ANÁLISE DE ASPECTOS AMBIENTAIS, ENERGÉTICOS E SOCIAIS DE UMA PROPOSTA DE APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DE EFLUENTES DE BOVINOCULTURA LEITEIRA Mariani, L.*1; Cavaliero, C.K.N. 1; Bley Jr., C.J.2; Levy, N.M. 3; Lucio, L.T. 3; Mito, J.Y.L. 3 1 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade Eng. Mecânica, Dep. Energia, Campinas-SP-Brasil; 2 Itaipu Binacional, Assessoria Energias Renováveis – Foz do Iguaçu-PR-Brasil; 3 Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás - Foz do Iguaçu-PR-Brasil e-mail: [email protected] RESUMO: Com esse artigo pretende-se analisar um projeto de aproveitamento energético do biogás gerado a partir dos dejetos de leiterias de uma comunidade rural no Uruguai em relação a alguns aspectos ambientais, energéticos e sociais. Palavras-chave: Energia renovável, sociedade, efluentes, biogás, bovinocultura leiteira. ANALYSIS OF ENVIRONMENTAL, ENERGY AND SOCIAL ASPECTS OF ENERGETIC UTILIZATION OF DAIRY CATTLE WASTEWATER PROJECT ABSTRACT: This article analyzes a project of energetic utilization of biogas produced for dairy cattle wastewater in a rural community in Uruguay concerning environmental, energy and social aspects . Key words: Renowable energy, society, wastewater, biogas, dairy cattle. INTRODUÇÃO O projeto “Condomínio de Agroenergia San Jose - Uruguay” prevê a instalação de biodigestores em propriedades rurais para tratamento do efluente da bovinocultura leiteira e captação do biogás gerado. Este será utilizado na geração térmica nas propriedades e o excedente será transportado por uma tubulação até a microcentral termelétrica (MCT), para utilização na geração de energia elétrica e térmica. A proposta é baseada na experiência do Condomínio de Agroenergia Sanga Ajuricaba/Marechal Cândido Rondon/PR, implantado pela ITAIPU Binacional, prefeitura do município, Emater/PR, Embrapa, Fundação PTI, CIBiogas e outras instituições da região. PROJETO CONDONÍMIO DE AGROENERGIA SAN JOSE Este projeto é resultado de uma parceria entre Eletrobras, Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD), ITAIPU Binacional, Intendência de San José/UY, Cooperativa Agrária Colônia Delta/UY, Instituto Nacional Investigación Agropecuária/UY, Ministerio de Industria, Energía y Minería/UY y Administración Nacional de Usinas y Trasmisiones Eléctricas/UY, Centro Internacional Energias Renováveis-Biogás (CIBiogas) e Global Sustainable Electricty Partnership (GSEP). O condomínio será implantando na comunidade de Colônia Delta, distrito de Ecilda Paullier, departamento de San José, sudoeste do Uruguai, conforme o mapa da Figura 1. É uma região com concentração de bovinocultura leiteira, atividade que gera grande quantidade de efluentes. A preocupação é que durante o período em que as vacas ficam em alimentação, espera para ordenha e ordenha, cerca de 6 horas por dia, o efluente é gerado de forma concentrada na leiteria e se não houver o devido tratamento e destinação, pode gerar impactos. A proposta é utilizar esses resíduos como substrato para biodigestão, gerando biogás, que possui cerca de 60% de metano em sua composição e isso o torna um combustível aplicável na geração de energia elétrica, térmica e veicular. Serão implantados nas 22 propriedades participantes do projeto: biodigestores de fluxo ascendente para o tratamento dos efluentes e geração do biogás (32 dias de tempo de retenção hidráulica); lagoas para armazenamento do digestato até ser aplicado na lavoura; e tubulação de gás conectada ao ramal principal que transporta o gás à MCT. A estimativa é serem gerados 47 m³ de dejetos/dia e 764 m³ de biogás/dia. O ramal principal da tubulação de gás acompanha o trajeto das estradas até a MCT localizada na sede da comunidade, com uma extensão de 37,4 km. Na MCT será instalado um motogerador de 75 kVA de potência e se prevê a geração de 1.528 kWh/dia de energia elétrica (14 h de operação e consumo de 48 m³/h). Será instalado um sistema de cogeração a partir do gás de escape para calefação de casas. A energia elétrica será injetada na rede de distribuição que passa na comunidade e vendida à UTE. Estima-se uma receita anual de U$ 100.364,63 e um payback de 11 anos e 4 meses para um investimento total de U$ 1.677.552,15, e será implantado em 3 etapas, apresentadas na Figura 2. (CIBiogas, 2014) É importante destacar que as estimativas podem variar, já que é um projeto piloto e que as receitas e custos podem mudar conforme os preços da energia, preços de equipamentos e situações especificas do país. Figura 1 – Localização do projeto. Figura 2 – Localização das propriedades (2013). Figura 3 – Produtores com leiteria comercial (2010/11). ASPECTOS AMBIENTAIS Parte das propriedades possui reservatório para armazenamento dos dejetos, normalmente subdimensionado, porém na maioria delas o dejeto é retirado e aplicado no solo semanalmente ou acumulado em algum ponto da propriedade. Em ambos os casos, quase sempre não são tomados cuidados para evitar a contaminação do solo e da água. Essa situação pode ser extrapolada para a maioria das leiterias do Uruguai, pois a legislação ambiental exige licenciamento ambiental apenas das que possuem mais de 500 vacas, ou seja, grandes propriedades que não são a maioria. Também é importante analisar a distribuição espacial dos 4305 estabelecimentos leiteiros (Figura 3), que mostra o quanto a produção de efluentes por essa atividade está dispersa e, consequentemente, o risco ambiental. Isso demanda atenção do Estado e ações para reduzir o risco ambiental. A questão ambiental das leiterias da região foi considerada no Plano Climático da Região Metropolitana do Uruguai, publicação elaborada no projeto sobre mudanças climáticas territoriais nos departamentos de Montevideo, Canelones e San José. Os resultados indicam que, em San José, 68% das emissões de Gases de Efeito Estufa - GEE provém da agricultura, incluindo a produção de leite (PNUD, 2012). Isso se confirma, quando se observa que 30% das leiterias do país se localizam nesse departamento. (DIEA/MGAP/UY, 2013). Os estudos realizados em escala global para reduzir-se a taxa de crescimento da concentração de GEE na atmosfera têm apontado para uma série de procedimentos de curto, médio e longo prazo, que vão desde a substituição de combustíveis fósseis, passando pela introdução de medidas que tornam mais eficiente o uso da energia e pela criação progressiva de medidas legislativas de contenção de emissões nas grandes cidades, até investimentos pesados no desenvolvimento das fontes renováveis de energia e na produção de combustíveis denominados "limpos" com baixa emissão de poluentes e/ou nenhuma liberação de CO2. (SILVA, 2003) No caso do projeto, a redução de emissões de GEE pode vir pela captação e queima do metano produzido no processo de biodigestão e pela substituição de combustíveis pelo biogás na geração de energia elétrica. ASPECTOS ENERGÉTICOS Em 2012, o sistema elétrico Uruguaio possuía uma capacidade instalada de 3.049 MW, baseada principalmente em hidroelétricas e termoelétricas a combustíveis fósseis, com pouco destaque para fontes não convencionais, em especial biomassa (236 MW) e eólica (52 MW). Por ter uma demanda energética em crescimento contínuo, entre 3% e 4% anual, e a capacidade de desenvolvimento de hidroelétricas de grande escala praticamente esgotada, o país está em busca de novas fontes para aumentar a segurança energética e reduzir a dependência de importação e o risco de aumento do custo da energia. Dentre essas novas fontes destacam-se eólica, biomassa florestal, solar térmica e biogás. Assim, esse projeto tem papel importante como piloto, principalmente quando se analisa seu potencial de replicação. O Uruguai possui um rebanho de bovinocultura leiteira de 755 mil cabeças distribuído em 4305 propriedades (DIEA/MGAP/UY, 2013). Além do que pode representar na matriz energética do país, é importante considerar que o biogás pode impactar na matriz da propriedade. Um impacto importante na economia gerado pelas energias renováveis e, nesse caso, pelo biogás, é a possibilidade de criação de uma nova cadeia produtiva. Ou seja, serão necessários equipamentos e mão de obra especializada para projetos, instalação dos equipamentos e manutenção dos sistemas. Isso poderá gerar uma circulação de recursos na região do projeto e apoiar o seu crescimento econômico. Porém, inicialmente a falta de alguns equipamentos nacionais, poderá levar à necessidade de importação. Isso demandará do país uma política de nacionalização gradual dos equipamentos. Destaca-se que o projeto, apesar de focar no uso do biogás para a geração de energia elétrica, abre também a possibilidade de utilização como combustível veicular ou industrial, após a retirada do CO2 e outros gases. ASPECTOS SOCIAIS A Colônia Delta tem sua origem na imigração de um grupo de famílias da religião menonita para o Uruguai em 1948. Desde então, é uma comunidade centrada na atividade agrícola, principalmente produção de leite, e organizada por meio da Cooperativa Agrária Delta. (CIBiogas, 2013) Os dirigentes da cooperativa transparecem a expectativa que têm no projeto para o fortalecimento do trabalho cooperativo. Além disso, demonstram interesse na valorização do biogás e da energia elétrica que serão gerados pelo projeto por meio da implantação de uma planta de produção de óleo de soja e de biodiesel. Outro ponto, é a expectativa de fixação dos agricultores na colônia pelo uso de tecnologias para geração de energia, possível redução de custos de produção e oportunidade de geração de renda. Segundo dados do DIEA/MGAP/UY (2013), a produtividade das propriedades que enviam leite às plantas de beneficiamento no país vem aumentando, porém a quantidade de propriedades vem reduzindo ao longo dos últimos anos. Isso pode indicar um possível aumento de escala das propriedades e inviabilização dos pequenos produtores, ou seja, a saída dos produtores da área rural e possível aumento dos problemas sociais nas áreas urbanas. Assim, considera-se que a possibilidade de uma nova fonte de renda para os produtores seria uma forma de mantê-los nas propriedades. Também deve-se destacar que a implantação de biodigestores melhora a qualidade de vida e o bem estar dos produtores, pois reduz a quantidade de moscas, o odor gerado pelos dejetos dispostos em ambiente aberto e melhora a aparência da propriedade. Destaca-se que um projeto como este demanda forte engajamento da comunidade para alcançar as metas estabelecidas e, posteriormente à implantação, disciplina dos produtores no manejo do sistema de biodigestão para otimizar a produção de biogás. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por ser um projeto que aproveita resíduos para gerar energia por meio do biogás, acaba sendo um promotor de melhorias ambientais das propriedades rurais. Além disso, por utilizar os dejetos das leiterias em cada propriedade, promove a geração descentralizada de energia, mesmo quando o biogás é levado até a MCT. Como vários autores citam, a geração descentralizada de energia é um meio para a humanidade alcançar a sustentabilidade, além das energias renováveis e da eficiência energética. Outro ponto importante é o envolvimento de vários atores de uma comunidade na geração de energia e na melhoria ambiental. Os benefícios esperados, da mesma forma que a energia, é descentralizado como: geração de renda para os produtores; fixação dos agricultores no campo; fortalecimento do trabalho cooperativo etc. O que se destaca é a possibilidade de aprendizado com o projeto e replicação em outros locais do Uruguai, permitindo que os benefícios se tornem mais abrangentes. A participação de órgãos de governo no projeto aumenta a possibilidade de se tornar a base para uma política pública nacional que englobe aspectos energéticos, ambientais e sociais. FOLADORI (1999) apresenta uma série de definições do termo sustentabilidade e conclui que as definições consideram os aspectos ambientais e sociais, mas quando se chega nas medições de sustentabilidade a questão muda radicalmente, já que praticamente só se consideram as relações técnicas nas medições. Assim, para que o projeto tenha sucesso é imprescindível que haja indicadores, com monitoramento anterior e posterior à implantação, que englobem aspectos energéticos, ambientais e sociais e sirvam para comprovar a eficácia do projeto em atingir os objetivos propostos e também para propor medidas mitigatórias e/ou compensatórias aos impactos negativos gerados. AGRADECIMENTOS À ITAIPU Binacional, ao CIBiogas, e a todas as instituições envolvidas no projeto pelo apoio financeiro e técnico, sem o qual esse estudo não poderia ter sido realizado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CIBIOGAS – Projeto básico – Condomínio de Agroenergia San José/UY. CIBiogas: 2014. CIBIOGAS – Estudo de viabilidade do Projeto Biogás – San José/UY. CIBiogas: 2013 DIEA – MGAP/URUGUAY. Anuario Estadístico Agropecuario – 2013. FOLADORI, G. Sustentabilidad ambiental y contradicciones sociais. Ambiente & Sociedade, Vol. II, n. 5, 1999. PNUD Uruguay. Plan climático de la región metropolitana de Uruguay. 2012. SILVA, E P DA; CAMARGO, J C; SORDI, A; SANTOS, A M R. Recursos energéticos, meio ambiente e desenvolvimento. Multiciência, 2° semestre de 2003 (disponível em www.multiciencia.unicamp.br).