Actividade sísmica em Portugal
Mourad Bezzeghoud ([email protected]) (Prof. Associado da Universidade de Évora)
José Fernando Borges (Prof. Auxiliar da Universidade de Évora)
Bento Caldeira (Prof. Auxiliar da Universidade de Évora)
Departamento de Física e Centro de Geofísica de Évora
1. Introdução
Portugal Continental apresenta uma actividade sísmica que resulta da sua proximidade
geográfica da fronteira entre as placas tectónicas Euro-asiática (EU) e Africana (AF), uma
região que se estende desde Gibraltar até ao arquipélago dos Açores. Esta zona, embora não
se trate de uma fractura bem delineada, é comummente designada por Fractura AçoresGibraltar e é fortemente influenciada pela interacção entre os dois blocos tectónicos (Figura 1).
No prolongamento para Ocidente deste acidente atinge-se a Crista Média Atlântica
(CMA) (dorsal onde se dá a abertura do Atlântico) que constitui a fronteira entre as placas
Americana (NA) e EU (a norte dos Açores) e entre as placas NA e a placa AF (a sul do mesmo
arquipélago) (Figura 1). Os três ramos que constituem o limite das três placas litosféricas,
confluem num ponto denominado Junção Tripla dos Açores (JTA) localizado a noroeste do
Arquipélago dos Açores. A interacção entre os três limites de placas confere a esta região uma
significativa actividade sísmica no contexto nacional.
Toda esta zona, devido ao potencial, e efectivo, risco sísmico que comporta,
testemunhado pelos eventos sísmicos recentes e pelos grandes terramotos historicamente
documentados tem sido alvo de detalhados estudos.
Figura 1: Enquadramento tectónico e estrutura tectónica dominante. As placas tectónicas
envolvidas são indicadas por NA (América do Norte), EU (Eurásia) e AF (Africa). Os círculos
representam a sismicidade, com magnitude M ≥ 4.0, da região Açores-Gibraltar para o período
1973-2004 (Dados NEIC).
2. Características tectónicas principais
O estudo da sismicidade da região Açores-Gibraltar (Figura 1) baseia-se nos dados
instrumentais recolhidos pelas redes locais e regionais e, para sismos com epicentros mais
afastados relativamente às redes, ou possuidores de magnitudes mais elevadas, pelas redes
globais (ver Caldeira et al., este portal). A localização dos eventos sísmicos e o cálculo da sua
magnitude fornece-nos uma imagem, ainda que incompleta, da actividade associada aos
principais acidentes tectónicos activos: as fronteiras de placas e as zonas de fractura.
Numa primeira análise do mapa de epicentros (Figura 1) verifica-se que os três ramos
da junção tripla dos Açores se apresentam bem definidos até à longitude de 24oW. Deste valor
até à longitude de 15o W, observa-se uma ausência de sismicidade. A partir deste último
meridiano, 15ºW, em direcção a Leste, os epicentros passam apresentar-se dispersos por uma
região que define uma faixa de intensa sismicidade cuja origem deverá associar-se à
interacção própria da fronteira de placas. Assim, toda esta vasta região, entre os Açores e
Gibraltar, é tradicionalmente subdividida em três troços com dimensões, características
sísmicas, morfológicas e tectónicas e comportamento geodinâmico distintos. O segmento mais
ocidental, designado por Sector Ocidental, corresponde à zona de implantação da Plataforma
dos Açores e estende-se desde a Crista Média Atlântica até à latitude de 24oW; o Sector
Central inicia-se na Falha da Glória (FG) e prolonga-se até 15oW; segue-se o Sector Oriental
o
que se estende desde a Crista Tore-Madeira (aproximadamente a 15 W) até Gibraltar.
3. Sismicidade em Portugal continental região Atlântica adjacente
A distribuição da sismicidade instrumental em Portugal continental é muito heterogénea
e encontra-se essencialmente concentrada no Sul de Portugal continental e na margem
oceânica adjacente (Figura 2). Esta região apresenta uma actividade sísmica caracterizada por
eventos de magnitude moderada (M<5) e, ocasionalmente, alguns eventos com magnitude
superior (5≤M≤7.8). Na Figura 2 são apresentados os epicentros para o período 1970-Fevereiro
2007, obtidos a partir de catálogos e boletins sísmicos do Instituto de Meteorologia (IM). A
informação de sismicidade histórica foi coligida a partir do catálogo nacional (IM). Pela sua
localização constata-se que os epicentros se encontram dispersos por todo o território, embora
se verifiquem maiores concentrações em determinadas regiões: Vale do Tejo (VIT), região de
Évora, margem Sul Algarvia a sudoeste do Cabo de São Vicente (CSV) numa faixa que vai
desde a Planície da Ferradura (FF) até ao Banco de Gorringe (BG).
É na região que vai do Banco de Gorringe até à costa oeste Portuguesa que se
encontram localizados os sismos de maior magnitude: o de 1 de Novembro de 1755 (I0=X-XI) e
o de 28 de Fevereiro de 1969 (M=8.0) (Figura 2).
O sismo de 1755, denominado sismo de Lisboa, foi um dos mais destrutivos de que há
memória; ocorreu a um de Novembro de 1755, pelas 9h 30min e foi sentido em toda a Europa
e Norte de África. O terramoto foi acompanhado por um gigantesco incêndio e, posteriormente,
por uma onda gigante que invadiu Lisboa e toda a região Costeira de Portugal, em especial do
Algarve, fazendo-se sentir também no Golfo de Cádiz, a Norte de Marrocos, Açores e Madeira
(no sudoeste algarvio e em Lisboa atingiu a amplitude máxima, respectivamente, de 10 a 15 m
e 6 m. O efeito combinado do sismo, dos incêndios e do maremoto provocou uma imensa
devastação na cidade de Lisboa e um número incalculável de mortos. A localização deste
evento continua ainda incerta mas os recentes trabalhos de modelação realizados no Centro
de Geofísica de Évora mostram que a estrutura do Banco de Gorringe, devido à sua própria
orientação e dimensões, é hoje uma potencial candidata a zona sismogénica do sismo de 1755
GA
L
(ver Borges et al., este portal).
FVIT
Oceano
Atlantico
PO
RT
U
1531
1909
Lisboa
Évora
1858
PS
1722
MP
Faro
BG
BG
1755?
FF
1969
GQ
CR
Magnitude
2-3
3-4
4-5
>5
CGE2007
Históricos
Figura 2: Sismicidade (1970-02/2007; IM- Portugal) e principais falhas activas. Os epicentros
dos sismos são indicados com círculos coloridos e as falhas com segmentos brancos. Os
sismos históricos são representados com quadrados amarelos. FF= Falha da Ferradura; MP=
Falha do Marquês de Pombal; BG= Banco de Gorringe; CSV= Cabo San Vicente; VIT= Falha
do Vale Inferior do Tejo; PS = Pereira do Sousa; CR = Coral Ridge; GQ = Banco de
Guadalquivir.
O outro sismo destacado ocorreu em 28 de Fevereiro de 1969 pelas 02 h 42 mn e foi
sentido em toda a península Ibérica, Ilhas Canárias e numa larga faixa de Marrocos (Borges et
al., 2001). O seu epicentro, determinado pela USGS, localiza-se a Sudoeste do Banco de
Gorringe (BG) na planície da Ferradura (FF) e a sua magnitude é de 8,0. Para além dos efeitos
directos, este sismo provocou um tsunami que foi registado nas estações maregráficas de
Portugal Continental, Açores, Espanha e Marrocos. Apesar da elevada magnitude o sismo de
1969 não afectou de forma sensível o território Nacional em virtude do grande afastamento em
relação à zona epicentral.
Um dos sismos com maior impacto no território continental português é o sismo de 23
de Abril de 1909 com magnitude 6.0 (Teves-Costa, et al., 1999). O seu epicentro localiza-se no
sector sul da falha do Vale inferior do Tejo (VIT), em plena bacia sedimentar, e as zonas mais
afectadas foram a localidade de Samora Correia e Benavente onde morreram 46 pessoas e
várias dezenas ficara gravemente feridas. Esta mesma zona foi sujeita no passado a sismos de
elevada magnitude dos quais se destacam, pela elevada intensidade sentida, os ocorridos em
1344, e de 1531 (Sousa et al., 1992), cuja intensidade máxima em Lisboa foi IX a X na escala
de Mercalli Modificada.
4. Intensidades máximas no território nacional
Resulta da actividade sísmica anteriormente descrita a necessidade de se tomarem
medidas adequadas no sentido de evitar, ou minimizar, os impactos sísmicos quer no que
respeita à segurança física dos cidadãos, quer em termos de prejuízos materiais.
Estas medidas passam, em primeiro lugar, por uma completa avaliação das
intensidades sísmicas máximas a que os diferentes pontos do território estão sujeitos. Os
sismos de maior magnitude condicionam essa distribuição e a eles associam-se períodos de
recorrência elevados, o que implica que à informação instrumental deve ser acrescida
informação histórica de períodos mais recuados possível. Para o caso dos Açores esta
informação recua ao início do povoamento das Ilhas (1444), enquanto que para o território
continental Português existem referências a partir do ano 403 a.c. Toda esta informação
permite construir, utilizando a escala de Mercali Modificada, as cartas de intensidade máxima
observada (ver Borges et al., este portal). Para Portugal continental verifica-se que a zona do
vale do Tejo, toda a faixa litoral do sul de Portugal e litoral Algarvio, são as zonas onde se pode
esperar as maiores intensidades sísmicas (Intensidades máximas observadas IX a X). As
intensidades máximas decrescem à medida que se caminha do sul para norte e do litoral para
o interior.
5. Conclusões
Em
Portugal
Continental
podem
considerar-se,
genericamente,
duas
zonas
sismicamente activas capazes de gerar eventos de magnitude elevados (M≥6) e causadores de
impactos humanos e materiais significativos (Io≥VIII): a região Sul de Portugal - em especial a
zona do vale do Tejo e toda a sua orla costeira.
Toda esta actividade sísmica é justificada por uma tectónica associada à fronteira de
placas. No caso do território continental, para além da sismicidade associada à fronteira de
placas existe uma actividade sísmica intra-placa possivelmente associada a algumas falhas
activas que atravessam o território e apresentam prolongamento submarino (ver Araújo, este
portal ).
De acordo com as cartas de intensidades máximas, no território continental português
as zonas de maior intensidade (Io≥IX) são a região do vale do Tejo, toda a orla costeira
ocidental e a orla Algarvia. São estas regiões que deverão merecer uma maior atenção no que
respeito ao estudo do risco sísmico.
6. Bibliografia
Borges J. F., A. J. S. Fitas, M. Bezzeghoud, and P. Teves-Costa, 2001. Seismotectonics of
Portugal and its adjacent Atlantic area, Tectonophysics, 337, 373-387.
Sousa, M. L., A. Martins and C. S. Oliveira, 1992. Compilação de catálogos sísmicos da região
Ibérica. Relatório 36/92, NDA, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa.
Teves-Costa, P., J. F. Borges, I. Rio, R. Ribeiro and C. Marreiros, 1999. Source Parameters of
Old Earthquakes: Semi-Automatic Digitalization of Analog Records and seismic moment
Assessment. Natural Hazards, 19, 205-220, 1999.
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