Grafitização de ferros fundidos No âmbito de uma colaboração luso-francesa (1999-2001) envolvendo a FEUP e o CENIMAT pela parte portuguesa e o CIRIMAT (Toulouse) e o LETAM (Metz) pela parte francesa foi realizado um estudo sobre ferros fundidos com grafite esferoidal tendo em vista analisar a cinética de grafitização. F. Hellal, J. Lacaze e A. Hazotte haviam identificado a presença de uma anomalia dilatométrica no início do patamar de ferritização de ferros fundidos [1]. De modo a poder separar mais claramente os efeitos em causa, o estudo foi iniciado analisando a cinética de grafitização por ciclagem térmica exclusivamente em domínio austenítico. Durante esse estudo foram realizados ensaios dilatométricos (FEUP) que puseram em evidência um retardamento da cinética de grafitização quando o material era arrefecido de 950ºC para 800ºC. Com efeito, quando confrontados os resultados experimentais com cálculos de difusão efectuados (CIRIMAT) recorrendo ao programa DICTRA e usando a base de dados termodinâmicos THERMOCALC, constatou-se que a cinética de grafitização só podia ser explicada se se admitisse a existência de uma barreira à migração do carbono. Duas hipóteses se puseram então [2]: - ou se tratava de uma barreira do tipo descontinuidade física, associada, por exemplo, a uma descoesão da interface austenite / grafite, - ou poderia ser o resultado de um retardamento da difusão do carbono resultante da existência de um estado de tensões de compressão na vizinhança da interface austenite / grafite. Um modelo de cálculo implementado no CENIMAT [3] produziu resultados que previam a existência de estados de tensões do tipo compressivo na vizinhança da interface austenite / grafite. Este tipo de estado de tensões estaria, de acordo com os cálculos efectuados, presente desde o instante em que o material, arrefecido desde os 950ºC, atinge a temperatura inferior (800ºC). Este resultado, além de inviabilizar a hipótese de barreira do tipo descoesão de interface, deixava antever a possibilidade de, de acordo com Philibert [4], o retardamento da difusão intersticial do carbono se dever à presença de um estado de tensões de compressão, cujo valor absoluto aumenta quando nos aproximamos da interface austenite/grafite. 0 -0.001 -10 30 -10 0 -0.002 -0.003 mass of carbon -2 10 L1 -3 10 -10 L5 -0.004 -10 -4 10 L9 -10 -0.005 -5 10 -10 -0.006 -6 10 -10 -0.007 0 200 400 600 800 -7 10 1000 Time (s) Comparação da cinética calculada (sem barreira de interface) com os resultados experimentais traduzindo a migração do carbono para os nódulos de grafite. stress, MPa -1 10 Change of mass of carbon Relative change of length 60 0 σt σr -30 -60 -90 -120 -150 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 r/R2 Distribuição ao longo do raio das tensões principais (radial e tangencial) no instante em que o material, arrefecido desde os 950ºC, atinge o patamar de 800ºC. SOL-0 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 SOL-1 Graph-1 0 10 SOL-2 Graph-2 20 SOL-3 Graph-3 30 Graph-4 40 50 60 Nomenclatura dos ciclos térmicos estudados por difracção de raios X in situ a alta temperature. Normalized Intensity 100 GRAPH-0 80 SOL-1 GRAPH-1 60 SOL-2 GRAPH-2 SOL-3 40 GRAPH-3 Normalised 20 160 140 120 time, s 100 80 60 40 20 0 0 Comparação da cinética de difusão do carbono calculada (sem barreira de interface) com os resultados experimentais de formação da grafite à superfície da amostra. Entretanto, tal como já tinha sido reportado por outros autores para aços hipereutectoides [5,6], no âmbito do estudo de difracção de raios X in situ a alta temperatura efectuado no CENIMAT de modo a acompanhar o fenómeno de grafitização durante a ciclagem térmica em domínio austenítico, constatou-se a ocorrência de precipitação de grafite sobre a superfície livre das amostras. A análise da cinética de precipitação da grafite sobre a superfície livre das amostras de ferro fundido mostrou que neste caso, contrariamente à difusão volúmica do carbono para os nódulos de grafite, se estava diante de um processo de difusão que não parecia estar afectado por nenhuma barreira [7]. Tal facto é consistente com a hipótese de que a barreira à difusão volúmica do carbono para os nódulos de grafite possa ser o resultado da existência de um estado de tensões de compressão. Com efeito, os cálculos efectuados fazem prever a existência de um tal estado na vizinhança da interface austenite / grafite; por outro lado, o facto de a região vizinha da superfície livre da amostra dever encontrar-se quase isenta de tensões faz com que seja razoável admitir que a migração do carbono para a superfície livre da amostra não seja retardada por este tipo de efeito. A observação ao microscópio óptico da superfície da amostra após uma campanha de ensaios deste tipo revelou que uma grande parte da superfície metálica da amostra está recoberta por um “tapete” de grafite. (a) (b) Aspecto microestrutural da superfície da amostra (a)antes da ciclagem e (b) após ciclagem térmica. Estes resultados permitem concluir que: - a precipitação da grafite na superfície externa da amostra faz-se segundo uma orientação preferencial muito marcada (planos basais paralelos à superfície exterior da amostra. - a formação de grafite na superfície livre (e a posterior redissolução) é significativamente muito mais rápida que o da migração de carbono para os nódulos de grafite; esta constatação é consistente com a hipótese de existência de uma barreira à difusão do carbono na interface austenite / grafite devida ao estado de tensões criado durante o patamar de grafitização; a migração do carbono para a superfície livre da amostra está isenta desta acção retardadora, dado que os estados de tensões existentes na vizinhança da superfície livre serão praticamente nulos; os cálculos efectuados utilizando o coeficiente de difusão volúmica do carbono, sem tomar em conta a existência de qualquer tipo de barreira à difusão conseguem por isso reproduzir satisfatoriamente a cinética de formação da película de grafite sobre a superfície livre da amostra; Um outro aspecto interessante prende-se com a detecção de heterogeneidades da austenite que se traduzem pelo aparecimento de pelo menos duas componentes para o pico {002}. Os espectros representativos do estado estrutural da austenite ao fim de cerca de 3 min de permanência a 800 ºC revelam uma evolução que se traduz por uma gradual homogeneização durante a sequência SOL-1 Î SOL-2 Î SOL-3 Este aspecto deverá ser o resultado da presença de regiões de teor em carbono bem diferenciado. A evolução observada vai no sentido do reforço da componente correspondente aos valores de 2θ mais baixos, ou seja, para as distâncias interplanares d200 mais elevadas e, por conseguinte a teores em carbono mais elevados. 800 700 SOL-1 SOL-2 SOL-3 600 500 400 300 200 100 49.8 49.7 49.6 49.5 49.4 49.3 49.2 49.1 49 0 Perfil do pico {200} da austenite no final de cada um dos patamares SOL-1 a SOL-3, mostrando a gradual sobreposição das duas componentes. Cada uma dessas componentes traduz a presença de uma região com um teor em carbono bem diferenciado. Referências [1] F. Hellal, J. Lacaze, A. Hazotte: Materials Science and Technology Vol. 15 (1999), p. 773. [2] A. Hazotte, H.M.C.M. Santos, A.M.P. Pinto, J. Lacaze, F. M. Braz Fernandes, R.J.C. Silva, F. Hellal: Paper 29 in SPCI’7 – 7th. Int. Symp. on Science and Processing of Cast Iron, Barcelona, Sept. 2002. [3] R.J.C. Silva, F.M. Braz Fernandes, A. Hazotte, F. Hellal, J. Lacaze, S. Denis, A.M. Pinto. Graphitisation Model of Speroidal Graphite Cast Iron Taking into Account Stress/ Diffusion Coupling. Materials Science Forum, Vol 404-407 (2002) pp 165. [4] J. Philibert: Atom Movements, Diffusion and Mass Transport in Solids (Editions de Physique, France 1991). [5] M.J. Olney, G.C. Smith: Journal of Iron and Steel Institute (1959) p. 107. [6] G.R. Speich: Trans. Metallurgical Society of AIME, Vol. 221 (1961) p. 417. [7] F. M. Braz Fernandes, R. J. C. Silva, A. A. Gomes. In situ XRD study of the graphite surface layer formation during thermal cycling of cast iron. Materials Science Forum 455-456 (2004) pp. 326-329. [8] R.J.C. Silva, A. Hazotte, H.M.C.M. Santos, A.M. Pinto, J. Lacaze, F.M. Braz Fernandes, F. Hellal. Carbon Diffusion and Compatibility Stresses Generated by Temperature Cycling of Spheroidal Graphite Cast Irons in Austenitic Field. International Journal of Cast Metals Research vol. 16, n.º 1-3 (2003) pp 149-153.