TV COMUNITÁRIA: UMA AÇÃO POLÍTICA DA IMAGEM
Musso Greco
Coordenador/ TV Sala de Espera
A análise das entrevistas de avaliação geral realizadas junto à comunidade à época do
encerramento do projeto de TV comunitária TV Sala de Espera (TV Comunitária realizada na
região nordeste de Belo Horizonte no período de 1993 a 1997) aponta para a importância do
aparecimento no espaço público, que é identificado pelos entrevistados como algo mais
importante que qualquer reconhecimento em suas vidas privadas, no que diz respeito à
possibilidade de reverberação daquilo que lhes é próprio para “os outros” (os vizinhos, os
parentes, as autoridades, etc.). A percepção da ampliação do poder comunicativo quando se
acessa um canal como uma TV comunitária está presente na fala dos entrevistados:
“Eu acho que a TV Beira Linha [uma das realizações do projeto TV Sala de Espera]
alcançou um objetivo muito importante de descobrir pessoas que têm competência e
capacidade para desenvolver trabalhos e que estão escondidas e que não têm acesso a
nada. É preciso mostrar o trabalho destas pessoas no bairro.”
Em relação à idéia de mostrar-se, nossos entrevistados parecem concordar com Hannah
Arendt quando esta afirma que o ato de aparecer é o que constitui a realidade, que “o mundo é
aquilo que surge entre os homens, onde o que cada um traz por nascimento pode se tornar audível
e visível ”. A imagem produzida na TV comunitária é reconhecida como algo que ressignifica o
cotidiano da vida de uma região, dando-lhe o estatuto renovado de algo que passa de fato a
existir:
“(...) Algumas pessoas da comunidade que participaram mais ativamente da TV Beira
Linha têm vontade de vivenciar uma nova realidade: a nossa própria realidade”.
A noção de realidade enunciada aqui parece articulada à necessidade de um mundo
comum onde as coisas podem ser vistas por muitas pessoas. Sendo assim e sabendo, pela
Psicanálise, que a imagem é o que vem para forjar o eu, ou seja, o eu é uma produção imaginária
que desconhece sua condição de imagem e busca estabelecer sua unidade de indivíduo por
identificação às imagens das coisas visíveis - torna-se inevitável relevar a dimensão do poder da
imagem televisiva na constituição da subjetividade. Nessa perspectiva, o mundo outro que é
mostrado na TV se oferece, nesses nossos tempos em que “o homo sapiens virou homo videns”1,
como modelo privilegiado de identificação e pode funcionar como matriz imaginária do princípio
de realidade dos telespectadores.
A TV Comunitária parte dessa premissa para, antes de tudo, funcionar como um mágico e
reluzente espelho de determinada população, fator de grande interesse para uma possível ação
política de promoção de cidadania, quando este ‘circuito visual’ - ver-se e a seus pares fazendo-se
ver - é parte de um projeto dialógico de construção coletiva de uma imagem pública mais potente.
A experiência do projeto TV Sala de Espera (1993 / 1997) demonstrou os efeitos desse
processo na valorização da auto-imagem dos envolvidos e no incremento da mobilização
comunitária na luta pela melhoria das suas condições de vida. Tais aspectos constituíram o eixo
central da experimentação metodológica do projeto TV Sala de Espera:
“É uma proposta legal, (...), essa questão dessa TV aqui. Além de causar uma
identificação rápida do pessoal do bairro com o programa, é uma oportunidade da gente ter um
lugar em que a gente possa falar o que a gente vive, o que atrapalha, etc. (...), é mais um meio
dela (a comunidade) se expressar”.
“Moramos longe, mas agora estamos ficando mais chiques que o centro. O comentário
aqui é que o último bairro de Belo Horizonte é o nosso. E nós ficamos mais importantes, porque
somos o último, mas temos a nossa televisãozinha particular. E eles, não”.
1
G. Sartori sustenta este argumento na afirmativa de que a TV nos tornou insensíveis ao texto escrito e falado e nos fez
desenvolver um senso de intimidade com pessoas e fatos distantes, que nos leva a responder a pessoas e eventos em
termos predominantemente emocionais e identificatórios.
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