecto que, no entanto, passou despercebido à banca de avaliadores. Em conclusão, os pacientes esquizofrênicos foram distinguidos com base na qualidade vocal. Acabaram vistos como mais ineficientes, desesperados, malhumorados, taciturnos e melancólicos. Com relação à pesquisa de Mc Caffrey e Blackmon (1985), comparando gravações de leitura de cinco pacientes esquizofrênicos e cinco mulheres normais, as análises de especialistas consultados por estes últimos autores indicaram que somente na entonação houve uma diferença mais significativa entre os dois grupos. Entretanto, observou-se uma tendência à avaliação da qualidade, pitch, volume e velocidade dos esquizofrênicos respectivamente como mais pobre, mais baixo, mais lento e mais suave. Em suma, as avaliações sugeriram que a entonação devia ter implicações diagnósticas na esquizofrenia e que a consideração das demais características vocais não podia ser negligenciada. Mas as dificuldades persistiram, por exemplo, na diferenciação da fala na esquizofrenia do discurso depressivo (Hollien e Darby, 1979); usando, porém, métodos mais sofisticados, como a laringografia, recentemente desenvolvida à 28 época para a gravação de atividade laríngea, Leff e Abberton (1981) obtiveram êxito em tal diferenciação acústica. No entendimento dos autores, a técnica permitiu uma distinção objetiva entre dois tipos de voz monótona produzidas por pacientes psiquiátricos esquizofrênicos e depressivos, podendo ser usada como um índice objetivo para a verificação da ocorrência de apatia afetiva na esquizofrenia. Deu-se o contrário com Andreasen, Alpert e Martz (1981), que desenvolveram um exame de padrões vocais para avaliar apatia afetiva, sintoma reconhecido da esquizofrenia mas igualmente da depressão. Como esperado, os pacientes apáticos apresentavam voz monótona, com menor variação tanto na amplitude como na frequência de suas falas do que os pacientes não apáticos. Os autores, porém, não conseguiram estabelecer diferença entre apatia depressiva e esquizofrênica. Há ainda a investigação de Gayda (1992). Após um breve histórico das pesquisas realizadas na área, o autor referiu o mapeamento da linguagem esquizofrênica proposto em 1910 por Kraepelin: uso repetido de neologismos, paralogismos, jargões, assintaxe, agramatismos, discurso paradoxal e hermético que escapava à lógica habitual; os estudos de Andreassen (1979), que identificaram pelo menos 18 categorias de problemas de linguagem relativos a psicoses e esquizofrenia; o teste de percepção promovido por Merkel e Meisels (1964), que inferiu ligações entre características da estruturação do Eu e qualidades vocais; a descrição por Ostwald (1973) do caso de um paciente esquizofrênico que numa mesma frase transitava do registro médio a um registro 29 muito baixo; e o relato de um outro caso, por Moses (1954), do predomínio de consoantes no discurso de um paciente paranóico. De todas as pesquisas até então realizadas, ressaltavam, segundo o autor, algumas características vocais que possibilitavam o estabelecimento de um critério para o reconhecimento e o diagnóstico da esquizofrenia: discurso loquaz e enfático, em alta tonalidade, fala rápida que não permitia interrupções (emprego de mais de 150 palavras por minuto), eventualmente acompanhada de respostas oblíquas ou de incoerências, uso de assonâncias e aliterações, sempre numa voz muito agitada, ativa, forte, sonora e volumosa. Gayda não se deteve apenas na esquizofrenia: expandiu as referências também para o lado da depressão e da neurose, para finalmente concluir que o diagnóstico médico e psiquiátrico pode se estabelecer amiúde e de maneira intuitiva a partir da escuta da voz. É de Stassen, Albers, Püschell, Scharfetter, Tewesmeier e Woggon (1995) o último trabalho encontrado a respeito dos parâmetros vocais associados à esquizofrenia. Os autores basearam-se numa amostra comparativa entre 42 pacientes crônicos esquizofrênicos e 42 indivíduos normais submetidos a gravações de suas vozes em três situações: contagem de 1 a 40, leitura de um texto infantil de três minutos emocionalmente neutro e especialmente selecionado por sua simplicidade semântica, e novamente a mencionada contagem. À luz de várias escalas de avaliação psiquiátrica, especialistas analisaram os resultados. 30 O potencial diagnóstico das variações acústicas foi sugerido por uma quase perfeita discriminação entre pacientes esquizofrênicos e sujeitos normais; no entanto, os efeitos colaterais da medicação na voz não puderam ser estudados. 31 3. CONCLUSÕES FINAIS Encontrar relações mais precisas entre a esquizofrenia e sua expressão vocal; traduzir os modos como se opera a percepção da personalidade psicótica; rastrear características vocais; aferir a viabilidade de um diagnóstico diferencial para a esquizofrenia baseado nas análises perceptiva e acústica dos parâmetros vocais. Terá o levantamento cumprido com os propósitos de início anunciados? A interpretação dos dados encontrados investe-os de um caráter conclusivo: o diagnóstico médico na psiquiatria pode ser estabelecido através da análise perceptiva e acústica da voz; a objetivação de tais componentes e o estabelecimento das correlações clínicas é uma base de pesquisa interessante para afirmação de diagnósticos, apreensão de mecanismos psicopatológicos, estruturação da mente individual e estudos simultâneos da linguagem; a personalidade psicótica, em especial, a do esquizofrênico, pode ser detectada e diferenciada das demais com base nas configurações de sua voz; impressões específicas são determinadas pela qualidade vocal do falante; por outro lado, decisões diagnósticas devem ser tomadas também com base em outros fatores, como a linguagem; e, sobretudo, a análise da voz adquire maior importância se levamos em conta que a fala do esquizofrênico tem mais valor expressivo do que propriamente comunicativo. A leitura atenta da monografia permite que a semelhantes afirmações se confira o status de “respostas”. O discreto périplo por entre os labirintos da pesquisa científica relativa aos elos verificáveis de voz e mente interrompe-se num momento de exultantes 32 auspícios. Não há porque duvidar do avanço tecnológico evidenciado nos laboratórios de voz, que vêm ensejando análises acústicas cada vez mais acuradas dos parâmetros vocais e oportunizando o monitoramento de suas características uma a uma através de gráficos e medidas físicas quantitativas objetivamente exatas e precisas. A pesquisa aqui finalizada efetivamente nos conduz a tais constatações. As dúvidas apontadas por determinados autores durante algum tempo viram-se removidas pela consistência do que à introdução deste trabalho denominamos “indícios”. À medida em que iam sendo valorizados, estudados e, em resposta, novamente perseguidos, passavam a descortinar um horizonte de pesquisas ainda mais vasto. O tempo mostrou quem seguiu a pista certa, mas ao mesmo tempo revestiu de méritos os esforços dos pesquisadores que se embrenharam pelos rumos do ceticismo: impondo seu questionamento, atuaram também como balizadores do caminho que hoje parece sedimentado. Portanto, o debate científico permanece como um trunfo do conhecimento. Experimentos, interpretações, divergências, insistências, rompimentos, retomadas, novos experimentos: não foi assim que a humanidade atingiu os níveis atuais de desenvolvimento tecnológico? O processo de aquisição de conhecimento direcionado a indagações relativamente recentes por certo se consuma de igual maneira. 33 Eis porque os resultados aqui demonstrados encerram apenas um dos capítulos de uma investigação, bem mais ampla, a qual segue seu curso, incorporando ou não esta modesta contribuição. 34 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDINGTON, D. W. - The relationship of selected vocal characteristics to personality perception. Speech Monogr., 35:492-503, 1968. 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