Competitividade: uma barreira instransponível? Alfredo Fonceca Peris A discussão sobre a importância do setor industrial para o crescimento e o desenvolvimento da economia brasileira ganhou um novo capítulo com a crise das economias desenvolvidas, iniciada em setembro de 2008. Além da forte ação dos países asiáticos, principalmente a China, a Índia, a Coréia e a Tailândia, no sentido de se transformarem nas grandes plataformas de produção de mercadorias para o mundo, intensificada a partir dos anos 1980, e se transformando em grandes competidores de países como o Brasil, a crise financeira iniciada em 2008 trouxe para o Brasil uma nova natureza de problemas, principalmente os problemas ligados ao financiamento das exportações e ao câmbio. Em torno desses problemas tem estado a discussão sobre as dificuldades que a indústria brasileira vem enfrentado tanto para exportar quanto para competir com produtos importados que vêm concorrer internamente com a produção industrial brasileira. Esses são, realmente, problemas complexos e de difícil solução. Todavia, a discussão está mais centrada nas consequências e pouco se houve falar sobre as causas das dificuldades enfrentadas pela indústria brasileira. Em todos os momentos de crises internacionais, a indústria brasileira sofre impactos negativos. E por que eles ocorrem? Na minha opinião, são uma série de obstáculos que o Brasil precisa superar para tornar sua indústria mais preparada para enfrentar as crises que são normais e serão cada vez mais normais e ocorrerão em um espaço menor de tempo como conseqüência da complexidade da divisão internacional do trabalho, da influência de novos agentes no comércio internacional e do aumento do volume de capital especulativo que tem aumentado violentamente a volatilidade do mercado financeiro internacional. Dentre esses obstáculos, os que mais prejudicam a competitividade da indústria brasileira, principalmente da pequena e média unidade industrial, são os seguintes: Primeiro: falta de organização industrial. É normal encontrar unidades industriais onde as formas de produção são muito rudimentares. Os métodos de produção não sofrem modificações e não são discutidos e aprimorados cotidianamente. O hábito de se rever os processos de produção, principalmente com discussões entre diretores, encarregados e funcionários responsáveis pela execução do processo é muito pouco posto em prática. É sabido que a revisão de processos, com a descrição do processo como um todo, a descrição de todas as suas etapas, a observação às fórmulas dos produtos, a medição do tempo gasto para execução de cada etapa, são fundamentais para eliminar os desperdícios, reduzir os custos, melhorar a qualidade e aumentar a produtividade. Segundo: ausência de laboratórios de controle de qualidade. A implantação de um laboratório de controle de qualidade onde tanto as matérias primas quanto os produtos acabados passem, por amostragem, por testes que comprovem a qualidade exigida são pouco comuns na maioria das unidades industriais brasileiras, principalmente as pequenas e médias. A implantação do laboratório é, via de regra, de baixo custo, porém seu alcance em termos de garantia da qualidade, eliminação de desperdícios, redução de custos desnecessários, aumento da produtividade e consolidação da marca são gigantescos. Com pouco recurso financeiro e pequeno espaço físico, somados à criatividade, é possível montar um laboratório de controle de qualidade onde a qualidade seja atestada, por amostragem, seguindo as normas da ABNT, quando existirem, ou seguindo um conjunto de normas que a própria unidade industrial vai observando em função dos problemas que vai enfrentando tanto com a utilização da matéria prima, quanto das dificuldades enfrentadas durante o processo de produção bem como pelas reclamações, sugestões ou devoluções de produtos efetuadas pelos clientes. Terceiro: falta de hábito de rastreamento dos produtos. O termo rastreamento passou a fazer parte do cotidiano da economia brasileira quando os países importadores de carne passaram a exigir do Brasil o rastreamento de seus rebanhos. Na indústria, essa prática é pouco habitual. Porém, é de um alcance para a melhoria da qualidade, para a redução de desperdícios, para o aumento da produtividade e para a consolidação da marca como poucos outros processos. Nossa experiência na implantação do rastreamento de produtos, dentro de unidades industriais, tem mostrado que com pouco investimento, basicamente de pessoas e de processos, se consegue um ganho em termos de competitividade dos mais expressivos. Por meio desse processo, todas as mercadorias produzidas são feitas obedecendo a lotes de produção onde tanto as matérias primas utilizadas quanto o destino do produto ficam registrados. Tendo, além do rastreamento do produto, o laboratório de controle de qualidade, é possível fechar o circuito da qualidade com baixo custo e alta resolutividade de problemas. Além do rastreamento, os laudos de controle de qualidade, emitidos pelo responsável pelos testes no laboratório de controle de qualidade, oferecem subsídios tanto para a defesa da empresa quando o cliente alega ter encontrado problemas quanto diante do fornecedor quando deste for a responsabilidade pelo problema gerado com o produto final. Além de ser uma ótima ferramenta para a redução de custos desnecessários, pois quando o produto é medido, pesado, tem sua resistência e consistência auferida, todas as faltas e excessos cometidos durante o processo de produção se tornam aparentes. Quarto: Treinamento constante da mão de obra. É impossível manter uma unidade industrial competitiva sem a prática do treinamento constante. Não só treinamento destinado às práticas exigidas dentro do chão de fábrica. Mas, sim, treinamentos visando a qualidade de vida, nesta incluída práticas ambientais, financeiras, sociais, educacionais, de proteção ao trabalhador tanto no chão de fábrica quanto no deslocamento de sua residência até o trabalho. Cada unidade industrial precisa ter um espaço reservado para reuniões de pessoas onde os treinamentos poderão ocorrer. Muitos pensam que treinamentos custam caro ou são desperdícios de tempo pois deverão sempre ocorrer durante o horário de trabalho. Cada hora despendida em treinamento gera economias que são para sempre. Com muita criatividade, o setor de RH da empresa poderá montar uma seqüência de treinamentos anuais, onde, convidando com antecedência, poderá conseguir especialistas para dar palestras, cursos e treinamentos onde, na maioria das vezes, serão gratuitos. Por exemplo, na área ambiental, no setor de trânsito, na área educacional, na área de proteção ao trabalhador, os especialistas de órgãos públicos sempre se dispõem a dar palestras gratuitas pois as mesmas também ocorrerão durante seus horários de trabalho. Imaginem o alcance de uma palestra sobre direção defensiva para seus empregados. Pois direção defensiva deve ser praticada por pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas. Quantos acidentes ocorrem com trabalhadores durante o percurso da casa para o trabalho e vice-versa que, caso tivesse sido praticada a direção defensiva, teriam sido evitados. E quanto custa para a sociedade e para a empresa, um acidente de trabalho envolvendo um trabalhador treinado e produtivo, durante seu trajeto de ida ou de volta da casa para o trabalho? São custos incalculáveis tanto econômicos quanto pessoais e familiares. Quinto: Pequeno uso de Consultores Externos: As empresas em geral, estão muito céticas quanto a inclusão do trabalho de empresas de consultoria ou de consultores autônomos nas suas estruturas administrativas e produtivas. É óbvio que nem todas as consultorias dão ótimos resultados. Todavia, a experiência tem mostrado que a maioria dos trabalhos de consultoria que tem apresentado resultados insuficientes tem sido aqueles onde as empresas não têm dado a importância que o trabalho de uma consultoria requer. Onde os trabalhos têm sido levados a sério os resultados são altamente significativos, gerando, primeiro, uma nova visão do que seja administrar uma empresa, principalmente, uma empresa do ramo industrial e, segundo, tem promovido aumentos expressivos de produtividade. Sexto: Pequena importância dada à Contabilidade. Com as modificações feitas pelas autoridades fiscais, no Brasil, nos últimos anos, a contabilidade deixou de ser uma mera formalidade para passar a ser o setor mais fundamental e imprescindível de qualquer empresa. Quem não fizer uma gestão fiscal e contábil adequada terá tantos problemas que dificilmente irá sobreviver, que dirá se manter no mercado ou crescer. A contabilidade feita de forma correta dará, em primeiro lugar, tranqüilidade fiscal e, em segundo lugar, informações para que a empresa possa pleitear crédito barato e de maior prazo. O custo financeiro das empresas brasileiras, principalmente, as pequenas e médias, é altíssimo e incompatível com o que poderia ser caso as mesmas se preocupassem em se organizar administrativa e contabilmente para a obtenção de crédito ligados ao BNDES que é, atualmente, o detentor das melhores taxas e dos melhores prazos para financiamento da atividade produtiva no Brasil. Muito tem sido cobrado do governo para que intervenha no mercado protegendo a indústria nacional. Todos os governos têm por obrigação proteger não só a indústria de seu país quanto a agricultura e o seu setor de serviços. Agora, todas as intervenções governamentais no sentido de proteger sua indústria, trazem, tanto benefícios quanto prejuízos. Pois sempre ações protecionistas terão respostas protecionistas de outros países com os quais o país em questão têm relações comerciais. Portanto, o ideal é que, antes de reclamar medidas protecionistas, o país e sua indústria façam uma reflexão sobre as causas de suas dificuldades. O Brasil tem sido descuidado com sua indústria e isso é sabido por todos. O principal problema da indústria brasileira é a baixa qualidade educacional da mão de obra que leva a baixa produtividade; a falta de infra estrutura que aumenta custos e diminui eficiência, a baixa sinergia entre as universidades e as empresas e a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento, o que leva a falta de inovação tecnológica. Além de todos esses problemas, os recentes e persistentes aumentos reais de salários, principalmente num momento em que o câmbio mantém suas cotações têm elevado o custo da mão de obra na indústria brasileira sem que isso tenha sido correspondido por um aumento da produtividade. Portanto, as empresas têm do que reclamar do governo. Porém, a sensibilidade do governo a essas reclamações deveria ser mais no sentido de rever as causas do problema do que responder com medidas protecionistas. As empresas podem se antecipar a um fenômeno que deverá ocorrer, qual seja, a necessidade de reduzir custos, aumentar a eficiência, melhorar a qualidade, aumentar a produtividade, pois mesmo com proteção à indústria no curto prazo, no longo prazo os ajustes deverão ser feitos tanto na ação governamental quanto na ação empresarial, sob pena da competitividade brasileira diminuir ainda mais. Alfredo Fonceca Peris é Sócio Diretor da Peris Consultoria Empresarial Ltda. http://www.perisconsultoria.blogspot.com/ Os artigos de economistas divulgados pelo CORECON-PR são da inteira responsabilidade dos seus autores, não significando que o Conselho esteja de acordo com as opiniões expostas. É reservado ao CORECON-PR o direito de recusar textos que considere inadequados.