UFAL Universidade Federal
de Alagoas
Caminhadas de universitários de origem popular
UFAL
UFAL
Copyright © 2009 by Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pró-Reitoria de Extensão.
O conteúdo dos textos desta publicação é de inteira responsabilidade de seus autores.
Coordenação da Coleção: Jailson de Souza e Silva
Jorge Luiz Barbosa
Ana Inês Sousa
Organização da Coleção:
Monique Batista Carvalho
Francisco Marcelo da Silva
Dalcio Marinho Gonçalves
Aline Pacheco Santana
Programação Visual:
Núcleo de Produção Editoria da Extensão – PR-5/UFRJ
Coordenação:
Claudio Bastos
Anna Paula Felix Iannini
Thiago Maioli Azevedo
C183
Caminhadas de universitários de origem popular : UFAL / organizado por Ana Inês Souza,
Jorge Luiz Barbosa, Jailson de Souza e Silva. — Rio de Janeiro : Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Pró-Reitoria de Extensão, 2009.
100 p. ; il. ; 24 cm. — (Coleção caminhadas de universitários de origem popular)
Ao alto do título: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade e
as Comunidades Populares.
Parceria: Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
ISBN: 978-85-89669-43-6
1. Estudantes universitários — Programas de desenvolvimento — Brasil. 2. Integração
universitária — Brasil. 3. Extensão universitária. 4. Comunidade e universidade — Brasil. I.
Souza, Ana Inês, org. II. Barbosa, Jorge Luiz, org. III. Silva, Jailson de Souza e, org. VI.
Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade e as Comunidades Populares.
V. Universidade Federal de Alagoas. VI. Universidade Federal do Rio de Janeiro. VII.
Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
CDD: 378.81
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares
Organizadores
Jailson de Souza e Silva
Jorge Luiz Barbosa
Ana Inês Sousa
UFAL
Pró-Reitoria de Extensão - UFRJ
Rio de Janeiro - 2009
Coleção
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministério da Educação
Fernando Haddad
Ministro
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – SECAD
André Luiz de Figueiredo Lázaro
Autores
Roberta Micheline Porfírio Alves da Costa
Jacqueline Kenny Vasconcelos de Magalhaes
José Edmilson Barbosa dos Santos
Marilúsia Sebastião dos Santos
Adalberon Júnior
Secretário
Arínic Airam Silva Costa
Armênio Bello Schmidt
Auricélia Alves de Araújo
Diretoria de Educação para a Diversidade - DEDI
Cláudio Emmanuel Pontes Guimarães
Leonor Franco de Araújo
Coordenação Geral de Diversidade – CGD
Ana Cristina Franscisco dos Santos
Francisco de Assis dos Santos Silva
Marcio Pereira Monteiro
Programa Conexões de Saberes:
diálogos entre a universidade e
as comunidades populares
Jorge Luiz Barbosa
Jailson de Souza e Silva
Coordenação Geral
Janda Maria Alves de Alencar
Coordenação Geral do Programa Conexões de Saberes/UFAL
Maria Lucia Santos M. da Silva
José Nascimento de França
Kleber Cavalcanti Serra
Coordenação de Projeto
Maria Rejane Silva Barros
Thiago José Andrade Nascimento
Vívia Dayana Gomes dos Santos
Claudineia França da Silva
Mário César de Albuquerque Pessoa
Leonardo Henrique Correia dos Santos
Valter dos Santos Ferreira
Emanuelly Batista da Silva
Rômel Duarte Vilela
Robélia Régia Alves Porfírio da Costa.
Luiz Carlos Santos de Oliveira
Simone Pereira dos Santos
Rodrigo César Carvalho Moraes
Rangel Florentino Bomfim
Universidade Federal de Alagoas
Ana Dayse Rezende Dória
Reitora
Eurico de Barros Lobo Filho
Vice-Reitor
José Roberto Santos
Pró-Reitor de Extensão
Prefácio
A sociedade brasileira tem como seu maior desafio a construção de ações que permitam, sem abrir mão da democracia, o enfrentamento da secular desigualdade social e econômica que caracteriza o país. E, para isso, a educação é um elemento fundamental.
A possibilidade da educação contribuir de forma sistemática para esse processo implica uma educação de qualidade para todos, portanto, uma educação que necessita ser efetivamente democratizada, em todos os níveis de ensino, e orientada, de forma continua, pela
melhoria de sua qualidade. No atual governo, o Ministério da Educação persegue de forma
intensa e sistemática esses objetivos.
Conexões de Saberes é um dos programas do MEC que expressa de forma nítida a luta
contra a desigualdade, em particular no âmbito educacional. O Programa procura, por um
lado, estreitar os vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares e,
por outro lado, melhorar as condições objetivas que contribuem para os estudantes universitários de origem popular permanecerem e concluírem com êxito a graduação e pós-graduação nas universidades públicas.
Criado pelo MEC em dezembro de 2004, o Programa é desenvolvido a partir da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD-MEC) e representa a evolução e expansão, para o cenário nacional, de uma iniciativa elaborada, na
cidade do Rio de Janeiro no ano de 2002, pela Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião constitui-se uma Rede de
Universitários de Espaços Populares com núcleos de formação e produção de conhecimento
em várias comunidades populares da cidade. O Programa Conexões de Saberes criou,
inicialmente, uma rede de estudantes de graduação em cinco universidades federais,
distribuídas pelo país: UFF, UFMG, UFPA, UFPE e UFRJ. A partir de maio de 2005, ampliamos
o Programa para mais nove universidades federais: UFAM, UFBA, UFC, UFES, UFMS,
UFPB, UFPR, UFRGS e UnB. Em 2006, o Ministério da Educação assegurou, em todos os
estados do país, 33 universidades federais integrantes do Programa, sendo incluídas: UFAC,
UFAL, UFG, UFMA, UFMT, UFPI, UFRN, UFRR, UFRPE, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSCar,
UFT, UNIFAP, UNIR, UNIRIO, UNIVASF e UFRB.
Através do Programa Conexões de Saberes, essas universidades passam a ter, cada uma,
ao menos 251 universitários que participam de um processo contínuo de qualificação como
pesquisadores; construindo diagnósticos em suas instituições sobre as condições pedagógicas dos estudantes de origem popular e desenvolvendo diagnósticos e ações sociais em
comunidades populares. Dessa forma, busca-se a formulação de proposições e realização de
1
A partir da liberação dos recursos 2007/2008 cada universidade federal passou a ter, cada uma, ao
menos 35 bolsistas.
práticas voltadas para a melhoria das condições de permanência dos estudantes de origem
popular na universidade pública e, também, aproximar os setores populares da instituição,
ampliando as possibilidades de encontro dos saberes destas duas instâncias sociais.
Nesse sentido, o livro que tem nas mãos, caro(a) leitor(a), é um marco dos objetivos do
Programa: a coleção “Caminhadas” chega a 33 livros publicados, com o lançamento das 19
publicações em 2009, reunindo as contribuições das universidades integrantes do Conexões de Saberes em 2006. Com essas publicações, busca-se conceder voz a esses estudantes
e ampliar sua visibilidade nas universidades públicas e em outros espaços sociais. Esses
livros trazem os relatos sobre as alegrias e lutas de centenas de jovens, rapazes e moças, que
contrariaram a forte estrutura desigual que ainda impede o pleno acesso dos estudantes das
camadas mais desfavorecidas às universidades de excelência do país ou só o permite para os
cursos com menor prestígio social.
Que este livro contribua para sensibilizar, fazer pensar e estimular a luta pela construção de uma universidade pública efetivamente democrática, um sociedade brasileira mais
justa e uma humanidade cada dia mais plena.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ministério da Educação
Observatório de Favelas do Rio de Janeiro
Sumário
Apresentação ........................................................................................................ 9
Introdução ........................................................................................................... 11
Uma nova percepção de mundo
Roberta Micheline Porfírio Alves da Costa ...................................................... 13
Um destino a alcançar
Jacqueline Kenny Vasconcelos de Magalhães ................................................. 16
Inúmeras vezes deixei de fazer lanche, para tirar cópias dos livros que
pudessem saciar a minha fome de aprender...
José Edmilson Barbosa dos Santos ................................................................... 26
“Tudo posso naquele que me fortalece”
Marilúsia Sebastião dos Santos ........................................................................ 28
Uma trilha
Adalberon Júnior ................................................................................................ 32
Toda criança tem o direito de crescer num ambiente de
amor e segurança
Arínic Airam Silva Costa .................................................................................... 36
Com os pés no chão.
Auricélia Alves de Araújo .................................................................................. 39
Monitor do universo...
Cláudio Emmanuel Pontes Guimarães .............................................................. 42
Uma simples história de pequenas e significativas conquistas
Ana Cristina Francisco dos Santos ................................................................ 44
Vida, educação e química. Uma longa caminhada!
Francisco de Assis dos Santos Silva .................................................................. 47
Acreditar
Marcio Pereira Monteiro .................................................................................... 50
Nunca é tarde para recomeçar
Maria Rejane Silva Barros ................................................................................. 54
O melhor está por vir
Thiago José Andrade Nascimento ..................................................................... 57
Uma história cheia de caminhadas
Vívia Dayana Gomes dos Santos ....................................................................... 60
Uma caminhada, rumo ao trabalho comunitário
Claudineia França da Silva ............................................................................... 64
Computando minha vida
Mário César de Albuquerque Pessoa ................................................................ 66
Prosseguir é necessário, pois temos uma história a construir
Leonardo Henrique Correia dos Santos ........................................................... 69
“Lutar, sempre. Desistir, jamais”
Valter dos Santos Ferreira ................................................................................. 73
Minha família, meu alicerce!
Emanuelly Batista da Silva ................................................................................ 76
A inserção de estudantes de origem popular, que se identificam
com a sua história e com o seu povo.
Rômel Duarte Vilela ............................................................................................ 80
Echa p’a lante y no mires p’a trás!
¡Nunca es tarde para volver a empezar!
Robélia Régia Alves Porfírio da Costa. ............................................................. 85
Força individual e estímulos advindos de pais e professores
Luiz Carlos Santos de Oliveira .......................................................................... 88
A vida teimava em dizer não, mas ousei dizer sim
Simone Pereira dos Santos ................................................................................. 91
De volta ao Nordeste
Rodrigo César Carvalho Moraes ...................................................................... 94
O filho de Adézio e Janete
Rangel Florentino Bomfim ................................................................................. 96
Apresentação
O Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades
populares, no âmbito da UFAL, desenvolve-se através de cinco projetos sociais, de natureza
extensionista, comportando 25 universitários, autores do presente livro. Passaram por uma
seleção rigorosa, em conformidade com os critérios definidos em âmbito nacional, tais
como: renda familiar não superior a seis salários-mínimos; morar ou ser oriundo de espaços
populares; escolaridade dos pais ou responsáveis pela criação não superior ao ensino
fundamental; e proveniência de escola pública.
Os projetos desenvolvidos pelos estudantes compõem um conjunto de ações que
concorrem sinergicamente para a democratização do acesso e da permanência de estudantes
de origem popular na universidade e do fortalecimento dos vínculos entre a universidade e
as comunidades populares. São esses os projetos que compõem o Programa: a) Pré-Vestibular
Comunitário; b) Pré-Supletivo do Ensino Fundamental; c) Educação Complementar e
Cidadania; d) Fitoterapia Popular; e) Organização e Mobilização Comunitária. Os referidos
projetos interagem diretamente com mais 500 moradores de três bairros no entorno da
Universidade Federal de Alagoas.
Nesse contexto, o Programa cria condições que contribuem para que estudantes
universitários, de origem popular, vivenciem uma permanência qualificada em seus cursos
de graduação na UFAL, além da possibilidade de desenvolver a capacidade de produzir
conhecimentos científicos e intervir em seus territórios de origem.
É oferecido aos bolsistas uma formação acadêmica ampla e plural nos campos da
teoria e metodologia de extensão e pesquisa, do domínio de técnicas instrumentais e
discursivas e da estruturação e desenvolvimento de políticas públicas, de modo a ampliar e
fortalecer o protagonismo do estudante nas ações em comunidades populares. No Programa,
salienta-se a importância da participação efetiva do estudante, de origem popular, na vida
universitária, na produção de conhecimento sobre sua realidade de estudo e de moradia,
além da criação de condições para a transformação institucional da universidade.
Assim concebido, o Programa, por um lado, se configura num dos instrumentos
fundamentais para contribuir com a sociedade, no âmbito sócio-cultural. Além disso, o
Programa possibilita o monitoramento e avaliação, pelos próprios alunos, do impacto das
políticas públicas desenvolvidas em espaços populares. Por outro, os mesmos encontramse inseridos em atividades acadêmicas voltadas para elaboração de diagnóstico,
proposição e avaliação de políticas de ações afirmativas de acesso e permanência nas
universidades federais.
A reflexão necessária, por parte dos autores, para traduzir em palavras a suas trajetória
de vida, abre a possibilidade da construção de uma nova relação entre os estudantes
universitários oriundos de espaços populares e a instituição. É necessário conhecer seus
Universidade Federal de Alagoas
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rostos, suas cores, seus vestígios, seus sonhos e suas vontades de vencer. Suas histórias de
lutas e dificuldades para chegar a Universidade Pública não são menos árduas que a de
outros jovens que gostariam de estar aqui. A compreensão desses mecanismos sociais
configurar-se-á como instrumento de políticas públicas, espaços de debate e qualificação
das práticas acadêmico-populares no futuro próximo.
Estamos vivendo a revolução da troca de saberes. Estamos aprendendo a transitar
numa estrada de mão dupla, onde o popular e o científico andam lado a lado. Ensinamos ao
tempo e aprendemos ao tempo em que ensinamos. Nem precisamos ensinar. O que precisamos
é aprender um com o outro. Não trouxemos peixes nem vamos ensiná-lo a pescar. Pegue a
sua vara e vamos pescar juntos.
.
Boa leitura, ou melhor, boa pescaria.
Prof. Dr. José Roberto Santos
Pró-Reitor de Extensão
PROEX/UFAL
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Caminhadas de universitários de origem popular
Introdução
O Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades
populares - expressa a luta conjunta por melhores condições de vida para todos, além de
estreitar os vínculos entre esses âmbitos. Por um lado, o Programa oferece a possibilidade de
permanência, na UFAL, para 25 universitários de origem popular e, por outro, constitui-se
em mecanismo de enfrentamento às refrações da questão social.
A construção do saber representa, assim, o resultado de um processo em que as relações
entre universidade e sociedade são mediatizadas pelas políticas públicas, operadas pelos
diferentes atores que compõem este espaço democrático. Trata-se de enaltecer a relação do
conhecimento e compreensão do trabalho, que permeia toda a proposta acadêmico-popular.
Vale considerar que os estudantes e autores desse livro, atentos às suas parcelas de
responsabilidade, que exigem a comunicação e diálogo com as populações, trazem à cena a sua
trajetória de vida acadêmica e pessoal, para partilhar, conosco, desse momento, através do memorial.
O memorial, como o próprio nome comporta, referencia as passagens da vida acadêmica,
demonstrando a sua trajetória pessoal e estudantil. Consta de análises e reflexões das
atividades desenvolvidas, ao mesmo tempo em que seus autores vislumbram registrar dados
articulados do seu curriculum vitae, inferindo um aspecto qualitativo na sua trajetória.
Nesse sentido, os 25 autores, ao seguirem essa articulação, fazem uma retrospectiva de
suas vidas, reportando-se ao momento em que definiram seu ingresso na universidade e, inclusive,
en-passent pelo Programa em suas diferentes formas de congregar pessoas e expressar às relações
sociais. Nessa via, encontramos um relato analítico e reflexivo sobre os aspectos que influenciaram
as suas vidas, perpassam seus cotidianos e norteiam suas perspectivas de vida.
Há, no fundo, um resgate da história de cada um, isto é, a possibilidade mesma de
recuperação (construção) da memória, com base num objetivo relacionado à academia e
que requer um processo de reflexão. Nessa linha de raciocínio, ao concluírem, expressam
suas expectativas de vida pessoal e profissional, o que realça a cada momento de sua
história na construção do conhecimento.
Por fim, gostaria de agradecer a oportunidade de fazer parte desse processo, aos 25
autores, seus professores e coordenadores dos respectivos projetos, bem como, ressaltar o
importante papel que desempenha a Coordenadora do Programa, Assistente Social Janda
Maria Alves de Alencar e toda a equipe da PROEX.
Parabéns aos autores!!!!!!!!
Profª. Drª. Mara Rejane Ribeiro
Coordenadora de Extensão
PROEX/UFAL
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Uma nova percepção de mundo
Roberta Micheline Porfírio Alves da Costa *
Eu amo as gentes e por amar o mundo é que
luto para que a justiça social se implante.
Paulo Freire
Vou iniciar a minha história recitando um poema magnífico de Manuel Bandeira
que se chama:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato,
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira1
Esse poema me faz lembrar de meu primeiro ano na universidade. Foi em uma palestra
que tive a oportunidade de conhecer esse poema expressivo e magnífico. Sinto que esse
poema é parte do meu ser, da mesma forma que o átomo está presente em uma molécula e há
simbiose entre a alga e o fungo.
Não foi apenas o simples fato de reconhecer neste poema às mazelas da vida, mas a
íntima e profunda vontade de justiça social. É por sentir indignação e ser consciente, que vi
na arte a expressão da minha revolta.
*
1
Graduanda em Ciências Biológicas na UFAL.
Seleta em prosa e verso, Rio de Janeiro, J. Olympio/MEC, 1971
Universidade Federal de Alagoas
13
Caro colega. Acima, está uma apresentação sintética, porém profunda de quem sou.
Foi a maneira que encontrei para descrever de forma sucinta e direta a essência que
constitui a minha personalidade. Foi por estar receptiva às discussões de toda natureza e
por ter vivenciado de forma constante as injustiças, que despertar para lutar pelo que
acredito foi possível.
Tudo isso surgiu, quando em uma manhã do dia 22 de outubro de 1981, na capital
Maceió-Alagoas, deixo o útero para estar em contato direto com a luz do sol no planeta
terra. Cresci até os meus 12 anos em uma família composta de pai, mãe e irmã. Depois desta
época, só minha mãe e irmã fizeram parte da minha vida. Quando criança, os momentos
mais maravilhosos eram no quintal da casa da minha avó e na Escola Margarez Lacet,
situada no bairro do Tabuleiro do Martins, onde moro.
O quintal era o lugar das mais diversas brincadeiras e peraltices. As brincadeiras
ocorriam em meio à participação dos amigos-vizinhos. Como era maravilhoso esse
espaço. Era nesse ambiente que, a todo tempo, vivíamos a arte produzida através das
nossas imaginações fantásticas. As recordações desse tempo são felizes, mesmo em
meio às dificuldades.
A escola também era o lugar de produzir arte. Lembro com satisfação das
atividades artísticas: o folclore, o teatro, a música, os desfiles das escolas e das feiras
de ciências. Fico, extremamente, feliz em recordar como eu me sentia entusiasmada e
pronta para tais atividades.
Dentre as atividades das quais participei, a feira de ciências foi a que mais marcou a
minha vida intelectual e profissional, pois ela trouxe o despertar e o estímulo que me
direcionou para as Ciências Biológicas. É através do amor pela Biologia, sentimento precioso
para mim, que tenho a certeza do quanto esses acontecimentos foram importantes. Sempre
que recordo, sinto o quanto foi incrível o desenrolar dos fatos que ainda era um sentimento
embrionário, mas que se fez tão sólido e grandioso em minha vida.
Há pouco tempo, eu era uma criança, depois, uma adolescente que se encantava à
medida que conhecia as fantásticas propriedades da vida. Hoje, na posição de adulta, ainda,
sinto deslumbramento pela natureza como, também, entusiasmo sempre que observo como
é encantador o comportamento de um pássaro ao construir seu ninho - o movimento
acrobático das asas de um beija-flor no momento que se aproxima da flor. São nesses
momentos que sinto o quanto a vida se faz fantástica.
As atividades artísticas marcaram minha vida. Mas o que me deixava triste era a
impossibilidade de participar das atividades, pois eram realizadas com os esforços dos
professores e, muitas vezes, precisávamos contribuir com algum tipo de material. Essa
época foi de oportunidades, pois, hoje, pouco se vê tanta iniciativa e empenho dos educadores
na realização das atividades. Estou convicta de que foram essas atividades que contribuíram
para o que sou hoje.
Como toda história, essa, também, possui sua face triste. Falo das constantes greves
que nos deixavam sem aulas. Lembro que chorava querendo estudar e pedia à minha mãe
para me matricular em uma outra escola, pois, só o que queria era estudar. Todas às vezes que
lembro desse fato, o meu coração se enche de dor e os meus olhos de lágrimas. Nessa época,
eu não sabia ao certo o que era indignação, mas perguntava sempre o porque daquilo estar
acontecendo. O que me respondiam era que as escolas não funcionavam e não sabiam
quando iam voltar.
14
Caminhadas de universitários de origem popular
Até então, eu não sabia discutir, só perguntar. Ao cursar o 1º ano do segundo grau,
comecei a enxergar como a disciplina era orientada pelos professores e o descompromisso
dos mesmos. Questionava o porquê de algumas disciplinas não funcionarem. Todo início
de ano, tinha a expectativa de estudar todas as disciplinas até concluir o ano. Porém, nas
primeiras semanas de aula, nós, alunos, tínhamos um esboço de como seria aquele ano, pois
o comportamento dos professores na sala de aula, a ausência de alguns, mostravam-se
indicadores de deficiência no ensino público. A maioria dos professores faltava muito, não
orientava os alunos em suas disciplinas, surgiam no final do ano. Isso era algo desanimador
e frustrante. Não posso cometer a injustiça de esquecer de alguns professores que se
preocupavam com o nosso aprendizado e que transformavam a escola em um ambiente,
verdadeiramente, multidisciplinar. Infelizmente, eram poucos.
O que me deixa muito indignada é o descompromisso com o que é nosso, ou seja, com
o que é público. Discuto a postura do professor que não se sente cidadão, como, também, a
posição de oprimido assumida por nós. Quero expressar a vontade que tenho de expulsar de
dentro de cada um aquele que nos oprime para lutar contra o opressor.
O ambiente acadêmico não se distancia da realidade. Não foi a estrutura física que me
fez, em alguns momentos, entristecer, mas o distanciamento e a postura tradicional de professores
de algumas disciplinas do meu curso. O primeiro ano na universidade foi impactante, pois a
adaptação às disciplinas foi difícil e, uma dessas razões, foi o comportamento frio e distante
dos professores, que nem sempre respondiam às nossas expectativas. Esse fato marcou
profundamente a minha vida acadêmica.
Hoje, estou me formando e sinto que devo e posso contribuir para que as transformações
de caráter sociopolítico e ambiental aconteçam ao meu redor e, também, em mim mesma.
Universidade Federal de Alagoas
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Um destino a alcançar
Jacqueline Kenny Vasconcelos de Magalhães *
Essa história se inicia aqui
Em meados dos anos 80
Vem da capitá, de Maceió
Mar e Sol, terra das Alagoas
Foi quando dois jovens se encontraram
E, assim, se apaixonaram
Maria moça bonita
Mal possuía estudo
Esperta e corajosa
Pronta pra enfrentar todos e tudo
Cabelos cacheados, corpo de violão
Morena como a noite, era uma tentação
Conheceu Benedito, rapaz bonito
Galanteador, era professor
Também de origem pobre
Lutava tanto na vida
Só vendo Nosso Senhor
Foi assim que em uma noite
O amor os abraçou
Maria já possui uma filhinha
Christina que esplendor
Maria advinda do interior
Com muito sacrifício
Construiu uma casinha
Onde encontrava paz e amor
*
Graduanda em Administração de Empresas na UFAL.
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Caminhadas de universitários de origem popular
Depois de alguns meses
Benedito apareceu
De mala e cuia, foi assim que se sucedeu
Foi morar com Maria
A qual seu coração prometeu
Quando viu Benedito seu corpo estremeceu
Benedito já tinha filhos
Quatro filhos sim senhor, Lucifábio e Luciano
Rapazes do professor, Luciflavia e Márcia Vânia
Charmosas como uma flor
Achando graça do destino
Oxênte seu menino, fizeram mais um pedido
Foi aí que aconteceu
Naquela noite tão esperada
Maria engravidara
O resultado aí se deu
Deu a luz a uma menina
Jacqueline floresceu
Pra completar depois de um ano
Finalizando a parideira
Resolveram fazer mais uma brincadeira
Enlaçado com a força do destino
Foram abençoados com mais um menino
Nascera Bruno, encaminhado pelo divino
Com o vem e vai da vida
Benedito cai na bebida
Destruindo sua vida
Parte o coração de Maria
Que por mais que insistia
Sua vida destruía
Pensava Maria cheia de agonia
Cansada da vida que levava
Em sua família que tanto sofria
Ao ver a situação em que se encontrava
Resolvera deixar Benedito que a apaixonava
Hoje seu coração despedaçava
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Não teve jeito não
Logo veio a separação
E agora minha nossa Senhora
O que seria de Maria
Desempregada e desiludida
Segue o rumo de sua vida
Valente e corajosa
Mulher de fibra, vitoriosa
Jamais vi tanta determinação
Com muito esforço e dedicação
Arrumou um trabalho
E reconstruiu seu coração
E consigo trouxe seus filhos
Que aos poucos via crescer
Pra escola pública logo iriam
Era, assim, que tinha que ser
Pois Maria ganhava pouco
E só o estudo podia oferecer
Daí continua minha história
História de Jacqueline
Menina alegre cheia de vida
Bonita, como girassol
Cabelos cacheados,
Amarelo que nem o Sol
Olhos verdes como mar
Expressivos só faltam falar
Dedicada no que faz
Sempre alegre, só vendo rapaz!
Insistente quando quer
Com jeitinho consegue o que quer
Desde pequena
Já sabia o que fazer
Sabendo que tudo que tinha era o estudo procurava não esquecer
Sempre estudiosa, pensava.
É daí que vou vencer
18
Caminhadas de universitários de origem popular
Estudando tanto na vida
Em escola Pública se viu crescer
Dedicada ao que fazia
Procurava merecer
Pois sabia que um dia
O esforço iria valer
Os anos se passando, amigos cultivando
Muitas alegrias aconteciam
E cada ano que passava
Era um salto que dava
Pois mais perto estava
Do futuro que queria
Concluí o primeiro grau
Ufa! que alegria
Só que agora
Mais um obstáculo tinha
Procurar uma escola
Que o segundo grau continha
Foi aí que minha mãe
Mais uma vez me oferecia
Pois uma vaga numa escola conseguia
Meu caminho seguia
Em direção estava
Daquilo que pretendia
Surgem oportunidades
Que antes não possuía
Cursos me ofereciam
E todos que podia
Aproveitava e fazia
Já pensando no futuro que me esperaria
Mais uma vez ali estava
Sempre rodeada de amigos
Que sempre iam comigo
A qualquer lugar que me encontrava
Junto do meu coração
Pois nada nos separava
Universidade Federal de Alagoas
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Muitas coisas aconteceram
E como não podia deixar de ter
Adivinha o quê?
Um grande amor veio ocorrer
O meu primeiro e único amor
Carlos, com quem hoje estou a viver
Terminando o primeiro grau
Viemos a nos conhecer
Quando não está na hora
Algo tem que acontecer, começamos a namorar
Porém, logo viemos a terminar
Sem saber, um grande amor logo ia acontecer
Depois de algum tempo
Me aparece Caca (Carlos)
Não consigo explicar
Meu coração acelera,
Começa a saltitar
Eis que o amor começa a desabrochar
Fiquei sem reação, tomei um susto!
Estava tão bonitão
Naquele dia tão claro
Pensei estar tendo uma visão
Ao se aproximar de mim
Estremeceu meu coração
Veio em minha direção
Me tomou em seus braços
Me deu um beijo de coração
Quase desmaio, fiquei sem noção!
Senti algo tão forte
Que não tinha explicação
Começamos a namorar
Já estava no segundo grau
Continuava a caminhar
Ele também, agora juntos
Com nada a nos atrapalhar
Estava no caminho que começávamos a trilhar
20
Caminhadas de universitários de origem popular
Em 2000, terminei o segundo grau
E agora a enfrentar
Mais um obstáculo a me esperar
O bicho papão de muitos alunos
O vestibular a chegar
Vamos lá!
Tentei o primeiro ano, nada de passar!
Recomeçamos a estudar
Agora juntos em nosso caminho
Objetivo era alcançar
A tão esperada universidade
Tínhamos que chegar lá
Tentei mais uma vez
Não consegui passar
Continuei a tentar
O meu objetivo tinha que alcançar
Pra minha felicidade
Caca passa no vestibular
Fiquei tão feliz
Ao vê-lo com emoção
Pois o seu caminho
Enxergava com exatidão
Agora lá vou eu
Continuar em busca do meu
O tempo passa, a tristeza me bateu!
Pois aquilo que tanto queria
Com tanto esforço que fazia
Não conseguia, porém não desistia!
Pois sabia que um dia
Alcançaria tudo aquilo que queria
Decidi, mudar de curso
E fazer mais um vestibular
Com o tempo a se passar
Resolvi que teria que prestar
O curso de administração
Em faculdade particular
Universidade Federal de Alagoas
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Passei, mais não conseguia comemorar
Pois outro obstáculo teria que enfrentar
A faculdade era paga
Eu teria que agüentar
Pois o curso eu queria,
Meti a cara a estudar
Com o dinheiro que ganhava
Mal dava pra pagar
O curso era caro
Trabalhava pra estudar
Gastava todo dinheiro
Pra meu sonho realizar
Conheci novos amigos
Novos horizontes a enxergar
Agradecia muito a Deus
Pela oportunidade a me dar
Fazia muito esforço
Pra conseguir a mensalidade pagar
Assim, passou-se um ano
Os dias vivia a contar
Foi aí que aconteceu
Por um acaso ao olhar
Um edital de transferência
Que UFAL acabara de lançar
Resolvi que ia tentar
A transferência conquistar
Juntei todos os documentos
Sem os olhos a pestanejar
Naquela oportunidade
Que eu acabara de ganhar
Ao chegar na universidade
Fiz minha inscrição
Foram abertas dez vagas
Me deu uma desanimação
Pois estava concorrendo
Com gente de toda região
22
Caminhadas de universitários de origem popular
Continuei estudando
Pensando que não conseguiria
A vaga que tanto queria
O resultado logo sairia
Nem coragem eu tinha
Pra ver o resultado do edital que oferecia
Por ironia do destino
Você logo adivinha
Quem diria, eu consegui
A vaga que tanto insistia
Pulei de tanta alegria
Pois mais um passo eu vencia
Na universidade hoje estou
Fazendo Administração
Um curso que me abraçou
Construindo planos vou
Pensando em meu futuro
Aprendendo mais estou
Buscando realização
Seguindo meu coração
Inspirada em um sonho
Com muita dedicação
Procuro conhecimento
Pesquisa e compreensão
Pra seguir meu caminhar
O trabalho precisei deixar
A universidade era de dia
O horário ia chocar
Dedicada ao que queria
Resolvi pela universidade optar
Lá estava eu
Agora desempregada
Acreditando que algo melhor
Agora me esperava
Comecei a procurar
Universidade Federal de Alagoas
23
Adivinha onde fui achar
Dentro da universidade
Portas abertas estavam a me esperar
Foi aí que eu achei
Algo a me identificar
Justamente na mesma época
Que estava a procurar
Em 2006 um novo programa a lançar
O Conexões de Saberes
Vinha a inaugurar
Fiz a minha inscrição
Logo vieram a me chamar
Aproveitei a oportunidade fui logo trabalhar
Um projeto grandioso
Adoro participar
Conecta o saber científico
Ao saber popular
Trabalhamos em conjunto
Pra objetivos alcançar
Troca de conhecimentos
Comunidade a ganhar
Cursos profissionalizantes
União compartilhar
Cooperando uns aos outros
Juntos no caminhar
Pra completar
Resolvi me casar
Ligada aos laços do matrimônio
Lado à lado vou estar
Junto do meu esposo
Adivinha quem é - Caca
Agora vou confessar
Todos devemos enfrentar
Ultrapassando obstáculos
Nunca desanimar
Pois, naquilo que acreditas
Podes muito bem conquistar
24
Caminhadas de universitários de origem popular
Basta acreditar
Ter força e garra
É preciso dedicar
Para venceres na vida
Por sacrifícios irás passar
É preciso persistir e logo alcançarás
Continuo a buscar
Agora pra uma família formar
Sempre, sempre estudando
Traçando o meu caminhar
Sendo feliz na vida
Não esquecendo de estudar...
Universidade Federal de Alagoas
25
Inúmeras vezes deixei de fazer lanche, para
tirar cópias dos livros que pudessem saciar a
minha fome de aprender...
José Edmilson Barbosa dos Santos*
Nasci em Penedo-AL no dia 11/11/1984, porém vivi, até os 18 anos, na cidade de São
Sebastião, interior de Alagoas.
Minha família é de origem pobre. Meus pais sempre viveram da agricultura, única
fonte de subsistência que tínhamos. Logo que cheguei à adolescência, fui ajudar meu pai
no trabalho de agricultura. Num horário, eu trabalhava e no outro, estudava. Desde o meu
primeiro ano na escola, sempre fui muito aplicado, dedicava-me ao máximo porque acreditava
que, através dos estudos, poderia ter um futuro melhor.
Desde pequeno, sonhava com uma vida diferente daquela que tinha. O trabalho no
campo é duro e não proporciona boas oportunidades de vida. Fazendo justiça a minha
dedicação nos estudos, todos os anos eu tinha um ótimo rendimento escolar e nunca repeti
um ano na escola.
Sabia que se permanecesse estudando em São Sebastião, onde as condições de ensino
são precárias, não conseguiria ingressar na universidade, por isso, fui estudar em Arapiraca,
cidade que me proporcionaria melhores condições.
Essa foi a primeira grande dificuldade que enfrentei até chegar à universidade federal,
por causa da distância, do cansaço, da dependência de transporte da prefeitura. Mesmo com
todas essas dificuldades, não desisti. Pelo contrário, enxergava essas barreiras como um
desafio que ascendia dentro de mim uma força de vontade inexplicável que, somente, um
ser infinito em poder pode proporcionar ao ser humano.
Uma outra dificuldade que quase me impediu de continuar com meu sonho, foi
a deficiência financeira dos meus pais e de toda a minha família. Sem recursos, eu não
podia ter bons livros, contentava-me com cópias de livros emprestados. Inúmeras
vezes deixei de fazer lanche para tirar cópias dos livros que pudessem saciar a minha
fome de aprender, pois, precisava economizar em tudo para suprir às minhas
necessidades na escola.
Quanto mais dificuldades eu enfrentava, melhor era o rendimento escolar. Quanto
mais se aproximava o vestibular, mais eu me esforçava para estudar, mais queria
aprender. Nunca concorri com os outros candidatos, concorria com as minhas próprias
dificuldades e venci todas.
O ano letivo de 2002, quando cursava o 3º ano do Ensino Médio, foi muito marcante
e emocionante para mim. Sem dinheiro, mas com muita força de vontade, decidi investir
*
Graduando em Farmácia na UFAL.
26
Caminhadas de universitários de origem popular
numa plantação de mandioca, acreditando que isso pudesse me dar algum retorno financeiro
para utilizar no final do ano, quando eu fosse prestar o vestibular.
Durante todo o ano, trabalhava na plantação de mandioca e estudava. Foi tão difícil
que achava que não iria conseguir. De manhã, estudava e, à tarde, trabalhava a duras penas,
com o Sol castigando o meu rosto, a poeira da roça entupindo o meu nariz e todo o esforço
físico que maltratava o meu organismo.
No final de 2002, com o dinheiro do plantio da mandioca, paguei a inscrição no
vestibular, às passagens para Maceió e outras necessidades.
Na primeira tentativa, fui agraciado por Deus com a bênção da aprovação. A partir
desse momento, comecei uma grande batalha, marcada por perdas e muitas vitórias.
Fui morar na casa do meu tio em Maceió. Os primeiros meses foram muito difíceis
devido à minha dificuldade de adaptação ao novo lar. Na universidade, outra barreira
encontrada foi a mudança na didática de ensino. Cursei todo o ensino médio em escola
pública e estava acostumado a uma metodologia de ensino bem diferente daquela que
estava vivenciando naquele momento. Senti, fortemente, a mudança e, por isso, não conseguia
me encontrar. Estava perdido dentro da sala de aula, não tinha ninguém para me dar uma
orientação, longe dos amigos, da família, da antiga rotina, longe de mim mesmo. Sem
dúvida, foi uma experiência inesquecível que me ensinou belas lições de vida.
No último ano letivo do meu curso, tive a oportunidade de integrar, como bolsista, o
Programa Conexões de Saberes – Projeto Fitoterapia Popular. Este me fez reconhecer quão
expressiva e importante é a necessidade de se pensar na universidade pública, como uma
via de acesso para estudantes de todas as origens, além da elaboração de políticas públicas
que garantam o acesso direto dos estudantes, de origem popular, à universidade.
Universidade Federal de Alagoas
27
“Tudo posso naquele que me fortalece”
Marilúsia Sebastião dos Santos*
Meu nome é Marilúsia e a perspectiva de relatar publicamente, a minha vida gerou em
mim insegurança, pelo fato de expor determinados episódios que, até então, nunca havia
dividido com ninguém. Na verdade, alguns deles, eu até tinha esquecido. Foi necessário
voltar no tempo para que às lembranças viessem à tona. É como se, no fundo, quisesse
guardar apenas as recordações dos momentos agradáveis e esquecer os ruins.
O nome Marilúsia, por exemplo, causou-me constrangimento por muito tempo, porque
os meninos do bairro riam de mim, mas com o passar dos tempos, acostumei-me a ele. Eu
nasci na Usina Ouricuri, município de Atalaia-Al, no ano de 1957. Meu pai (em memória)
chamava-se José Pastora dos Santos e era pedreiro. Minha mãe, Cícera Maria Ferreira dos
Santos, até a presente data, cuida apenas do lar.
Minha família é grande. Ao todo somos onze pessoas, meus pais e nove filhos, sendo
que: dos nove, sete são homens e, apenas, duas mulheres - eu e minha irmã, Maria Aparecida.
Como minha irmã tem alguns anos a mais do que eu, quando solteira, recebia maiores
cuidados por parte da nossa mãe e, isso, deixava-me enciumada. Afinal, ela sempre ganhava
as melhores roupas e acessórios, pelo fato de já ser uma mocinha.
Essa preferência gerou uma apatia entre nós e, para piorar, eu usava as coisas dela, o
que a deixava possessa. Dessa forma, não éramos amigas. Isso fez com que eu me aproximasse
mais dos meninos, (irmãos e coleguinhas). Eles me tratavam bem, brincavam comigo,
cuidavam de mim. Aprendi a brincar como eles e a gostar de tudo o que eles gostavam. Uma
de nossas brincadeiras era subir em árvores: mangueiras, jaqueiras, goiabeiras, ingazeiras
etc. Caí, certo dia, de uma delas e quase morri. Brincávamos, também, de artista, pega-pega,
queimada e jogávamos futebol. Então, eu aprendi com eles a fazer embaixadinha, (que
chamávamos de “pontinho”) e eu era a atração da turma. Fazia mais de 200 embaixadinhas
de uma só vez. Hoje em dia, consigo fazer 10, no máximo.
Nessa época, eu tinha, aproximadamente, uns 10 anos e morávamos em uma casa com
apenas quatro cômodos. Mas como meu pai era pedreiro (considerado um engenheiro na
época) nossa casa apesar de pequena, sempre foi bem cuidada; era a mais bonita da rua e se
destacava das demais.
Como vivíamos no campo, desfrutei de tudo o que a natureza oferece. Colhi
frutas no pomar, tomei banho de rio e vivi cercada por animais domésticos. Fui, muitas
vezes, ao roçado e à mata com meus pais, familiares e vizinhos. Enfim, tive uma
*
Graduanda em Letras na UFAL.
28
Caminhadas de universitários de origem popular
infância típica de criança do campo que, até hoje, lembro com carinho. Sem contar
com a liberdade que eu e meus irmãos tínhamos de brincar, livremente, pelos vastos
terraços que cercavam a nossa casa.
Apesar de serem apenas alfabetizados, meus pais sempre fizeram questão de que
estudássemos. Quando concluímos o “primário”, resolveram mudar da Usina para a Cidade
de Atalaia. Para ser mais precisa, fomos morar no Povoado Jenipapeiro, periferia de Atalaia,
porque oferecia melhores condições. Dessa forma, eu e meus irmãos chegamos a concluir o
“ginásio”. Mas eu queria ir mais além, pois, não passava pela minha cabeça ter a mesma
vidinha da minha mãe, viver apenas para cuidar da casa e criar filhos. Desejava viajar,
conhecer o mundo, morar em grandes cidades e me formar. A minha mente voava em
pensamentos que, a meu ver, pareciam concretos.
Como no povoado não tinha água encanada, a lavagem de roupas, o banho e tudo o
que se refere à higiene pessoal, era feita no rio Paraíba do Meio, onde aprendi a nadar. E para
não pecar por omissão, antes que eu esqueça, vale salientar que, depois que a minha irmã
casou, sentimos a falta uma da outra e nos tornamos grandes amigas.
A idade dos sonhos...
Desde pequena eu sonhava em melhorar de vida. Pensava em viajar para São
Paulo ou Rio e fixar residência por lá, pois, o meu maior desejo era ser bailarina
clássica ou aeromoça. Sem apoio, tendo em vista que menina pobre não podia sonhar,
não realizei nenhum dos dois sonhos, mas não me dei por vencida. Quando completei
18 anos, mudei para a capital, Maceió. Na década de 80, consegui emprego, fixei
residência e voltei a estudar, enfrentando às dificuldades de uma nova fase da vida,
longe da família.
Entretanto, fiz novas amizades, aos poucos, fui me adaptando à vida na cidade
grande. Comecei a sair com amigos e, em uma viagem turística a Aracaju, conheci o
Emyr, meu grande amor e hoje meu esposo. Como fruto desse amor tivemos três lindos
filhos: Esaú Clayton, Henry e Emyr Vinícius. Em seguida, converti-me a Jesus a quem
sirvo, de fato e de verdade. No princípio, apenas, eu era evangélica, mas com o passar
do tempo, a minha família foi se convertendo e, atualmente, todos somos evangélicos.
Portanto, posso dizer: “eu e a minha casa servimos ao Senhor”.
Depois de casada, deixei-me levar pela simples condição de dona-de-casa e passei
a viver, somente, para a família. Durante muito tempo, esqueci de mim mesma, pois,
com três filhos pequenos para cuidar (mesmo com auxílio de alguém), sem que
percebesse, a vida foi passando por mim. Nesse momento, eu sentia muito a falta de
minha família, principalmente, da minha mãe, que continuava morando em Atalaia,
interior do Estado.
Depois que meus filhos cresceram, minha vida ficou mais tranqüila e resolvi voltar a
estudar, pois, o meu objetivo era fazer um curso superior.
Meu marido me deu todo apoio necessário para continuar os estudos e,
então, recomecei no 2º ano científico na Escola Estadual Afrânio Lages, no CEAGBMaceió. No início, senti muita dificuldade em acompanhar a turma, tendo em vista
que o ensino havia mudado. Afinal, eu passara 17 anos longe da sala de aula. Aos
poucos, fui me adaptando, assimilando mais os conteúdos e, no 3º ano, meu rendimento
escolar melhorou.
Universidade Federal de Alagoas
29
Faltavam esclarecimentos...
Sem nenhuma orientação prévia, a respeito de profissões, já se aproximava o dia das
inscrições do vestibular e eu não sabia, ainda, em qual das áreas acadêmicas iria me inscrever.
Meu sonho sempre fora fazer Biologia, mas tinha muito medo de bichos e asco de
excrementos e coisas danificadas. Logo, percebi que não era a escolha acertada. Além disso,
sabia que as chances de passar eram mínimas, pois estava pouco preparada. Resolvi, então,
fazer Letras, acreditando que as chances de passar eram maiores.
Já quase no final do ano letivo, entrei para a revisão final de um cursinho pré-vestibular. Foi
ótimo e, com muito interesse, absorvi cada informação que nos era passada. Entretanto, ocorreu um
fato terrível na minha casa que me envolveu muito e me desestruturou: tratava-se de um problema
familiar que me deixou muito abatida, de tal forma, que terminei por esquecer o vestibular.
Com o auxílio de uma prima muito querida que me estendeu a mão, naquele momento
difícil, e pela minha vizinha e amiga Emirce (duas pessoas maravilhosas por quem tenho
imenso carinho) consegui contornar o problema. Voltei às aulas e, aos poucos, retomei o
prazer pelos estudos. Confusa com tantos acontecimentos, disse a mim mesma: vou fazer
vestibular seja para o que for e vou passar. Não é necessário dizer o quanto me empenhei
para cumprir essa promessa.
Chegou o grande dia...
Enfim, chegou o dia da inscrição no vestibular e resolvi me inscrever no curso de
Letras. No momento, não sabia se fizera a escolha certa. Hoje, sei que sim. Amo meu curso
e com ele me realizo profissionalmente, pois, gosto muito do que faço (lecionar).
Em meio à tamanha ansiedade, prestei vestibular e fui aprovada na 1ª e 2ª fases.
Finalmente, consegui ingressar na Universidade e foi uma das maiores alegrias da minha
vida. E a partir dali, minha vida mudou bastante. A chegada à Universidade foi fantástica,
tudo era novidade e uma nova vida se iniciava, a partir de então. E como eu não trabalhava,
a minha permanência na Universidade só foi possível, porque meu esposo me custeou e
nunca deixou faltar nada. Se não fosse por ele, não teria conseguido. No decorrer do curso,
conheci muitos alunos que abriram mão de seus sonhos e trancaram a matrícula por não
poderem se manter. Creio que isso acontece, com muita freqüência, em todos os cursos.
Mas apesar das limitações e das dificuldades, a Universidade promove melhorias na
vida das pessoas e comigo não foi diferente. Começaram a surgir propostas de empregos
temporários, fui adquirindo experiência e, hoje, com muito orgulho, sou bolsista do
Programa Conexões de Saberes, que muito contribui para o meu crescimento pessoal,
acadêmico e profissional.
O Programa Conexões é composto por vários projetos ligados a comunidades populares.
Em 2006, eu fiz parte de três desses projetos: o Projeto Vizinhança, situado no conjunto
Dênisson Menezes, com aulas preparatórias para o exame supletivo de 1º grau; o PréVestibular, no conjunto Graciliano Ramos e o INPAV - Instituto Nazareno Pão da Vida, o
qual funciona no Conjunto Habitacional Osman Loureiro, atendendo à crianças carentes
das comunidades circunvizinhas. Neste, ministro aulas de reforço na turma de 2ª série, nas
disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.
É gratificante fazer parte desse Programa, inclusive, porque oferece ferramentas
adequadas para o desenvolvimento de trabalhos em áreas específicas, com pressupostos
inerentes à educação comunitária, ao mesmo tempo em que nos possibilita ajudar na melhoria
30
Caminhadas de universitários de origem popular
de vida das comunidades envolvidas. Para mim, está sendo uma experiência, altamente,
relevante e lamento, profundamente, não poder desfrutar desse trabalho por mais tempo,
pois estou cursando o último ano letivo na Universidade. No próximo, partirei para uma
nova realidade.
Contudo, espero que outras pessoas tenham a oportunidade de participar e contribuir,
positivamente, para o crescimento de um Programa tão promissor como o Conexões de Saberes.
E, finalmente...
Ao concluir esse trabalho, percebo que a vida só tem razão de ser quando,
verdadeiramente, conhecemos a Jesus. Digo isso, porque nunca acreditei, realmente, que
chegaria a concluir um curso superior. Como citei, anteriormente, era apenas um sonho que,
com a graça de Deus, chegou a se realizar.
Antes de mim, ninguém da minha família havia chegado à Universidade. Depois, meu
irmão Nilson, o mais novo, prestou vestibular na Faculdade de Belo Jardim-PE e foi aprovado
no curso de Letras à distância.
Dessa forma, minha mãe, uma simples dona-de-casa, que nunca saiu do interior para
lugar nenhum, tem dois filhos professores, sendo que um destes sou eu, que já pensa em
fazer uma especialização. É uma proeza que poucas mães interioranas conseguem. Por isso
sou grata a Deus por honrar o meu esforço e me conceder tamanhos benefícios.
Universidade Federal de Alagoas
31
Uma trilha
Adalberon Júnior*
Cada um de nós constrói a sua própria
história e cada ser carrega em si o dom de
ser capaz, de ser feliz!
Almir Sater/ Renato Teixeira.
Aqui, analisando alguns fatos marcantes em minha trajetória de vida, pude perceber o
quão a vida é efêmera, cômica e ao mesmo tempo criativa.
Nasci na cidadezinha de Palmeira dos Índios, no interior de Alagoas, a 140 quilômetros
da capital, Maceió. Uma cidade que, hoje, conta com menos de 70 mil habitantes. Sou fruto
de uma gravidez não planejada e que veio após três meses do nascimento de meu primeiro
irmão, Alexandre. Contando com algumas complicações respiratórias e alérgicas, passei
por uma difícil infância. Sempre acompanhado de minha mãe, Cida, percorria os corredores
dos hospitais. Mas deixando de lado essa parte, posso assegurar que tive uma infância
razoável ou até mesmo boa. Sempre tive com quem compartilhar minhas alegrias e tristezas
e o mais importante para qualquer criança: ter com quem brincar. Sou o segundo de três
filhos homens de minha família, que conta ainda com uma menina, Maria Aline. Adotada,
mas que acolhemos com muito carinho, mesmo dentro de nossas limitações.
Como todo filho do meio, a sina de não ser o primeiro (mais sonhado) nem o último
(caçula) filho da família, tive a oportunidade de conviver com um irmão quase da minha idade
e, ainda, de acompanhar a gestação de meu irmão André, junto a minha mãe. Recordo de
minha alegria quando o sentia mexer na barriga da “mainha”. Uma infância tranqüila, que
culminou numa adolescência precoce, diante da “chuva” de novidades que estava por vir.
Durante essa infância, pude desfrutar de um período de sucesso profissional de meu
pai, que de ajudante ascendeu à lojista e conquistou seu próprio e estruturado negócio. Isto,
garantiu-me uma escola privada e de qualidade, desde minha alfabetização até a quarta
série do ensino infantil.
Em seguida, por várias situações, dentre elas uma crise financeira familiar, comecei a
estudar em escolas públicas, onde posso assegurar que aprendi grande parte daquilo que
sou. Mas naquele momento, vivenciávamos uma crise de greves e paralisações, constantes,
que ameaçavam e prejudicavam o andamento dos anos letivos naqueles estabelecimentos.
*
Graduando em Ciências Sociais na UFAL.
32
Caminhadas de universitários de origem popular
Fugindo dessas greves e impossibilitado de estudar em escolas da rede privada de ensino,
fui morar com minha avó Inácia em Minador do Negrão, sertão de Alagoas, a
aproximadamente 35 quilômetros de Palmeira, onde estudei com bolsa integral numa escola
cenecista, a Nossa Senhora das Graças. Ali, permaneci por um ano e, em seguida, voltei para
Palmeira dos Índios, onde estudei dois anos na Escola Estadual Estado de Nova Jersey. Lá
cursei a sexta e a sétima séries do ensino fundamental.
No ano 2000, aos 14 anos, fui matriculado no conhecido “Gigante do Asfalto”, o
maior colégio da cidade: Colégio Estadual Humberto Mendes. Era tudo muito grande e
diferente e me senti perdido diante de tamanha grandeza. O colégio tinha mais de dois mil
alunos e até hino, era coisa nova para mim.
Até então, tudo se configurava para que crescesse ali um jovem como tantos de minha
geração: apáticos e despreocupados com as questões políticas, econômicas e sociais de seu mundo.
Nesse mesmo tempo, surgia a oportunidade de encenar uma peça de teatro de rua, numa comunidade
de meninos e meninas em situação de risco. Uma comunidade popular, onde minhas tias Clarice
e Cícera desempenhavam trabalhos de inserção social. Recebi um papel de destaque na peça: era
o delegado. A partir daquela experiência de teatro nas ruas da cidade, cairia por terra toda inibição
e timidez de um menino, até então, despercebido. Aquela peça iria me render, mais tarde, participação
política ativa na cidade.
A diretora do gigante colégio onde estudava, em certa apresentação daquele espetáculo
que acabara de assistir, procurou-me, depois, para me inserir numa nova proposta de gestão
escolar: democratizar às decisões das escolas. O menino tímido e sem expressão, agora, dá
lugar a um precoce líder estudantil, que defenderia a bandeira da democracia e da participação
da comunidade nas decisões do colégio. Abracei aquela causa e participei das eleições de
conselheiros escolares e, para minha surpresa, seria o mais votado estudante eleito naquele
e em qualquer outro colégio do Estado, chamando a atenção até mesmo dos altos postos da
Secretaria de Educação Estadual e dos coordenadores dessa proposta de gestão.
Aquilo me lançou para o movimento estudantil da cidade e, em pouco tempo, já
representava o colégio e a cidade em congressos e reuniões de líderes estudantis de todo o
Estado – detalhe: com, apenas, 14 anos. Hoje, paro e penso como as pessoas davam atenção
ao que eu falava com tanta convicção e, ao mesmo tempo, com tanta inocência.
Nesse curto espaço de tempo, já tinha fundado grêmios estudantis em minha escola e
em outras da cidade e, até mesmo, colaborado na fundação de um órgão representativo dos
estudantes de toda a cidade – a UESPIN (União dos Estudantes Secundaristas de Palmeira
dos Índios). Isso me aproximou, obviamente, das campanhas dos partidos de esquerda. Lá
estava eu, inserido nas reuniões de campanha do Partido dos Trabalhadores que, naquele
ano, lançava como candidato a prefeito o médico Hélio Moraes, irmão da, então, combativa
e destemida senadora Heloisa Helena. Repito, é incrível como, também, ali, naquelas reuniões
de militantes de esquerda, professores, médicos e sindicalistas, conquistei espaço e era
ouvido. Já naquele momento, ninguém acreditava quando eu revelava minha pouca idade.
Vários foram os aprendizados que essas experiências me proporcionaram, dentre elas,
a aproximação com amigos de Igreja, de um movimento de características jovens, a renovação
Carismática Católica onde, em maio de 2002, vivenciei minha primeira experiência da
presença viva de Deus em mim. Dali por diante, minha liderança começava a aflorar, também,
no serviço à Igreja e em especial a RCC. Liderança que garantiu que, em pouco tempo
caminhado ali, assumisse grandes responsabilidades no movimento.
Universidade Federal de Alagoas
33
Outro fruto de minha militância política foi a escolha de meu curso para o vestibular:
Ciências Sociais, em especial no que tange a área de Ciências Políticas. Mesmo que não
vislumbrasse ser este um curso que sequer as pessoas conheciam e sempre chegavam a
confundir com Serviço Social, forçando-me sempre a explicar de que se tratava.
A opção por esse curso, não me fazia acreditar que chegaria à universidade num
primeiro vestibular. Isto por estar, durante meu ensino médio, tão engajado em tantos
movimentos políticos e religiosos, não dando a importância devida aos estudos. Quero
ressaltar, aqui, que mesmo diante desse descuido com os estudos, sempre fui um bom
aluno, participativo e que captava com facilidade todas as temáticas e, em especial, as
matérias como História e Sociologia. Nunca fui reprovado e sempre obtive boas notas.
Mas nada que fosse suficiente para uma aprovação num primeiro exame sem esforços
extras nesse sentido.
Para minha surpresa, meu nome apareceu entre os classificados na primeira fase do
vestibular da Universidade Federal de Alagoas. Agora, precisava aproveitar essa oportunidade
que Deus me dava de ingressar na Federal. Foi o que fiz.
Nessa época, estagiava numa rádio da cidade, num programa jornalístico matinal e de
oposição ao prefeito – que vencera as eleições de 2000, derrotando meu candidato petista.
Conseqüentemente, meu adversário nessa e outras questões, as quais me colocaram em pólo
contrário. Afastei-me da rádio e das minhas atividades político-estudantis e religiosas e fui
para Maceió estudar num cursinho preparatório, que consegui pagar com a ajuda de minhas
tias, meus pais e avós.
Sentia a necessidade de fazer um cursinho porque, além de não ter me dedicado muito
aos estudos nos últimos anos, a educação pública e, em especial, minha escola não vinha
aprovando muitos estudantes nos últimos vestibulares da UFAL.
Quase ninguém acreditava que eu fosse aprovado, inclusive eu mesmo, até que o
resultado se mostrou diferente. Fui o décimo primeiro de quarenta aprovados. Uma
felicidade sem tamanho, que superou as expectativas de muitos. Como todo líder,
eu não tinha somente amigos, porque muitos - que não aprovavam minha
liderança - ansiavam por minha reprovação. A despeito deles, não somente fui aprovado,
mas, também, fui o único de toda minha escola. Este não foi só um motivo de alegria
maior, pois foi, também, de tristeza. Lamento pela situação de um colégio tão grande,
com mais de 400 alunos de terceiro ano, onde, apenas um, conseguiu ingressar na
universidade federal.
No meu coração, a certeza de que Deus tinha novos e melhores planos para mim,
porém longe de Palmeira. Agora uma nova vida era dada a mim, um novo tempo, uma nova
cidade, novas pessoas, novas necessidades e novas missões.
Chegando à universidade, em maio de 2004, a primeira barreira: onde morar? Sem
opções, fui morar com parentes de meus pais, com quem nunca tivera muito contato. Após
cinco meses surgiu a sensação e a certeza de estar incomodando e sendo incomodado.
Ainda assim, sinto-me muito grato por terem me acolhido em sua casa e a seu modo.
Em outubro daquele ano, conseguia uma vaga na Residência Universitária Alagoana,
espaço que antes não desejara, mas que, depois da convivência em casa de parentes, pareciame a melhor opção. A Residência era, e ainda é, um ambiente de difícil convivência, mas ao
mesmo tempo, todos que lá estão têm a certeza de não incomodar a ninguém por estarem na
mesma situação: sem um lugar para morar e precisando estudar. A residência que, a cada dia
34
Caminhadas de universitários de origem popular
que passa, torna-se, ainda, mais um depósito de miseráveis e um calabouço de estudantes
sem-teto, tem sido para mim um espaço de aprendizado, pelas dificuldades e provações.
Costumo sempre dizer que, ali, tenho vivido a experiência que não vivi por ter sido
dispensado do serviço militar.
Como estudante universitário de um curso de humanas, sofri várias provações na
minha fé, principalmente, por cursar um curso conhecido por formar ateus. Mas conheci
uma expressão da Renovação Carismática que atua justo nas universidades: o Projeto
Universidades Renovadas que através de GOU’s (Grupos de Oração Universitários) mantém
viva a chama da Fé de muitos acadêmicos, que se iludem na ciência e passam a não crer na
Cruz. É aqui que tenho desempenhado minha liderança trazida de casa, sem o partidarismo
dos movimentos estudantis. Entretanto, ainda, continuo na luta por um mundo melhor,
mais justo e igualitário, tanto por questões políticas, quanto religiosas. Por pedido de meus
pais, em especial, de minha mãe, em me dedicar mais aos estudos, aceitei o desafio em
participar, de forma menos intensa, junto aos movimentos sociais e estudantis, ou seja,
ponderando minha militância e acompanhando as lutas, sem assumir a liderança.
Em meio a tantas oportunidades de aprendizado, consegui uma bolsa no Programa
Conexões de Saberes e começamos a desempenhar um trabalho com uma comunidade
popular, no entorno da universidade. Esse espaço, o complexo habitacional Denisson
Menezes, envolve quatro conjuntos habitacionais. Neles, as pessoas vivem em condições
subumanas, retratando uma dura realidade que possibilita perceber que todas as dificuldades
vividas na minha infância e juventude são muito pequenas, frente a tantos problemas
vivenciados pelas pessoas que ali vivem.
Crianças brincam ao lado do complexo prisional de Alagoas e têm ali sua referência
diária, longe do acesso à escola de qualidade, atendimento médico ou políticas públicas de
inserção. Pessoas amargam o desemprego e a realidade de, nem sempre, ter o que comer e
que, muitas vezes, vêem na vizinha rica – a Universidade - as poucas oportunidades de
mudar, ainda que minimamente, as suas condições de (sub) vida.
Trabalhando com essa comunidade, tenho visto o quanto é grande a luta daqueles que
trabalham para, mesmo nessas condições adversas, educarem seus filhos, garantindo a eles
um mínimo de felicidade. Observo o quanto foi duro para meu pai, homem sem estudo,
castigado pelo sofrimento e pela vida. Nunca baixou a cabeça, sempre buscou novas idéias
de como levar o sustento a sua família e não lhe deixar passar fome, mesmo quando isso
parecia tão provável, como ele sempre nos lembra.
O aprendizado com essas pessoas, sedentas por aquilo que nós lhes oferecemos, em
termos de novidades e possibilidades de melhorias, tem-me feito ver com outros olhos a
minha própria comunidade de origem. Perceber, ainda, a importância dela naquilo que sou
hoje e naquilo que - graças a toda essa história de vida e de tantas coisas que, ainda, estão
por vir - um dia poderei ser. Em tudo isso, a certeza de que sou mais que um vencedor.
Universidade Federal de Alagoas
35
Toda criança tem o direito de crescer num
ambiente de amor e segurança
Arínic Airam Silva Costa*
Minha história de vida se inicia na cidade de Palmeira dos Índios, onde nasci em
1984. Minha mãe decidiu colocar meu nome “Arínic Airam”, como uma forma de
homenagem às minhas avós materna e paterna, Maria e Cinira, através de uma leitura de
espelho, de trás para frente.
Fui morar em Maceió com um ano de idade, devido à profissão de meu pai, jogador de
futebol, que tinha sido contratado por um time. Em seguida, fui morar em Garanhuns-PE e,
depois, voltamos para Palmeira dos Índios-AL, quando minha irmã Bruna nasceu em 1988.
Assim que minha irmã nasceu, fomos morar em Recife-PE, cidade natal de meu pai.
Moramos apenas oito meses, devido ao mau relacionamento de meus pais. Minha mãe tinha
uma vida bastante sacrificada e sofria maus tratos. Por isso, resolveu abandonar o lar e voltar
à Palmeira dos Índios, para a casa de meus avós que nos receberam de braços abertos e
ajudaram a minha mãe em tudo.
Meus pais se separaram cedo quando eu, ainda, estava com três anos. Vivi, desde
então, toda a minha infância em Palmeira dos Índios na casa de meus avós maternos. Minha
mãe batalhou muito para dar alimentação, roupas e educação, pois ela tinha que cuidar de
suas duas filhas, sem ajuda e assistência nenhuma de meu pai. Graças aos meus avós e minha
mãe conseguimos sobreviver. Nunca esqueço dos momentos no parque de diversão que
meu avô tinha, quando viajava com ele pelos interiores de Alagoas e andava em todos os
brinquedos, junto com meus primos, tios e amigos.
Mesmo com a ausência de meu pai, fui muito feliz. Com uma família maravilhosa,
sempre presente em todos os momentos da minha vida, ajudando-me em tudo e que nunca
deixou faltar nada, que mais poderia querer? Sem dúvida, vivi em um ambiente de extremo
amor e com certeza a presença do pai é muito importante em uma família, mas minha mãe
venceu todos os obstáculos e conseguiu fazer com que fôssemos uma família muito feliz e
unida, sempre juntas com a minha avó.
Minha mãe conseguiu para mim uma bolsa de estudo em um colégio particular de
freiras, Centro Educacional Cristo Redentor, onde estudei desde o pré até o 1° ano do
Ensino Médio. Meus avós ajudaram na compra da farda, lanche e calçados. Pegavam
emprestados alguns livros com parentes, amigos e o que não conseguiam, minha mãe
dava um jeito.
*
Granduando em Educação Física na UFAL.
36
Caminhadas de universitários de origem popular
Até hoje, sinto saudades desse colégio, dos professores e amigos, principalmente, das
aulas de educação física, onde passava grande parte do dia no ginásio, junto com minhas
três amigas, jogando handebol, pulando e correndo. Participava, ainda, das feiras de ciências,
dos jogos interclasses, danças e, sempre, dos eventos do colégio.
Tive uma educação de qualidade e minha mãe se esforçou, muito, para que isso
acontecesse, pois sempre foi trabalhadora e forte, que nunca nos deixou faltar nada. Tentava
retribuir sempre, através dos estudos, tirando notas boas, sendo dedicada, obediente e percebia
que ela sempre ficava contente com isso.
Em 2001, fui convidada pelos meus tios para estudar em Maceió. Eles conseguiram
uma vaga na Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco que me
possibilitou ter um bom estudo, sem gasto nenhum e sabendo que ia terminar meus estudos
sem atrasos, como não acontece em muitas escolas públicas. Dessa vez, estudei no turno da
noite e foi muito difícil me acostumar.
Infelizmente, a convivência de um ano não deu certo com minhas primas e tios. Assim,
comecei a procurar um apartamento para morar, encontrando um no bairro da Serraria, no
Conjunto José Tenório, próximo à escola e para que não tivesse nenhum gasto com passagem.
Dividi as despesas com minha tia e ficamos morando juntas. No início, não havia muita
coisa, mas aos poucos e com a ajuda da minha família, consegui o suficiente para viver.
Sentia muita falta do interior, da minha mãe, irmã e avó, Enfim, de todos os parentes e
amigos, mas matava essa saudade retornando todo final de semana a Palmeira dos Índios,
para revê-los, e sempre era uma festa. Reunia todos os meus tios(as), primos(as), enfim a
família completa para fazer um churrasco, e todos dançavam, bebiam aproveitavam cada
minuto que estávamos juntos.
Ainda, não tinha me acostumado com o novo colégio, pois, era muito diferente do
outro, desde os professores até os companheiros de classe. Sempre conversava com minha
mãe pedindo para voltar, mas ela me dava força para que ficasse, pois, aqui, estava o meu
futuro e, mais cedo ou mais tarde, teria que vir para prestar vestibular e tentar uma vaga na
Universidade Federal de Alagoas. Minha mãe queria muito ver as duas filhas com curso
superior, algo que ela não teve condições e fazia de tudo para que conseguíssemos.
Foi no 2° ano científico, aos 17 anos, que decidi prestar vestibular para Educação
Física. Sentia muita falta das aulas, da prática de esportes, da interação lúdica com os
colegas no colégio e, por isso, escolhi esse curso.
Terminei os estudos em 2002 e, no meu primeiro vestibular para Educação Física, não
consegui. Já sabia que não ia passar, tinha que estudar e me dedicar mais, se quisesse entrar
em uma Universidade Pública.
No ano seguinte, estudei muito e, também, inseri-me em um cursinho, que estava
de acordo com minhas condições financeiras, sendo que, sempre, tive minha mãe me
apoiando, ajudando em todos os sentidos. Muitos diziam que eu devia escolher outro
curso, pois Educação Física não tinha muito futuro no Estado de Alagoas, mas mais uma
vez, decidi prestar vestibular para Educação Física. Em meu entendimento, ia me sair
muito bem como professora de Educação Física, pois não tinha a pretensão de ser rica,
apenas o desejo de me formar em algo que me desse prazer e satisfação em trabalhar,
bem como de suprir minhas necessidades básicas. Como não tinha condições de pagar
uma faculdade particular, dediquei-me muito e estudei tanto, que até deixava as horas
de lazer de lado.
Universidade Federal de Alagoas
37
Então, em 2004, consegui passar no vestibular para Educação Física, no turno noturno,
pois, durante o dia, tinha que trabalhar para ajudar em casa. Desse modo, trabalhar e estudar
era minha intenção para amparar minha família, que ficou muito contente com a notícia e
sobre a qual liguei para todos de Palmeira dos Índios. Minha avó ficou muito feliz, e até
hoje, todos me apóiam a continuar estudando sempre.
Hoje, no 4° ano de Educação Física, ninguém critica a minha escolha. Ao contrário,
ficam felizes por eu estar me identificando cada vez mais com o curso. Principalmente
minha avó, que sempre foi uma mulher ativa e que gostaria muito de ver sua neta dando
aulas na academia onde freqüentava no interior, mas infelizmente não foi possível. Faz
apenas um mês que ela faleceu deixando muitas saudades e a lembrança de todos os
momentos felizes que passamos juntas.
Comecei a trabalhar no Departamento de Enfermagem, como bolsista, no 2° ano do
curso e sempre ia à reitoria levar ofícios para os diversos setores. Um dia, entrei na PROEX
para pegar um certificado e vi o edital do Programa Conexões de Saberes. Observei que
havia duas vagas para educação física, e prontamente, fiz minha inscrição com grande
expectativa em ser selecionada. Quando saiu o resultado, fiquei feliz em dobro, pois minha
colega de educação física, também, havia sido selecionada.
Quando soube que o programa proporcionava uma troca de saberes entre a comunidade
popular e a universidade, não via a hora de atuar para contribuir com o pouco conhecimento
que tenho, e assim, motivar a população a participar do projeto, possibilitando uma melhora
na qualidade de vida. O Programa Conexões de Saberes veio para contribuir, ainda mais, na
minha formação acadêmica, obtendo experiências e desenvolvendo a capacidade de produzir
conhecimento científico, visando sempre à melhoria da qualidade de vida, em todos os
aspectos, para a população de origem popular.
38
Caminhadas de universitários de origem popular
Com os pés no chão
Auricélia Alves de Araújo *
Discorrer sobre uma trajetória de vida não é tarefa fácil. Fazê-la de forma sucinta,
crítica e agradável ao leitor exige, ainda mais, habilidade. No entanto, esforcei-me para,
aqui, relatar minha caminhada.
Nasci em 1985, na cidade de Venturosa, sertão pernambucano. Cresci na zona rural
desta cidade, com meus pais e meus seis irmãos. Sou filha de agricultores. Meu pai,
Antônio, é analfabeto e minha mãe, Ana, possui pouca instrução. Tínhamos a seca como
uma constante em nossas vidas, o que nos fez passar por diversas dificuldades, entre elas,
a financeira. Essa condição fez com que meu pai deixasse sua família e fosse a São Paulo
em busca de um emprego que pudesse nos sustentar. Apesar de toda a luta, sua remuneração
nos proporcionava apenas o básico para a subsistência. Após certo período, ele retornou
ao sertão e permaneceu lidando com a agricultura e criação de animais, sempre com a
ajuda de toda a família.
Iniciei meus estudos em um grupo escolar, próximo a minha casa, que possuía
apenas uma sala multiseriada, ou seja, onde as professoras dividiam espaço com aulas
de 1ª a 4ª série no mesmo horário. As aulas eram caóticas e tradicionais e não havia
espaço para leitura. Os poucos livros que existiam ficavam encaixotados. Utilizávamos
apenas livros que continham os conteúdos das séries. Por isso não desenvolvi o hábito
da leitura, assim como a maioria dos estudantes daquela região. Vale destacar que os
professores, na época, não possuíam o Ensino Fundamental completo, o que explica a
falta de conhecimentos pedagógicos e de compromisso com a educação por
parte do município.
Visando à continuação dos estudos, após concluir o primeiro segmento do ensino
fundamental (1ª a 4ª série), tive que me deslocar, à noite, para a Escola Municipal Manoel
Alves de Araújo, localizada numa vila próxima. A partir dessa etapa, a maior dificuldade
encontrada era o transporte escolar, ponto de extremo descaso político com a zona rural. Os
estudantes eram transportados na carroceria de um caminhão (pau-de-arara) descoberto e
sem segurança. Desta forma, sofríamos com a poeira e as mudanças climáticas, e por várias
vezes, estudávamos com as roupas molhadas. As estradas de barro, mal conservadas, tornavamse mais um empecilho para o acesso à escola que, por sua vez, não disponibilizava de
biblioteca, quadra de esportes ou outros meios que acrescentassem às práticas coletivas,
fundamentais para a formação sociocultural dos alunos.
*
Graduanda em Educação Física na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
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Essas e outras dificuldades tornavam o estudo cada vez mais desmotivante, levandonos a nenhuma perspectiva de vida profissional, social ou econômica que estivesse ligada
à formação educacional. A carga de trabalho, no campo, impedia o bom desempenho de
muitos estudantes e as aulas não se faziam compreender como um caminho para o futuro. Os
conteúdos curriculares e as metodologias não eram apropriados às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural, como determina o Art. 28 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB nº 9.394/96). Este preconiza que a oferta de educação básica para a
população rural esteja adequada às peculiaridades de cada região.
Diante dessas dificuldades, notava-se a crescente evasão escolar, o que me fazia
temer a falta de companhia para ir à escola, pois tinha que andar bastante até o local onde
esperava o transporte e a preocupação era ainda maior, pois estudava à noite.
Após concluir o ensino fundamental, em 1999, passei a estudar na Escola Estadual
Quitéria Wanderlei Simões na cidade (Venturosa), pois na escola anterior não havia
ensino médio. Diante da preocupação de enfrentar a distância e o ensino noturno, tive
a felicidade de contar com quatro amigas, duas em especial, que sempre estiveram
presentes em minha vida.
Cursando o ensino médio, logo percebi que problemas semelhantes aos encontrados
nos anos anteriores seriam, também, repetidos tanto na estrutura educacional, quanto no
transporte escolar.
O sentimento de revolta era comum entre nós. Reivindicamos à Secretaria Municipal de
Educação por condições mais humanas de transporte, e no entanto, nada foi feito. A falta de
melhorias contribuiu para uma tragédia. Em 2001, quando cursava o 2º ano do ensino médio,
uma de minhas colegas foi atropelada ao descer do ônibus e faleceu no local do acidente.
No ano seguinte, fui estudar numa cidade mais próxima, Capoeiras-PE, na Escola
Municipal José Soares de Almeida. A partir daquele momento, tive segurança e um ensino
mais qualificado. Até então, não alimentara expectativas de prosseguir nos estudos, ingressar
na universidade ou, sequer, imaginara o que poderia cursar.
Nesse período, cinco dos meus irmãos já haviam saído em busca de novos caminhos.
Minha irmã Marciene veio a Maceió com o intuito de trabalhar e estudar. Passou por várias
dificuldades, persistiu, e com força de vontade, conseguiu ingressar na Universidade Federal
de Alagoas, no curso de Letras. Ela, ao conquistar sua estabilidade, retornou a Venturosa e
me convidou para morarmos juntas na capital alagoana para que eu continuasse os estudos.
Sabendo que, dificilmente, teria outra oportunidade, como esta, de ingressar numa
universidade pública aceitei seu convite, e em março de 2003, vim a Maceió. Minha irmã
custeou minhas despesas com transporte urbano e aulas em um cursinho pré-vestibular.
Contei, também, com o auxilio de seu esposo, Adeildo. Ambos foram fundamentais nas
minhas conquistas.
Aqui em Maceió, passei por momentos difíceis em virtude do distanciamento sóciofamiliar e da adaptação a um novo ambiente, porém, tinha que enfrentar as adversidades
para prosseguir com minha formação. Então, comecei a despertar para as possibilidades de
atuar nas mais diversas áreas, sempre com o intuito de adquirir conhecimentos que pudessem
contribuir com a minha comunidade de origem.
Inicialmente, pensei em prestar vestibular para Agronomia, pois gostaria de oferecer
melhorias ao sertão, no que concerne a terra e ao seu cultivo. Mais tarde, pensei em Biologia,
História, Nutrição e Educação Física. Mas, através do pré-vestibular, percebi a
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Caminhadas de universitários de origem popular
responsabilidade da minha escolha, principalmente, tendo em vista o vasto conteúdo dado
no cursinho, o qual não tive acesso quando estudava em escolas públicas. Isso me assustou
e cheguei a pensar que não teria chances de passar nas provas.
Desse modo, dediquei todo o meu tempo aos estudos, e em um momento de reflexão,
pude analisar alguns fatores determinantes para a escolha de um curso superior, entre eles:
maior facilidade em algumas disciplinas; concorrência para os cursos no ano anterior; e o que
mais me influenciou foi o fato de poder atuar numa profissão ampla que abrangesse saúde,
educação, lazer e compromisso social. Dessa forma, optei pelo curso de Educação Física.
Para minha surpresa e alegria, em 2004, passei no primeiro vestibular que fiz e fui
aprovada na UFAL no curso de Educação Física. A partir daí, deparei-me com outro desafio:
permanecer na universidade, quando me escrevi para a Residência Universitária, e após um
ano de espera, fui selecionada. Mas como poderia suprir minhas necessidades básicas sem
dispor de uma renda? Mais uma vez tive o auxilio da família, em especial da minha irmã
Marciene, uma vez que foi através dela que consegui, em 2005, um estágio remunerado em
uma escola pública no município de Maceió. Esse estágio, me trouxe uma valiosa experiência
profissional e social. Pude, também, constatar o abandono e a falta de compromisso público
com a educação, visto que a escola não possuía espaço físico adequado para a realização
das aulas, em especial de Educação Física, e nem recursos humanos suficientes para atender
à comunidade escolar.
Como estudante universitária, senti a necessidade de um auxílio e acompanhamento
da Universidade que me fizessem superar as deficiências do ensino básico e me
proporcionassem o sucesso na vida acadêmica. Tive, então, a oportunidade de participar do
Programa Conexões de Saberes em 2006. Esta iniciativa foi fundamental para a minha
permanência na universidade, na medida em que financia minhas despesas básicas (moradia,
transporte e alimentação), aprimora minha formação como pesquisadora, como profissional
e, principalmente, como agente consciente e capaz de atuar na sociedade. Nesse programa
aprendo, ainda, a valorizar e respeitar o conhecimento da comunidade onde estou envolvida
e valorizar meus próprios conhecimentos, enquanto estudante de origem popular. Nessa
perspectiva, pretendo contribuir, também, com minha comunidade de origem, a fim de
reverter a situação de descaso sócio-educacional que perdura na região.
Diante das discussões abordadas, percebo que programas de ações afirmativas como o
Conexões de Saberes são indispensáveis à Universidade, pois são fortes instrumentos para
reverter tendências da estrutura sócio-educacional.
Universidade Federal de Alagoas
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Monitor do universo...
Cláudio Emmanuel Pontes Guimarães *
Somos todos micelas de um mesmo todo, pedaços de um universo tão vasto que
sequer nos damos conta...
Sou apenas mais um desses personagens que passam nas ruas; cheio de conflitos e
alegrias cotidianas... minha biografia, talvez, não seja tão diferente assim das demais, mas é
só minha... por isso, tão importante...
A primeira cena a qual protagonizei não foi incomum. Era noite, estava frio naquele
centro cirúrgico e logo desatei a chorar. Minha mãe me segurou nos braços e me entregou aos
cuidados da enfermeira. Nasci de parto normal, sem intercorrências, às 22 horas e 30 minutos
do dia dezenove de julho de 1986 no Hospital Ortopédico de Maceió. Fui o bebê mais
gordinho da família e o mais bonitinho, também. Adorava sorrir e ficar no braço de estranhos.
Não dei muito trabalho a minha mãe, uma vez que só fazia comer e dormir. Conforme ia
crescendo, perguntava-me por que meus irmãos saíam toda manhã e chorava para ir com eles!
Sempre gostei de estar em meio às pessoas, e logo, chegou o meu momento de ir ao colégio.
Morávamos na casa de minha avó, quando comecei a estudar no Colégio Sagrada
Família. Era considerado um dos melhores, em termos de ensino, da época e lá permaneci,
mesmo quando precisamos nos mudar para uma casa que meu pai havia comprado no bairro
do Benedito Bentes, bem mais distante do colégio.
Mal sabia o que me esperava, mas logo percebi que a escola não era apenas para brincar,
tinha regras e tarefas a cumprir. Não gostei muito, porém, aos poucos, fui me acostumando.
Minha mãe, sempre muito exigente, nunca deixou que eu me descuidasse dos estudos.
Pelo contrário, sempre ao meu lado, tirava dúvidas e incentivava-me a crescer. Graças a toda
essa dedicação, consegui me destacar com as melhores médias da minha série. Em
conseqüência disso, recebia medalhas entrando, assim, na galeria dos “cobrinhas”, nome
dado aos dez alunos que obtivessem as maiores notas por série.
A partir da quarta série, comecei a estudar no Colégio Cenecista Élio Lemos, pois as
condições financeiras estavam um pouco abaladas. Logo nos primeiros dias de aula, percebi
a diferença na qualidade de ensino, apesar de o colégio possuir um espaço físico maravilhoso.
No científico, meus pais sentiram a necessidade de me colocar em uma escola melhor.
Sai do Colégio Cenecista Élio Lemos para o Colégio e Curso Planeta. A adaptação foi um
pouco difícil, mas graças a muito esforço, dedicação e carisma consegui superar, e até
mesmo, ganhar uma bolsa parcial, pagando quarenta por cento do valor da mensalidade.
*
Graduando em Química na UFAL.
42
Caminhadas de universitários de origem popular
Sonhava em cursar a faculdade e ficava apreensivo, já que nenhum de meus irmãos
tinha sido aprovado no primeiro vestibular. A escolha do curso foi uma “novela”, pois tinha
certeza que não queria fazer medicina como minha irmã, que só fazia estudar e estudar.
Interessei-me por química. Resolvi prestar vestibular no mesmo ano, e quem diria! Fui
aprovado! Todos ficaram felizes e orgulhosos.
A diferença entre o colégio e a faculdade se desenhou nos primeiros dias: todos têm
mais liberdade, mas o conteúdo é imenso. Senti vontade de trabalhar e comecei a dar aulas
particulares, coisa que quase todo universitário faz para sobreviver. Gostei do ofício, e hoje,
sou monitor no Colégio Estadual Mirian Marroquim. Pude vislumbrar, na prática, que o
professor pode ser um agente de mudança na sociedade, apesar de possuir uma profissão
muito sofrida. Como participante de um projeto do Programa Conexões de Saberes, ministro
aulas para a comunidade popular, alertando acerca de doenças como, hipertensão e diabetes.
Somos todos micelas de um mesmo todo e faço parte desta geração de jovens que
pretende melhorar o mundo a sua volta, e isso me faz muito feliz!
Universidade Federal de Alagoas
43
Uma simples história de pequenas e
significativas conquistas
Ana Cristina Francisco dos Santos *
Nasci em 28 de março de 1983. Meus pais, José Edson Francisco dos Santos e Quitéria
Justino dos Santos, casaram-se muito jovens e não tiveram oportunidade, nem tão pouco
incentivo de seus pais para estudar. Meu pai concluiu o ensino fundamental e minha mãe
estudou apenas até a 4ª série primária. Quando casaram, Edson foi obrigado por seu pai a
largar os estudos e trabalhar no corte da cana, condição para poder morar com Quitéria na
casa de seu pai. Algum tempo depois, pôde fazer um curso de mecânico no SENAI e exerce
essa profissão, até hoje.
Moramos por nove anos na casa dos meus avós paternos. Lá nascemos, eu e meu irmão
Adriano. Foi um período de grandes dificuldades para os meus pais, porém, guardo com
saudades a lembrança desse tempo de infância feliz, vivida num ambiente de liberdade que,
somente tem quem mora no interior, pode gozar.
Aos seis anos de idade, ingressei no ensino pré-escolar e me desenvolvi, rapidamente.
Nesta época, já possuía maturidade suficiente para entender que meus pais dedicavam
maior atenção ao meu irmão caçula, devido ao fato de que este apresentava um quadro de
saúde muito frágil, e freqüente incidência em internações hospitalares. Por isso me
esforçava para ser uma boa aluna na escola, com o intuito de ser uma preocupação a
menos para meus pais.
O esforço surtiu efeito e concluí, com sucesso, às primeiras séries do ensino fundamental.
Quando comecei a cursar o ginásio na Escola Cenecista de Utinga, já havíamos, eu e meus
pais, mudado da casa de meus avós paternos. O estudo, que antes me parecia um esforço,
agora era para mim um gosto, um prazer.
Participei, ativamente, da vida da escola, tornei-me monitora de Matemática. Fiz
parte de um projeto de preservação ambiental que objetivava conscientizar os alunos da
escola e de outras unidades de ensino, principalmente, aquelas situadas em áreas que
continham espaços de mata atlântica, da importância da preservação da mata e das espécies
de árvores e animais nativos destas regiões. Concluí, sem nenhum problema, o ginásio, e
anos depois, retornei à escola como professora de Matemática.
Cursei o ensino médio na antiga Escola Técnica Federal de Alagoas - ETFAL, hoje,
Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas - CEFET, no ano de 1998. Após quatro
anos de dedicação, habilitei-me como técnica em informática. Porém, nunca exerci a
profissão. Esse período foi de grande aprendizado, não apenas profissional, mas
*
Graduanda em Serviço Social na UFAL.
44
Caminhadas de universitários de origem popular
principalmente, pessoal - um tempo de redescoberta. Eu, até então, uma garota tímida, fui
me descobrindo capaz de ser diferente. Fiz grandes amigos, e ainda hoje, os mantenho, os
amo. Conquistei a monitoria do curso e alguns estágios que me possibilitaram contribuir
com as despesas de casa, mesmo que minimamente.
Ao término do curso técnico de informática, não me realizei, não era o que queria para
mim, profissionalmente. Então, pedi a minha mãe para fazer um pré-vestibular, porque
sentia a necessidade de suprir a carência nas matérias que o ensino técnico no CEFET
deixou. Aí começava um novo problema. Quando terminei o curso de informática, perdi a
bolsa da monitoria e dos estágios. Não tinha, portanto, de onde tirar o dinheiro para pagar
o cursinho pré-vestibular. Minha mãe, ao ver o meu interesse em avançar nos estudos,
reuniu coragem e pediu o dinheiro da matrícula emprestado a uma senhora, famosa na
região por ajudar a quem precisava. Daí por diante, todos os meses era um sacrifício conseguir
o dinheiro da mensalidade, mas ele nunca faltou.
Escolhi o curso de Serviço Social, o que não agradou a meus pais, pois eles achavam
que eu deveria dar continuidade a meus estudos na área de informática. Mais tarde,
conformaram-se com a minha escolha e passaram a me apoiar, porque era esse o curso que
eu queria. Prestei vestibular e a grande alegria para mim, meus amigos e familiares foi a
minha aprovação.
A euforia da conquista deu lugar à dura constatação da realidade: para as pessoas de
origem popular, o ingresso na universidade pública não significa o fim das dificuldades. Ao
contrário, mesmo não pagando mensalidades, o estudante universitário tem que arcar com
os custos para se manter e investir em sua formação. Faz-se importante que se diga, aqui, que
o ensino superior público não oferece respaldo a esses estudantes para que permaneçam na
universidade. As ações que objetivam lhes fornecer condições, mais adequadas, para as suas
permanências são pontuais, insuficientes e não raramente, favorecem àqueles que,
efetivamente, não necessitam. Isto em detrimento daqueles cuja conclusão do curso ou
mesmo a sua continuidade estão, seriamente ameaçados, visto não possuírem condições
financeiras para se manterem.
Os critérios de seleção para se conseguir uma bolsa são vexatórios, e muitas vezes,
irrelevantes, dado que a relação que se estabelece com quem seleciona é muito mais decisiva
que a verdadeira situação do candidato à vaga. Um exemplo disto é que, somente, consegui
ter acesso ao restaurante universitário no último ano de curso, em virtude do ingresso no
Programa Conexões de Saberes. Mesmo assim, porque o pró-reitor de extensão usou de sua
influência junto à Pró-Reitoria Estudantil, responsável pela seleção dos alunos a serem
contemplados com o benefício.
Ter conseguido uma bolsa no Programa Conexões de Saberes foi o que me manteve na
Universidade. Sem essa bolsa, provavelmente, eu seria obrigada a abandonar o sonho de
concluir o ensino superior. Não por falta de vontade ou porque não fosse capaz de fazê-lo,
pois meus resultados provavam que um estudante de origem popular pode, e via de regra,
tem um desempenho igual, e por vezes, melhor do que aqueles que não compartilham das
mesmas condições financeiras, desde que lhes assegurem meios para a sua permanência na
Universidade Pública.
É neste espaço que preciso dizer: a única regalia de que nós - estudantes oriundos das
classes populares - precisamos para sermos profissionais competentes e termos a oportunidade
de mudarmos nossas vidas, de nossas famílias e comunidades é a de termos políticas públicas
Universidade Federal de Alagoas
45
de acesso e permanência nas instituições de ensino superior. Estas devem nos proporcionar
condições adequadas para concluirmos nossos cursos. Isso, com o compromisso social de
não nos esquecermos de onde viemos e do que podemos contribuir e representar nas
nossas comunidades.
Antes do término de meu curso, consegui ser aprovada num concurso público.
Devidamente graduada e habilitada, exerço minha profissão e não parei por aí. Comecei, há
pouco, um curso de especialização com o objetivo de capacitar-me e desenvolver uma
prática profissional conseqüente e competente.
Essa é a minha história, simples como a de tantos outros estudantes de origem popular,
e também, como a deles, repleta de pequenas e significativas conquistas, dia-a-dia.
46
Caminhadas de universitários de origem popular
Vida, educação e química. Uma longa caminhada!
Francisco de Assis dos Santos Silva*
Nasci em 05 de dezembro de 1985, numa pequena cidade do interior de Pernambuco,
chamada Canhotinho. Sou filho de Josefa Domingos dos Santos Silva e Geraldo Lima da
Silva. Eles moravam no sítio da família da minha mãe, localizado na zona rural de
Canhotinho, distante cerca de 20 km do centro da cidade. Um lugar esquecido por todos
e só tinha “carro” aos sábados, para levar as pessoas do sítio à feira na cidade. Um caminhão
pau-de-arara, sendo que, no inverno, nem isso tinha, pois o caminhão não conseguia
passar nas estradas.
Morei lá até os cinco anos de idade e não lembro de muita coisa, mas foi lá que tive
meu primeiro contato com a escola. Minha mãe trabalhava como merendeira no Grupo
Escolar da prefeitura que ficava a poucos metros do sítio. O Grupo Escolar atendia as
crianças dos sítios próximos e funcionava com as séries de 1ª a 4ª do Ensino Fundamental.
Possuía apenas uma sala de aula e uma professora que percorria quilômetros a cavalo para
chegar à escola, e durante o inverno, a dificuldade de acesso era ainda maior. Eu sempre ia
com a minha mãe para o Grupo Escolar e a professora Zuleide me dava umas folhas para que
eu cobrisse as letras. Meus irmãos diziam que eu jogava o papel no lixo e ficava chorando
quando a professora pedia para ver o que eu havia feito.
Como minha mãe, somente, sabe escrever seu próprio nome e meu pai estudou
apenas até a 4ª série do Ensino Fundamental, eles queriam que os filhos estudassem para
ter mais oportunidades que eles. Perceberam que se continuássemos morando no sítio
isso não seria possível. Como meu irmão mais velho, Cícero, já havia concluído a 4ª série
e não tinha como ir todo dia à cidade estudar, meus pais decidiram vir morar em Maceió.
Já tínhamos uma tia que morava aqui, e desta forma, ficamos morando com ela até
comprarmos uma casa no conjunto Benedito Bentes I, área periférica de Maceió. Nessa
época tinha cinco anos.
No ano seguinte, fui matriculado na Escola Pastor José Tavares de Souza, que
ficava a alguns minutos da minha casa. Nessa escola, vivenciei momentos importantes
da minha vida, amizades e frustrações. Na 1ª série, minha professora foi Helena, uma
ótima professora, que até hoje leciona lá. Foi na primeira 1ª série que a professora
percebeu que eu sempre sentava na frente, e mesmo assim, sentia muita dificuldade para
copiar do quadro. Então, minha mãe me levou ao oftalmologista e descobri que tinha
um alto grau de miopia.
*
Graduando em Química na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
47
Quando passei para a 2ª série, as escolas estaduais iniciaram uma greve e minha mãe
me colocou numa escola particular para não perder o ano. Assim que a greve acabou,
retornei para a escola estadual e continuei lá até a 7ª série. Sempre gostei muito de Ciências
e da professora dessa disciplina, Romélia.
Quando concluí a 7ª série, a Secretaria de Educação do Estado fez algumas
modificações na organização das escolas. A que eu estudava passou a atender apenas de 1ª
a 4ª série do Ensino Fundamental e todos os alunos de 5ª a 8ª série foram transferidos para
a Escola Dom Otávio Aguiar.
Não gostei nada da nova escola. Então, consegui uma vaga numa escola mais próxima,
Escola Drª. Eunice de Lemos Campos. Era considerada a melhor escola pública das cinco
que havia no bairro, pois tinha sido reformada e estava sendo equipada com laboratório de
informática. Eu comecei a cursar a 8ª série. Foi um ótimo ano, continuei estudando com
alguns amigos da escola anterior e fiz novos amigos.
Nesse ano, fiz meu primeiro curso básico de informática. Na verdade, apesar de nunca
ter usado um computador, já sabia muitas coisas, pois meu irmão tinha feito um curso e eu
estudava em casa pelas apostilas dele.
Quando passei para o 1º ano do Ensino Médio, precisei mudar para o turno noturno,
pois só havia Ensino Médio à noite, porém todos os meus amigos me acompanharam.
Iniciei uma participação mais ativa na escola em um projeto, no qual foi ofertado um curso
técnico de informática, através de uma parceria do Governo do Estado de Alagoas e da
Universidade Federal de Goiás. Após o curso fiquei trabalhando como monitor no laboratório
de informática da escola. A partir daí, tive um maior engajamento na escola e maior
comunicação com as diretoras e coordenadoras, obtendo uma melhor formação e uma visão
mais crítica da educação pública em meu Estado. Participei da elaboração do projeto
pedagógico, do regimento e de vários projetos da escola.
Sempre fui um aluno dedicado aos estudos e sempre busquei obter boas notas. Dentre
vários professores que tive no ensino médio, alguns se destacaram, tal como: o professor de
Química, Manoel que pagou para mim um curso técnico de Montagem e Manutenção de
Computadores no CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas.
Quando concluí o 1º ano do Ensino Médio, comecei a fazer o PSS (Processo Seletivo
Seriado) da UFAL (Universidade Federal de Alagoas). No 3º ano, chegou a hora de decidir
qual curso fazer. Como todos os jovens, eu, também, estava cheio de dúvidas, não sabendo
qual curso escolher, pois eram tantos e tão concorridos. Tive, então, a idéia de realizar
uma Feira de Profissões na escola em que estudava, para me ajudar a decidir e aos demais
alunos que estavam em dúvida. Conversei com a Diretora da escola e com alguns professores
e todos concordaram. Com a ajuda da direção, de alguns professores e da minha irmã
Elisabeth que, também, estudava na escola, foi elaborado o Projeto Profissões, com uma
série de atividades e cuja culminância seria uma feira de profissões. Consegui, com a
direção, apoio financeiro utilizando recursos do Projeto Alvorada do Governo Federal e
realizamos um linda feira de profissões, com a participação de cerca de 1500 alunos do
ensino médio da escola.
Ainda, muito indeciso entre alguns cursos, fiz uma lista dos quais poderia fazer, baseado
no critério de minha pontuação. Como o curso de Química era o menos concorrido da
minha lista, o escolhi. Confesso que não sabia bem como seria fazer um curso de Química,
pois a realidade nem sempre é do jeito que imaginamos. Apesar de nunca ter ficado sem
48
Caminhadas de universitários de origem popular
professores nessa disciplina, confesso que a qualidade do ensino não é muito boa, pois não
há professores concursados suficientes no Estado, não só em Química como, também, em
todas as disciplinas da área de exatas. Grande parte dos professores são monitores e alunos
da universidade de diversos cursos.
Meu irmão Cícero, também, fez vestibular para Química no mesmo ano e minha irmã,
Elisabeth, para letras. Somente eu passei na primeira fase. Foi uma grande felicidade, mas
era apenas a metade do caminho percorrido. Entrei num cursinho para fazer a 2ª fase, apesar
de saber que a concorrência do curso é baixa comparada com os demais, porém existe a
linha de corte e eu precisava acertar pelo menos 20% das provas da 2ª fase. Como estudei,
praticamente toda minha vida em escola pública, nem preciso comentar a qualidade do
ensino público, principalmente, no Nordeste. Acertar 20% das provas de Matemática, Física
e Redação não é algo tão fácil. Estudei durante um mês, pela manhã e à tarde, no cursinho,
e à noite e fins de semana, em casa.
Após o sufoco das provas, veio o pior: aguardar o resultado, pois, por serem as
provas formadas de questões discursivas, a correção demora cerca de um mês. Um tempo
interminável - achei um dos meses mais longos da minha vida - e estava muito ansioso,
pois havia prometido somente cortar o cabelo após o resultado. Tendo sido aprovado,
fiquei careca e foi uma emoção única!
Nunca tinha ido ao campus da universidade e quando cheguei lá quase caí do
susto que levei, pois a escola em que estudava, apesar de ser estadual, era nova, recémreformada e com uma boa estrutura. Já na universidade, todos os prédios estavam em
péssimo estado de conservação, cadeiras velhas nas salas de aula, instalação elétrica
exposta, banheiros quebrados, entre outras coisas. Felizmente, algumas dessas coisas
estão melhorando aos poucos.
Quando concluí o primeiro ano, comecei a trabalhar como professor bolsista da
Secretaria de Educação do Estado, justamente na escola em que estudei. Ensinava Química
e Matemática e foi ótimo, pois, passei a trabalhar com os meus antigos professores.
No segundo ano, fui bolsista da Fundepes (Fundação da UFAL) e do CNPQ, trabalhando
como monitor do Show de Química. Um lindo trabalho realizado na Usina Ciência – UFAL,
que tem como objetivo trabalhar a experimentação no ensino de química. Realizo os Shows
de Química, até hoje, e adoro ver os alunos entusiasmados com os experimentos que
realizamos. Apesar de ter escolhido o curso de Química, apenas pela facilidade de ingressar
na universidade, identifiquei-me muito com ele e me tornei um apaixonado pelo curso.
Já fui monitor de duas disciplinas: Química Geral e Experimental e Química Orgânica.
No terceiro ano, fiz a seleção e estou participando do Programa Conexões de Saberes. Atuo
no Pré-Vestibular Comunitário, lecionando Química, sempre mostrando que a Química está
no nosso dia-a-dia, na vida de cada um.
Universidade Federal de Alagoas
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Acreditar
Marcio Pereira Monteiro *
Essa é a palavra que por si só descreve a
minha vida...
Infância
Nasci em Ipioca, litoral norte da capital alagoana, bairro histórico conhecido por ser o
lugar onde nasceu o segundo presidente do Brasil, Marechal Floriano Peixoto - lugar pacato de
pessoas simples e trabalhadoras. Desde criança, fui informado de que tinha “duas mães”, o que
para mim não ficou claro (...). Como posso ter duas mães? Dizia eu. Mas logo entendi que a
pessoa que me criava e que eu conhecia como mãe, era a minha avó e que a minha mãe biológica
não morava comigo. Quanto ao pai, eu não tive dois, apenas um que valia por dois ou mais, meu
avô João Paulo. A ele devo tudo que sou e sei, pois foi ele quem sempre supriu, não apenas as
necessidades materiais, mas deixou um legado de moral e honestidade. Sendo ele pescador e
trabalhador rural e minha avó dona-de-casa, procuravam dar o melhor para mim (e deram). Não
o mais valioso, mas o possível e necessário, pois, para eles, a maior herança que poderiam me
deixar era o estudo e eu contemplava, nos esforços que faziam, meu acesso à escola.
Iniciei meus estudos com aulas de alfabetização numa escolinha do bairro com a professora
Alice. Aula particular que minha família, com muitos esforços conseguiu pagar. Depois foi
preciso conseguir uma vaga na primeira série, do então primeiro grau, em uma escola pública,
para estudar no próprio bairro, pois os outros ficavam distantes e o transporte dificultava e não
tínhamos como pagar passagem. Vivenciava, então, o primeiro desafio: conseguir uma vaga. Por
ser criança, acreditava que tudo transcorria muito bem, mas hoje, converso com minha avó e sei
das dificuldades que passaram para que eu tivesse acesso ao estudo.
Das poucas lembranças que tenho da infância, lembro que a nossa residência era
muito simples, e por não ser de alvenaria, estava vulnerável à chuva. Não era preciso um
temporal para que tudo dentro da casa ficasse sob as águas. Essa situação, embora triste,
fazia-me acreditar em uma vida melhor e digna para a minha família.
Pré-adolescência
Mesmo com o atraso de um ano, por causa das greves nas escolas públicas, consegui
concluir a quarta série. Contudo não imaginava que a vida estava apenas começando.
Precisei, então, sair da escola em que estudava, pois não era oferecido o ensino fundamental
*
Graduando em Música na UFAL.
50
Caminhadas de universitários de origem popular
e fui estudar em outro bairro. Enfrentei, porém, o problema do transporte para me deslocar
para outro bairro, porque necessitava do passe estudantil, que mesmo com desconto de
cinqüenta por cento na tarifa, ainda, ficava caro para a minha família. Minha mãe (biológica)
ajudava muito com o seu trabalho, entretanto, não era o suficiente.
Houve uma situação que jamais esquecerei. Pelas boas notas obtidas nas disciplinas,
fui contemplado com um curso de informática, Imaginando ser uma bolsa completa, procurei
a escola para fazer a matrícula e descobri, juntamente com minha mãe, que o curso não era
gratuito como imaginávamos, e sim, uma bolsa parcial. Fiquei muito triste por saber que
minha mãe não poderia pagar. Ela vendo minha tristeza e decepção, resolveu fazer a minha
matrícula, mesmo sem saber como faria para pagar as mensalidades durante onze meses.
Resolvi, então, fazer o que fosse preciso para concluir o curso. Foram incontáveis às vezes
que precisei ficar o dia inteiro apenas com a merenda cedida na escola. Foi preciso, ainda,
fazer vários cortes no orçamento familiar, renunciando até de meu lanche diário, pois
freqüentava o curso pela manhã e tinha aulas regulares à tarde. Foram dias difíceis, mas
apesar de tudo, concluí o curso, feliz pela recompensa de tanto esforço.
Paralelo a minha vida de estudante, dedicava-me à igreja, lugar onde desde criança
aprendi o sentido da minha existência e descobri o talento para a arte musical. Sempre senti
o desejo de estudar numa escola de música, mas por motivo financeiro, não era possível. No
entanto, resolvi enfrentar o desafio de estudar sozinho e comecei estudando com um teclado
emprestado de um amigo, muito generoso em emprestar seu instrumento. Quando não
conseguia usava a criatividade, desenhava várias teclas numa cartolina e estudava
imaginando os sons. Após alguns meses de estudo, já me destacava entre os músicos da
igreja, a ponto de ministrar aulas a outros jovens, surgindo, assim, uma possibilidade de
ganhar dinheiro com aulas particulares.
A paixão pela música foi aumentando a cada dia e o desejo de me aprofundar nos
estudos era grande. Embora ganhasse algum dinheiro com as aulas particulares, ainda, não
possuía condições financeiras favoráveis para pagar as mensalidades de uma escola de
música, nem tão pouco um professor particular.
Juventude
No período de transição da adolescência para a juventude, vivenciava problemas para
concluir o ensino fundamental: as dificuldades nos conteúdos, bem como a falta de professores
e tudo isso era camuflado pelo desejo de avançar em mais uma fase na vida de estudante.
Ingressei no ensino médio, imaginando que seria um preparativo para o ensino
superior. Não me dava conta da guerra que logo enfrentaria, numa concorrência injusta no
Processo Seletivo Seriado (PSS). O conteúdo estudado era o mesmo que seria cobrado no
PSS e isso me entristecia, principalmente, quando os professores exigiam conhecimentos
que deveriam ter sido adquiridos no ensino fundamental, fazendo-os, assim, reduzirem o
nível de cobrança nas matérias.
FRUSTRAÇÃO! Essa palavra descreve o momento em que vi minha pontuação, no
PSS 1. A partir daquele momento, senti que o desafio era maior do que eu imaginava. Sentime despreparado e sem condições de concorrer a uma vaga no ensino superior. Felizmente,
ainda, tive tempo, pois a partir daquele momento, não medi esforços para recuperar o tempo
perdido, e tendo estudado muito em casa, consegui uma melhor pontuação no PPS 2. Cheguei,
então, à etapa final, o PSS 3. Momento decisivo na minha vida, pois precisava escolher um
Universidade Federal de Alagoas
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curso e este foi um dos momentos mais difíceis - qual o curso escolher? Apesar de gostar
muito de música, não tive apoio para escolher esta profissão, pois sempre fui aconselhado,
pelos colegas, a escolher um curso onde houvesse grande procura no mercado e deixasse a
música como um lazer semanal. No entanto, não conseguiram me convencer, meu desejo de
estudar música foi maior e fiz a inscrição para licenciatura em música.
MAIS UM DETALHE: para que efetuasse a inscrição era exigido um conhecimento
específico em música, avaliado em um teste de aptidão. Apesar de ter conhecimentos musicais,
não obtive êxito no teste, restando, assim, a segunda opção de curso, na qual escolhi
administração de empresas. Mesmo desanimado, fiz a prova para o vestibular, e para ser
sincero, não tinha a mínima vontade de ser aprovado, pois não seria feliz fazendo o que não
gostava. Aconteceu: não fui aprovado.
E agora? Concluído o ensino médio e não conseguindo uma vaga no ensino superior,
o que fazer? Trabalhar? Em quê? Retomar os estudos? Como? Pensei, em vários momentos,
desistir dos estudos, pois não tinha como me sustentar e precisava ajudar a minha família.
Trabalhar seria a melhor solução.
ALGO DE ESPECIAL ACONTECEU! Fui convidado a trabalhar como tecladista na
Igreja Batista da Pajuçara. Dentre algumas recomendações para consolidar minha contratação,
estava uma que me deixou feliz: a de me aprofundar nos conhecimentos musicais. Era o
incentivo de que eu precisava: trabalhar e estudar. Estudei com muita dedicação, até que
chegou o dia da inscrição para o vestibular. Desta vez e preparado, fui aprovado no exame
de aptidão e me inscrevi para o tão sonhado curso. Restavam, então, apenas as fases do PSS.
Fiquei preocupado, pois por me dedicar, exclusivamente, para o exame específico, senti-me
obrigado a dedicar horas de estudos diários. Tentei fazer um cursinho pré-vestibular com
um preço bem popular, porém, este faliu dois meses depois de inaugurado. A solução
encontrada foi estudar em casa. Consegui a aprovação na primeira fase e uma bolsa parcial
em um outro cursinho. Assim fui aprovado na UFAL.
Emoção e lágrimas por ingressar no ensino superior, iniciando mais uma etapa da
vida, porém, outros desafios estavam por vir. Tudo estava bem até o primeiro dia de aula:
livros, fotocópias, transporte, cursos extras, UFA! Estudar e trabalhar para manter os estudos.
Na verdade, essa tem sido a minha vida ao longo desses quatro anos. Continuo trabalhando
na igreja, e desta vez, como ministro de música e responsável pelo coro misto. Na carreira
acadêmica, estou desenvolvendo meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), além de
continuar no Programa Conexões de Saberes da Pró-Reitoria de Extensão, nesta universidade.
Iniciei, nesse programa, na metade do terceiro ano (2006). Uma atividade que tem
contribuído com a minha prática em sala de aula, bem como o prazer de contribuir junto à
comunidade, com ações que vão ao encontro das camadas mais necessitadas, pois tenho
vivido experiências que ajudarão na minha formação. Dentre as atividades das quais
participei, gostaria de destacar a participação no II Seminário Nacional do Programa
Conexões de Saberes, realizado no Rio de Janeiro. Foi uma oportunidade de encontro com
estudantes de outras universidades, como também, uma grande satisfação de estar
contribuindo com o desenvolvimento do ensino superior no país.
Essa minha trajetória de vida, faz-me refletir acerca do problema da educação do país.
Dentre todos os problemas que enfrentei, gostaria de destacar a precariedade no ensino de
base, pois muitos dos problemas para o ingresso na universidade poderiam ter sido
minimizados, se houvessem políticas de incentivos aos estudantes na educação básica.
52
Caminhadas de universitários de origem popular
Como por exemplo: melhorias na formação dos professores, melhores salários para estimulálos no exercício da profissão e políticas públicas para que os estudantes possam desenvolver
atividades escolares em horário integral.
Gostaria de registrar, também, minhas críticas às universidades, que por vaidade de
seus membros e pelo desejo de status junto à comunidade científica, não desenvolvem
políticas com ações afirmativas que visem o acesso e à permanência dos estudantes,
oriundos das camadas populares, no curso superior. A falta de tais políticas acaba
favorecendo, assim, a desigualdade social, fato que vai de encontro à inclusão social, tão
propagada pela universidade.
Universidade Federal de Alagoas
53
Nunca é tarde para recomeçar
Maria Rejane Silva Barros *
Tudo teve início, em 1958, quando minha mãe Enedina Maria, natural de Atalaia, mudouse para o Sítio Mão Direita em União dos Palmares-Alagoas, onde o meu pai José Emidio
residia, com apenas nove anos de idade. Eles se conheceram e meu pai conta que, quando a
viu, disse para alguns amigos que iria se casar com aquela morena. Em 14 de fevereiro de
1971, casaram-se, ambos com vinte e um anos. No ano seguinte, nasceu a primeira filha
Eliane, e três anos depois, nasci em 05 de agosto de 1975, na madrugada de uma terça-feira.
Sou a segunda filha de um total de seis, sendo quatro mulheres e dois homens.
A vida no campo foi muito difícil. Trabalhei na roça e me orgulho muito disso, pois
trabalho desde os oito anos e sempre soube dar valor ao trabalho. Não só o meu como,
também, o dos meus pais, que não mediram esforços para dar a mim e aos meus irmãos uma
vida melhor do que a que eles tiveram. Mesmo assim, nunca desisti, e sempre, tive esperança
de que um dia minha vida iria melhorar.
Quando criança, gostava muito de brincar, como jogar bolinha de gude, futebol e
boneca. Só aprendi a andar de bicicleta depois dos 16 anos. Sei que tinha, ainda, muitas
coisas boas para aproveitar, mas não tinha condições financeiras, nem tempo, pois quando
não estava trabalhando na roça e estudando, estava em casa ajudando minha mãe nas tarefas
domésticas. Orgulho-me, porém, de tudo o que aprendi quando criança, visto que contribuiu
bastante para minha formação, não só pessoal, como também, acadêmica.
Só em 1985, aos dez anos de idade, comecei a estudar. Como no interior não tinha
escola de alfabetização, já comecei na 1ª série. Iniciei cobrindo letras, e no final do ano,
passei para a 2ª série, pois sempre tive muita vontade de aprender, mesmo com todas as
dificuldades que existiam e do fato de meus pais não terem boa formação escolar. O meu pai
sabia ler e escrever, mas a minha mãe não. Mesmo assim, sempre incentivaram os filhos,
pelo menos a aprender a ler e a escrever, pois achavam que era o suficiente.
Em outubro de 1986, fiquei sem estudar, porque a professora foi embora da cidade,
não tinha outra para substituí-la e acabei perdendo o ano letivo. Só em 1988, apareceu uma
professora, o que possibilitou a conclusão da 2ª série. Mais uma vez, tive que parar os meus
estudos por um ano, juntamente com a minha irmã mais nova, devido a motivo de doença
da minha avó materna, e também, porque meus dois irmãos mais novos Jeane e Mário já
estavam na idade de estudar. Tive que parar e deixar a vaga para eles, pois já sabia ler e
escrever e eles não.
*
Graduanda em Biblioteconomia na UFAL.
54
Caminhadas de universitários de origem popular
Em 1994, nasceu o meu irmão caçula Márcio. Foi um momento difícil, pois minha mãe
estava com 44 anos e sabíamos que era uma gravidez de risco, mas não perdemos a esperança e
com sete meses de gestação, ele nasceu. Como era prematuro, passou onze dias na incubadora da
maternidade em que nasceu, e em 26 de fevereiro, chegou em casa para alegria de toda família.
Somente voltei a estudar em 1997, nove anos depois de ter parado. Estava com 22
anos e não tinha a vontade de estudar que eu tinha antes. Tudo isso dificultou a minha
aprendizagem ao longo do tempo. Mesmo assim, fui passando de ano, e em 1999, comecei
a estudar a 5ª série em uma escola estadual da minha cidade, mas passava cerca de 50
minutos em uma camionete para ir do sítio até a cidade.
Em janeiro de 2000, passei por uma seleção e comecei a lecionar jovens e adultos,
através do Programa Alfabetização Solidária. Foi uma experiência muito importante, pois
foi, assim, que consegui alfabetizar a minha mãe, Enedina, fato que me emociona muito.
Participei de uma capacitação na Universidade Federal de Alagoas, e nessa época,
cheguei a comentar com alguns colegas: “Será que um dia eu estudarei aqui?” Eles falaram
que só dependia de mim. Esse ano foi bastante difícil e cansativo, pois sempre estudei à
noite e precisei estudar à tarde. Para isso, caminhava cerca de uma hora até o ponto do carro
dos estudantes e mais uma hora para voltar.
No final de 2000, conheci o meu esposo, mas só começamos a namorar em abril de
2001, um ano bem difícil, porque minha família não aceitava o nosso namoro. Alegavam
diversos motivos, e entre eles, o fato de ele ter 25 anos a mais que eu. Isso nunca me
incomodou, e em agosto do mesmo ano, noivamos.
No início de dezembro, terminei a 7ª série e no dia 13 me casei e fui morar na capital,
Maceió, onde ele morava.
Senti dificuldade em me adaptar num lugar estranho, ficando um pouco perdida.
Contei, porém, com a ajuda de meu esposo que, revelando-se um verdadeiro amigo, tratou
logo de procurar uma boa escola para que eu continuasse a estudar. No conjunto habitacional
em que morávamos, não havia escola pública com 8ª série. Fiquei triste, mas ele não deixou
que desanimasse, procurou uma escola particular e me matriculou. Fiquei apreensiva, pois
sempre estudei em escola pública e sabia que, no início, sentiria muitas dificuldades. No
começo, não foi fácil. Algumas vezes tentei desistir, mas meu esposo dizia “não senhora,
nem pense nisso, pois não deixarei você desistir. Tenho certeza de que você é capaz, vai
passar de ano sim e tenha fé em Deus que tudo vai dar certo”. Confesso que, muitas vezes,
não acreditava no que ele me falava, devido às nossas dificuldades financeiras. Mas ele
estava certo, mesmo tendo muitas dificuldades, com fé em Deus, o apoio dele, a minha força
de vontade e o incentivo dos professores, consegui passar para o 1º ano do Ensino Médio.
Em 2003, voltei para a escola pública, onde cursei os três anos do Ensino Médio, os
quais, também, foram muito difíceis. Comecei o ano letivo no final de maio desse ano, passei
alguns meses com falta de professores em algumas disciplinas importantes, e em dezembro,
iria participar da 1ª prova do Processo Seletivo Seriado (PSS 1). O pré-vestibular é composto
por três etapas, até chegar a final quando é disputada a vaga para entrar na universidade
pública, muito concorrida, não só por estudantes locais, mas também, de outros estados.
No PSS 1, pontuei em todas as disciplinas, com exceção de Língua Portuguesa. Como
não pode “zerar” a mesma disciplina nos três anos consecutivos, em 2004 - 2º ano e segundo
PSS - preocupei-me mais com Língua Portuguesa, e graças a Deus, pontuei nela. Nas outras
não, e mesmo assim, fiquei tranqüila.
Universidade Federal de Alagoas
55
O último ano era decisivo para o meu futuro, pois dele dependeria minha vida acadêmica
e profissional. Pesquisei algumas profissões e me interessei por Biblioteconomia por diversos
fatores, entre eles: o campo de trabalho que estava em expansão e pela baixa concorrência.
Em dezembro de 2005, prestei o último ano de vestibular, ou seja, o PSS 3. Não estava
muito confiante, mas o meu esposo, como sempre, dizia que eu iria passar. Devido à falta de
alguns professores, de greves e por não ter feito nenhum cursinho preparatório para o
vestibular, apenas participei de um aulão comunitário, aqui mesmo no conjunto onde
moro. Nesse dia, ganhei um convite para participar de uma revisão de véspera. Com isso,
consegui passar na 1ª fase. Com muito esforço, resolvi fazer uma semana de revisão. Muitas
vezes, em algumas aulas, os professores falavam dos prováveis assuntos que iriam cair na
prova do vestibular e eu ficava pensando: o que é que o professor estava falando, já que não
tinha terminado o 3º ano, ainda, não havia estudado alguns daqueles assuntos, mas com as
dicas dos professores e o que estudava em casa, consegui passar.
Em 10 de fevereiro de 2006, à noite, por volta das 18 horas e 40 minutos saiu o
resultado: passei no vestibular para o Curso de Biblioteconomia! E qual foi a minha surpresa,
em quarto lugar. Foi muita alegria, não só para mim, mas também, para toda a minha família,
e em especial, o meu esposo José Barros, quem sempre me incentivou e acreditou no meu
potencial, até mesmo mais do que eu.
Em março de 2006, comecei a cursar o 1º ano de Biblioteconomia na Universidade Federal
de Alagoas, onde enfrentei diversas dificuldades. Tudo era novo para mim, porém, dessa vez, já
estava mais confiante. Todavia, os desafios não terminaram. Eu queria, muito, trabalhar e isso só
aconteceu no dia 29 de agosto desse ano, quando entrei para o Programa Conexões de Saberes
no Projeto Educação Complementar e Cidadania. Fui indicada por um colega de classe, porque
uma colega de meu curso havia desistido, por ter passado em um concurso.
Posso dizer que o trabalho de organização da biblioteca e incentivo à leitura que
venho desenvolvendo, ao longo desses meses, tem contribuído muito para minha
aprendizagem e vem ampliando os meus conhecimentos, tanto pessoais como intelectuais.
Em novembro desse ano, junto com os demais colegas do Programa Conexões de
Saberes, participei do encontro nacional do programa no Rio de Janeiro, onde conheci
outras pessoas e diversas culturas. Pude perceber que existe um mundo o qual não conhecia,
o qual me despertou interesse especial. Sei que tenho muito a ensinar, e principalmente, a
aprender. Esse programa do qual faço parte tem um papel de grande importância, não só de
aprendizagem, mas também, social, pois mostra para as crianças e adolescentes que eles têm
potencial e que depende apenas deles terem um futuro melhor.
A universidade tem me dado uma visão crítica da realidade, que antes não possuía. Estou no
segundo ano, e apesar de todas as dificuldades porque passei para chegar até aqui, tenho certeza de
que venci, apenas, alguns dos muitos obstáculos que ainda irei encontrar ao longo da minha vida
acadêmica. Aprendi, porém: que nunca devemos desistir, que temos sempre que persistir, que o
nosso sucesso depende da fé que temos em um ser supremo que é Deus e em nós mesmos.
Quando terminar a graduação, pretendo fazer uma especialização. Não sei,
especificamente, em que área, mas já tenho este projeto para o futuro. Pretendo, também,
continuar fazendo um trabalho voltado para o bem-estar, não só de crianças e adolescentes,
mas daqueles que, como eu, nunca tiveram a oportunidade de estudar.
Essa é a minha história de vida. Espero que, em um futuro próximo, esteja contando mais
uma vitória conquistada, pois ter origem humilde e vencer na vida é uma verdadeira vitória.
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Caminhadas de universitários de origem popular
O melhor está por vir
Thiago José Andrade Nascimento *
Os jovens se cansarão e se fatigarão, e os
mancebos cairão, mas os que esperam no
Senhor renovarão as suas forças; subirão
com asas como águias, correrão e não se
cansarão, caminharão e não se fatigarão.
Isaías 40: 30-31
Minha caminhada começou no dia 30 de abril de 1986. Nasci no antigo Hospital São
Sebastião, em Maceió-AL, às 14 horas. Sou filho de Ana Luzia Andrade Nascimento e
Gilson Ferreira Nascimento. A história de minha vida é realmente, uma história cheia de
caminhadas, de forma que o título desta coletânea vem bem a calhar.
Meu pai era funcionário da CASAL, a Companhia de Abastecimento de Água de
Alagoas (hoje, ele está aposentado) e minha mãe, dona-de-casa. Em nossa casa, sempre
fomos quatro pessoas: meus pais, meu irmão e eu. Quando eu nasci, morávamos na Pajuçara,
perto da praia, de onde vem minha paixão pelo mar. Desde criança, ir à praia é uma das
coisas que mais me dão prazer. Não a praia em si - cheia de gente, e nos dias de feriado, de
algazarra e barulheira - mas do mar. Ele me dá uma grande sensação de paz e me faz lembrar
como Deus nos amou.
Em 1990, mudamos para o bairro do Tabuleiro dos Martins, na parte alta da cidade.
Minha infância foi tranqüila. Nunca fui uma criança muito levada. Eu não saía de casa
sozinho e meus amigos eram os colegas de escola, pois quando eu não estava na escola,
estava em casa. Naquela época, eu não tinha grandes preocupações e nem sabia o que se
passava à minha volta. Não tinha consciência das dificuldades e das lutas, pois, para mim,
a vida era simples e divertida. Não tinha luxo, nem gozava de grandes regalias, como
brinquedos sofisticados e TV a cabo, mas conseguia achar na simplicidade o divertimento
e a alegria. Costumava ser um bom aluno e tirava boas notas. Não era muito de estudar,
porém era organizado. A educação oferecida por meus pais e os valores que me foram
passados, contribuíram para que eu tivesse uma vida escolar tranqüila. Meus pais sempre se
preocuparam em me dar uma educação de qualidade, devido à consciência que tinham de
que meu futuro dependeria disso.
*
Graduando em História na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
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Eu tinha muitos sonhos, assim como toda criança. Quis ser desde jogador de futebol e
até piloto de caça. Quis ter muito dinheiro, para dar uma vida de conforto para a minha família.
Só não queria ser professor. É engraçado porque, hoje, não me vejo fazendo outra coisa.
No ano de 2000, eu estava cursando a oitava série do ensino fundamental, surgiu a
oportunidade de fazer o exame de seleção para o Centro Federal de Educação Tecnológica
de Alagoas (CEFET) e fui aprovado. Desse modo, cursei o ensino médio em uma instituição
pública e de qualidade. Esse acontecimento, o ingresso no CEFET, foi um divisor de águas
em minha vida.
Ingressei no CEFET aos 15 anos. Era um garoto, extremamente, tímido que não andava
de ônibus sozinho, não costumava se relacionar com pessoas muito diferentes, vindas dos
mais variados lugares e com diferentes hábitos e visões de mundo. Lá, aprendi muita coisa,
e bem mais do que os conteúdos das disciplinas. Aprendizados úteis para a vida. Foi lá que
conheci o evangelho. Um indivíduo de aparência não muito convencional, jovem e cheio
de ousadia, me fez uma exposição da Bíblia e do evangelho do reino de Deus. Como eu era
cheio de preconceitos, minha primeira atitude com relação à sua pregação, foi de recusa.
Achava-me muito inteligente para “virar crente”. Afinal, todo crente era trouxa e fanático e
era o que eu pensava naquela época. Também, achava que a Bíblia era um livro de lendas,
sem nenhuma credibilidade. No entanto, um dia, as barreiras caíram e eu aceitei Jesus como
meu Senhor e Salvador. Essa decisão mudou a minha vida, radicalmente.
Ainda no ensino médio, percebi que tinha um grande interesse por História, pois eu lia
muitos livros e gostava de ler sobre guerras. Fiz o vestibular em 2003, e sem fazer cursinho
ou qualquer preparação especial, consegui ser aprovado. Posso dizer que tive muita sorte
por ter estudado em uma instituição de referência em meu Estado, ainda que pública. No
mesmo ano fui aprovado no exame de seleção para o curso técnico de eletrônica no CEFET,
mas acabei cursando só um semestre. A eletrônica não me empolgou muito.
É preciso que eu diga que essas vitórias (embora esteja apenas começando) são frutos
do trabalho e da dedicação dos meus pais. Meu pai sempre foi um exemplo de honestidade
e trabalho em minha vida, pois sempre se esforçou para que seus filhos tivessem uma boa
educação. Nunca deixou que nada nos faltasse e estou ciente de que, sem o seu esforço, nós
não teríamos chegado à universidade. Minha mãe, também, foi muito importante, pois se
sacrificou muito pelos filhos. Por isso, não posso deixar de fazer essa citação, embora eles
mereçam muito mais.
No entanto, é impossível falar em vestibular e não falar dos problemas que existem na
educação do Brasil. Problemas esses que ficam mais visíveis em momentos como o do
vestibular. Vejo muitos amigos de infância que não conseguiram ingressar na universidade,
porque não tiveram oportunidade. O Estado não tem proporcionado às mesmas oportunidades
para todos, de forma que, na periferia de Maceió, temos: muitos jovens ociosos, sem trabalho,
sem estudo, sem condições de prestar um vestibular ou de ter um futuro promissor.
Percebemos a elitização de certos cursos e a hegemonia daqueles cursinhos caros, que
preparam aqueles que podem pagar para ocupar às vagas nos cursos mais concorridos da
universidade. Dessa forma, na sociedade maceioense, os postos de comando são ocupados
pelas mesmas famílias. As escolas públicas não têm oferecido para seus alunos a mesma
bagagem e preparação que as escolas particulares. Essa é uma das razões da existência do
pré-vestibular comunitário Conexões de Saberes, que atende a alunos procedentes da rede
pública de ensino, visando minimizar esse problema e preparar esses alunos para o vestibular.
58
Caminhadas de universitários de origem popular
Na universidade, encontrei uma situação que já esperava. Problemas estruturais, alguns
professores despreparados, carências na área de pesquisa e alunos descomprometidos. Penso
que nós devemos superar essas dificuldades. Encará-las como desafios, como obstáculos e
superá-los. Isso torna a caminhada mais prazerosa e as vitórias mais apreciáveis. Também,
há pontos positivos: os serviços que a universidade oferece, a ampliação de horizontes,
professores com grande conhecimento, além do diploma.
Em 2005, tornei-me membro ativo da Comunidade Evangélica - Sara Nossa Terra.
Meu ingresso tardio na igreja se deu por vários motivos, uma vez que minha conversão
aconteceu em 2001. Mas o fato é que, por meio de uma célula eu pude me integrar na
comunidade. Uma célula é uma reunião semanal que acontece fora da igreja. Estou colocando
essas informações aqui, porque são determinantes em minha história. De outra forma, minha
vida teria tomado outro rumo e eu não estaria escrevendo este memorial.
Em maio de 2006, tomei conhecimento do Programa Conexões de Saberes, participei do
processo de seleção e fui aprovado. Recebi a informação que no programa haveria um projeto de
pré-vestibular comunitário e fiquei interessado em fazer parte. Eu já tinha o desejo de estar em
algum projeto que facilitasse o ingresso de estudantes de origem popular na universidade.
Quando o pré-vestibular do Conexões surgiu, eu sabia que estaria nele, uma vez que
a Bíblia fala que Deus realiza os desejos do coração dos que se agradam dele. O ingresso no
programa foi muito importante para mim (e continua sendo), uma vez que ele amplia os
horizontes dos participantes, dá experiência, conhecimento, bolsa, além de cumprir sua
função social, já que o trabalho com as comunidades é o ponto alto do programa.
A troca de saberes, a aproximação das comunidades populares e a universidade é
muito importante, fazendo do Conexões de Saberes um programa de extrema importância
na área da extensão universitária.
Em 2007, espero concluir a minha graduação, desempenhando com excelência meu
papel no Programa Conexões de Saberes, no pré-vestibular e no programa de maneira geral.
Tenho um projeto para o futuro e sei onde quero estar daqui a 3, 5, 10 e 20 anos. Para
alcançar minhas metas vou continuar cumprindo princípios, estudando e trabalhando
bastante. Espero prosseguir na carreira acadêmica, fazer pós-graduação e assumir o ministério
para o qual o Senhor me chamou. Quando você conhece Deus e tem um relacionamento
pessoal com Ele, tem segurança e confiança, sente que tudo que for pedido lhe será dado,
desde que você não saia do propósito.
Busquei, durante muito tempo, trilhar um caminho para mim e fazer os meus planos,
porém, descobri que só há um caminho e que tudo começa com Deus. Ele tem propósitos e
sua vontade é boa, perfeita e agradável. Sei que a graduação em História e a participação no
Conexões de Saberes estão dentro do propósito. Meu maior desejo é cumprir esse propósito
plenamente, como dizia Paulo, “terminar a carreira, combater o bom combate, guardar a fé”.
Sei que aquele que iniciou a boa obra na minha vida é fiel para terminar. Com essa
esperança vivo a cada dia, sabendo que o melhor ainda está por vir.
E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e
orar, e buscar a minha face e se desviar de seus maus caminhos,
então eu o ouvirei do céu, perdoarei os seus pecados e sararei
a sua terra.
II Crônicas 7:14
Universidade Federal de Alagoas
59
Uma história cheia de caminhadas
Vívia Dayana Gomes dos Santos *
Nasci em 14 de maio de 1985 na capital de Alagoas, Maceió. Era uma época muito
difícil para meus pais, pois, até então, meu pai, Amaro Antonio, estava desempregado e
morando com minha mãe, Quitéria Gomes, na casa de sua irmã, na favela do Ouro Preto.
Até o nascimento de meu irmão, três anos depois, a nossa vida foi se estabilizando.
Meu pai, trabalhou em várias empresas de ônibus como mecânico, e assim, fomos melhorando
de vida. Foi nessa circunstância, que tive meu primeiro contato com a escola. Passei a
freqüentar uma escolinha de jardins I, II e pré-escolar.
Visto que minha mãe cuidava de meu irmão pequeno, Vinicius Dyêgo, não tinha muita
paciência de me ajudar nas “tarefinhas” de casa. Lembro-me que se eu fizesse alguma coisa
errada em meu caderno de respostas, levava logo um monte de beliscões. Mas foi, assim,
que aprendi a ler antes da alfabetização.
Devido à falta de emprego, em 1990, meu pai vendeu todos os nossos móveis e
eletrodomésticos, e fomos para Recife-PE. O bairro em que morávamos era cheio de altos e
córregos e eu morava em um desses córregos chamado de Córrego do Caruá. Quando chovia,
ficávamos em estado de alerta, pois, a qualquer momento, uma barreira poderia deslizar
derrubando várias casas e tirando a vida de muitas pessoas.
Assim que chegamos a Recife, passei a freqüentar uma escola do município que ficava
a uns 20 minutos de caminhada de minha casa. Quando estava cursando a 1ª série, minha
mãe percebeu que o que as professoras estavam me ensinando era o que eu já sabia. Por isso,
exigiu que a diretora da escola me colocasse logo na 2ª série. Resumindo, acabei fazendo a
2ª série duas vezes por causa da idade.
Quando passei para a 3ª série, minha mãe me matriculou em outra escola do município
que ficava mais perto de casa, uns 5 minutos. Como toda criança tímida, eu ficava no
cantinho da parede e só falava com quem vinha falar comigo. Mas como sempre, continuava
estudiosa, obtendo boas notas e quase nunca dava trabalho às professoras e à minha mãe.
Na 4ª série, eu já estava mais à vontade com a escola e com as pessoas. Já havia feito
amizade com quase todos os funcionários, e até mesmo, pessoas que estudavam em outros
turnos já me conheciam.
Quando passei para a 5ª série, senti-me um pouco insegura e com medo, pois, agora,
teria um professor para cada disciplina e alguma, ainda não conhecia. Mas quando ingressei,
vi que não era tão ruim assim, era só estudar um pouquinho mais.
*
Graduanda em Matemática na UFAL.
60
Caminhadas de universitários de origem popular
Ao terminar o primeiro semestre, no ano de 1996, minha casa foi assaltada e devido ao
susto e medo de continuar lá, meus pais decidiram mudar naquela mesma semana. Foi tudo
muito rápido. Nem tive tempo de me despedir de minhas amizades da escola e acho que
muitos, até hoje, não sabem o que aconteceu comigo!
Enquanto meus pais decidiam o que fazer e onde iríamos morar, ficamos por três meses
na casa de minha tia na cidade de Camaragibe, ainda em Pernambuco. Nesse período, fui
estudar em uma Escola Estadual, que ficava no centro daquela cidade.
A escola era grande e tinha uma boa estrutura, mas não gostei muito de estudar lá.
Não me lembro muito bem dos professores. Na turma em que fiquei, a maioria das pessoas
eram mais velhas do que eu. Ninguém se aproximava de mim e nem eu ia até eles, devido
à timidez. Durante o tempo em que fiquei nessa escola, só fiz uma amizade, e também,
nem tive tempo de fazer alguma avaliação para nota, o que me fez ficar sem notas no
segundo semestre.
Durante as festas juninas, voltamos para Maceió. Eu estava ansiosa por estar de volta
à minha cidade de origem, porém, um pouco triste por ter deixado minha pequena casa
confortável e meus amigos da vizinhança e da escola.
Chegando a Maceió, meus pais tiveram duas preocupações: emprego para meu pai e
escola para meu irmão e para mim. Nessa época, todas as escolas do estado estavam em
greve e visto que já estávamos no meio do ano, seria complicado conseguir vaga em alguma
escola. Estávamos correndo o risco de perder o ano.
Não demorou muito, a greve acabou. Meu irmão foi matriculado em uma escola do
município perto de casa e eu numa escola do estado - Escola Estadual Maria Margarez
Lacet. Era uma escola conceituada e de ótima estrutura. Foi lá que fiquei até terminar o
ensino médio. Devido à greve, ela atrasou bastante o ano letivo, o que foi bom para mim,
pois não havia mais o risco de perder o ano.
A escola ficava muito distante de minha casa e como a situação não era muito boa,
todos os dias eu tinha de caminhar 30 minutos sob o Sol escaldante do meio-dia. Quando
chovia, a situação era pior ainda, pois todas as ruas que davam acesso à escola ficavam
alagadas. Se fosse o caso de não poder faltar à aula devido a alguma avaliação, teria que
ir de ônibus.
Demorou um tempo para me adaptar com o pessoal e com a escola, mas em pouco
tempo fiz muitas amizades, algumas das quais vejo até hoje, e outras, muito poucas, encontro
na universidade.
Quando eu ainda estava na 5ª série, desenvolvi uma paixão pela profissão de dentista, ao
ler meu livro de ciências. Era isto que eu queria ser quando crescer: uma dentista bem-sucedida.
Então, como fui parar no curso de matemática?
Geralmente, começamos a pensar sério em fazer ou não um curso superior quando
ingressamos no ensino médio, principalmente no último ano. Pelo menos comigo foi assim.
Aqui em Maceió, para ingressarmos na UFAL (Universidade Federal de Alagoas) não
fazemos o vestibular, mas o PSS (Processo Seletivo Seriado). No final de cada série do
ensino médio, é feita uma prova e, no último ano, faz-se uma média geral. Dependendo da
pontuação obtida, a pessoa opta pelo curso desejado.
Enquanto cursava o 2º ano do ensino médio, comecei a refletir no que, realmente,
queria para o meu futuro e percebi que, no meu caso, a melhor opção seria entrar
na faculdade.
Universidade Federal de Alagoas
61
Visto que sempre estudei em escolas públicas, concorrer para o curso de odontologia
seria muito complicado, pois devido aos problemas comuns da educação pública (greve,
reformas e falta de professores), eu não estava preparada. Com isso, fiquei pensando que
seria mais viável optar por um curso não muito concorrido, que não demorasse muito para
ser concluído, e que me proporcionasse emprego garantido.
Ao analisar vários cursos disponibilizados pela UFAL, observei os que mais se
enquadravam na minha procura. Eram os cursos de licenciatura, pois apesar de não receber o
que, realmente, merece por seu indispensável trabalho, um professor nunca fica desempregado.
Então, optei pelo curso de Matemática, pois das disciplinas que estudara na escola,
Matemática era a que mais se identificava comigo. Além do mais, sabia que, ao me formar,
não ficaria desempregada devido à grande carência de professores na área de exatas.
Ao terminar o terceiro ano do ensino médio, fiz o PSS3, fui aprovada para segunda
fase e faria as provas de redação e matérias específicas, que no meu caso seriam Matemática
e Física. Não estava muito confiante de que iria passar devido ao meu conhecimento limitado
nessas disciplinas, e de fato, não passei. Naquele momento, fiquei muito triste, mas depois
percebi que foi melhor assim, porque não conseguiria acompanhar um curso universitário
com tão pouca base.
Durante o ano de 2003, comecei a trabalhar em uma escolinha particular, dando aulas
para alunos de 3ª e 4ª séries do ensino fundamental, ganhando muito pouco para pagar um
cursinho pré-vestibular, pois ainda tinha esperança de entrar no curso de Matemática da
UFAL. Com isso, paguei um curso de matérias isoladas, Matemática e Física, e no final do
ano, fiz um outro cursinho de um mês para revisar todas as matérias.
Todo esse esforço valeu a pena, pois em 2004, fui aprovada em 13° lugar no curso de
matemática diurno. Devido a muitos esforços e dedicação exclusiva ao curso, nunca fui
reprovada em nenhuma disciplina, e hoje - 2007, estou no último ano da graduação com
expectativa de ingressar no mestrado, coisa que quero muito e vou lutar para isso.
Nos meus dois primeiros anos de UFAL, minha preocupação era, somente, com os
estudos. Mas em 2005, no início do 3° ano, percebi que a situação financeira da minha
família estava cada vez mais difícil, e assim, teria que procurar algo para mudar essa situação.
Foi quando resolvi ir à Secretaria da Educação do Estado e lá consegui uma bolsa de
R$ 350,00 para lecionar em uma escola do Estado perto de minha casa. Período de 20 horas
semanais que me tiravam todas as energias para qualquer outra atividade, até mesmo estudar.
Alguns meses depois, tive que abandonar a bolsa do Estado por falta de pagamento, e
também, pelo estresse que eu estava passando. Foi quando fiquei sabendo das inscrições
para algumas bolsas oferecidas pela universidade. Eu não sabia do que se tratava, mas
mesmo assim me inscrevi. Quando fui selecionada tive o conhecimento de que se tratava de
um novo programa que tinha por objetivo expandir a universidade para as comunidades
populares, o Conexões de Saberes.
Dentre os cinco projetos existentes nesse programa, faço parte do “Curso Pré-Vestibular
Comunitário”, onde preparamos as pessoas de comunidades populares para o PSS. E eu,
como conectada do curso de Matemática, sou a professora de Matemática desse curso.
Percebo a importância desse projeto não só para a universidade como, também, para as
comunidades que estão envolvidas. Muitas pessoas agora, através do Conexões, têm tido a
oportunidade de aprender uma profissão, desenvolver habilidades mentais e físicas, entrar
na universidade e concluir o ensino médio e fundamental.
62
Caminhadas de universitários de origem popular
Para mim, tem sido uma experiência sem igual. Nunca havia ensinado conteúdos do
ensino médio e esse programa tem me dado a oportunidade de desenvolver esta e outras
habilidades. Para me sair bem como professora, tenho levado em consideração a dificuldade
que muitos têm por virem de escolas públicas, e também, tenho me inspirado nos bons
professores que tive durante minha formação, evitando cometer os mesmo erros de alguns
que eu abominava.
Mesmo fazendo parte de uma área que se distancia um pouco das relações humanas,
passei a enxergar a realidade com outros olhos, a perceber que, realmente, pode haver uma
mudança e que isso só depende de cada um de nós.
Este é o meu segundo ano no projeto e tenho muitas expectativas quanto a ele. Sei que
com o empenho dos coordenadores, e principalmente, dos bolsistas, esse programa tem
tudo para ir à frente. Será levado um pouco da universidade para aqueles que, antes, pensavam
que apenas os que têm um poder aquisitivo maior poderiam freqüentá-la.
Universidade Federal de Alagoas
63
Uma caminhada, rumo ao trabalho comunitário
Claudineia França da Silva *
Nasci na cidade de Maceió, capital do estado de Alagoas. Moro no bairro do Tabuleiro,
considerado um dos maiores bairros de Maceió.
Sou filha de Maria José de França e Manoel José da Silva, naturais de Alagoas. Eles
tiveram 2 casais, sendo que um dos meninos morreu em um trágico acidente de moto. Meus
pais estudaram até a 4ª série, moravam na cidade de Flexeiras em Alagoas e vieram para
Maceió muito jovens.
Minha mãe deixou de estudar para trabalhar. Trabalhou por muitos anos, como
comerciante, mas como ficou doente, deixou de exercer sua profissão.
Meu pai é pedreiro, mas, atualmente, não está exercendo seu ganha-pão por motivos
de saúde. Tenho uma grande admiração por meus pais, pela coragem, força de vontade, pela
ousadia e integridade com que eles sempre lutaram por uma vida melhor.
Iniciei a vida escolar com seis anos de idade, quando minha mãe fez minha matrícula
em uma escola pública municipal, próxima de casa. Nessa escola, só eram permitidos
alunos com sete anos de idade, mas com uma boa conversa, minha mãe conseguiu
convencer o diretor.
Lembro-me com muita alegria, daquele dia inesquecível: o meu primeiro dia de
aula! Estava realizando o desejo de estudar. Como sonhava em aprender coisas diferentes,
participava das aulas com entusiasmo e acreditando que, um dia, ia realizar todos os
meus sonhos.
Na 3ª série do ensino fundamental, certo dia na escola, e depois do intervalo, peço à
professora para ir ao banheiro. Irritada a professora, diz que só é permitido ir ao banheiro na
hora do recreio. Desconfiada, volto ao meu lugar. Passando alguns minutos, volto à professora
e insisto dizendo que não estou agüentando, mas a professora continua com sua postura
autoritária. Antes do toque da saída, não consigo segurar o xixi, o faço na sala de aula, e
acanhada, corro para casa, não percebendo se meus colegas tinham visto. Eles falam para a
professora, e mesmo já estando longe, ouço a professora gritando meu nome para todos
ouvirem. Os alunos de toda a escola se aproximam para ouvir. Volto chorando, com muita
vergonha e a professora me faz limpar o xixi. Enquanto isso, meus colegas estão rindo e me
colocam o apelido de “Maria Mijona”. Só queria dormir, para não acordar nunca mais.
Como aquilo tinha mexido comigo, nem estudava com medo da professora. Terminei
repetindo a 3ª série.
*
Graduanda em Pedagogia na UFAL.
64
Caminhadas de universitários de origem popular
Hoje, entendo que o comportamento autoritário e arrogante da professora, não sabendo
lidar com a situação, interrompeu o desenvolvimento normal do aluno e a boa relação
professor/aluno.
Nessa mesma escola, perco mais um ano. Dessa vez, a escola entra em greve por falta
de professores. Como meus pais não tinham condições de pagar uma escola particular,
minha única alternativa era esperar que voltasse à normalidade.
Em meu 2º ano do 2º grau, ganhei uma bolsa de 50% de desconto para estudar em uma
das melhores escolas particulares do bairro, a qual consegui através do esporte, jogando
vôlei. Fui selecionada para representar a escola. Passei apenas um mês nessa instituição,
pois meu pai era o único que trabalhava e só pagou a primeira mensalidade, com muita
dificuldade. Como vinha de escola pública, onde a educação não era de qualidade, sentia
dificuldades para acompanhar a turma que já estava avançada nos assuntos e resolvi voltar
para escola pública estadual.
No ano de 2000, quando terminei meu 3º ano do 2º grau, fiz vestibular para o curso
de jornalismo, sendo influenciada pelos amigos para a escolha do curso, mas não atentei
para o que, realmente, eu queria fazer. Desisti de fazer as provas, sendo,
conseqüentemente, reprovada.
No ano seguinte, participei de uma entrevista em um Movimento de Crianças e
Adolescentes. O país Luxemburgo estava selecionando adolescentes e jovens para investir
na continuação dos estudos. Em permuta, esses alunos, ao entrarem na faculdade e se
formarem, trabalhariam no próprio Movimento. Felizmente, fui selecionada e comecei a
ganhar uma bolsa, com um valor satisfatório para pagar um cursinho preparatório para o
vestibular. Com essa quantia, não só apenas pagava a mensalidade do cursinho, mas também,
ajudava nas compras de casa, na passagem de ônibus e em cursos profissionalizantes.
No terceiro ano de vestibular, escolhi o curso de Pedagogia. Para minha felicidade,
fui aprovada. Por outro lado, após quatro anos recebendo a bolsa de Luxemburgo, abdico
da minha bolsa para outro jovem. Com isso, volto à estaca zero e me perguntava o que iria
fazer se não tinha condições, nem de pagar a passagem para chegar à Universidade.
Surgiu, então, a oportunidade de participar do Programa Conexões de Saberes, em um
de seus projetos: Educação Complementar e Cidadania, garantindo a minha permanência
na universidade. Vejo que o meu ingresso na universidade me possibilitou um crescimento
pessoal, intelectual e econômico. Nessa relação, direta com o projeto, percebo a necessidade
de ações e atividades que devem ser praticadas na minha comunidade, com possibilidades
de desenvolver atividades que proporcionem troca de saberes e experiências. Uma vivência
no processo ensino aprendizagem, além dos limites da sala de aula tradicional.
Ressalto, aqui, a importância de fazer parte do Programa e o meu desejo de contribuir
para amenizar os graves problemas sociais, priorizando ações que visem à superação das
atuais condições de desigualdade e exclusão existentes no Brasil.
Portanto, pretendo terminar meu curso de Pedagogia e fazer mestrado e doutorado,
tendo consciência do meu papel na sociedade, em um diálogo aberto com sujeitos interessados
no processo participativo.
Agradeço a todos aqueles que contribuíram na minha caminhada como estudante. E,
primeiramente, a Deus - o autor da minha vida, o meu refúgio e fortaleza.
Universidade Federal de Alagoas
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Computando minha vida
Mário César de Albuquerque Pessoa *
Minha caminhada começa mesmo sem saber caminhar, em Arapiraca, conhecida como
a capital do fumo, cidade do interior, localizada no agreste das Alagoas, local de povo
trabalhador e hospitaleiro.
A família do meu pai é de Rainha Izabel em Pernambuco. Meu avô paterno, hoje
falecido, era um aventureiro, conheceu minha avó, e noivos, foram para São Paulo tentar
melhorar de vida. Lá, quase morre de malária, e com ajuda de um amigo, conseguiu se tratar,
apesar de muito trabalho na lavoura, não conseguiu grandes êxitos.
Voltando a Pernambuco, começa a trabalhar como açougueiro e, logo depois,
comprando e vendendo o gado inteiro para outros comerciantes, consegue juntar algum
dinheiro e casa-se com minha avó. Depois que o negócio com gado começou a declinar,
decidiu ir morar, com sua esposa e filhos, em Lagoa do Rancho, e depois, em Arapiraca.
Foi nessa ocasião que meu pai conheceu minha mãe, filha de agricultor e neta de um
fazendeiro da região.
Meus pais começaram a namorar, o que, naquela época, era algo muito sério e
envolvia toda a família. Decidiram se casar e nasci como primogênito, seguido de
mais três irmãos, sendo um irmão e duas irmãs. Tive uma infância difícil, seguida de
muitas doenças que me enfraqueceram, para o sofrimento de minha mãe que passava
maiores dificuldades.
Meu primeiro contato com a educação foi através de uma senhora do bairro que fazia
de sua casa uma espécie de colégio, onde outras crianças e eu estudávamos e brincávamos,
mesmo sem saber a importância daquilo tudo. Fui seguindo e aceitando o que era ofertado,
embora tenha tido muitas dificuldades em acompanhar o ensino. Tudo melhorou quando
passei a estudar em uma escolinha “de verdade”, chamada Instituto Menino Jesus. Comecei
fazendo a alfabetização, mesmo estando atrasado para minha idade.
Algum tempo depois, já havia feito muitos amigos no bairro e gostávamos de sair de
casa, numa espécie de aventura, desbravando a cidade. Achávamos aquele bairro muito
pequeno e queríamos conhecer outros locais. Então, achei minha primeira diversão: explorar
a cidade onde morava e aos poucos, meus amigos e eu, íamos conhecendo bairro a bairro.
Gostávamos muito de ir caminhando ao centro da cidade, pois era muito prazeroso e ônibus
era algo que, praticamente, não existia. Assim, íamos seguindo nossas jornadas, sempre com
muita diversão e só voltávamos para casa no final do dia.
*
Graduando em Ciência da Computação na UFAL.
66
Caminhadas de universitários de origem popular
Apesar de morar numa cidade, tradicionalmente voltada para a agricultura, meu avô
paterno, aos poucos, foi deixando a vida de cuidar da terra. Meus tios e meu pai não queriam
levar à frente o negócio de agricultura e apostaram no comércio. A essa altura, todos casados,
e para manterem a família, iniciaram-se no ramo de venda de alimentos e conveniência.
Meu pai tinha uma pequena mercearia. Nesse tempo, não existiam essas grandes redes
de supermercado e todos faziam compras em pequenos pontos comerciais de esquina, tudo
sem muita sofisticação, contando apenas com um balcão e algumas prateleiras. Apesar de
ser um pequeno negócio, tinha a vantagem de ser próprio, sem a existência de um patrão
dando ordens.
Morava próximo de meus avós paternos, enquanto meus avós maternos moravam
distantes em um sítio chamado Massaranduba, onde gostava de ir para passear.
O negócio melhorou um pouco e meu pai decidiu montar outro ponto em outro
bairro, dessa vez com um porte maior. Com o tempo, ele verificou que ficou complicado de
gerenciar, pois ficava distante do primeiro, onde minha mãe trabalhava. Então, optamos por
manter só um e tivemos que nos mudar para outra casa, que ficava ao lado do comércio. Foi
uma mudança difícil, pois, afinal, tive que deixar a escola e os amigos.
Contudo, aos poucos, fui fazendo novas amizades e passei a estudar em uma Escola
que recebia o nome do “descobridor” da cidade, Manoel André, localizada no novo bairro
para o qual havia me mudado - Jardim Esperança. Estudei lá, da 2ª até a 6ª série, era conhecido
como um ótimo aluno e passava de ano com muita facilidade, porém, era muito prejudicado
pelas greves que aconteciam todos os anos. A de maior duração foi quando estava cursando
a 7ª série, que não cheguei a concluir.
Pela demora no retorno das aulas, meus pais decidiram mudar meu colégio e passei a
estudar em uma instituição Cenecista, que ficava localizada no centro da cidade - Colégio
Bom Conselho. Gostei muito, pois não existia greve e o ensino tinha uma qualidade melhor.
Passei, novamente, pela mesma situação de não conhecer ninguém e tive que fazer novas
amizades. Por sorte, estudavam lá três primos, o que ajudou a me integrar à turma, e em
pouco tempo, já me sentia à vontade.
Tive que reiniciar a série que perdi por conta da greve e fiz boas amizades lá, sendo
que algumas mantenho até hoje. Gostava muito de participar das feiras de ciência e de
cultura, onde trabalhávamos duro para erguer as estruturas do evento.
No 2º grau, hoje conhecido por Ensino Médio, não era muito de estudar, mas o pouco
que estudava, era suficiente para passar nas provas, pois tinha facilidade para compreender
os assuntos. Era daqueles alunos que só estudavam em véspera de prova, mas por incrível
que pareça, obtinha ótimas notas, algo que, às vezes, não entendia.
Não se falava em vestibular como hoje, talvez devido ao pequeno número de faculdades
naquela época. Na cidade de Arapiraca, para falar a verdade, só existia uma que era destinada
à formação de professores. Foi uma pena o assunto vestibular não ser tão discutido, pois, se
assim fosse, teria me preparado melhor.
Quando estava cursando o segundo ano do ensino médio, meu pai decidiu ir morar em
Maceió, motivado por vários assaltos seguidos, que estavam acontecendo no
estabelecimento dele. Tivemos que vender nossa casa e o negócio, para ir morar na capital.
Antes da mudança, moramos, temporariamente, em outro bairro em Arapiraca, até que fosse
encontrado um local para instalar um estabelecimento em Maceió. Enquanto isso, tive
tempo para terminar aquele que seria meu último ano no Colégio Bom Conselho.
Universidade Federal de Alagoas
67
Passando a morar na capital, tínhamos que procurar outro colégio, para mim e meus
irmãos. Notamos que os valores das mensalidades eram bem mais altos que nos colégios de
Arapiraca, optamos por um colégio cenecista, pois a mensalidade era mais acessível.
Quando terminei o ensino médio, não achei que estava preparado o suficiente para o
vestibular. Não tentei e comecei a me preparar em casa, pois percebi que muitos dos assuntos
do programa do vestibular não eram passados no colégio, o que me fez procurar um cursinho
pré-vestibular que ficava no bairro onde moro. Apesar de não ter uma estrutura adequada,
era melhor do que me preparar sozinho.
Tentei três vezes passar no vestibular. Na primeira tentativa, optei pelo curso de medicina
e não consegui êxito. Na segunda tentativa, novamente optando por Medicina, consegui
passar apenas na primeira fase. Mudei na terceira vez, optando pelo curso de Ciência da
Computação, e finalmente, consegui passar, o que foi uma das maiores felicidades da minha
vida. Finalmente, estava na Universidade!
Iniciando meus estudos em computação, percebi que a universidade era muito diferente
do colégio. Vi, ainda, que para conseguir atingir as minhas metas, precisava estudar muito
mais. Tive muita dificuldade no início, quando me deparei com cálculo I, disciplina que
exigia muita dedicação. Mesmo estudando muito, não consegui passar e tive que repetir a
matéria. No segundo ano, infelizmente, não consegui passar, novamente, no tal cálculo I,
obtendo êxito apenas na terceira tentativa, quando surgiu a possibilidade de cursar essa
disciplina no bloco de meteorologia, onde as avaliações não massacravam o aluno.
Tive outras dificuldades durante o decorrer do curso, como, por exemplo, a
necessidade de livros que não podia comprar. Sempre tinha que conseguir com colegas para
tirar cópias e foi a única alternativa para adquirir o material para estudar. Atualmente, estou
com dívida, somente em relação ao meu trabalho final.
Em 2006, como tinha o hábito de verificar oportunidades de estágios no mural do
meu curso, vi um cartaz que falava do Programa de Extensão, Conexões de Saberes e notei
que existiam duas vagas para meu curso. Rapidamente, fiz minha inscrição.
Já selecionado no programa, não tinha muito conhecimento sobre extensão universitária,
mas aos poucos, fui me integrando ao grupo dos demais bolsistas selecionados. Adorei a
oportunidade, pois, com a bolsa oferecida, poderia custear meus gastos universitários, e também,
ter a oportunidade de experimentar algo novo.
Entendi que agora tinha uma missão: minimizar as dificuldades que outros
universitários de origem popular chegariam a enfrentar. Senti-me muito feliz quando os
primeiros frutos do nosso trabalho surgiram. Espero fazer, ainda muito mais no programa.
Ainda tenho muito que lutar, aprender e conquistar, mas com perseverança, poderei
atingir meus objetivos. Estou incerto quanto fazer uma pós-graduação ou disputar uma
vaga no mercado de trabalho, porém, qualquer que seja a minha escolha, sei que vou
encontrar muitos obstáculos a enfrentar.
68
Caminhadas de universitários de origem popular
Prosseguir é necessário, pois temos uma
história a construir
Leonardo Henrique Correia dos Santos *
Depois de escalar um grande morro,
descobrimos apenas que há muitos outros
morros a escalar.
Nelson Mandela
O início
No dia 14 de janeiro de 1985, nascia Leonardo, segundo e derradeiro filho do casal
Rosiane e Jerônimo. O caçula e sua família são provenientes do interior do estado de
Alagoas, mais precisamente, do município de São Miguel dos Campos, que fica a 65 km da
capital, Maceió.
Desde criança, Léo, como é chamado pelas pessoas mais próximas, sempre teve
incentivo ao aprendizado, principalmente, da parte de sua mãe, que antes mesmo de Léo ir
à escola o ensinou a ler e escrever. Inolvidáveis são os momentos em que Léo, ainda no
ensino primário, resolvia problemas de matemática, sob os olhares de sua atenta e exigente
mãe que não admitia erros. Postura firme, que contribuiu, grandiosamente, para o acúmulo
de conhecimentos do então menino.
A vida escolar de Leonardo foi permeada por várias dificuldades, a começar pela
financeira. Do chamado jardim da infância até a oitava série do ensino fundamental, Léo
estudou em escola particular, através do esforço incondicional de sua inestimável mãe, que
economizava o necessário, para poder manter o filho nesse estabelecimento educacional.
Durante esses anos em que estudou em escola particular, Léo vivia uma realidade que
não era bem a sua. Filho de funcionária pública e de escriturário que perdera seu emprego e
nunca mais se consolidara no mercado de trabalho, Léo convivia com colegas, que em sua
enorme maioria, pertenciam a famílias com rendimentos econômicos muito superiores ao
ganho mensal de seus pais. Sua família passava por graves problemas financeiros,
principalmente, nos períodos de início de ano quando se fazia necessário comprar o material
escolar e livros didáticos, que estavam longe de serem baratos.
Esta época de ensino fundamental, ensinou ao Léo, garoto tímido, mas de sorriso fácil,
como conviver com as diferenças, sejam elas sociais, econômicas ou de idéias. Enfim, uma
fase com dificuldades que foram superadas, e principalmente, de uma riquíssima aprendizagem.
*
Graduando em Serviço Social na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
69
O passo definitivo rumo à universidade
Aos 15 anos de idade, Léo se transfere para uma escola da comunidade, para cursar o
ensino médio. Desde o primeiro ano, ele pensava constantemente, em seu futuro, após o
término dessa fase educacional. Sabia que era necessário um algo a mais em sua vida, algo
que lhe proporcionasse uma perspectiva profissional a ser seguida.
Com isso, teve conhecimento do Processo Seletivo Seriado (PSS), que tinha por
finalidade selecionar os candidatos aos cursos de graduação da Universidade Federal de
Alagoas (UFAL). Em função das noções adquiridas pelo estudo, experiências e habilidades
que demonstrasse nas áreas do conhecimento que constituem a base comum nacional dos
currículos do ensino médio, o candidato é inscrito para a avaliação correspondente à série
do ensino médio que estiver cursando.
Decidido a seguir os seus estudos, após formar-se no ensino médio, Léo faz sua inscrição
no PSS para a prova referente ao primeiro ano, mesmo sem saber, ainda, por qual curso optar,
já que essa escolha seria realizada no ato da inscrição para a prova do terceiro ano.
Durante três anos, Léo pensou, cautelosamente, sobre qual curso prestar vestibular.
Realizou teste vocacional, através do qual pôde concluir que a área de humanas era a ideal,
aquela com a qual mais se identificava. Assim, ao se inscrever para a prova relativa ao
terceiro ano, ele tomou uma decisão que marcou, definitivamente, sua vida: Serviço Social
era a faculdade, a profissão escolhida para tornar o menino em um homem.
Aí veio a primeira consagração. Após o resultado da soma dos pontos obtidos nas
três provas equivalentes à primeira fase do vestibular, consegue a média necessária para
o curso de Serviço Social e passa para a segunda fase, rumo à concretização de sua
aspiração. As provas da segunda fase realizaram-se em três dias, seguidos em Maceió.
Como não tinha recursos para se deslocar, por três dias, entre sua cidade e a capital
alagoana, Léo e sua inseparável mãe ficaram na casa de amigos da família, durante os
respectivos dias do vestibular.
Léo relembra com felicidade a companhia de sua genitora durante os dias de prova, a
pessoa que o acompanhava até o local da avaliação e o esperava sair, ansiosa para saber
como seu filho se saiu no teste.
Por volta de um mês, após a realização da segunda fase do PSS / UFAL, é divulgado o
resultado do vestibular. Era uma tarde ensolarada. Léo encontrava-se em sua casa, mais
precisamente em seu quarto ao lado do simples, mas útil rádio. O tão aguardado momento
se aproximava e Léo, tomado pela ansiedade, permanecia inerte e com os ouvidos aguçados.
A segunda consagração está por vir. Por ordem alfabética, a lista dos aprovados no
curso de Serviço Social começa a ser divulgada, letra por letra, uma espera angustiante até
a letra “L”, de Leonardo Henrique Correia dos Santos, aprovado! A tensão dá lugar à alegria,
ao sentimento de dever cumprido. O garoto que estudou em casa por conta própria, que
acreditou e acredita, até hoje, em seu potencial, e principalmente, na ação do poder divino
consegue ingressar na universidade. Tem-se início mais um capítulo da vida de Leonardo.
Universidade: uma realidade vivida
A universidade agora é uma realidade na vida de Léo que, de segunda a sexta-feira,
desloca-se de sua residência até a UFAL, através de transporte escolar concedido pela prefeitura
de sua cidade. Dessa forma, a distância entre sua casa e a universidade, deixava de ser um
empecilho, apesar de ter que acordar, por cinco dias, às quatro e quarenta horas da manhã.
70
Caminhadas de universitários de origem popular
O primeiro ano de universidade representou para Léo um período de adaptação aos
novos hábitos e à forma educacional, diferenciada, do ensino superior. O aspecto financeiro
continuava a ser um entrave que se mostrava bem claro, quando Léo tinha necessidade de
comprar as apostilas das disciplinas.
Quanto ao seu comportamento em sala de aula, permanecia o mesmo desde quando
iniciou os estudos. Quieto, calado, porém atento e observador. Quando se trata de estudar
para as avaliações é o rotineiro. Léo o faz, apenas, no dia anterior a prova, apesar de saber
que este costume não é um dos melhores. A vivência acadêmica propiciou ao rapaz uma
maior e melhor desenvoltura no relacionamento com as demais pessoas.
No segundo ano, já acostumado ao ritmo universitário, e em particular, ao de sua
faculdade, tudo transcorre normalmente. Contudo o terceiro ano traria alguns desafios ao
jovem Leonardo, que se inscrevera para o programa de monitoria, com bolsa referente à
disciplina Ética em Serviço Social, ministrada pela professora Margarida. Apenas uma vaga
ofertada e Léo ficou em segundo lugar, ao término do processo de seleção. Mas isso não era
o fim. Já conhecedora do desempenho de Léo, em sala de aula, a professora da referida
disciplina - que já o tinha ensinado por duas ocasiões - convida-o para ser monitor sem
bolsa, o que Léo aceita sem pestanejar, tornando-se esta uma experiência válida e construtiva,
o que contribuiu muito com seus estudos.
Além da monitoria, durante o terceiro ano de universidade, Léo realizou estágio
curricular na área do Serviço Social. Um primeiro contato com a profissão em sua prática,
Léo pôde observar o cotidiano e a dinâmica profissional inserida no contexto da
previdência social.
O curso de Serviço Social teve importância significativa, na vida de Léo que, ao
ingressar nessa faculdade, passou a ter uma outra visão de mundo, crítica e desveladora da
realidade social. Este olhar diferenciado sobre as diversas dimensões da sociedade humana
é proporcionado pela formação generalizada do curso, que possui uma grade curricular que
inclui, além das disciplinas referentes ao Serviço Social, Filosofia, Sociologia, Psicologia e
Economia Política, entre outras.
O quarto ano reservava para Léo algo especial em sua vida acadêmica e pessoal: o
Programa Conexões de Saberes.
Motivado pela necessidade de ter uma renda a mais para colaborar nas despesas de sua
casa, Léo se inscreve no processo seletivo para o referido programa, almejando uma das
vagas ofertadas ao Serviço Social. E não é que ele consegue êxito!
Ao participar das primeiras reuniões, com os alunos bolsistas e coordenadores, é que
Léo percebe a grande dimensão do Conexões de Saberes. Um programa de extensão a nível
nacional de cunho social, voltado ao atendimento das demandas dos estudantes de origem
humilde, ao acesso e permanência destes na universidade, bem como, direciona suas
atividades ao enfrentamento das necessidades das comunidades que ficam nas proximidades
do campus universitário.
No Conexões de Saberes, Léo realiza atividades sócio-educativas numa comunidade
popular, próxima à universidade. Através dessa experiência, ele pôde se engrandecer,
humana e profissionalmente.
Nesses quatro anos de universidade, Léo contou com a amizade de duas pessoas
especiais, Ana Cristina e Ana Luíza, com as quais compartilhou diversos momentos
de alegria.
Universidade Federal de Alagoas
71
Hoje, prestes a ser bacharel em Serviço Social, Léo agradece, imensamente, a todos
que o ajudaram em sua jornada rumo à universidade e dentro dela, principalmente, a Deus
e a sua mãe, que se dedica, exclusivamente, à promoção do bem-estar de seus filhos.
É imprescindível saber que a caminhada não termina aqui. Prosseguir é necessário,
pois temos uma história a construir.
72
Caminhadas de universitários de origem popular
“Lutar, sempre. Desistir, jamais”
Valter dos Santos Ferreira *
Sou natural da cidade de Maceió, capital de Alagoas. Nascido em 18 de outubro de
1981, passei por vários momentos difíceis até conseguir ingressar na Universidade. Irei
começar a contar a minha história, a partir de meus sete anos de idade.
Meus pais, Antônio Berto Ferreira e Josefa dos Santos Ferreira, duas pessoas oriundas
do interior do Estado, que vieram à cidade grande em busca de melhores condições de
vida. Eles sabiam que não seria fácil vencer na vida, sem ter uma boa escolaridade.
Meu pai, trabalhava na construção civil, enquanto minha mãe, cuidava de mim e de
meu irmão.
Com muitas dificuldades, comecei a estudar. Como já tinha sete anos de idade, ingressei
na primeira série. Minha mãe me ajudava com os deveres da escola, revezando-se entre
cuidar de mim, de meu irmão e cuidar da casa.
Sempre moramos em casas que pertenciam aos donos das empresas, nas quais, meu pai
trabalhava. Por isso, sempre que o patrão dele resolvia mudar o local de uma obra, tínhamos
que nos mudar, também. Com todas essas mudanças, era difícil manter a mesma escola por
muito tempo, atrasando, ainda mais, meus estudos.
Nesse nomadismo no qual vivíamos, conseguimos nos fixar no bairro do Clima
Bom, periferia de Maceió. Esse bairro era conhecido, na época, por possuir um alto
índice de criminalidade. Mas foi onde conseguimos comprar uma casa, através do
dinheiro que meus pais conseguiram guardar, por muitos anos. Depois de muito tempo
trabalhando na construção civil, meu pai conseguiu emprego de caseiro em uma casa
que pertencia a seu antigo patrão. Junto com ele, minha mãe, também, começou a
trabalhar como doméstica.
Após muitas mudanças de moradia e de escola, aos doze anos de idade, consegui
matrícula em uma escola Estadual. Fugindo de greves, passei por vários colégios, até
chegar naquele que seria minha última parada, onde concluí o Ensino Médio.
No ano de 2000, consegui terminar o ensino médio, porém, o que deveria ser motivo
de alegria se transformou em frustração, por vários aspectos. Nesse ano, eu já possuía 19
anos, portanto, em idade de prestar o serviço militar: meu grande sonho. Perdi minha grande
oportunidade, por fazer parte do excesso de contingente. Para piorar a situação, meu pai
estava desempregado, ficando para a minha mãe a responsabilidade de sustentar toda a
família. Aquela situação me levou a procurar, desesperadamente, por emprego. Então, em
*
Graduando em Jornalismo na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
73
2002, consegui trabalho numa pequena marcenaria que pertencia ao cunhado de meu primo.
O trabalho era duro, pois chegava às 7 horas da manhã e largava às 18 horas e 30 minutos.
Todos os dias e durante o expediente, pensava em conseguir algo melhor para mim e minha
família, quem sabe até cursar uma universidade.
Chegou o momento em que resolvi jogar aquele emprego para o alto (após ter passado
um ano naquele local) e pedi à minha mãe que pagasse um curso pré-vestibular. Ela, mesmo
com todas as dificuldades, não hesitou em me ajudar. Mesmo não podendo pagar um curso
de reconhecida qualidade, minha mãe pagou um popular. Dessa forma, no ano de 2003,
comecei a me preparar para o vestibular da UFAL.
Faltando, apenas, dois meses para o Processo Seletivo Seriado (PSS/UFAL),
aconteceram dois problemas que me impossibilitaram de fazer o vestibular. O primeiro foi
em relação à burocracia, por parte da escola na qual tinha terminado o Ensino Médio - a
demora na expedição dos documentos tornou impossível minha inscrição para o PSS. A
segunda foi em relação ao curso pré-vestibular que abriu falência, deixando muitos alunos
apreensivos. Com esses problemas, perdi um ano de minha vida.
Em 2004, meu pai já havia arranjado um emprego de vigilante, e eu, um emprego de
caseiro na casa onde minha mãe trabalhava. Assim, fiz minha matrícula em outro curso prévestibular popular, que ficava a 25 minutos de caminhada até minha casa. Minha rotina
diária funcionava desta forma: trabalhava das 6 às 10 horas da manhã, almoçava, estudava
das 13 às 17 horas, jantava, ia ao curso às 18 horas e 20 minutos e retornava para casa às 22
horas e 20 minutos, todos os dias. Aos sábados, trabalhava até às 10 horas, estudava no
cursinho das 14 às 17 horas. Aos domingos, estudava em casa.
Eis que chega o dia das inscrições. Agora o problema é escolher o curso, e também,
saber se me inscreveria pelo “sistema de cotas” ou não. Porém, a dúvida em relação a esse
assunto era geral. Quando perguntado sobre esse sistema diferenciado, o recepcionista do
curso me fez o seguinte questionamento: “você não é afrodescendente?” Quando respondi,
positivamente, ele me disse o seguinte: “então se inscreva no sistema de cotas...”. Não
hesitei e me inscrevi.
Chega o dia das provas da primeira fase. Bastante tranqüilo, consegui passar para a
segunda fase do vestibular da UFAL. A alegria foi geral. Mãe, irmão e vizinhos. Todos
vieram a meu encontro para me dar os parabéns. Na segunda fase, fiquei nervoso na prova de
redação. Foi necessário que uma fiscal de sala, antes do início da prova, dissesse algumas
palavras para que eu me acalmasse. Nas demais provas, tudo tranqüilo.
Nessa época, fui morar na casa que meu pai acabara de trocar. Essa nova residência
fica em outro bairro da periferia de Maceió. Como meus pais e meu irmão, ainda, continuavam
morando na casa onde minha mãe trabalhava, fui morar com meu primo, pois havia tido um
desentendimento com minha antiga patroa e não podia mais permanecer em seus domínios.
Na casa, apenas uma cama, um aparelho de som, um fogão e uma geladeira. E lá estava eu,
em frente ao rádio, quando ouvi meu nome na lista. A alegria foi total, mas não havia
ninguém que pudesse compartilhar da alegria que estava sentindo. Fui encontrar com minha
família e meus amigos, em meu antigo bairro.
Quando entrei, pela primeira vez, na universidade, quase não consegui me conter de
tanta emoção. Decerto a universidade é pública, porém, não gratuita. Precisava de algo que
possibilitasse a minha permanência no espaço acadêmico. Com o passar do tempo, descobri
que havia um projeto denominado Afroatitude. Esse projeto disponibilizava 50 bolsas para
74
Caminhadas de universitários de origem popular
alunos que ingressaram pelo sistema de cotas. Inscrevi-me e consegui uma das bolsas. Um
novo mundo se abriu. Através desse projeto, consegui, além de continuar estudando, aprender
um pouco mais sobre minhas raízes, e também, sobre outros assuntos relacionados à saúde
da população negra.
Após um ano nesse projeto, fui incorporado ao Programa Conexões de Saberes da
UFAL. Nele, um horizonte mais próspero e promissor está se formando, pois é através desse
Programa, que estou conseguindo dar continuidade aos meus estudos. Com o Programa,
pude conhecer a minha própria comunidade e estudá-la. A oportunidade de estar passando,
e também, recebendo informações da comunidade é muito importante para o crescimento
intelectual individual e social. A universidade, infelizmente ainda, forma para a elite, mas
cabe aos alunos oriundos da camada popular, mudar esse quadro de desigualdade.
Quero reservar estas últimas linhas para agradecer a todas aquelas pessoas que fizeram
e fazem parte da minha “CAMINHADA”. Agradeço primeiro a Deus e à minha família, por
terem acreditado sempre em meu potencial, não permitindo que eu desistisse de querer
alcançar um objetivo; à Janda, coordenadora do Programa Conexões de Saberes/UFAL,
juntamente, com seu ilustre bolsista Luiz Carlos Ferreira dos Santos, que intermediaram
minha entrada no Programa; ao Pró-Reitor de Extensão José Roberto Santos; ao Joabson
Santos, que sempre esteve a meu lado, e a meus companheiros de aventura, quer dizer, de
trabalho: Toda “galera” do Conexões de Saberes/UFAL. Todas essas pessoas são muito
importantes em minha vida.
Universidade Federal de Alagoas
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Minha família, meu alicerce!
Emanuelly Batista da Silva *
CAJARANA (Fruta do mato, ácida e que lembra um maxixe, com espinhos no caroço,
a polpa inicia azeda e dentro, entre os espinhos, é doce), era isso que eu era para meus avós:
uma Cajarana.
Minha mãe, Joseilda Batista da Silva, sentiu um mal-estar aos dezessete anos e para
tranqüilizá-los, ela falou que tinha ingerido essa fruta, mas o mal-estar não era por causa da fruta,
mas um enjôo de gravidez. Ela engravidou muito jovem e estava apenas namorando o meu pai,
Edílson Santos da Silva. Eles se casaram e estão juntos há exatos 21 anos, minha idade.
Nasci em 23 de março de 1986 e tive uma saúde frágil, até os meus dez anos. Fui uma
criança muito sapeca e não dava descanso aos meus pais e professores, pois aprontava
muito na escola e era conhecida como “a pimentinha”. Não fui uma aluna nota dez, mas
também, não era a pior, porque sempre fui muito ativa e participava de todas as atividades
que a escola oferecia.
Meus pais sempre trabalharam muito para proporcionar boas condições de vida, e
graças a Deus, nunca me faltou nada. Meu pai, para complementar a renda familiar, além de
trabalhar na Companhia Alagoana de Refrigerantes (Coca-Cola), ia vender ovos na feira do
Tabuleiro, nos fins de semana, o que faz há mais de 20 anos. Minha mãe, também, trabalhou
nas vendas por um período curto.
Lembro, com muito carinho, daquele tempo em que saía junto com meus pais às cinco
horas da manhã para ir à feira, pois era muito criança e achava tudo uma diversão. Meus pais
iam trabalhar na feira e eu ficava na casa de meus amados avós maternos, Manuel e Maria
Dalva, que moravam numa vila, por trás da feirinha. Adorava ir para lá, pois eu tinha meus
primos e amigos da vila para brincar, entre as bancas dos feirantes.
Lá, também, moravam meus bisavós, Sebastião e Tetulina, que, infelizmente, não
estão mais entre nós. Minha bisavó Teta, como era conhecida, era uma pessoa maravilhosa,
de bom coração, e minha infância, também, foi passada em sua casa. Meus avós e bisavós
sempre foram muito importantes na minha formação, pois participaram, ativamente, de
minha educação.
Fui filha única até os meus dez anos e sempre pedia, à minha mãe, um irmãozinho. Até
que um dia veio o Elivelton, que nasceu no ano de 1995 e, com certeza, foi muito bemvindo. Como eu já estava saindo de minha infância, ajudei em sua criação. Hoje, tenho não
apenas um sentimento de irmã, mas também, de mãe por ele.
*
Graduanda em Relações Públicas na UFAL.
76
Caminhadas de universitários de origem popular
Na adolescência, não dei muito trabalho aos meus pais, pois não era de sair
muito e passava meus finais de semana ensaiando no coral da igreja católica do meu
bairro. Lá, conheci o Altanys, meu noivo. No início de nosso namoro, meu pai não
aceitou, porque era muito ciumento e achava que estava muito cedo para namorar,
pois tinha somente 15 anos. Para ele, isso poderia me prejudicar nos estudos. Mesmo
com todos os argumentos de meu pai, continuávamos namorando e ele, finalmente,
aceitou nosso namoro.
O Altanys chegou num momento turbulento de minha vida que faço questão de não
lembrar; mas ele se doou a mim para que eu tivesse condições emocionais de entender o que
estava se passando ao meu redor. Todo este tempo em que estamos juntos, é suficiente para
saber que a grandiosidade de nosso amor não mudou, apenas se fortaleceu. Não é um amor
que sufoca, mas um amor de respeito mútuo. Pretendemos nos casar, futuramente. No
momento, priorizamos a vida acadêmica.
Sou de classe popular, sempre estudei em escolas públicas e isso nunca foi uma barreira
que me impedisse de sonhar em querer um futuro estável para mim e minha família.
Concluí o ensino médio na Escola Maria Margarez Santos Lacet que, na época, era a
melhor escola pública do bairro, por não haver greves. Nessa escola, comecei a pensar em
realizar o almejado sonho de ingressar na universidade e sempre falava para meus pais que
um dia seria uma Jornalista.
Tive um grande incentivo de meu noivo Altanys. Sem que ele percebesse, que minha
vontade de ingressar na universidade vinha, também, de sua vitória, pois quando eu estava
cursando o 1° ano do ensino médio, ele tinha acabado de ingressar na Universidade Federal
de Alagoas, no curso de Agronomia. Igualmente a mim, ele sempre estudou em escolas
públicas, e nunca duvidou do meu potencial. Aliás, sempre foi um dos meus maiores
incentivadores, depois de meus pais.
Nos últimos anos do ensino médio, empenhei-me, ao máximo, para obter boas notas
na escola e no PSS/UFAL (Processo Seletivo Seriado da UFAL). Como todo bom
vestibulando, tinha dúvidas sobre qual carreira queria seguir; assim, conheci a profissão de
Relações Públicas e acabei optando em me inscrever para concorrer a esse curso. Então,
surgiu outro problema, quer dizer, achei que era um problema. Inscrevi-me pelo sistema de
COTAS, eu e metade da escola. Não sabíamos o que era o Sistema e fomos, quase, que
empurrados a nos inscrever, pelo fato de sermos de escola pública.
Fiz a inscrição, sem saber o que o futuro me aguardava. Depois de alguns dias, chegou
nosso cartão de inscrição, e junto dele, o manual do candidato, que mostrava a quantidade
de vagas e a concorrência de cada curso. Pelo Sistema de Cotas, a concorrência estava bem
maior, as vagas eram poucas, e ainda, dividia-se entre os sexos. Por um momento, pensei que
meu sonho tinha “ido por água abaixo”. Fiquei muito triste, mas não podia deixar que isso
me desanimasse e fui me preparando, da melhor forma que pude.
Consegui ser aprovada na primeira fase do PSS/UFAL, a minha caminhada estava
apenas começando e, ainda, tinha a segunda fase. Tinha só uma semana para me
preparar, não podia ficar de braços cruzados, e decidi fazer um cursinho em apenas
uma semana. No momento mais especial da minha vida, minha amiga Patrícia - que
considero uma irmã - se propôs a cuidar da minha casa e do meu irmão para
que eu pudesse estudar para as provas. A ela sou muito grata, por essa demonstração
de carinho.
Universidade Federal de Alagoas
77
Fiz o cursinho das 8 às 20 horas, era muito cansativo e acabou me deixando, ainda,
mais insegura, porque a maioria dos pré-vestibulandos estavam bem mais adiantados,
pois já faziam o curso desde o início. No final da semana, fiz as provas. Restava-me,
agora, esperar o resultado e o único consolo que tinha é que meus pais pareciam estar mais
nervosos do que eu.
Enfim, chegou o tão esperado dia: fui aprovada no curso de Relações Públicas! Não
sabia se chorava ou ficava triste. Dali por diante, teria que enfrentar a minha escolha pelo
Sistema de Cotas e, com isso, surgiam as dúvidas. Como eu seria recebida na universidade?
Pensava, a todo o momento, que seria discriminada.
Quando começaram as aulas, temia que os colegas de classe descobrissem que eu
tinha passado pelas Cotas e, como não saberia responder às suas indagações, preferi esconder
por muito tempo esse fato. Senti um pouco de diferença em meu desempenho nas aulas, em
relação aos demais colegas. Não por ter ingressado pelas Cotas, mas por ter pertencido à
rede pública de ensino.
Três meses depois do início das aulas na faculdade, o Projeto Afro-Atitude ofereceu
cinqüenta bolsas acadêmicas para alunos cotistas. Meu noivo me falou dessa chance de
conseguir uma bolsa de estudo logo no primeiro ano do curso e fui me inscrever, apreensiva,
porque saberia que, a partir daquele momento, se fosse selecionada, meus amigos de classe
ficariam sabendo que era aluna cotista. Mas fiz mesmo assim, pois era a minha chance de
mostrar que, também, tinha capacidade de produzir conhecimento. Fui selecionada e este
projeto me deu a oportunidade de me aceitar e compreender o Sistema de Cotas,
oportunizando, assim, a minha permanência na universidade.
A partir desse momento, assumi minha condição de aluna cotista para meus amigos e
enfrentei o preconceito de alguns - não um preconceito aparente, mas escondido, o que em
minha opinião era o pior deles.
Trabalhei, durante um ano, com o extinto projeto Comunicaids, hoje, conhecido
como Inforaids, que pertence ao Afro-Atitude. Foi uma linda experiência. Faziam parte
desse projeto cinco bolsistas, a nossa temática era DST/AIDS e realizávamos oficinas em
povoados, presídios e escolas da região, sobre este tema. Esse projeto abriu portas para
novas experiências e, hoje, participo do Programa Conexões de Saberes/UFAL, no qual sou
responsável pela área de comunicação.
O programa não apenas trouxe benefícios materiais, mas, também, aumentou a minha
auto-estima, pois, todos os dias, deparo-me com os desafios propostos no Conexões e observo
que sou capaz de produzir conhecimento, contribuindo, assim, para a melhoria de vida das
comunidades populares circunvizinhas à UFAL.
Foi através desse programa que me apaixonei pelo curso de Relações Públicas, pois já
executo atividades relacionadas à comunicação, produzindo boletins informativos, matérias
relacionadas ao programa e aos cinco projetos inseridos. Tive, ainda, a oportunidade de ser
mestra de cerimônia na aula inaugural do Pré-Vestibular Comunitário, entre outros.
Futuramente, pretendo exercer a minha profissão voltada para o bem social, pelo fato
de pertencer à classe popular é meu dever contribuir para as melhorias de minha classe.
Quero igualdade social e um futuro digno, não apenas para meus conhecidos, mas também,
para as pessoas ociosas que vejo todos os dias no ônibus em que vou à faculdade - pessoas
sem expectativas de vida e de olhares vazios.
Sei que minha Caminhada está apenas começando.
78
Caminhadas de universitários de origem popular
Agradeço: a Deus; aos meus amados pais, que sempre me deram muito amor e a
oportunidade de realizar os meus desejos, na medida do possível; ao meu adorável irmão;
ao meu amor Altanys; aos meus familiares e amigos, que sempre me apoiaram e torcem por
mim em cada passo de meu caminho. Agradeço também, ao Joabson Santos que acreditou
em meu potencial, no período em que fui sua bolsista no Projeto Comunicaids, sempre
estimulando meu desenvolvimento intelectual e minha criatividade.
Sei, também, que tudo que consegui até o presente momento, vem desse forte
alicerce - o amor de todos que me rodeiam.
Universidade Federal de Alagoas
79
A inserção de estudantes de origem popular, que
se identificam com a sua história e com o seu povo
Rômel Duarte Vilela *
Caminhante, não há caminho; faz-se
caminho ao andar.
Antonio Machado
Minha trajetória de vida, até a universidade pública, permite-me, hoje, analisar, de
forma crítica, a diferença entre a escola privada e a escola pública, pois minha história,
passa pelos dois extremos.
Nasci em Maceió, capital de Alagoas, no dia 06 de agosto de 1983. Filho de Ronaldo
Vilela e Tereza Cristina Duarte, fui o último de três filhos. Irmão gêmeo de Rômulo, porém,
cinco minutos mais novo que ele, e quatro anos mais novo que Rildo, o mais velho. Minha
família sempre foi muito unida, e desde criança, meus pais sempre se preocuparam em me
dar uma boa educação.
Recordo que a primeira escola em que estudei foi o colégio Imaculada Conceição,
mas minha mãe, dona Tereza Cristina me fala que antes de ir ao colégio, passei por uma
outra escola chamada Santa Rosa. Na época, com três ou quatro anos, não me lembrava
muito bem das coisas, mas não esqueci que o Colégio Imaculada era uma escola de freiras,
onde a educação era católica. Estudei lá pouco tempo. Em seguida, voltei à escola Santa
Rosa, juntamente, com meu irmão gêmeo Rômulo. Nós estudávamos sempre na mesma
classe até o dia em que nos separaram de sala, já em outro colégio. Estudei na escola Santa
Rosa até a 1ª série do primário em 1991, depois fui estudar em um colégio chamado
Anchieta. Todas essas escolas eram particulares, e depois de seis anos no colégio Anchieta,
voltei para o Santa Rosa em 1997, onde pude reencontrar vários amigos da época do
jardim que, ainda, estavam lá.
Nessa época, meus pais já estavam com muitas dificuldades de nos manter numa
escola particular. Afinal, eram três filhos, e nessas escolas, quanto mais aumentam a série,
maior é a mensalidade. Este foi o motivo pelo qual saí do Anchieta: às mensalidades. A essa
altura, meus pais já estavam devendo o ano todo de mensalidades, por mim, pelo meu irmão
Rômulo e pelo meu outro irmão mais velho, Rildo, que já havia saído, bem antes, para
estudar numa escola de ensino médio-técnico.
*
Graduando em Agronomia na UFAL.
80
Caminhadas de universitários de origem popular
Em 1997, de volta ao colégio Santa Rosa na 7ª série recordo que meus pais pagavam,
ainda, de forma inadimplente e com muita dificuldade a escola. No decorrer do ano, quando
eu já estava no 3º bimestre, fui conversar com minha mãe sobre minha situação na escola,
que não estava muito boa e disse a ela que eu poderia perder o ano.
Nessa época, em Alagoas, acontecia uma das maiores crises da história do Estado.
Na gestão do governador Divaldo Suruagy aconteceu uma crise geral, em que todos os
setores e repartições públicas, declararam greve por sete meses de atraso na folha salarial.
Inclusive, este, também, foi o principal motivo pelo qual minha mãe não pôde ajudar
meu pai com às mensalidades. Ainda hoje, minha mãe é funcionária pública de nível
médio do Estado.
No final do ano de 1997, mais precisamente no mês de setembro, os professores da
rede pública, resolvem voltar ao trabalho e iniciarem o 3º bimestre, enquanto, no colégio
Santa Rosa, eu já estava estudando o 4º bimestre e prestes a perder o ano. Foi daí que surgiu
a idéia de transferir-me para uma escola pública. No final de setembro, fui concluir a 7ª série
na escola pública de ensino fundamental, Professor Eduardo da Mota Trigueiros.
Mudar de uma escola privada para uma escola pública, em minha percepção e
naquele momento, não era problema e nem teria diferença nenhuma. Muito pelo contrário,
a escola era bem próxima de casa e eu podia acordar mais tarde, além de que as provas
eram mais fáceis do que nas outras escolas onde havia estudado. Na época em que me
transferi, vários colegas do colégio Santa Rosa que estavam em situação semelhante a
minha, tanto financeiramente, quanto de notas nas provas, vieram depois. E isto, de
alguma forma, ajudou muito em minha adaptação à nova escola. Infelizmente, naquele
momento, eu não percebia o quanto isso iria me prejudicar no futuro, principalmente,
quando fosse prestar um vestibular.
Quando terminei a 7ª série, minha mãe disse a mim e a meu irmão gêmeo que iria nos
matricular, novamente, no Colégio Santa Rosa. Nós sabíamos das condições em casa e que
se ela fizesse aquilo, continuaríamos com os problemas financeiros. Contudo, era fácil
perceber a tristeza dos meus pais, principalmente do meu pai, por, naquele momento, não ter
mais condições de nos manter numa escola privada. Assim, eu e meu irmão Rômulo, claro
que contrariamente a nossa real opinião, dissemos que “a escola era boa, que estávamos
gostando muito e que não queríamos voltar a estudar na escola privada”. A verdade é que
faltavam livros, professores que mudavam a todo o tempo e com eles a metodologia de
trabalho, entre outras coisas. A estrutura física das escolas públicas, que são péssimas, era
bem pior naquele tempo. Isto, sem falar de outro aspecto importantíssimo - o qual na época,
eu não tinha a capacidade de perceber - que é a forma de como a escola reproduzia e passava
para os estudantes o modo de vida burguês. Modo de vida não condizente com a nossa
realidade e não importava se éramos da cidade ou da zona rural, se éramos pobres ou ricos.
A escola apenas nos educava para que fôssemos úteis à sociedade, sem considerar a etnia, a
cultura, valores e a aplicação era a mesma, para todos.
Atualmente, entendo porque colegas de infância - que brincavam comigo de jogar
futebol, bola de gude, de soltar pipa, pião e às demais brincadeiras da minha infância desistiram da escola. Eles se sentiam excluídos dentro da escola, que reproduzia uma
realidade que não era a deles, e hoje, alguns estão ou foram presos, morreram com a
criminalidade e outros vivem nas drogas. A escola pública, e também, a escola privada,
não passavam de um espaço de alienação.
Universidade Federal de Alagoas
81
No Colégio Mota Trigueiros estudei, também, a 8ª série, e excepcionalmente, lá
conheci pessoas maravilhosas, como é o caso da professora de Português Fátima Mendonça,
que se comportava de uma forma um tanto ditatorial, mas que se preocupava em passar uma
boa educação. Também, do professor de Matemática Francisco, que era pastor e me deu um
livrinho do novo testamento, o qual guardo, até hoje. Exceções que se dedicavam, de forma
diferenciada, dos demais professores.
A seguir, fui estudar o ensino médio num colégio público - extensão do Mota
Trigueiros - chamado Theo Brandão. A situação lá piorou muito. Os professores,
principalmente, de Matemática e Física, chegavam, geralmente, a partir do 2º semestre.
Dessa forma, passaram-se os três anos do ensino médio. Recordo-me de pessoas que
encontrei no Colégio Theo Brandão que, realmente, preocupavam-se em passar uma
mensagem de estímulo aos estudantes, como era o caso do professor de Matemática
Antonio. No geral, poucos se importavam de verdade. Lembro que muito dos monitores
eram universitários, os quais, ainda hoje, encontro cursando a mesma faculdade na UFAL.
Para muitos daqueles monitores, a escola era vista apenas como uma oportunidade de
ganhar dinheiro e não, como um instrumento de transformação social, onde o professor
deveria desenvolver o pensamento crítico dos estudantes, mostrando o papel social de
cada indivíduo, enquanto cidadão.
Nessa mesma época, com quinze anos de idade, consegui o meu primeiro emprego e
fui trabalhar, de office boy, na Secretaria Estadual de Saúde. Uma experiência que me fez
crescer e amadurecer muito, como pessoa, e ter responsabilidades mais cedo.
Depois de três anos estudando no colégio Theo Brandão, concluí o ensino médio em
2001 e posso dizer que não trago lembranças boas de lá. Mesmo com toda aquela deficiência
para concorrer com outros milhares de estudantes de escolas privadas, prestei meu primeiro
vestibular para Zootecnia em 2002.
O vestibular da Universidade Federal de Alagoas é dividido em duas fases, e, nesse, eu
não passei nem na primeira. Ao mesmo tempo, também, prestei uma prova para estudar na
Escola Agrotécnica Federal de Satuba - EAFS para técnico em zootecnia e a prova era de
nível fundamental. Não consegui passar, também.
Depois de duas derrotas, fiquei um bom tempo em casa desestimulado e sem fazer
nada. Ficar em casa naquela época não era fácil. Eram vários problemas, pois eu morava
e moro, ainda hoje, num apartamento muito pequeno. Juntamente comigo, moravam
meus dois irmãos, minha tia Elma que é deficiente mental, minha mãe e meu pai. Naquele
momento, meu pai passava por diversos problemas de saúde, pois ele era dependente
químico do álcool. Precisando sair daquele ambiente, ocupar-me, e também, preparar-me
para o vestibular, conversei com meus pais e pedi para estudar num curso pré-vestibular.
Matriculei-me no cursinho, e a partir de agosto de 2002, comecei a estudar para o vestibular
da UFAL, novamente.
Acreditava que o cursinho ia retirar todo o atraso da escola pública, porém, senti
muita dificuldade pela rapidez com que os conteúdos eram repassados. Simultaneamente,
vivia todo aquele problema em casa com meu pai, que ora se internava no hospital ou
numa clínica psiquiátrica, ora ia para a UTI (por tantas vezes, que perdi a conta) e
quando saía, tornava logo a beber. Acho que não só eu, mas todos em casa adoecemos
juntos naquele momento. Depois de tanto sofrimento, meu pai faleceu no dia 02 de
dezembro de 2002.
82
Caminhadas de universitários de origem popular
Por tudo que havia acontecido e pelo grande amor que sinto pelo meu pai, aquilo tudo
me causou uma grande desestrutura psicológica. Pouco tempo antes de meu pai falecer, eu
havia feito minha inscrição novamente para prestar a prova na escola agrícola. Novamente,
inscrevi-me para fazer o curso técnico em Zootecnia. Uma semana depois do enterro do meu
pai, fui fazer a prova da Escola Agrotécnica e fui aprovado. Infelizmente ou felizmente, essa
foi uma alegria a qual não pude compartilhar com ele.
Depois do resultado da aprovação na Escola Agrotécnica, em janeiro de 2003, fui,
mais uma vez, prestar outra prova para o vestibular da UFAL, concorrendo para o curso de
Geografia, bacharelado. Escolhi esse curso porque, no ano anterior, havia sido o menos
concorrido e, na verdade, eu queria “entrar” na universidade, independentemente da área.
Fiz a prova e passei para a segunda fase do vestibular.
Foram três dias de provas na segunda fase, que é um processo desgastante e antiquado.
Passada a segunda fase, tinha sido aprovado, porém, por critérios de desempate, eu não
fui classificado. Dessa vez, não havia problema, eu tinha passado na EAFS e não ia
ficar desocupado.
Ter estudado na escola agrícola, foi uma experiência decisiva para o meu futuro. Lá,
tudo era maravilhoso, o contato com a natureza e com os animais. Era como voltar às origens
de meus pais, o sítio de meu avô Lisanel. Mas nem tudo era fácil. Como diz a música de Zé
Ramalho “eram quatro condução, duas pra ir e duas pra voltar”. Ônibus e trem na ida e na
volta. Viajar de trem, apesar de cansativo, até que tinha lá suas vantagens, pois era possível
apreciar o belo pôr do Sol na lagoa Mundaú, de volta para a casa.
No decorrer de 2003, mesmo estudando na EAFS, em julho, matriculei-me, novamente,
no cursinho. Ia prestar vestibular para Agronomia. Com isso, minha rotina diária ficou mais
difícil, ainda. Eu estudava pela manhã, e à tarde na escola agrícola, e à noite, ia para o
cursinho. Saía de casa 5 horas e 30 minutos da manhã e só retornava às 23 horas. Quando
chegava em casa, ia estudar um pouco. Eu mal dormia naquela época.
Passa o ano e me inscrevo, também, para o vestibular da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro - UFRRJ para o curso de Agronomia. A experiência da escola agrotécnica
foi fundamental na minha tomada de decisão para Agronomia.
Em janeiro, juntamente com um grupo de estudantes, vou ao Crato no Ceará, prestar a
prova para a Rural do Rio. Tínhamos que ir e voltar correndo, pois a prova da UFAL era na
mesma semana. Nesse ano, foram nove dias de provas no vestibular. Eu estava tentando
tudo e acho que pela última vez. Não sei se agüentaria mais um outro vestibular. Fizemos as
provas no Crato e voltamos. Chegamos na sexta, descansamos no sábado e, no domingo, já
estávamos lá sentados na cadeira de novo, fazendo prova. O resultado do vestibular na
UFRRJ é que mais uma vez não passei. Aqui na UFAL, passei para a segunda fase. Dessa vez,
havia me esforçado um pouco mais nos estudos e, também, já estava há dois anos estudando
em cursinho. Fiz as provas da segunda fase e a expectativa, já de muito desânimo, era a
mesma: não ser classificado.
No dia do resultado, nem me lembro exatamente a data, mas uma sexta que choveu
bastante e, talvez, até tenha chovido porque passei, pois é como se diz, quando algo raro
acontece, dizem que vai chover. Também, era o dia da abertura do carnaval de Maceió,
fevereiro de 2004. E eu estava em casa com aquela ansiedade, aquele frio na barriga, quando
meu irmão Rômulo chegou e disse que eu havia passado no vestibular e ele não. Ele tinha
visto na Internet, mas não acreditei porque havia posto na cabeça que não ia passar. Mesmo
Universidade Federal de Alagoas
83
assim, eu estava ouvindo o resultado no rádio. Foi quando saiu meu nome como classificado
em Agronomia. Nem sei que tipo de sentimento me tomou naquele momento. Algo que não
se compara a nada, já vivido antes. Enfim, entrei na universidade pública, depois de três
frustradas tentativas.
Interessante é que, no dia em que passei no vestibular, choveu muito e, no dia da
matricula, choveu tanto, tanto que não dava nem para ver a estrada no caminho. Realmente,
algo de muito difícil aconteceu. Um estudante de escola pública “entrou” na universidade.
A universidade foi para mim, desde o primeiro ano, tudo aquilo que a escolas de ensino
fundamental e médio não conseguiram ser em toda a minha vida. Atribuo essa afirmação não
somente à universidade, mas, principalmente, a todos os companheiros e companheiras que
fiz na UFAL, especialmente, aos do Grupo Agroecológico Craibeiras, os quais me fizeram
enxergar - de forma crítica - tudo aquilo que estava a minha volta. Perceber, ainda, o compromisso
que devo ter com a sociedade, exercendo meu papel social dentro dela.
Assim que cheguei à universidade, percebi que ela é um espaço onde, também, existem
lutas de classe, diversidade de pensamentos, ideologias, etnias e multidisciplinaridade, que
geram preconceitos, discriminação e exclusão de muitos, mesmo num lugar tão universo e
diverso. Esse não é um problema que existe, somente, pelas diferenças que há dentro dela,
mas por uma construção histórica que a universidade, ainda, não conseguiu reparar.
Diante de tanta ineficiência da universidade, nesse e em tantos outros aspectos, é que
reconhecemos a importância de um projeto como o Programa Conexões de Saberes.
Ter visto todos aqueles estudantes reunidos no Rio de janeiro - no Encontro Nacional
2006 - discutindo a entrada e a permanência de estudantes de origem popular na universidade,
sua relação com o seu povo, sua cultura, sua própria identidade, levou-me a crer no que disse
o caríssimo amigo e professor Nascimento: “Nós estamos começando a vivenciar uma revolução
pacífica no Brasil. Uma revolução que não vem das armas, mas do povo, da força da educação
do povo”. Mesmo que não atinja, efetivamente, seu objetivo, sem dúvida estará desenvolvendo
uma preocupação e uma responsabilidade maior com os menos favorecidos, contribuindo
para que a universidade cumpra seu papel social, através da inserção de estudantes de origem
popular, que se identificam com a sua história e com o seu povo.
Ou os estudantes se identificam com o destino de seu povo, com
ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e nesse
caso serão aliados daqueles que exploram o povo.
Florestan Fernandes
84
Caminhadas de universitários de origem popular
Echa p’a lante y no mires p’a trás!
¡ Nunca es tarde para volver a empezar! 1
Robélia Régia Alves Porfírio da Costa *
Decidi começar a contar os acontecimentos da minha vida pelo meio, isto é, contarei
o que me acontece, hoje. Tomei essa decisão por sentir que esta etapa é fundamental para o
firmamento e a escolha dos possíveis e muitos caminhos a trilhar.
Penso que cada pessoa tem muito mais além de objetivos e sonhos, pois existe algo
bem maior que nos impulsiona a chegar a um determinado lugar. Esse “algo” nos empurra e
nos faz descobrir, pouco a pouco, assim como na montagem de um quebra cabeças - um
pedacinho a cada vez - a identidade mais íntima do nosso ser. No meu caso, refiro-me a algo
que já não posso separar da minha existência: “El amor que siento por mi Latinoamérica”.
Amor por suas gentes, suas línguas, pela batida do seu grande coração, que se escuta e ecoa
através de suas manifestações culturais, de sua mescla rica de cores e raças herdadas dos
nossos antepassados indígenas e africanos.
As pessoas me perguntam como surgiu o interesse pela língua e cultura dos países de
língua espanhola. Na verdade, esse interesse se desencadeou, assim, como começa um novo
amor: de maneira arrebatadora, mesmo sem saber bem o momento correto. Esse fato foi de
total importância na escolha da minha carreira universitária.
Em 2000, quando cursava o 1º ano do Ensino Médio, decidi estudar Espanhol, por conta
própria, através do material que conseguia com as amigas que já haviam estudado esse idioma.
Porém, chegou um momento em que senti a necessidade de ir mais além, compartilhar o que
estava aprendendo com quem também estudava e começava a ter o contato extra gramatical,
contato com o “input”, isto é, com os fatos lingüísticos da língua espanhola (contato real).
Por esse motivo, decidi solicitar uma bolsa de estudos em um instituto de idiomas,
que me proporcionaria contato mais direto com a língua falada e a prática em conversação.
Porém, a tentativa foi frustrante, pois a instituição alegou que não havia possibilidades de
oferecer bolsas de estudo. Fiquei bastante decepcionada, pois, com minha ingenuidade,
pensava que por já haver estudado a parte gramatical e até um pouco de pronúncia, além de
possuir interesse e estímulos suficientes para a aquisição da língua espanhola, seria bem
aceita nessa instituição educativa. Esse acontecimento, me fez mais forte e, a partir desse
momento, os estímulos e a vontade de estudar esse idioma aumentaram, ainda mais.
*
Graduanda em Letras na UFAL.
Siga adiante não olhes para trás! Nunca é tarde para recomeçar!
Escolhi essa chamada, porque entendo que ela traduz o grito preso na garganta de todos nós Latino-Americanos.
1
Universidade Federal de Alagoas
85
O tempo foi passando e cheguei ao 3º ano do Ensino Médio. Nesse período,
trabalhava como vendedora em uma loja de confecções com a carga horária de 9 horas
diárias. Quando saía do trabalho, ia à escola. Essa rotina me fez enxergar o ciclo vicioso
no qual estava entrando e a minha condição de proletariado. A partir disso, comecei a
sentir que não era isso que queria: terminar o ensino médio para continuar trabalhando,
somente, para me manter naquele posto. Eu queria mais, sentia que se continuasse
naquele caminho não iria sair daquele lugar: o de alguém que ignora o rumo dos próprios
acontecimentos de alguém anestesiado pela dura realidade. Eu precisava de muito mais,
de despertar.
Não demorou muito tempo, conheci uma pessoa que marcou esse momento: o professor
de Geografia. Essa pessoa é, para mim, o bom exemplo de profissional, pois quando
chegávamos à aula, cansados dos respectivos trabalhos, tínhamos uma injeção de ânimo do
nosso professor. Ele, igualmente cansado de um dia cheio de trabalho, chegava de muito
bom humor na sala de aula e com toda garra de nos provocar a enxergar por outro viés, que
não fosse o de conformismo e apatia a qual já estávamos acostumados. Nessas aulas das
quartas-feiras, comecei a me dar conta da tremenda situação de injustiça com a qual
convivíamos, sem sequer sermos capazes de expressar indignação, diante da situação imposta
pela ditadura dos que possuem o poder. O nosso, professor conseguia nos atingir de maneira
realista, ou seja, ele era como um mosquito que nos picava, despertava-nos e nos mantinha
em “alerta”. Costumava pensar muito na realidade do povo brasileiro que se refletia na
minha própria. O “quebra cabeças” começava a se formar quando, de repente, em um desses
estalos, decidi deixar o emprego e investir mais nos estudos.
Nessa época, morava com minha mãe, minha irmã e minha avó. As condições não eram
as melhores, porém, optei por sacrificar o emprego para realizar meu objetivo: ingressar na
Universidade Federal de Alagoas e cursar Letras, com habilitação em língua espanhola.
Estudei bastante nos últimos três meses que antecediam o vestibular e, com muito
esforço, paguei dois meses de um cursinho pré-vestibular. O resultado vocês já sabem,
passei na primeira e segunda fase do vestibular e consegui entrar na Universidade Federal
de Alagoas. A felicidade foi indescritível. Enfim, iria estudar em um curso pelo qual estava
entusiasmada e um dia poderia ensinar língua espanhola. A realidade foi bem dura no
primeiro ano de curso, pois já entrei sem emprego.
Neste mesmo ano de 2003, minha irmã, também, passou no vestibular para o curso de
Ciências Biológicas. Nós estávamos na mesma situação e o que nos restava era conseguir,
rapidamente, um meio de nos manter na universidade, algo que não conseguimos de
imediato. As oportunidades eram escassas e, mesmo assim, eram destinadas a partir do 2º
ano. Minha irmã consegue, a partir do segundo ano, uma bolsa de estudo para fazer uma
pesquisa e a situação melhora um pouco, porque ela começa a me ajudar com as despesas da
universidade. Por minha vez, eu lutava para conseguir uma bolsa na universidade e a idéia
de ter que trabalhar, novamente, nove horas por dia, não se adequava à minha vida acadêmica.
Então, no 2° ano, consegui ingressar no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica - PIBIC- CNPq, porém, ainda como colaboradora, isto é, sem direito à bolsa.
Juntamente comigo, havia mais duas estudantes, das quais apenas uma delas recebia bolsa.
Essa pesquisa, me amadureceu bastante no tocante à vida de pesquisadora e de participante
ativa na construção do conhecimento. No segundo ano da pesquisa, finalmente, consegui a
bolsa que me manteve até o terceiro ano.
86
Caminhadas de universitários de origem popular
No quarto ano, entrei no Programa Conexões de Saberes, que tão bem se ajustou à
minha necessidade de poder contribuir com a comunidade, com os conhecimentos adquiridos
no âmbito acadêmico e, também, aprender com o conhecimento popular, do qual não posso
me separar.
O Programa Conexões de Saberes está sendo muito proveitoso na minha vida social,
pois estou podendo contribuir com a comunidade no sentido educacional. Não me sinto
uma mera reprodutora de pressupostos teóricos, porém, alguém capaz de provocar a sede
pelo saber e, em contrapartida, recebo das pessoas o contato com o conhecimento de mundo
advindo de suas “leituras mundo”, proporcionando, desse modo, a união dos vários matizes
do conhecimento.
Hoje, tenho 23 anos e, além de participar do Programa Conexões de Saberes, faço um
trabalho, à parte, de difusão da cultura latino americana, através da instrução de aulas de
danças (salsa, merengue, cumbia etc...) e cultura dos países de língua espanhola.
Até agora, falei um pouco da minha trajetória e creio que os leitores, a essa altura, já
sabem porque comecei pelo meio, isto é, meus sentimentos atuais têm relação direta com os
rumos que minha vida tomou no passado. Se não fosse pelos fatos narrados acima, talvez,
estivesse submersa em minha própria ignorância e apatia, quiçá estivesse, ainda, dormindo
e me submetendo a um suposto “destino inevitável”. Entretanto, sem hesitar, digo-lhes que,
hoje, sinto estar no caminho propício à descoberta gradativa do meu papel ante a sociedade
e a mim mesma. Com muito orgulho, hoje, sou professora e falante de Língua Espanhola,
cada dia com mais sede de conhecer cada cantinho da América Latina e suas gentes,
totalmente, aberta para a eterna aprendizagem.
Gostaria de terminar essa parte da trajetória com uma citação de alguém que inspira e
contagia, com seu ideal de unidade latino americana, a caminhada de Robélia Régia Alves
Porfírio da Costa.
El personaje que escribió esas notas morió al pisar de nuevo en
tierra Argentina […] Yo no soy yo, por lo menos no soy el mismo
yo interior, ese vagar sin rumbo por nuestra “ Mayúscula
América” me ha cambiado más de lo que creí.
Che, in Notas de Viaje, em sua primeira viagem com Alberto
Granado pela América do sul.
Universidade Federal de Alagoas
87
Força individual e estímulos advindos de pais
e professores
Luiz Carlos Santos de Oliveira *
Nasci na cidade de Maceió, Capital do Estado de Alagoas, no dia 24 de junho de 1983.
Sou o quarto e último filho de Luiz Mariano de Oliveira, carregador, com Maria de Fátima
Santos de Oliveira, costureira.
Estimulado por minha mãe, iniciei meus estudos aos dois anos de idade, em uma
escola comunitária na Sede dos Caçadores, localizada no bairro da Chã da Jaqueira (bairro
da periferia da cidade onde morei até ingressar na Universidade). Com muita insistência
e dificuldade, minha mãe consegue me matricular, aos quatro anos de idade, na Escola
Estadual João Paulo II, no mesmo bairro em que morava e de onde saí ao terminar a 2ª
série do ensino fundamental.
Vendo a necessidade de encontrar uma escola com melhor organização, minha mãe
faz minha matrícula, para cursar a 3ª série, na Escola Estadual Fernandes Lima, localizada
no Centro da Cidade. Essa escola, na visão de minha mãe, poderia me proporcionar uma
melhor aprendizagem (coisa difícil em uma instituição pública de ensino sem boas estruturas,
mesmo sem negar o interesse de muitos professores, que se empenham em proporcionar um
ensino de qualidade, apesar da dificuldade com o baixo salário).
Porém, no mesmo ano (1991) em que comecei a estudar, dá-se início uma greve estadual
e, após a greve, a escola inicia uma reforma sem previsão de retorno, causando a perda de um
ano letivo. Então, para não perder mais um ano letivo, minha mãe consegue me matricular
na Escola Estadual José da Silva Titara (Instituto de Educação), pertencente ao Complexo
Educacional Antônio Gomes de Barros – CEAGB.
Na Escola Estadual José da Silva Titara foi despertado, em mim, o interesse pelas artes
e pelo esporte, pois a escola estimulava a prática do esporte e o estudo das artes. Estudei
apenas um ano nessa escola, pois terminada a reforma da Escola Fernandes Lima, retornei
para lá, a fim de concluir o ensino fundamental.
Na Escola Fernandes Lima, encontrei os professores que me ajudaram a ter uma
visão ampla de conhecimento, além de me proporcionarem grandes oportunidades.
Cabe salientar que, mesmo após a reforma, a escola não ofereceu uma boa estrutura
e, como na maioria das escolas públicas, não se tinha acesso a livros, pois a escola
não disponibilizava de biblioteca. Para ter um conhecimento, além dos livros
distribuídos pelo MEC, muitos professores se empenhavam em fornecer livros e
outros materiais didáticos (apostilas, xerox etc.) para ampliar o conhecimento de
*
Graduando em Filosofia na UFAL.
88
Caminhadas de universitários de origem popular
seus alunos. Nessa escola, passei a ser representante de turma durante dois anos e a
organizar, com outros amigos, um grupo de teatro para concorrer, durante a semana
do Meio Ambiente, em uma amostra teatral. Participei de forma efetiva dos jogos
internos da Escola e dos Campeonatos de Escolas Públicas, promovido pela
Secretaria Executiva de Educação.
No ano de 1993, minha mãe passa por uma cirurgia que a impossibilita de trabalhar,
mas mesmo assim, ela utiliza suas economias para me ajudar a pagar as passagens. Assim,
vi-me na obrigação de trabalhar, para ajudar minha mãe e continuar a estudar.
A partir daquele momento, passei a freqüentar um curso de serigrafia. Mas foi no ano
de 1996, que me inscrevi em um curso que transformou a minha vida. Apesar da pouca
idade, fui aceito por um professor do Complexo Educacional Humberto Mendes, no curso
de eletricidade e, nesse mesmo ano, passei a realizar alguns trabalhos, tanto no Complexo,
quanto fora dele. Sempre recebendo o apoio e o incentivo do professor, que me dizia para
não abandonar os estudos em prol do trabalho.
Através desses trabalhos, no ano de 1999, inscrevi-me em um Projeto da Secretaria de
Assistência Social e fui selecionado para trabalhar como office-boy na Secretaria Executiva
de Saúde. A partir daí, consegui ajudar minha mãe, apesar de receber pouco menos da
metade de um salário-mínimo.
Como muitos jovens de origem popular eu, também, tinha minhas dificuldades, mas
com persistência, nunca deixei de ir à escola. E foi assim, que no ano de 1998, aos 15 anos
de idade, concluí, com estímulos por parte de professores, pais e amigos, o ensino
fundamental. Nesse mesmo ano, concorri a uma vaga no Centro Federal de Ensino
Tecnológico de Alagoas – CEFET/AL e, todavia, não fui aprovado.
A escola em que concluí o ensino fundamental, não tinha o ensino médio, então, fui
procurar outra. Dessa forma, em 1999, prestes a completar 16 anos de idade e por minha mãe
estar doente, comecei a procurar uma escola para me matricular. Negociei, então, com a
direção da Escola Estadual Teotônio Vilela, localizada no Complexo Educacional Antônio
Gomes de Barros – CEAGB, minha matrícula na 1ª série do ensino médio e, como estava
trabalhando, passei a estudar à noite.
E é nesse meio de um grupo de alunos com idade superior, já fazendo parte de um
movimento social chamado Pastoral da Juventude do Meio Popular – PJMP e trabalhando
em um órgão público, que aumenta o meu interesse por discussões sobre política,
acessibilidade ao ensino, direitos públicos etc.
No início do ano de 2000, a Escola deixa de oferecer o ensino médio e distribui
os alunos pelas escolas do Complexo Educacional. Naquela ocasião, fui cursar a 2ª
série do ensino médio na Escola Estadual Professora Laura Dantas, onde fiquei até o
final da 3ª série.
Na Escola Laura Dantas, recebi um convite para participar do Conselho Escolar. Por
falta de tempo, não aceitei, mas participei e auxiliei nas discussões das reuniões do
Conselho, pois percebi a dificuldade dos alunos do turno noturno em adquirirem
conhecimento, já que havia a carência de professores e aqueles que lá estavam não
demonstravam empolgação na profissão que haviam escolhido. Muitas das discussões
eram a respeito de como melhorar a qualidade do ensino noturno, já que era sempre o mais
prejudicado ao nível de conhecimento ofertado, pois, tanto alunos, quanto professores,
estavam esgotados do trabalho durante o dia.
Universidade Federal de Alagoas
89
No ano de 2001, cursando a 3ª série do ensino médio, pouco antes de completar 18 anos,
passei a procurar um emprego, pois o projeto da Secretaria de Assistência Social dava direito
de participação somente até os 18 anos. Mesmo sendo office-boy, adquiri conhecimento
técnico em algumas áreas públicas e isso me proporcionou, ao completar 18 anos de idade, a
contratação pelo Colegiado dos Secretários Municipais de Saúde de Alagoas – COSEMS/AL.
Nesse mesmo ano, prestei o vestibular para a Universidade Federal de Alagoas – UFAL,
concorrendo a uma vaga para o curso de Filosofia, em que fui aprovado.
De uma família de quatro irmãos, em que todos receberam incentivos e oportunidades,
passo a ser o único que concluiu o ensino médio e que teve acesso a um curso superior. A
partir daí, começou uma nova fase em minha vida.
Ao entrar na Universidade, deparei-me com o abismo burocrático que é uma instituição
pública. Mesmo assim, empolguei-me com o curso e passei a ter professores com visões
pragmáticas, bem como, professores com visões expansivas. Percebi a precariedade dos
serviços de transporte coletivo da cidade, pois o ônibus que pegava - para chegar à
universidade e voltar para casa - passava, no mínimo, de hora em hora. Por isso, eu e outros
amigos acabávamos voltando para casa “a pé”. Presenciei muitas coisas como: greve, maus
professores, bons professores, amigos etc. Mas nada deixou de me estimular.
Dentro da universidade não tive muitas oportunidades, pois tinha de trabalhar para
garantir minha permanência, presenciei vários projetos de ações afirmativas, mas aquele
que atraiu minha atenção e me inspirou foi o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre
a universidade as comunidades populares do qual faço parte. Ele se configura num programa
que oportuniza aos alunos de origem popular, desenvolverem pela primeira vez na história,
discussões e trabalhos sobre acesso e permanência na universidade. Desse modo, permite a
eles a chance de serem transformadores não só de sua realidade, mas também, de outra.
90
Caminhadas de universitários de origem popular
A vida teimava em dizer não, mas ousei dizer sim
Simone Pereira dos Santos *
Nasci há vinte e quatro anos, na pequena cidade do interior de Pernambuco, chamada
Garanhuns, no dia 07 de agosto de 1982. A quinta dos seis filhos do pedreiro Paulo Pereira
dos Santos e da dona-de-casa Ivanilda Ferreira dos Santos.
Meu pai, homem simples e humilde, não teve oportunidade de estudar quando jovem,
pois precisou trabalhar muito cedo devido às necessidades de sua família. Quando casou
com minha mãe, a única coisa que possuía era uma casinha no sítio, dada pelos meus avós,
tendo que buscar o sustento de sua nova família no trabalho da lavoura. Restavam-lhe
poucas alternativas para o estudo, já que morava num sítio longe da cidade,
conseqüentemente, longe de qualquer escola. Tudo o que ele sabe, hoje, e com muita
dificuldade é assinar o nome, graças ao seu próprio empenho.
Minha mãe, mulher, também, muito simples que morava em um sítio chamado lagoa
seca, freqüentou a escola o suficiente, apenas para aprender a ler e a escrever. Não continuou
a estudar, porque, em sua época, era normal uma menina abandonar os estudos para trabalhar
na roça. Ao se casar com meu pai, morou muito tempo no sítio e tiveram três filhos, com um
intervalo de um ano de diferença de um para o outro. Délio foi o primogênito, logo depois
vieram Célia e Dirceu. Depois de 10 anos de casados, a situação no sítio não era das melhores
e não dava mais para sustentar as três crianças, somente com a venda de verduras na feira.
Eles resolveram, então, ir morar na cidade.
Meu pai aprendeu a trabalhar como pedreiro e minha mãe continuou vendendo verduras
na feira. Mesmo com todas as dificuldades, conseguiram manter o sustento da família.
Morando na cidade, tiveram mais três filhos: Selma, eu e a caçula Paula Renata.
Em 1988, aos seis anos de idade, iniciei a minha vida escolar na Escola Municipal
Aldebar Jurema. Minhas maiores lembranças, dessa fase pré-escolar, é que eu sempre estava
arrumando confusão com meus coleguinhas, para que todos voltassem à atenção para mim
suprindo, assim, o que me faltava em casa, pois, em meio a tantos filhos, não tinha uma
atenção especial.
O ano de 1989 foi muito marcante em minha vida. Nessa época, eu fazia a 1ª série na
Escola São José. Era um ano eleitoral. Partidos da esquerda e direita, tentavam chegar à
Presidência da República. Meu pai, era fanático pelo partido da direita e minha irmã Célia,
uma jovem petista revolucionária. Ambos viviam na maior rivalidade dentro de casa, mas
essa rivalidade culminou numa tragédia: minha irmã foi espancada na rua, sob os olhares de
*
Graduanda em Geografia na UFAL.
Universidade Federal de Alagoas
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todos que por ali passavam e acabou saindo de casa. A pressão e os falatórios foram muito
grandes e, logo em seguida, resolvemos mudar para o Estado de Alagoas, tanto pelas pressões,
como pelas dificuldades financeiras que enfrentávamos, já que a cidade por ser pequena,
não dispunha de trabalho para meu pai.
Em 1991, minha irmã resolveu aparecer de surpresa em nossa casa e a família voltou a
ser o que era antes, sendo as mágoas esquecidas. Esse ano foi muito bom.
Já em Maceió, eu e minhas irmãs estudávamos na Escola Pompeu Sarmento, situada
no bairro Barro Duro. Nessa escola, cursei a primeira e a segunda série e, por motivos
financeiros, tivemos que sair do Barro Duro para o bairro Santa Lúcia, onde fomos estudar
na escola Donizette Calheiros, que se situava a dois quilômetros da minha casa.
Devido à distância e já cursando a quinta série, conseguimos a transferência para a
escola Irene Garrido. Lá, despertei o interesse por lecionar, tendo como exemplo os meus
professores, mas devido as minhas condições financeiras, essa realidade estava muito
distante, pois cursar uma faculdade, parecia impossível, naquele momento.
Quando terminei o primeiro grau, não tive alternativa para continuar meus estudos, a
não ser ter que estudar em uma escola longe do meu bairro, já que neste não existiam escolas
de segundo grau.
Sem dinheiro para pagar a passagem, comecei a trabalhar ajudando amigos em afazeres
domésticos. Dessa forma, consegui estudar no Colégio Liceu Alagoano. Lá, conhecendo a
história da escola e da sua importância na formação de muitos cidadãos alagoanos, comecei
a pensar, junto com meus amigos, sobre a possibilidade de ingressar na universidade.
Era um sonho que me parecia inalcançável, devido à falta de preparo das escolas
públicas, incapazes de oferecer um estudo de qualidade suficiente que desse condições, ao
aluno da rede pública, de ingressar na universidade. Mesmo a escola sendo gratuita e tendo
sua inscrição aberta a todos da rede, está permeada de uma má qualidade de ensino, seja
pelas greves, seja pelas condições sociais ou mesmo pelo despreparo dos professores,
impossibilitando o acesso desses alunos à universidade.
Nos anos de 2002 e 2003, fiz um cursinho pré-vestibular para preencher as lacunas
deixadas pela escola. No primeiro ano, percebi que pouco sabia e que teria muito a aprender.
Sempre chegava ao cursinho muito cansada devido ao trabalho e, muitas vezes, com fome,
pois não tinha dinheiro para fazer um lanche à noite. Não raramente, eu e meus colegas de
cursinho repartíamos o lanche e, apesar das dificuldades, tudo era motivo de festa.
No final desse primeiro ano não passei. Foi decepcionante, mas tinha que continuar.
Dessa vez, com mais dedicação e com mais base. No segundo ano de cursinho, estávamos
todos lá - o mesmo grupo, novamente, tentando na mesma realidade do anterior - ajudando-nos,
mutuamente. Mesmo com pouco dinheiro ou quase nada, resolvi pagar matérias isoladas na
área de exatas. Com muito esforço, fomos bem sucedidos, eu e à maioria do nosso grupo.
A minha escolha pelo curso de Geografia se deu pela possibilidade de trabalhar o
espaço como meio de interação, as responsabilidades sociais e ecológicas, entre outros.
Ao ingressar na universidade, tive a certeza de que, realmente, era o que eu buscava,
ou seja, uma realização minha e a da minha família, pois fui a primeira, de toda a família, a
entrar na universidade.
Ainda me faltava algo: o desejo de lecionar, ainda, não havia sido alcançado.
Quando soube do Programa Conexões de Saberes, vislumbrei nele a possibilidade
de realizar esse desejo, há tanto esperado. Pensei o quanto poderia contribuir com o
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social, oferecendo aos alunos, que sonham com a possibilidade de ingressar na
universidade, uma oportunidade.
Sei da dificuldade, que um aluno de escola pública e de baixa condição financeira,
enfrenta para realizar este sonho. Hoje, vejo no Programa Conexões de Saberes a
concretização dos meus e dos sonhos daqueles que, como eu, muitas vezes, a vida disse não,
mas que ousaram dizer sim.
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De volta ao Nordeste
Rodrigo César Carvalho Moraes *
Nasci em Orós, cidade do interior do Ceará. Quando eu tinha dois anos de idade,
minha mãe, minha irmã e eu nos mudamos para São Paulo. Passamos a residir com meu tio
(José) e alternamos alguns momentos em que moramos sozinhos.
Sempre estudei em escolas públicas e, durante o primeiro ano do ensino médio,
passei a estudar no período noturno, para poder trabalhar. No início, comecei apenas com
“bicos”, como o de vendedor de saco de lixo.
Em 1999, comecei a trabalhar como Office-boy. Foi uma época muito boa, conheci
vários lugares do Estado de São Paulo.
Na escola, não posso dizer que adquiri um conhecimento completo, pois, ao menos
no turno da noite, os professores sempre nos avaliavam com trabalhos. Lembro bem de
nunca ter estudado sobre nenhum fato histórico e nunca tivemos aula de Inglês (pelo
menos nunca avançamos o verbo “to be”), mas não culpo, somente, aos professores e a
escola, pois os alunos, também, não colaboravam. Pensávamos que quanto menor a
cobrança, melhor para nós, porque poderíamos terminar o ensino médio mais fácil, mesmo
sem aprender quase nada.
Conheci o Ceará sempre de férias e, por gostar tanto, decidi ir morar em Fortaleza.
Pensei que, com o dinheiro do meu seguro desemprego, poderia me dar ao luxo de me
dedicar, somente, aos estudos, sem precisar trabalhar.
Assim, foram os meus primeiros anos no Nordeste. Havia planejado um prazo de cinco
anos para passar no vestibular de Medicina. Caso não conseguisse, tentaria outro curso ou,
então, voltaria a trabalhar, contanto que não saísse do Nordeste.
Nem tudo saiu como planejei: o dinheiro não durou tanto e as dificuldades foram
surgindo. No entanto, minha família foi participando da minha história, cada vez mais.
Comecei, em março de 2000, estudando em casa com umas apostilas que ganhei de
um primo. No final do mês de maio, consegui uma vaga em um cursinho pré-vestibular na
Universidade Federal do Ceará (UFC), só para alunos que terminaram o ensino médio em
escolas públicas. O único problema é que, nessa época, eu morava no município de Aquirás,
com outro tio (Francisco), a esposa (Josefa) e os filhos deles. O que iria gastar para chegar, do
sítio onde morava ao campus da UFC, perfazia, mais ou menos, R$ 12,00 por dia. Este fato,
praticamente, impossibilitava a minha ida até a UFC, mesmo recebendo o seguro desemprego
(desse jeito eu iria à falência).
*
Graduando em Medicina na UFAL.
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Então, tive uma brilhante idéia: minha tia (Arimar) permitia que eu dormisse na casa
dela em Messejana (a uns 11 quilômetros do sítio) e, de lá, eu gastaria no máximo R$ 4,00, por
dia, para chegar ao campus da UFC. Comprei, então, uma bicicleta e passei a pedalar 22 km
por dia - 11 km, à tarde, quando saía para Messejana e de lá para a UFC e 11 km, pela manhã,
para voltar ao sítio.
Quando eu já estava me empolgando no ciclismo, meu primo Nilo me chamou para
morar com ele e a família, uma vez que eles residiam próximo ao campus (só precisaria de
um ônibus). Não pensei muito e aceitei a proposta. Não passei muito tempo no pré-vestibular
da UFC, pois, comecei um cursinho, desde seu início, no centro de Fortaleza.
Perdi meu primeiro vestibular, mas não me abati, pois era o primeiro ano e eu, ainda,
tinha quatro anos, segundo minha meta.
Nilo mudou-se para Juazeiro do Norte e me chamou para continuar morando com ele.
Aceitei e comecei mais um ano de preparação. Fiz um horário e tentei segui-lo, com o maior
rigor possível. Avancei muito em meus conhecimentos, mas perdi, novamente.
No meu terceiro ano de preparação, mudei para outro Estado e fui para Maceió-AL,
morar com outro primo Eduardo (Duda). Morávamos, Duda, sua esposa e eu. Estava animado,
achava-me preparado para passar, mas infelizmente, não consegui chegar ao ensino
superior naquele ano. Não foi por falta de tentativa, pois prestara o vestibular em sete
instituições diferentes.
Continuei em Maceió e, no quarto ano de preparação, já estava um pouco desanimado.
Mesmo assim, preparei-me mais ainda, estudando em um cursinho, desde o início do ano, e
consegui minha aprovação na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Essas foram algumas das dificuldades que enfrentei para chegar ao ensino superior,
principalmente, porque não tive um ensino básico de qualidade. Acho que, enquanto não
for resolvida essa situação da má qualidade do ensino público, não solucionaremos os
problemas da educação no Brasil.
Consegui alcançar meus objetivos graças a minha família, a qual sempre me ajudou,
seja financeiramente (já que meu seguro desemprego durou apenas quatro meses), seja me
apoiando e dando forças para seguir em frente, a cada reprovação no vestibular.
Agradeço a minha Tia Socorro Martins, aos meus primos e suas esposas: Nilo, Eduardo,
Junior, Cláudia; aos meus tios e tias: Francisco e Josefa, Arimar, Aureni, José e agradeço,
especialmente, à minha irmã e minha mãe.
Graças a todas essas pessoas, citadas acima, e, outras que não citei, consegui minha
aprovação e estou me mantendo na Universidade.
Hoje, faço parte do Programa Conexões de Saberes, que me proporcionou uma grande
ajuda para permanecer na Universidade, pois, com ele, obtive uma vaga no restaurante
universitário (diminuindo às despesas com alimentação), além da ajuda financeira.
Participo do projeto Fitoterapia Popular, onde tentamos manter uma ligação entre a
comunidade e a universidade. O Programa Conexões de Saberes não somente, nos ajuda a
permanecer no ensino superior, mas também, nos proporciona aquisição de conhecimentos
com as capacitações e com os objetivos de cada projeto. Dá-nos, ainda, a chance de fazermos
algo pelas pessoas que passam por dificuldades, ainda maiores que as nossas, para alcançar
o ensino superior com o pré-vestibular e o pré-supletivo. Por isso, deixo meu agradecimento
ao Conexões e ao grupo que participou e participa desse Programa.
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O filho de Adézio e Janete
Rangel Florentino Bomfim *
Nasci em Arapiraca, no dia primeiro de junho de 1984. Tenho dois irmãos: um mais
velho, Rafael e um mais novo, Raniel. Meu pai é José Adézio e minha mãe, Maria Janete.
Meu pai é de Arapiraca e minha mãe de Viçosa, mas na época em que eles se conheceram,
minha mãe estava morando em Arapiraca com a minha bisavó e eles se casaram lá mesmo.
Um ano depois do meu nascimento, fomos morar em Viçosa no sítio Boa Vista. Minha mãe
começou a trabalhar, como professora, e meu pai, na roça, onde continuou negociando nas
feiras com frutas, batata, inhame e macaxeira.
Tive meus primeiros contatos com o estudo, por volta dos meus quatro anos, na escola
em que minha mãe ensinava. Quando tinha cinco anos, fomos morar na cidade, numa casa
do mutirão. Um ano depois, eu e meu irmão mais novo, fomos matriculados no pré-escolar
do Grupo Escolar 13 de Outubro, um pouco longe da casa em que nós morávamos. No ano
seguinte, quando eu estava na primeira série, houve uma greve nas escolas estaduais, que
não chegou a comprometer o ano, porém, a greve do ano seguinte, me fez perder um ano e
tive que repetir a segunda série. Na terceira série, fui reprovado e transferido para a Escola
Municipal Cônego Severiano Jatobá. Isso fez com que eu ficasse mais interessado e
preocupado com os estudos. Quando terminei a quarta série, fui para o Colégio Normal
Joaquim Diegues e, como é um colégio estadual, todo mundo tinha receio de estudar por
causa das greves. No meu primeiro dia no Colégio Normal, senti a diferença, pois era tudo
novo, inclusive um professor para cada matéria, situação a qual não estava acostumado.
Diante de tantas novidades, a minha primeira nota em matemática foi 2,0 (dois), mas tive
calma, estudei, me recuperei e não tive mais notas baixas, a não ser em Português, disciplina
da qual nunca gostei.
Eu não tive uma criação muito agitada. Estudava, ajudava meu pai nas feiras, jogava
futebol, porém, aconteceram algumas coisas comigo, no mínimo engraçadas: quando tinha
oito anos, a professora levou feijões para fazer uma dinâmica e eu coloquei um caroço no
ouvido e não disse nada a ninguém. Às vezes incomodava, mas só vim tirá-lo onze anos
depois, quando meu ouvido passou a doer com mais freqüência. Outra vez, quando jogava
bola, em frente a minha casa, com o meu irmão, a bola caiu em cima da casa, subi no telhado
para pegá-la de volta e, então o telhado desabou e desabei junto com ele. Felizmente, não
aconteceu nada de grave comigo, a não ser alguns arranhões pelo corpo. Outro dia, estava
num sítio de um amigo, subi na mangueira para pegar algumas mangas e fui até o topo da
*
Graduando em Física na UFAL.
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árvore. Meus amigos viram umas mangas na ponta dos galhos e disseram “balança, balança”.
Comecei a balançar até que avistei uma casa de abelha e elas começaram a me picar por todo
o corpo. Desci, rápida e desesperadamente, enquanto meus amigos riam de mim.
Continuando a minha história acadêmica, cursei o ensino fundamental e, no final da
oitava série, eu prestei o exame de seleção para estudar no CEFET-AL, onde fui reprovado!
Fiquei muito triste. Comecei o ensino médio e, no final do primeiro ano, prestei, novamente,
o exame de seleção para o CEFET-AL, sendo reprovado! Fiz também o PSS 1 (Processo
Seletivo Seriado), primeira fase do vestibular da UFAL e tirei a maior nota do colégio. No
segundo ano, comecei a dar aulas de reforço para meus colegas, porém, não pensava em ser
professor. No ano seguinte no PSS 2, tirei a maior nota da cidade. Chegando ao terceiro ano,
estava em dúvida sobre para qual curso prestar o vestibular Sabia, somente, que seria um
curso na área de exatas e, com o incentivo de um amigo e de alguns professores, optei em
fazer Física. Passei na primeira, na segunda fase e, na sexta-feira de carnaval, o resultado
final saiu. Fui aprovado!
Como meu curso é diurno, fui morar em Satuba-AL. Ficava indo e vindo todos os dias
e, então, escrevi-me para morar na Residência Universitária Alagoana. Fui selecionado e,
hoje, moro lá. Morando na residência, almoçando no Restaurante Universitário e com a
bolsa do Programa Conexões de Saberes, diria que a universidade está me oferecendo todas
as condições para que eu conclua meu curso.
Sei que, ainda, existe um longo caminho a percorrer, mas se cheguei até aqui, devo
agradecer aos meus pais que sempre se preocuparam com a minha educação, e aos meus
amigos, que sempre me incentivaram.
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