Serviços de Atendimento aos Consumidores: Posição na Organização e Contribuição em Decisões Empresariais. Um Estudo Comparativo em Duas Empresas da Indústria Farmacêutica Autoria: Renato Rodrigues Gregório, Marie Agnes Chauvel RESUMO O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que investigou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de duas empresas que atuam no setor de Indústria Farmacêutica. A pesquisa teve por objetivo estudar as relações existentes entre a posição ocupada pelo SAC dentro da organização, suas atribuições e sua contribuição efetiva em matéria de decisões empresariais. O método utilizado foi o de estudo de caso, sendo que foram selecionados dois casos contrastantes: um no qual o SAC estava subordinado a um departamento táticooperacional, outro no qual respondia diretamente à alta-direção da empresa. De acordo com a literatura, um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos SACs é a questão de sua inserção na estrutura organizacional da empresa. Para lidar com essa dificuldade, vários autores recomendam uma subordinação direta à alta administração. Os resultados da pesquisa apontam que a posição do SAC na hierarquia da empresa tem impacto significativo sobre sua contribuição e que o fato do SAC possuir atribuições de dimensão estratégica não basta para assegurar sua participação em processos decisórios. 1. INTRODUÇÃO A pesquisa apresentada neste artigo investigou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de duas empresas privadas que pertencem ao mesmo ramo de atividade: o de indústria farmacêutica. Ao longo da década de 1990, o número de empresas que oferecem esse tipo de serviço aos seus clientes cresceu, no Brasil, em ritmo acelerado, passando de cerca de 200 a 4500 ou maisi. No entanto, em razão do caráter recente desse fenômeno, ainda se sabe pouco sobre o funcionamento dos SACs que estão atualmente em atividade no país, sobre as dificuldades que enfrentam e sobre as contribuições que efetivamente têm trazido às empresas que os implantaram. De acordo com a literatura, um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos Serviços de Atendimento ao Consumidor diz respeito à sua inserção na estrutura organizacional da empresa. Se é relativamente fácil colocar à disposição dos clientes um número de telefone ou um endereço de e-mail para que possam se comunicar com a empresa, atender e tratar as manifestações recebidas e, sobretudo, utilizá-las para detectar problemas e oportunidades exige um perfeito entrosamento entre o SAC e os demais setores da empresa, entrosamento, este, que nem sempre é facilmente alcançado. Visando aprofundar a compreensão das relações existentes entre a posição do SAC dentro da organização, suas atribuições e a contribuição efetivamente trazida à empresa, a pesquisa descrita a seguir investigou, utilizando o método de estudo de caso, duas empresas com perfis distintos: uma na qual o SAC está subordinado à alta-direção, outra na qual o setor está subordinado a um departamento tático-operacional. 2. REVISÃO DE LITERATURA De acordo com Zülzke (1997, p. 107-108), os Serviços de Atendimento ao Consumidor têm a capacidade de proporcionar às empresas as seguintes vantagens: - Estabelecer lealdade à marca, pelos aspectos de segurança transmitidos ao consumidor e marketing de serviços; 1 - Instituir um sistema de pesquisa diário; - Estabelecer uma comunicação personalizada com o cliente; - Diferenciar a empresa frente aos concorrentes pela facilidade de acesso oferecida; - Complementar o controle de qualidade com as percepções do usuário; - Atualizar os executivos sobre tendências dos consumidores; - Evitar longos e desgastantes processos judiciais; - Permitir a constituição de bancos de dados. A importância e o valor de dispor de um canal para captar as manifestações dos consumidores é, de fato, cada vez mais, objeto de consenso tanto entre as empresas (como mostra o crescimento espetacular do número de SACs em atividade no país), quanto entre os estudiosos da área de Marketing. Entretanto, os SACs nem sempre acabam trazendo às empresas que os implantam todos os benefícios a eles atribuídos. Zülzke (1997, p. 46) agrupa os SACs em função de duas dimensões: a dimensão “táticaoperacional” e a dimensão estratégica. Enquanto os SACs “táticos” atuam, essencialmente, na resolução de problemas operacionais, servindo de anteparo às manifestações e reações dos consumidores, os SACs “estratégicos” procuram monitorar os efeitos do ambiente externo na imagem da empresa e dos seus produtos, servindo de “radar”, de “auditor”, de representante interno da voz do consumidor, de agente de mudanças e inovações. Os SACs “táticos” oferecem, basicamente, duas vantagens: evitar processos judiciais ou outras ações potencialmente desgastantes para a empresa (tais como o recurso de clientes à imprensaii e o “boca-a-boca” negativo) e proporcionar um diferencial frente à concorrência por permitir que o cliente se comunique diretamente com a empresa (sendo que esse diferencial tende a se tornar menos significativo à medida que cresce o número de empresas que aderem à onda dos “0800”). Os SACs “estratégicos” oferecem um leque muito mais amplo de benefícios, favorecendo a implementação do Conceito de Marketing no sentido, já consagrado, de “uma orientação para o cliente, apoiada pelo marketing integrado, que tenha a satisfação do cliente e o bem estar do consumidor a longo prazo como elemento-chave para a obtenção de um volume de vendas lucrativo a longo prazo” (Kotler, 1972, p. 54) e na visão mais recente de marketing como “modo de integrar o cliente à empresa, como forma de criar e manter uma relação entre a empresa e o cliente” (McKenna, 1993, p.4). De acordo com a literatura, esse nível de atuação do SAC, “tático-operacional” ou “estratégico”, está estreitamente relacionado à maneira de equacionar o problema da inserção do setor na organização. Lancioni (1995) afirma: “uma das questões mais importantes no gerenciamento do serviço ao consumidor é a relação de subordinação da função. Uma vez que o serviço ao consumidor é uma área gerencial ´híbrida`, as empresas geralmente não sabem onde posicioná-lo”. (Lancioni, 1995, p. 22). Como observa Zülzke (1997), os SACs são setores que perturbam a ordem que, habitualmente, impera nas empresas: “(...) esse trabalho [dos SACs] inova gerencialmente. Ao mostrar tendências de baixo para cima, isto é, de consumidores leigos para profissionais especializados, contraria a ordem usual nas empresas, onde o poder é exercido de cima para baixo.” ( p.7). 2 Para lidar com essa dificuldade, vários autores recomendam uma subordinação direta à alta administração. Essa posição, por ratificar formalmente a importância da missão delegada ao SAC e conferir a este último uma maior capacidade de trânsito dentro dos diversos departamentos da empresa, favoreceria a superação das resistências comumente suscitadas pelas atividades do setor. De acordo com Lancioni (1995, p. 22), o ideal é que o SAC esteja diretamente subordinado à alta direção da empresa: “As vantagens de uma subordinação direta são significativas quando comparadas a uma estrutura de subordinação indireta porque a informação passa diretamente aos tomadores de decisão, evitando elos humanos que têm potencial para perda de detalhes, distorções, etc.” Lancioni (1995) sublinha, também, que, quando o SAC está subordinado à média gerência, seu funcionamento corre o risco de “ficar à mercê dos grupos de gerentes intermediários que, com freqüência, consideram este serviço como um obstáculo.” (p. 22). Na opinião de Zülzke (1997), SACs que tenham funções estratégicas, “por interagirem de uma forma mais intensa e ampla na empresa, estando presente nos processos decisórios relacionados ao consumidor, situam-se, preferencialmente, junto ao presidente” (p. 45). Isnard (1996) realizou, no Brasil, uma pesquisa empírica dirigida a 197 empresas de produtos de consumo. Dentre outras preocupações, a autora procurou analisar a posição do SAC na estrutura organizacional, avaliando questões como a preocupação da empresa em estimular o maior contato e o melhor fluxo de informações entre o SAC e alta administração. Os resultados apontaram que: - A posição predominante do SAC na estrutura organizacional era a de um serviço dentro de um departamento (58,5%) e, em seguida, a de um departamento/setor ligado a uma diretoria (30,8%). - 70% dos SACs nunca participavam ou participavam apenas ocasionalmente de reuniões estratégicas; - Quando o SAC tinha interação com a alta administração, existia forte associação com a participação freqüente em reuniões estratégicas (Isnard, 1996, p. 70). Ao discutir os resultados a autora observa: “A variável de desempenho que apresentou maior número de resultados significativos foi a freqüência de participação do SAC em reuniões de decisões estratégicas da empresa. O resultado para esta variável é significativo porque ela representa, simultaneamente, a importância que é atribuída ao SAC pelas outras áreas da empresa e, por outro lado, o nível de contribuição do SAC às decisões empresariais.” (Isnard, 1996, p. 70). Em outras palavras, as conclusões da autora apontam que, quando o SAC possui autoridade e é percebido pelos outros departamentos e pela alta-direção como um setor que contribui para a empresa como um todo, ele participa de reuniões estratégicas. Por outro lado, 70% dos SACs pesquisados participam apenas ocasionalmente ou nunca participam de reuniões estratégicas. Em outra pesquisa realizada no Brasil, Miranda (2001) comparou duas empresas do ramo de produção industrial de alimentos, analisando a relação entre a posição hierárquica ocupada pelo SAC e a utilização das manifestações dos consumidores. Os resultados da pesquisa 3 questionam a hipótese de uma relação direta entre a posição hierárquica ocupada pelo SAC e a trajetória das reclamações. Segundo o autor, os fatores críticos para a utilização estratégica das manifestações captadas pelo SAC seriam: - A autonomia delegada ao SAC; - A capilaridade das informações, ou seja, o nível de profundidade de sua difusão dentro da organização; - A integração funcional e cultural com as demais áreas da empresa; - As metas e estratégias do setor. A questão das relações existentes entre esses diferentes elementos (posição na hierarquia, autoridade, autonomia; missão, atribuições, metas; integração, comunicação, relações com outros setores) é discutida por vários autores da área de organizações. De acordo com Maximiano (2000), a definição da estrutura organizacional envolve três tipos de decisões: - decisões de divisão do trabalho (sistema de responsabilidades, responsabilidades dos cargos e departamentos); - decisões de sistema de autoridade (níveis hierárquicos, amplitude do controle, grau de autonomia de cargos e departamentos); - decisões de sistema de comunicação (como se relacionam os departamentos, que tipo de influência há entre eles). Mintzberg (apud Urdan 1993, p. 155) afirma que a estrutura de uma organização é definida por meio de dois requisitos: a divisão do trabalho (quem realiza que atividades) e a coordenação do trabalho (assegurar que a organização cumpra sua missão, atinja suas metas e objetivos). Tanto para Mintzberg quanto para Maximiano, quanto mais alta a posição hierárquica de uma pessoa ou setor na estrutura organizacional, maior será sua autoridade. De acordo com Megginson, Mosley e Pietri (1998, p. 256): “a autoridade é o direito de fazer algo, ou de mandar fazê-lo, para atingir os objetivos organizacionais. Se ninguém na organização tivesse autoridade, os empregados poderiam vir trabalhar ou sair quando bem entendessem, realizar suas tarefas da maneira que quisessem, e não da forma determinada pela organização”. Os autores distingüem dois tipos de autoridade: a autoridade formal e a autoridade por aceitação. A primeira é outorgada, delegada formalmente a uma pessoa ou área. Pode ser expressada pelo organograma, descrição de cargos, normas e procedimentos. A segunda é aquela percebida e aceita pelos grupos e atores envolvidos como legítima. Ela se confirma quando o grupo ou indivíduo sobre quem se exerce essa autoridade reconhece sua validade. Diferentemente da autoridade formal, estabelecida por meio do poder explícito, a autoridade por aceitação é aquela percebida informalmente pela empresa. Nesse caso, há o reconhecimento implícito da posição alcançada pelo ocupante do cargo por sua capacidade em confirmar ou conquistar, por meio de relacionamento interpressoal e competência técnica, sua autoridade perante os demais funcionários da organização. A autoridade formal e a autoridade por aceitação não se excluem. Elas se complementam. O fato do ocupante de um cargo possuir autoridade formal, expressada através da posição hierárquica no organograma, não garante que os outros membros aceitem sua autoridade como legítima. Inversamente, o ocupante de um cargo pode ter autoridade percebida pelos 4 demais funcionários, sem que esta esteja expressada em instrumentos formais da organização como organogramas, descrições de cargos e manuais de normas e procedimentos. Para Morgan (1999, p. 194), “enquanto alguns vêem o poder como um recurso (isto é, como algo que alguém possui), outros o vêem como uma relação social caracterizada por algum tipo de dependência (ou seja, como uma influência sobre algo ou alguém)”. O ocupante de um cargo com poder formal tem o direito de comandar e influenciar outras áreas ou pessoas na organização, de acordo com seu nível de poder. No caso do poder informal, as redes de relacionamento, preferências pessoais, alianças e coalizões constituem-se em formas mais usadas para influenciar outras pessoas. Para Stewart (1970, p. 58), o poder informal é tão importante quanto o poder formal. A organização formal não mostra todas as relações que surgem entre as pessoas e as pessoas que trabalham numa organização estão sujeitas a relações informais e precisam saber utilizá-las para ter eficiência no seu trabalho. “A pessoa precisará saber a quem deve atrair para o seu lado se quiser fazer prevalecer alguma idéia própria. Em certas empresas, será, em geral, suficiente atrair o opoio do diretor-gerente. Em outras, os subordinados e colegas do mesmo nível deverão estar de acordo com as suas intenções.” (Stewart, 1970, p. 59). Para equacionar o problema da inserção do SAC na organização, Zülzke (1997) e Lancioni, (1995) recomendam uma posição que garanta a autoridade formal do setor (subordinação direta ao primeiro escalão da empresa). Zülzke (1997, p. 59) acrescenta a esse fator a “sensibilização dos executivos da empresa aos assuntos dos consumidores”. Segundo a autora, estes seriam os dois aspectos mais importantes na implantação de um SAC. Mitchell (1993) aborda, também, este último ponto. Segundo ele, a integração dos funcionários ao processo de implantação do SAC seria um fator crucial de sucesso. Quando integrados ao processo, “os empregados sentem-se melhor preparados para identificar e lidar com as reclamações recebidas e dar um tratamento eficaz a elas.” (p. 24). O autor acrescenta que é possível inserir o serviço ao consumidor de forma compreensiva e com vantagens, desde que a estratégia seja a de delegar as responsabilidades pelo atendimento às necessidades do consumidor ao conjunto da empresa. 3.OBJETIVOS DA PESQUISA Visando compreender melhor as relações entre as modalidades de inserção do SAC dentro da empresa e o alcance, estratégico ou tático-operacional, de sua atuação, o estudo cujos resultados estão apresentados a seguir procurou comparar os SACs de duas empresas pertencentes ao mesmo ramo de atividades (indústria farmacêutica), investigando, em cada um deles, a posição hierárquica do setor, sua composição e estrutura (posição ocupada pelo SAC dentro da organização), suas atribuições formais (atribuição básica prevista) e os resultados de sua atuação (contribuição de fato). A pergunta de pesquisa que orientou o trabalho é a seguinte: qual a relação entre a posição ocupada pelo SAC dentro da organização, sua atribuição básica prevista e sua contribuição de fato? Propositalmente, foram escolhidas duas empresas nas quais o SAC ocupava posições distintas: uma na qual o setor respondia diretamente à alta-direção, outra na qual estava subordinado a um setor tático-operacional (gerência administrativa de vendas). Como afirma Mattar (1994, p. 89), “em estudos exploratórios é correto afirmar que casos que apresentem nítidos contrastes ou que tenham aspectos salientes são mais úteis”. No caso, esperava-se, 5 através da escolha de casos contrastantes, colher mais elementos para compreender a relação existente entre a posição ocupada pelo SAC, suas atribuições e a natureza (tático-operacional ou estratégica) de sua contribuição. 4.MÉTODO O método utilizado foi o de estudo de caso. Segundo Yin (2001) e Goode e Hatt (1975), esse método é adequado nos casos em que a pesquisa pretende relacionar vários aspectos de um mesmo fenômeno. Permite, através de uma abordagem holística, estudar várias facetas de um mesmo objeto, investigando, em profundidade, suas relações. Em cada uma das empresas estudadas, buscou-se levantar: - O perfil das empresas estudadas (origem do capital; porte; produtos); - As atribuições do SAC: motivos de criação, missão, atividades; - A posição ocupada pelo SAC dentro da organização: posição na hierarquia, estrutura e composição; - A contribuição do SAC: - tratamento das manifestações captadas: registro, procedimentos de ação, fluxo das informações e relatórios; - participação nas decisões da empresa: participação em reuniões, interação com outros setores, percepções sobre a contribuição do setor; - modificações introduzidas em produtos ou processos em decorrência de manifestações de consumidores. Para descrever o funcionamento dos SACs investigados, foram utilizadas, como recomenda a literatura relativa ao uso do método de estudo de casos (Yin, 2001; Hamel, Dufour e Fortin, 1986; Goode e Hatt, 1979), várias fontes e técnicas: - pesquisa documental: em cada uma das empresas, foram levantados os documentos que descrevem, formalmente, a posição e a atuação do SAC (organogramas, fluxogramas, normas, relatórios e pesquisas); - entrevistas em profundidade com os gerentes dos SACs: nessas entrevistas, buscou-se obter uma descrição detalhada dos objetivos, da estrutura, da composição e da atuação do setor; - entrevistas em profundidade com os atendentes da “linha de frente”. Nessas entrevistas foram investigadas as rotinas do setor: tratamento das manifestações recebidas, elaboração de relatórios, participação em reuniões, etc. A pesquisa tem caráter exploratório. Seus resultados destinam-se a fornecer pistas para novas investigações e não devem ser generalizados nem ao fenômeno “SAC”, nem ao setor estudado (farmacêutico). 5. RESULTADOS Os dados colhidos em cada uma das empresas estão descritos a seguir. A partir do conjunto dos materiais colhidos (documentos e entrevistas), a análise procurou efetuar uma leitura vertical (integração dos diferentes dados colhidos sobre cada uma das empresas) e horizontal (comparação dos elementos colhidos em cada uma das empresas), de modo a construir um quadro comparativo dos dois casos estudados. 5.1. PERFIL DAS EMPRESAS ESTUDADAS A empresa A faz parte de um conglomerado de empresas cuja controladora e matriz está situada na França. No Brasil, sua sede está localizada na cidade do Rio de Janeiro. Sua produção está distribuída em 75 tipos de medicamentos entre éticos e OTCiii. A empresa tem 6 fábrica no Rio de Janeiro e escritórios distribuídos pelas principais capitais do Brasil. Seu faturamento anual médio é de R$ 360 milhões. Emprega 980 funcionários. A empresa B nasceu de uma fusão, ocorrida em 1997, de duas empresas suiças. No Brasil, a matriz está situada em São Paulo, com escritórios regionais distribuídos nas principais capitais do país. Com um faturamento anual médio de US$ 345 milhões, a empresa comercializa, no mercado brasileiro, 294 apresentações medicamentosas. Emprega 2.200 funcionários. 5.2. ATRIBUIÇÕES DO SAC: MOTIVOS DE CRIAÇÃO, MISSÃO, ATIVIDADES Até 1998, a empresa A possuía, como canal de comunicação com os consumidores, uma linha telefônica convencional. Esse número era divulgado em embalagens de medicamentos. O atendimento era feito por uma pessoa que não se dedicava exclusivamente a essa tarefa. Em conseqüência, havia uma grande dificuldade na comunicação dos consumidores com a empresa, o que gerava muitas reclamações. Além da dificuldade de contato, outro problema era a falta de sistematização no registro e tramento das manifestações recebidas. Não havia um sistema ou controle para registrar as informações recebidas, nem um fluxo interno que direcionasse os contatos para as áreas responsáveis. O SAC foi criado oficialmente em setembro de 2000. As pessoas responsáveis pela estruturação do serviço foram contratadas em junho do mesmo ano. O objetivo da empresa ao criar o setor foi o de facilitar o relacionamento com o consumidor. A supervisora relata: “A proposta que me foi colocada era a de que o SAC não ia ser só um setor para atender reclamações. Não ia ser só de fachada, um lugar onde as pessoas empurram a sujeira para baixo. O que me foi passado é que iríamos fazer um SAC onde se falava em CRMiv.” De acordo com o documento interno “Atividades do SAC”, o setor é encarregado das seguintes atividades: ¾ atendimento aos consumidores; ¾ registro dos dados coletados nas ligações; ¾ respostas às solicitações feitas pelos consumidores, por e-mail, carta ou telefone; ¾ realização de procedimentos internos para a troca de medicamentos; ¾ encaminhamento dos produtos para análise; ¾ retirada e postagem de medicamentos a serem trocados; ¾ encaminhamento das informações aos setores a serem acionados para a implementação de ações corretivas. O SAC da empresa B foi fundado em 1997. Até então, a empresa possuía um canal de comunicação destinado exclusivamente aos médicos. Essa restrição gerava alguns problemas para a empresa. O consumidor encaminhava dúvidas, sugestões e até elogios via correio, mas a empresa tinha dificuldade em responder a essas manifestações. Tal fato se devia, principalmente, à dispersão dos contatos dos consumidores na empresa. Não havia uma área que centralizasse a captação dos contatos e as respostas às questões dos consumidores. Uma questão levantada por um consumidor podia estar sendo tratada por duas áreas distintas, sem que uma delas soubesse. Ou, ao contrário, uma área deixava de cuidar de uma solicitação, porque achava que outra estava se encarregando do assunto. 7 “Nós recebíamos uma correspondência elogiando um produto, um material, ou fazendo alguma crítica, que dava para ser trabalhada, mas a empresa não dava a devida atenção a isso”, destaca a supervisora do SAC. “Tínhamos muitas reclamações, precisávamos identificar os motivos e, conseqüentemente, as ações para evitar essa imagem negativa que estava impactando no mercado e, com isso, melhorar nossa imagem externamente.” Além disso, existia uma preocupação da empresa em estimular o contato do consumidor com a empresa. O número do SAC nas embalagens de produtos e material de comunicação, inserido em 1998, de fato, fez com que o volume de contatos com a empresa aumentasse significativamente. Em 1999, era de 31.628, passando a 66.326 em 2000. De acordo com o documento interno “Atividades do SAC”, o setor é encarregado das seguintes atividades: ¾ atendimento receptivo dos contatos, através de telefone, fax, internet, cartas ou atendimento pessoal; ¾ esclarecer dúvidas, fornecer respostas a pedidos de informações, opiniões, reclamações; ¾ Processos de trocas; ¾ Avaliação de evidências quanto a desvios ou extravios de produtos/embalagens e/ou serviços; ¾ Retorno de análises técnicas; ¾ Providência de laudos técnicos; ¾ Disponibilizar as informações relativas às manifestações dos consumidores para as demais áreas. O quadro a seguir resume as informações colhidas sobre as atribuições dos dois SACs pesquisados. Quadro 1: atribuições dos SACs EMPRESA A -Facilitar a comunicação do cliente com a empresa. -Sistematizar o registro e tratamento das manifestações dos clientes. -Providenciar o acionamento de outras áreas para a correção de problemas (trocas, ações corretivas). -Transformar-se numa ferramenta de fidelização de clientes (projeto ainda não realizado de implantação de CRM). EMPRESA B -Atender à necessidade de se criar um canal de comunicação com o consumidor. -Centralizar e sistematizar o registro e tratamento das manifestações dos clientes. -Assegurar um melhor fluxo das informações de modo a proporcionar respostas satisfatórias às demandas recebidas. -Melhorar a imagem da empresa. -Estimular o contato de consumidores com a empresa. -Disseminar a informação captada junto aos demais setores. Em ambas as empresas, as atribuições do SAC são de natureza estratégica. O objetivo é o de estreitar as relações com o consumidor e tirar partido de suas manifestações para gerar melhorias e trabalhar a imagem da empresa. Uma preocupação comum às duas empresas ao criar o setor foi a de centralizar e sistematizar a recepção de manifestações de modo a otimizar seu registro e tratamento, evitando que se dispersassem, ou até se perdessem, ao transitar em diferentes áreas. Nas duas empresas, o que se buscou foi constituir um departamento que gerenciasse o fluxo de informações e ações dentro da organização. Apesar dessa semelhança de objetivos, as atividades delegadas ao SAC diferem. Na empresa A, têm, essencialmente, caráter tático-operacional. Trata-se de registrar e responder às manifestações captadas, providenciando respostas aos consumidores, verificando o caráter 8 procedente de suas queixas, acionando outros departamentos para a realização de trocas e eventuais ações corretivas. Na empresa B, além dessas atividades, o SAC é encarregado de esclarecer dúvidas e fornecer informações ao público (médicos ou pacientes), solicitar análises e laudos, comunicar seus resultados aos interessados (consumidores e setores da empresa envolvidos) e disponibilizar internamente as informações. É importante observar que esta última atividade envolve mais que o encaminhamento das informações aos setores a serem acionados, como ocorre na empresa A. Mais que providenciar as ações necessárias para responder às manifestações recebidas, trata-se de disseminar a informação captada para que possa ser utilizada pelas diferentes áreas da empresa. O fato do SAC da empresa B ter, explicitamente, entre suas atividades, a de esclarecer dúvidas e fornecer informações também sinaliza uma função que ultrapassa a de anteparo às manifestações e reações dos consumidores (Zülzke, 1997). O comentário da supervisora do SAC da empresa A sugere, em contrapartida, que, apesar das intenções iniciais da alta direção, o departamento está tendo dificuldades em ir além dessa função e deixar de ser apenas “um setor para atender reclamações”. 5.3. POSIÇÃO E ESTRUTURA DO SAC Na empresa A, o SAC está subordinado a uma área tático-operacional (gerência administrativa de vendas), que se reporta à gerência de operações de marketing e vendas, por sua vez subordinada à Diretoria de Vendas, que responde ao Presidente. Na empresa B, o setor está subordinado ao Diretor Médico, que se reporta diretamente ao Presidente da empresa. Ou seja, enquanto o SAC da empresa A está separado da presidência por três níveis hierárquicos, o da empresa B está subordinado a um diretor que responde diretamente à presidência da empresa. O quadro a seguir resume os dados colhidos sobre a posição e composição dos SACs e sobre sua estrutura interna. Quadro 2: posição e estrutura dos SACs EMPRESA A Posição na hierarquia: subordinação em 5o. nível em relação à presidência. Composição: 7 funcionários (uma supervisora e 6 analistas). Formação dos funcionários: supervisora bacharel em psicologia com especialização em marketing; analistas com graduação completa, noções de inglês, domínio de informática e experiência anterior em call-centers de empresas de grande porte. Treinamento: os atendentes foram treinados em técnicas de atendimento aos clientes, conhecimento de medicamentos, patologias mais comuns e noções de direito aplicado. Recebem, também, treinamento específico quando há lançamento de novos produtos. EMPRESA B Posição na hierarquia: subordinação em 3o. nível em relação à presidência. Composição: 10 funcionários (1 supervisora, 2 atendentes especializados, 3 atendentes não especializados, 4 estagiários). Formação dos funcionários: supervisora graduada em Administração de Empresas; atendentes especializados formados em farmácia; atendentes não especializados com graduação em administração (um) ou cursando o terceiro grau (dois); estagiários cursando o terceiro grau (biomédicas e biológia). Treinamento: todos os colaboradores recebem treinamento ao serem admitidos. A supervisora participou de um programa de desenvolvimento gerencial. Os atendentes foram treinados em técnicas de atendimento aos clientes, conhecimento de produtos e patologias relacionados aos medicamentos comercializados pela empresa. De acordo com a literatura, no caso em que não há uma subordinação direta à alta administração, as limitações aparecem. A atuação do SAC corre o risco de ficar à mercê da média-gerência, que, em geral, visualiza o atendimento ao consumidor como algo indesejável, dificultando a disseminação para outros setores das informações obtidas no contato com o 9 consumidor (Lancioni, 1995, p. 22). Os dados colhidos tendem a confirmar a análise de Lancioni. De acordo com o gerente e os analistas do SAC da empresa A, a posição do setor na hierarquia da empresa dificulta sua atuação, criando barreiras, demoras nas respostas e falhas na comunicação. Uma analista da empresa A comenta: “Até para buscar informações sobre medicamentos, eu tive que perguntar para várias pessoas. Uma poderia ter me respondido se buscasse a informação dentro do seu setor, mas não! Eles mandavam eu perguntar para outra pessoa, que mandava perguntar para outra pessoa, para outra pessoa....”. Outra relata: “alguns médicos entram em contato com a gente pedindo amostra médica para uso próprio. A gente sempre atende. É norma da empresa. Alguns colaboradores não achavam que isso era importante. Eles nos informavam via e-mail, via uma série de outros meios, que não estariam fazendo, porque não era problema deles, era problema do SAC. Não entenderam que era problema da empresa. Não só do SAC. Mas isso já foi esclarecido.” Para contornar essas dificuldades, a supervisora do SAC da empresa A recorreu, em algumas ocasiões, ao presidente da empresa. Este interveio e as solicitações do SAC foram prontamente atendidas. De acordo com o depoimento da supervisora e dos atendentes, as intervenções do presidente têm contribuído para melhorar a receptividade dos demais setores às demandas do SAC. Já na empresa B, o SAC parece contar, além da autoridade formal conferida por sua posição próxima da alta administração, com uma forte autoridade por aceitação no sentido empregado por Megginson, Mosley e Pietri (1998). Tem poder para “fazer algo ou mandar fazê-lo” e é, também, visto como um interlocutor importante, cuja opinião, dependendo da decisão a ser tomada, merece ser levada em consideração: “Nós mandamos essas informações para todas as áreas estratégicas. Nós vemos que essa informação tem contribuído com eles em relação aos problemas mais levantados, referentes aos produtos de cada um, ao perfil do cliente e tipo de informações que ele está procurando. Na verdade, hoje, as pessoas enxergam o SAC como uma bola de cristal, o ´sabe tudo` da empresa. Quando eles têm alguma dúvida, eles ligam para cá.” (atendente SAC empresa B). 5.4. A CONTRIBUIÇÃO DO SAC Para investigar a contribuição trazida pelo SAC à empresa (contribuição de fato), foram levantados, nas duas organizações pesquisadas, dados sobre o tratamento dado às manifestações captadas (registro, procedimentos de ação, fluxo das informações e relatórios), sobre a participação do setor nas decisões da empresa (participação em reuniões, interação com outros setores, percepções sobre a contribuição do setor) e sobre modificações introduzidas em produtos ou processos introduzidas em decorrência de manifestações de consumidores. Os dados relativos ao tratamento das manifestações captadas estão resumidos no quadro a seguir. Quadro 3: Tratamento das manifestações captadas EMPRESA A EMPRESA B Registro: Software plusoft. Permite a inserção dos Registro: Software plusoft (possibilita tratamento diversos dados do contato (identificação do idêntico ao da empresa A). consumidor, telefone, endereço, motivo da chamada, Procedimentos de ação e fluxo de informações: 10 histórico do contato, etc.) e gera relatórios estatísticos. Procedimentos de ação e fluxo de informações: - Informações direcionadas às áreas responsáveis via e-mail, telefone ou pessoalmente. - Em caso de reações adversas, o assunto é tratado com atenção redobrada. Os atendentes são instruídos a não atuar como médicos. Devem limitar-se a divulgar o que consta na bula do medicamento, sem nunca prescrever ou indicar dosagens. Relatórios: - Relatórios estatísticos mensais encaminhados à Diretoria Médica, Diretoria de Unidades de Negócios, Diretoria de Vendas, Diretoria de Marketing, Diretoria Industrial, Gerência de Garantia da Qualidade e Presidência. - Conteúdo dos relatórios: quantidade de manifestações recebidas, segundo tipo de manifestação, tempo médio da chamada, motivos de chamada, tipo de público (consumidor final, médicos, revendedores, farmacistas, representantes, universitários). De acordo com a supervisora do setor, os relatórios são sintéticos. Caso uma área demande maiores informações, o SAC envia um relatório mais detalhado. - O documento “Processo de Atendimento a Clientes”, divulgado em todas as áreas da empresa, determina o fluxo a ser seguido pelas manifestações, definindo, em cada etapa, as ações a serem tomadas pelas diferentes áreas da empresa, as informações a serem comunicadas e os seus destinatários (internos e externos). Prevê procedimentos específicos para casos de reações adversas (acionamento da área de Informações Médicas, responsável pela farmacovigilância e gerenciada por médicos). Relatórios: - O SAC emite relatórios periódicos para a Diretoria Médica e, quando solicitado, relatórios específicos, mais detalhados, para outras áreas. Os dados incluídos nos relatórios períodicos são semelhantes aos da empresa A. - O SAC emite, desde 1999, um informativo interno, amplamente distribuído na empresa, inclusive junto aos propagandistas, cujo objetivo é o de “fazer com que os colaboradores fiquem informados das melhorias, mudanças e inovações em produtos e serviços da empresa” (editorial do primeiro número do informativo, setembro de 1999). De acordo com os funcionários do SAC, esse informativo tem favorecido a integração do setor às demais áreas, especialmente a de vendas. “O que nós percebemos é que esse trabalho tem enriquecido os propagandistas, dando uma integração maior” (atendente do SAC). - O SAC dispõe de espaço específico na Intranet. Em matéria de registro das manifestações e emissão de relatórios, os recursos e procedimentos das duas empresas são semelhantes. Ambas utilizam o mesmo software e emitem regularmente relatórios estatísticos dirigidos às demais áreas, sendo que a empresa A os divulga mais amplamente que a empresa B, distribuindo-os às principais diretorias e à Presidência. O SAC da empresa B, em contrapartida, publica um boletim interno amplamente distribuído dentro da empresa junto a diferentes níveis hierárquicos, inclusive aos propagandistas, que atuam na linha de frente e estão em contato direto com médicos e farmacêuticos. Dispõe, também, de espaço na Intranet para divulgar suas ações e comunicarse com funcionários de outros setores. Como se viu na revisão de literatura, a questão da “sensibilização dos executivos aos assuntos dos consumidores” é um fator chave de sucesso na implantação do SAC (Zülzke,1997, p. 59). Embora a empresa A divulgue mais amplamente as estatísticas do SAC junto aos seus altos executivos, o boletim da empresa B e o espaço na Intranet oferecem a vantagem de transmitir, além, daquilo que é captado pelo SAC (manifestações recebidas), e que pode, como sublinham Zülzke (1997) e Lancioni (1995), ser percebido como uma ameaça por alguns setores, as iniciativas tomadas para responder a essas manifestações. Isto permite colocar em evidência a dimensão positiva da contribuição do SAC, bem como incentivar e envolver os usuários potenciais de suas informações. Além disso, o boletim alcança os diferentes níveis da hierarquia, o que favorece a sensibilização dos gerentes intermediários que, “com freqüência, consideram este serviço como um obstáculo” (Lancioni, 1995, p. 22), e a integração do conjunto dos funcionários ao processo (Mitchell, 1993). 11 Quanto ao tratamento das manifestações, a empresa B estabeleceu procedimentos formais que determinam as áreas a serem acionadas em cada situação. A empresa A não tem o mesmo grau de formalização de processos. Vale notar que suas normas de funcionamento restringem explicitamente a autonomia dos atendentes, limitando-a ao fornecimento das informações que constam na bula dos medicamentos. Quadro 4: Participação do SAC nas decisões da empresa EMPRESA A Participação em reuniões e interação com outros setores: o SAC participa das decisões estratégicas fornecendo informações para outras áreas. Porém, tem pouca interação com outros setores e raramente participa de reuniões com representantes de outras áreas. Não participa de reuniões estratégicas. A título de exemplo, nenhum representante do SAC foi convidado a participar do seminário organizado para discutir o alinhamento estratégico da empresa no ano de 2001. O setor também não foi consultado na decisão, tomada pela empresa, de comunicar ativamente aos clientes cujas faturas não haviam vencido o repasse de uma redução de impostos (IPI). Apenas foi informado, após a decisão, que ficaria encarregado de comunicá-la aos clientes. Percepções sobre a contribuição do SAC: há grande resistência de outras áreas em relação ao SAC. De acordo com os funcionários do setor, sua atuação tem permitido a diminuição das barreiras hierárquicas, a melhoria da comunicação entre os setores e a da imagem da empresa no mercado. Porém, a importância atribuída ao SAC pelas demais áreas ainda é baixa e há pouco reconhecimento de sua contribuição para o desempenho da empresa. EMPRESA B Participação em reuniões e interação com outros setores: o SAC participa de reuniões periódicas. Fornece informações e atua junto com os setores responsáveis na implementação de modificações de processos ou produtos. Interage rotineiramente com outros setores (reuniões semanais com a área de informações médicas, mensais com os gerentes de produtos e com a Diretoria Médica). Participa de decisões estratégicas: como exemplo, a solicitação de um consumidor portador de um tipo raro de leucemia estimulou a participação da filial brasileira em um programa internacional de teste de um novo tratamento. “É a primeira vez que o Brasil participa desse estudo”, relata uma atendente do SAC. Percepções sobre a contribuição do SAC: há resistência de algumas áreas em relação ao SAC. “O SAC era visto como dedo duro”, afirma um funcionário. O apoio da diretoria, a aproximação com as outras áreas e o aumento da conscientização quanto à importância do ponto de vista do cliente fizeram, porém, com que as resistências iniciais diminuíssem. O SAC da empresa B tem maior interação com outros setores e participação em decisões de caráter estratégico que o da empresa A. Embora haja, nas duas empresas, resistência de outras áreas, os dados colhidos apontam que essa resistência é mais forte na empresa A, onde representa, de acordo com os depoimentos de supervisora e analistas, um obstáculo significativo à atuação do setor. Finalmente, ambas as empresas relataram manifestações que deram origem a estudos de modificação de produtos ou processos. Mas somente a empresa B chegou a implementar modificações (no “selo” anti-falsificação das embalagens e no processo de fabricação de cartelas de determinado produto). A empresa A disse estar estudando duas modificações em embalagens. Uma consistiria na retirada de um gotejador, recentemente introduzido num produto de uso infantil. Vários consumidores pediram a volta da embalagem original (frasco), alegando que a administração do medicamento tinha se tornado mais difícil. Embora o gotejador proporcione maior precisão de dosagem, é preciso manter a boca da criança aberta por mais tempo... A empresa A também está estudando a modificação do lacre de outro produto, em decorrência de reclamações de vazamento na embalagem. Vale ressaltar, por fim, que o SAC da empresa B deu origem a um projeto que demanda investimentos importantes e envolve decisões de caráter estratégico: o de participar de um programa internacional de teste de medicamento. 12 6.CONCLUSÃO Tanto na empresa A quanto na empresa B, percebe-se que a inserção do SAC na estrutura organizacional gerou resistências das demais áreas. Como sublinha a supervisora da empresa B, as pessoas não estão habituadas a aceitar “que outra área venha dar palpite no que você está está fazendo” e isso é exatamente o que o SAC faz, mesmo que se limite a transmitir as manifestações dos consumidores aos setores interessados. O fato, mencionado pela mesma supervisora, de que alguns visualizam o SAC como um “dedo duro” resume bem o risco, também apontado por Zülzke (1997), Lancioni (1995) e Mitchell (1993), de rejeição, pelo restante da organização, do SAC e de suas atividades. Em ambas as empresas estudadas, a atribuição básica do SAC é de natureza estratégica. O objetivo é que o setor seja “o elo crítico entre o cliente e a empresa, possibilitando que as informações recebidas sejam utilizadas como ferramentas de negócios, fazendo com que a empresa se modifique a partir do que o cliente valoriza e, com isso, agregue valor à sua imagem” (supervisora do SAC da empresa A); construir um canal de relacionamento com os consumidores, tirar partido de suas manifestações para identificar problemas e oportunidades, trabalhar a imagem da empresa (empresa B). No entanto, o SAC da empresa A parece estar encontrando mais dificuldades que o da empresa B no cumprimento dessa missão: - raramente participa de reuniões com outros setores, - tem dificuldades em obter respostas e colaboração de funcionários de outras áreas, - não é chamado a comparecer em reuniões estratégicas, - as manifestações captadas pelo setor ainda não desembocaram em modificações de produtos ou processos, mesmo em casos de evidente necessidade de correção, como no exemplo das reclamações sobre vazamentos de embalagens. Em suma, embora a atribuição básica do SAC da empresa A tenha caráter estratégico, sua contribuição de fato permanece, até o momento, restrita ao nível tático-operacional. Já na empresa B, o SAC: - participa regularmente de reuniões com outros setores e interage rotineiramente com funcionários de outras áreas, - participa de reuniões com os decisores da empresa e é consultado para decisões estratégicas e tático-operacionais, - é visto, dentro da organização, como um setor cuja opinião, em matéria de “ponto de vista do cliente”, merece ser ouvida; - as manifestações captadas pelo setor deram origem a modificações em produtos e processos e, também, a decisões que envolvem aspectos estratégicos. Os dados colhidos apontam que a posição hierárquica do setor é um dos fatores que dificulta a atuação do SAC da empresa A. O fato de não possuir autoridade formal nitidamente restringe a capacidade de trânsito do setor pelos diferentes níveis e áreas que compõem a empresa. Assim, os funcionários têm dificuldades em obter a colaboração das outras áreas (suas demandas não são tratadas como prioritárias, são vistas como assuntos que “podem esperar”); o setor não faz parte do rol dos que são chamados a participar de reuniões e decisões importantes (a pessoa que o chefia não tem cargo de nível gerencial); seus representantes não são consultados, mesmo para assuntos que demandam sua intervenção (ver episódio do repasse da redução de impostos aos clientes). A autoridade informal, conferida pelo apoio do presidente da empresa, tem permitido, até certo ponto, contornar essas dificuldades. Até o momento, ela não foi, porém, suficiente para 13 garantir o cumprimento pleno da atribuição básica do setor. De modo geral, o SAC ainda não é visto, dentro da empresa como um todo, como um setor cujas atividades têm dimensão estratégica. Sua influência permanece limitada e atrelada à capacidade individual de seus dirigentes e representantes de “atrair para o seu lado” (Stewart, 1970) seus interlocutores. Em contrapartida, na empresa B, o SAC goza, além da autoridade formal que lhe confere sua posição de subordinação direta à alta direção, de um alto nível de reconhecimento. Apesar da resistência natural suscitada por suas atividades, pode contar com a receptividade das demais áreas, é consultado tanto por funcionários de outros setores como pela alta direção e participa de reuniões e decisões de nível tático-operacional e estratégico. Como afirmam Mintzberg (apud Urdan 1993, p. 155), Maximiano (2000) e Morgan (1999), quanto mais alta a posição hierárquica de uma pessoa ou setor na estrutura organizacional, maior a sua autoridade e, conseqüentemente, sua capacidade de influenciar outras áreas ou pessoas na organização. É importante notar, porém, que a dimensão estratégica da atuação do SAC da empresa B parece estar fundamentada, além da autoridade formal, conferida pela posição do setor na hierarquia da empresa, numa forte autoridade informal, apoiada não somente nas competências de sua chefia e funcionários, como no sistema de comunicação do setor com o restante da empresa. Diferentemente do que ocorre na empresa A, o SAC da empresa B não depende da alta administração para interagir com os demais setores. Ele pode fazê-lo diretamente e dispõe, para isso, de diversos meios (reuniões periódicas, Intranet, boletim informativo), que permitem que se comunique regularmente e de forma interativa com as demais áreas. Tudo indica que esses meios foram usados não somente para transmitir a informação captada pelo SAC como também para sensibilizar os funcionários da empresa à dimensão estratégica de sua missão: tornar-se um elo com o cliente, um representante interno de sua voz. Em suma, os resultados da pesquisa apontam que, nos casos estudados, existe uma forte relação entre a posição hierárquica ocupada pelo SAC e sua contribuição de fato, mas que esta última também depende da “autoridade por aceitação” (Megginson, Mosley e Pietri, 1998) ou autoridade informal do setor. Em contrapartida, o fato da atribuição básica do SAC ter dimensão estratégica não garante, por si só, que sua contribuição tenha, de fato, essa dimensão. Para que isso aconteça, é preciso que o setor tenha autoridade, formal e informal, suficiente para poder interagir de forma “intensa e ampla na empresa” e estar presente nos “processos decisórios relacionados ao consumidor” (Zülzke, 1997, p. 45). Dois fatores parecem ser essenciais para assegurar essa condição: a posição hierárquica do setor, de preferência, próxima da alta administração, e o sistema de comunicação existente entre o SAC e as demais áreas. Além de possuir trânsito junto à alta administração, o SAC deve poder interagir de forma direta, autônoma e regular com os diversos departamentos da empresa e estabelecer com eles uma comunicação de mão dupla. Não basta transmitir aos interessados as manifestações dos clientes, ser o “dedo duro” das falhas da empresa. É preciso ser não somente um canal de comunicação entre os consumidores e a empresa, como também um canal de comunicação destes consumidores com os funcionários que compõem a organização, em seus diferentes níveis de autoridade, decisão, atuação e responsabilidade . 14 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Goode, W., Hatt P. Métodos Em Pesquisa Social, São Paulo, Cia Ed. Nacional, 1975. Hamel, J.; Dufour, S.; Fortin, D. Case Study Method. Sage Publications, Inc., 1986. Isnard, A. L. Atendimento Ao Consumidor E Decisão Empresarial: O Papel Do Sac Em Empresas De Bens De Consumo, Rio De Janeiro, Coppead / Ufrj, 1996. 100p. Dissertação De Mestrado. Kotler, P. 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Mestrado Em Administração E Desenvolvimento Empresarial - Universidade Estácio De Sá. Rio De Janeiro, 11 De Junho De 2001. Mitchell, V.W. “Handling Consumer Complaint Information”: Why And How?”. Management Decision. Vol. 31, P. 21-28, 1993. Moller, C.; Barlow, J. Reclamação De Cliente: Não Tem Melhor Presente. São Paulo: Futura, 1999. Morgan, G. Imagens Da Organização: Edição Executiva; Tradução Geni G. Goldschmidt. – São Paulo: Atlas, 2000. Stewart, R. A Realidade Da Administração, 1ª Ed, Rio De Janeiro, Biblioteca Administração Moderna, 1970. Urdan, F. Estruturação De Áreas De Contato Com Clientes Visando A Qualidade De Serviço, Dissertação De Mestrado, São Paulo, Easp – Fgv, 1993. Yin, R. Case Study Research: Design And Methods, Califórnia, Usa, Sage Publications, 1989. Zülzke, M. L. Abrindo A Empresa Para O Consumidor: A Importância De Um Canal De Atendimento, 2ª Ed, São Paulo, Qualitymark, 1997. i Segundo dados da Associação de Profissionais de Atendimento ao Consumidor em Empresas – SECANP-, existiam, em 1989, 200 SACs no Brasil. Em 1998, eram 2500 (revista QualiBrasil, junho de 1998, p. 29). Em Novembro de 2001, o site SAC800 reunia 4591 SACs de empresas implantadas no país. ii Em artigo publicado em 25 de novembro de 2001, o jornal O Globo menciona que a média de cartas recebidas pela coluna “Defesa do Consumidor” no ano de 2000 foi de 35 por dia (“O Globo: 20 anos com o Consumidor”, Jornal O Globo, Caderno Especial: 20 Anos – Defesa do Consumidor, 25/11/2001, p.3). iii Medicamentos éticos: aqueles que só podem ser adquiridos pelo consumidor final mediante prescrição médica. OTC: sigla de Over to Counter, medicamentos de venda livre. iv CRM: Customer Relationship Management. 15 Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado Formatado