voltar 1 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELA POPULAÇÃO DE RUA DE JUIZ DE FORA FRENTE À PROPOSTA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA. Princípios da Economia Solidária Meimei Alessandra de Oliveira- Assistente Social e Coordenadora do Núcleo de Empreendimentos Sócio-Ambientais da INTECOOP/SEDETEC/UFJF- [email protected] Resumo: O presente artigo resgata o fenômeno da População de Rua e reflete seu processo de pauperização que na falta de emprego e habitação, passa a utilizar de forma crescente os espaços públicos como alternativa de sobrevivência. Analisamos as possibilidades de inclusão desta população pela via da Economia Solidária e também averiguamos, a partir dos trabalhos realizados com um projeto de geração de trabalho e renda do municipio de Juiz de Fora1, as dificuldades enfrentadas por estes frente a proposta de Economia Solidária e ao não comprometimento do poder público com a perspectiva autogestionária e de emancipação para a população de rua. Palavras chaves: População de rua; Economia Solidária; Cidadania e Democracia. 1. Introdução Discutimos neste artigo, num primeiro momento, o fenômeno da população de rua. Entendida como um grupo de homens e mulheres que vivem em situação de extrema pobreza, são em sua maioria, parte dos segmentos mais empobrecidos, trabalhadores que se encontram fora do mercado de trabalho. São sujeitos sociais que procuram nas ruas alternativas para manter a sua sobrevivência. Posteriormente, apresentamos de forma sintética a perspectiva da Economia Solidária e através dela a possibilidade de inclusão social da população de rua. Analisamos uma proposta de geração de trabalho e renda, através de projeto “PlantAção” situado no município de Juiz de Fora. O projeto nos permitiu elaborar algumas reflexões que podem contribuir para a discussão e para nortear a ação profissional de diversas áreas do conhecimento que estão comprometidas com o resgate da condição de sujeito e com a construção de sólidas propostas de geração de trabalho e renda. Frente a esse quadro, abordamos os principais desafios enfrentados pela população de rua mediante a proposta de Economia Solidária e as ações do poder 2 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” público municipal. Observamos também as possibilidades e os limites da construção da cidadania e da autonomia por meio do trabalho. 2. A “multidimensionalidade” da pobreza vivenciada pela População de Rua A condição de morar na rua, especialmente nas grandes e médias cidades, caracteriza hoje um grupo populacional definido no âmbito das políticas sociais como população de rua. Tal grupo vive em condições de extrema pobreza, sofrendo a ausência de tudo, do acesso a bens materiais, sociais, além dos precários vínculos familiares e do trabalho. Tal fenômeno se evidencia no país a partir de 1970, embora indivíduos vivendo nas ruas tenham sempre existido. Se olharmos o contexto histórico, verificamos que para cada período houve leituras com visões diferenciadas a respeito dos sujeitos que vivenciam tal situação. Nesse sentido, foram-lhe atribuídas diferentes classificações, dentre elas: vagabundos, mendigos, migrantes, incapacitados, sem domicílio fixo, expressando concepções ideologias acerca desta população. A população de rua deve ser entendida como um conjunto de indivíduos sociais, homens e mulheres sem trabalho, sem casa, que utilizam a rua como espaço de sobrevivência e moradia. Ser morador de rua não significa apenas estar submetido à condição de espoliação, ao enfretamento de carências de toda sorte, mas significa também adquirir outros referênciais de vida social, diferentes dos anteriores que eram baseados em valores associados ao trabalho, à moradia, e às relações familiares. A população de rua, em geral, possui ocupações temporárias, variadas e irregulares. Muitas vezes em condições de insalubridade e de risco. Não tem acesso aos serviços de saúde e segurança social e é freqüentemente dependente de instituições públicas e assistenciais, quando não da filantropia e caridade religiosa. Além disso, seus membros são estigmatizadas socialmente com base em identidades negativas, pelo desempenho de funções pouco valorizadas. Normalmente, concentram-se no centro da cidade onde são oferecidas mais oportunidades de garantia da sobrevivência. Agrupam-se na busca de sobrevivência 3 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” e, entre si, são aceitos na condição de igual, enquanto que por outros segmentos sociais são discriminados e inferiorizados. É um grupo que sofre sucessivas perdas da casa, do trabalho regular, da família e da valorização da própria subjetividade dos indivíduos. Neste contexto, a rua ganha mais importância. É o espaço de relações pessoais, das formas possíveis de trabalho, de obtenção de recursos e ajuda de toda sorte, sendo a rua como um abrigo. Dormem circunstancialmente, sob marquises de lojas, viadutos ou bancos de jardim. Viver na rua constitui um modo de vida para os que têm na rua o seu habitat e que estabelecendo com ela uma complexa rede de relações. Vieira (2004) nos coloca três denominações que demarcam esta situação. Uma delas é o ficar na rua que tem um caráter circunstancial, reflete um estado de precariedade de recursos e de atendimento nas políticas sociais; outra é o estar na rua que consiste em uma condição ainda recente, adotam a rua para pernoitar e ela não mais representa uma ameaça porém, quando conseguem obter algum recurso, procuram pensões ou vagas em albergues, e o ser da rua é algo permanente, aumenta as dificuldades de se conseguir algum trabalho e cresce o tempo de permanência na rua, que acabam se tornando um espaço de moradia. Nas palavras da mesma autora, O que unifica essas situações e permite designar os que vivenciam como população de rua é o fato de que, tendo condições de vida extremamente precárias, circunstancial ou permanente utilizam a rua como abrigo ou moradia. (2004, p.93). É importante destacar que quanto mais tempo a pessoa passa na rua “mais estável” fica sua situação. Ela passa a desenvolver um modo de vida próprio, ou seja, desenvolve formas específicas de garantir a sobrevivência, de conviver, de ver o espaço privado e o mundo. Ainda de acordo com a mesma autora, De forma geral, o individuo vai sofrendo um processo de depauperamento físico e mental em função da má alimentação, precárias condições de higiene e pelo uso constante de álcool (2004, p.94). Notamos que o crescimento do número de pessoas que dormem nas ruas é uma situação que reflete o processo de pauperização da população que, na falta de emprego e habitação, passa a utilizar de forma crescente os espaços públicos como 4 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” alternativa de sobrevivência e moradia. Tais pessoas vivem numa situação de miséria absoluta, exigem atenção urgente do poder público. A população de rua é uma expressão da “questão social” 2 de forma dramática, e faz-se necessário que o poder público formule e implante políticas para equacionar tais expressões da “questão social”. Ou seja, de quem vive no limite da sobrevivência. Porém, o que estamos assistindo é a falta de direção das políticas sociais no Brasil e é óbvio que tal direção redunda nos municípios. As redes de instituições públicas estão caminhando para ações assistenciais e marginais. O tratamento tem sido residual, voltado aos mais necessitados e desamparados. A assistência social não consegue assumir o papel de política, tem sido um espaço marginal e compensatório de atendimento. Faz-se necessária a efetivação de tais políticas como um direito, ultrapassando a focalização e esse caráter compensatório dos efeitos do ajuste estrutural sobre a população vulnerável, interrompendo as lutas sociais, por uma universalização dos direitos sociais em curso no Brasil. Torna-se também importante e necessário o fortalecimento de instâncias da sociedade civil que busquem articular as demandas através da participação dos moradores de rua. Os segmentos da população que vive nas ruas são as expressões dramáticas da “questão social” na sociedade contemporânea. Assim, analisa Yasbeck, este quadro de pobreza das classes subalternas: A violência da pobreza constitui parte de nossa experiência diária na sociedade brasileira contemporânea. Os impactos destrutivos do sistema vão deixando marcas exteriores sobre a população empobrecida: o aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o desconforto, a moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação, são alguns sinais que anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados da sociedade. Sinais em que muitas vezes se ocultam a resistência e a capacidade dessa população de lutar cotidianamente para sobreviver. (1993, p.61). 3. A economia solidária e a construção do trabalho coletivo A economia solidária surge como alternativa de geração de trabalho e renda a fim de possibilitar àquele que está excluído socialmente a oportunidade de se reintegrar à produção. Singer nos ajuda a definir: O conceito atual de Economia Solidária é amplamente utilizado dos dois lados do Atlântico com acepções variadas. Apesar disso, todas giram em torno da idéia de solidariedade, que contrasta com o 5 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” individualismo competitivo o qual caracteriza o comportamento econômico padrão nas sociedades capitalistas. O conceito se refere a organizações de produtores, consumidores, poupadores e outras, que se distinguem por duas especificidades: Estimulam a solidariedade entre os membros mediante a prática da autogestão. Solidarizam-se com a população trabalhadora em geral, com ênfase na ajuda aos menos favorecidos.SEDESE(2004,p.7). A cooperação econômica, para Singer (1998), é a única maneira para que os problemas financeiros dos indivíduos comuns sejam superados em momentos de crise, reunindo em grupo para a produção de algo ou prestação de determinado serviço. Não se recebe mais o salário, mas passa-se a receber renda que se dará de acordo com o desempenho de cada um, somado ao da coletividade. O empreendimento cooperativo busca desenvolver atitudes e habilidades como conhecimento de mercado, gestão cooperativa, pró-atividade, participação, conhecimento sobre a arte de liderar, de empreender e de administrar o projeto coletivo; trocar a cultura da subordinação pela idéia do apreender a empreender e cooperar. A idéia do empreendedorismo está geralmente associada às empresas tradicionais que objetivam o lucro e interesse dos poucos donos, entretanto, o empreendedorismo cooperativo é a efetivação do projeto dos diversos donos bem como o estímulo à criatividade do individuo no sentido da estratégia do grupo organizado em cooperação. Ao projetar os elementos individuais para o âmbito coletivo, o empreendedorismo cooperativo busca: conhecer o mercado de trabalho; controlar resultados e reformular estratégias; perceber as oportunidades; aceitar riscos desde que sejam moderados e decididos coletivamente; transparência na gestão; democratizar a informação e renovar cotidianamente o projeto coletivo; agregar e distribuir valor; aprender com o erro; buscar cumprir “prazos estabelecidos” e “qualidade combinada”; política que estimule a confiança mútua; capacitação e estimulo permanentes, responsabilidade social; renovar cotidianamente o projeto coletivo e compreender a democracia e a participação como um valor sócio-econômico. É importante não perdemos de vista que a Economia Solidária dentro da perspectiva das Incubadoras de Cooperativas Populares pode vir a contribuir na solução de problemas de inclusão social da população de rua. Singer (2002) 6 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” acredita que a Economia Solidária nasce efetivamente como uma proposta de inclusão social, porém não de inclusão social do capitalismo. Passa a existir, então, como uma resposta organizada à exclusão pelo mercado por parte dos que não querem uma sociedade movida pela competição. É colocado, antes de tudo, como uma opção ética, política e ideológica, cuja praticidade e objetividade se fazem quando os de fato excluídos se encontram. E, a partir de então, juntos, constroem empreendimentos produtivos, bem como redes de trocas e instituições representativas, as quais apontam para a sociedade marcada pela solidariedade e, o mais peculiar, da qual nenhuma pessoa é excluída contra a sua vontade e em que o direito pelo trabalho seja efetivo. A objetividade e vontade comuns são de se instaurar a solidariedade como norma social, mediante a construção de entidades autônomas, autogestionárias, abertas a todos os excluídos, seja qual for o motivo da exclusão. 4. A experiência com a População de Rua em Juiz de Fora na perspectiva da Economia Solidária Frente a esta realidade social vivenciada pela população de rua, que se mostra carente de ações voltadas para a perspectiva de geração de trabalho e renda, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares 3 (INTECOOP/SEDETEC/UFJF) , que trabalha numa perspectiva de construção e de resgate da cidadania, produzindo conhecimentos e contribuindo para inclusão social de tais cidadãos buscando respeitar a dignidade e os desejos dos grupos incubados, aceitou o desafiador convite da Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC) 4 para incubar uma cooperativa de moradores de rua. De forma sintética, o projeto PlantAção é formado por 30 homens, usuários dos serviços de um albergue, o Núcleo do Cidadão de Rua, e um abrigo, a Casa da Cidadania, ambos vinculados aos serviços da pessoa adulta da AMAC. Este projeto tem por objetivo realizar uma capacitação na Fazenda Santa Cândida da Prefeitura de Juiz de Fora, que envolve desde o processo de produção agrícola do plantio até a colheita. O projeto tem como parceiros a AMAC, a Secretaria de Agropecuária e Abastecimento e a INTECOOP. 7 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” Na tentativa de implementação de uma política pública de geração de trabalho e renda para a população de rua, o projeto oferece orientação técnica para o grupo. A INTECOOP presta assessoria buscando mobilizar, articular e organizar o grupo para formação de um empreendimento solidário, trabalho este realizado por uma Assistente Social e três estagiários de Serviço Social que no trabalho cotidiano buscam compreender a realidade deste público. Mediante as especificidades do grupo, 30 homens com vivência de rua, o Projeto na INTECOOP foi alocado no Núcleo de Empreendimentos Sócio-Ambientais que trabalha com grupos populares de catadores de materiais recicláveis e população de rua. Os trabalhos com o grupo seguiram a metodologia de incubação da INTECOOP. O grupo passou pelo período de pré-incubação durante nove meses. Nesta fase foram discutidos temas como: economia solidária, cooperativismo, trabalho e renda, democracia e cidadania, participação, gestão do empreendimento. Diversos cursos com a área do direito, contábil, administrativa e social, ou seja, recebeu toda formação necessária para formalizar o empreendimento. Ao final do processo de pré-incubagem, com o grupo pronto para ser formalizado, foi feito um estudo da viabilidade do empreendimento e de forma detalhada os técnicos da INTECOOP apontaram o que seria necessário para que os trinta homens retirassem a sobrevivência do empreendimento. A AMAC, junto a Prefeitura de Juiz de Fora, tinha claro os recursos que deveria disponibilizar, ou seja, que a cooperativa só teria a possibilidade de se efetivar se o poder público investisse. A AMAC resolve então mudar a direção do projeto com uma tentativa de inserção desses trabalhadores, de forma individualizada,no mercado formal. Desta forma, foi encerrando a parceria com a INTECOOP, que trabalha incubando grupos, com objetivo de montar um empreendimento solidário, ou seja, trabalha não na perspectiva de um trabalho individual e sim de um trabalho coletivo. A missão da Incubadora deixa isso bem claro: Mobilizar, articular e acompanhar grupos populares a partir dos princípios da economia solidária, com vistas à geração de trabalho e renda e a inclusão social, ressaltando os valores da democracia,participação e cidadania que proporcionem o surgimento 8 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” de novas relações de trabalho,autogestão e uma postura diferenciada perante o mercado.Ao mesmo tempo, desenvolver iniciativas que consolidem a indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para um maior envolvimento entre a sociedade e a universidade pública brasileira.INTECOOP(2004, p.2). 5. Entraves enfrentados pela população de rua frente à proposta da economia Solidária e o poder público municipal É importante levar em consideração as especificidades da população de rua no que se refere aos programas de geração de trabalho e renda. Perpassa sobre eles, uma cultura Capitalista na relação da venda da força de trabalho. Tal população tem dificuldade de levar a frente um Empreendimento Solidário (cooperativa ou associação), pois, quando pensam em uma proposta de trabalho, buscam um “emprego” na perspectiva de uma atividade econômica exercida por meio de uma relação de contrato e caracterizada simbolicamente pelo registro em carteira profissional. Outro elemento é a dificuldade de se organizarem de forma autônoma, buscando alternativas de enfrentamento da situação de rua. Isso acaba ficando sobre a responsabilidade das instituições que trabalham com a população de rua, a demanda se torna induzida e com isso cai o comprometimento e envolvimento desta população, que se torna objeto passivo de tais propostas. Além disso, tais equipamentos de auxílio à mobilização nem sempre estão preparados para lidar com as especificidades deste público, tais como rotatividade, problemas ligados ao consumo exagerado de álcool e drogas, transtornos mentais, ausências ligadas à prioridade da sobrevivência, dentre outras. Quando o trabalho tem como enfoque a Economia Solidária, baseada nos pressupostos da descentralização de poder e de informação, da autonomia, independência dos sujeitos e da responsabilidade do grupo pelo processo de trabalho, notamos a dificuldade da população de rua de se apropriar desta lógica, dificuldade esta relacionada com a situação das perdas sofridas (trabalho, família, auto-estima, etc.). Com relação ao controle, organização e gestão democrática do grupo, eles demonstravam uma profunda desorganização e se fazia necessário o amadurecimento do grupo frente à igualdade de direitos dentro da cooperativa, que 9 V Encontro Internacional de Economia Solidária “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” seria montada, além da perspectiva não-competitiva, fazendo com que o desejo de tais homens fosse além da obtenção de renda. A autonomia e independência foram prejudicadas pela constante presença de dois monitores, contratados pela AMAC em todas as atividades do grupo, o que inviabilizava o surgimento de lideranças e da própria autonomia para se organizarem e se posicionarem frente à instituição AMAC. Instituição esta por onde passavam todas as decisões do projeto PlantAção, além da dependência de moradia, transporte, alimentação a que estavam submetidos esses trabalhadores. E um outro elemento, a não persistência dos cooperados, eles desanimam e acabam por abandonar o empreendimento ficando visível na rotatividade dos cooperados. Os projetos de geração de trabalho e renda precisam buscar estratégias que estimulem a busca de autonomia, resgatando a cidadania e sensibilizando estes homens para o envolvimento e comprometimento com as propostas bem como potencializar a perspectiva de sujeitos. É importante ressaltar que a perspectiva de organização proposta pela Economia Solidária e pelo movimento cooperativista assenta-se sobre os pressupostos da descentralização de poder e de informações, da autonomia e independência dos sujeitos e da responsabilidade do grupo pelo processo de trabalho. Porém, notamos que o grupo apresentou algumas dificuldades em se apropriar da lógica de trabalho proposta pela Economia Solidária. Essa dificuldade pode estar diretamente relacionada à fragilização da auto-estima das sucessivas perdas que a pessoa sofreu na vida (família /trabalho).Tudo isso acabou por refletir em um longo processo de pré-incubagem. Não podemos perder de vista que, para a constituição de uma cooperativa, se requer a participação do poder público. Por ser uma atividade de trabalho para pessoas em situação de rua, que perderam total ou parcialmente as redes de suporte que garantiam sua sobrevivência, é imprescindível tal participação. Mediante a mudança de direção que a AMAC e a prefeitura de Juiz de Fora imprimiram ao projeto, fica claro o não compromisso da prefeitura com uma proposta que priorize a autonomia dos sujeitos e indique uma perspectiva de emancipação pela via do trabalho (elemento central da vida humana). V Encontro Internacional de Economia Solidária 1 0 “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” 6. Considerações Finais A equipe técnica da INTECOOP questiona quais serão as possibilidades de manutenção desses trabalhadores no mercado formal de trabalho, tendo em vista as especificidades do grupo tais como o consumo exagerado de álcool e drogas, a baixa auto-estima, em decorrência das diversas perdas sofridas ao longo da trajetória de suas vidas, a constante rotatividade que poderá se refletir em ausências no ambiente de trabalho. Esperamos que os empregadores sejam qualificados ao ponto de saberem lidar com as especificidades da população de rua. Porém, não podemos deixar de fazer o seguinte questionamento: será que o modelo capitalista de trabalho, voltado exclusivamente para o lucro, quer incluir em seu mercado a vulnerável população de rua? Acreditamos que a Economia Solidária, através de seus princípios, e o suporte das incubadoras tecnológicas junto à equipe técnica dentro da perspectiva do processo de incubação seriam uma alternativa qualificada para reinserir, de forma cautelosa e com respaldo tecnológico, tal população. Com uma perspectiva auto-gestionária, gerando trabalho e renda, reatando os vínculos sociais que esses moradores de rua perderam. Os moradores de rua mesmo com todas as dificuldades enfrentadas no período de pré-incubação já estavam estabelecendo uma prática de reflexão sobre o cotidiano do trabalho, a solidariedade e o gerenciamento da cooperativa e tudo isso lhes foi retirado através do não comprometimento com a proposta de Economia Solidário por parte do poder público. Enquanto as ações se mostrarem escassas e precárias, tenderemos a fracassar, na medida em que o fenômeno da população de rua é multidimensional por natureza. Os custos desenvolvidos, normalmente a implementação e a manutenção de políticas para esse tipo de população devem ser permanentes e não circunstanciais e emergenciais. A saída da rua é um processo lento e muitas vezes doloroso, especialmente, para aqueles que já se encontram há muito tempo em condições degradantes. Uma conseqüência de todas estas características é que os custos envolvidos são elevados o que, por sua vez, não incentiva a elaboração e a implementação de políticas muito abrangentes. Mesmo frente a todos estes desafios não podemos perder de vista a busca pela efetivação dos direitos da população de rua e que eles sejam capazes de V Encontro Internacional de Economia Solidária 1 1 “O Discurso e a Prática da Economia Solidária” promover as transformações desejadas através do trabalho e de viabilizá-las adequadamente. Pois a partir de suas vivências, percepções e dificuldades poderão travar uma luta comum. Assim, acreditamos ser possível uma transformação da realidade verdadeiramente emancipada e aqueles que irão usufruir dos benefícios dessa mudança não serão apenas recipientes passivos como ocorre nas políticas públicas de caráter assistencialista, mas ao contrário, se tornarão sujeitos de direitos. Rosa nos ajuda a concluir refletindo que, Às instituições sociais cabe o papel importante, qual seja, o de propiciar a superação do sentimento de inutilidade social e resgate da auto-estima, criando oportunidades de identificarem vivências comuns e possíveis formas coletivas de reflexão e organização.(2005,p.193). Referências ASSOCIAÇÃO MUNICIPAL DE APOIO COMUNITÁRIO, Coordenadoria Executiva de atendimento à População de Rua, Projeto PlantAção.Juiz de Fora,2005. HECKERT, Sonia Maria Rocha( org.). Cooperativismo popular: reflexões e perspectivas. Juiz de Fora: UFJF, 2003. IAMAMOTTO,M.V. A questão social no capitalismo. Temporalis/Associação brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. 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YASBECK, M. C. Classes Sulbaternas e Assistência Social: Cortez, 1993. Notas 1 O município de Juiz de Fora é a cidade polo da Zona da Mata e vertentes na divisão Regional de Planejamento do Estado de Minas Gerais, situando-se em 7º lugar no “ranking” de ordenação dos municípios com maior concentração de geração de renda de 2003. Fundação João Pinheiro:www.fip.gov.br 2 “Questão Social” segundo Iammamoto e Carvalho(1983), é a expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade,exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, do cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia. 3 A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares organiza grupos populares (trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho) dentro dos princípios da economia Solidária. Buscando gerar trabalho e renda para tal segmento através da oferta de suporte técnico, com sua equipe multidiciplinar que trabalha os grupos (associações e cooperativas) no intuito que eles atinjam maturidade para se auto gerir. 4 Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC) foi criada em 1985 pela prefeitura de Juiz de Fora. É o órgão responsável por coordenar todas as ações na área de Assistência Social, como associação civil de fins beneficentes e não lucrativos. Não podemos deixar de avaliar criticamente o papel que a AMAC desempenha. Nossa indagação é se não seria o momento de transferir a responsabilidade de execução dos programas e projetos da Assistência Social de Juiz de Fora para a Secretária de Assistência Social unificando a gestão pública direta desta política?