SEMINÁRIO “APOIO DOMICILIÁRIO E TRABALHO DOMÉSTICO: PERSPETIVAS
DE EMPREGO”
TRABALHO DOMÉSTICO: REGULAMENTAR, VALORIZAR E DIGNIFICAR A PROFISSÃO
ARMANDO FARIAS
Comissão Executiva do
Conselho Nacional da CGTP-IN
Lisboa, 29 novembro 2013
O trabalho doméstico remunerado constitui uma actividade em constante
evolução, ao longo dos anos, em numerosos países.
Sendo o trabalho doméstico realizado maioritariamente por mulheres,
confirmando o paradigma, ainda existente em muitas actividades, da divisão
sexual do trabalho, também em Portugal se tem verificado um significativo
aumento de trabalhadoras que ocupam esta profissão, acompanhando a
participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, embora quase
sempre por falta de outras alternativas de emprego.
No entanto, o aumento do desemprego e a redução do nível de vida em
resultado dos programas de austeridade terão impactos nesta actividade, em
termos de emprego e de volume de horas trabalhadas, embora estes impactos
sejam de difícil avaliação devido à elevada incidência de trabalho doméstico
não declarado.
Apesar de a profissão integrar desde há muito tempo a Classificação Nacional
das Profissões são, no entanto, parcos os estudos de caracterização desta
ocupação, mantendo na sombra uma actividade que dá hoje um importante
contributo à economia e à sociedade.
Contributo para a economia, através dos serviços que produz e do emprego
que cria, sendo que este trabalho tem também impactos a nível global,
atendendo à significativa percentagem de trabalho migrante (no caso português
de trabalhadores dos PALOPS, do Brasil e da Europa de Leste).
Contributo para a sociedade porque possibilita à entidade patronal dedicar mais
tempo à sua actividade profissional e despender de mais tempo para o convívio
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do respectivo agregado familiar. Mas, também, porque contribui para o bemestar das famílias, devido a algumas funções que lhe são inerentes,
designadamente as tarefas domésticas clássicas (como cozinhar, passar a
ferro e efectuar trabalhos de limpeza) e o cuidar dos mais frágeis do agregado
familiar (idosos e crianças), etc.
A pouca visibilidade que tem sido dada ao trabalho doméstico tem impedido
que se valorize estes contributos e, consequentemente, que seja relevada a
dignificação da profissão e a sua regulamentação.
Acresce que no trabalho doméstico são reconhecidas várias características e
singularidades:
1) Ao elenco de funções tradicionais que compõem o serviço doméstico,
centradas na organização das respectivas tarefas domésticas, tais como
a limpeza doméstica, tratamento de roupa, confecção de alimentação,
guarda e vigilância da habitação, jardinagem, serviço externo, entre
outras, tem vindo a assumir uma importância crescente a prestação de
trabalho domiciliário para cuidar de idosos e/ou crianças, como resposta
a necessidades de serem criadas redes de segurança familiar, num
contexto de apoio social deficitário;
2) As condições de trabalho são precárias e diversas: a tempo inteiro ou a
tempo parcial; trabalhadores que habitam, ou não, a habitação, embora
os primeiros tendam a declinar; com um ou vários empregadores;
3) As condições salariais são igualmente diversas: salário-base legal ou
salário negociado; salário a tempo completo (40 horas semanais) ou a
tempo parcial (dependente do horário diário e semanal);
4) Um elemento estruturante do trabalho doméstico tem a ver com a
confiança. Releva-se, aqui, a privacidade e o sigilo, inerente às duas
partes da relação laboral, trabalhador e entidade patronal; no caso dos
trabalhadores internos, a viver na habitação, as condições de habitação
e o direito à privacidade são aspectos centrais a considerar na relação
laboral;
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5) A inscrição na segurança social não é, em muitos casos, efectuada ou,
quando o é, são declarados com frequências salários inferiores;
6) O grau de violação dos direitos pelas entidades empregadoras é
elevado.
A visão que a sociedade tem do papel do trabalho doméstico é, pois, dupla e
contraditória. Por um lado, reconhece esse trabalho como socialmente
necessário e, também, importante para criar emprego. Mas, por outro lado,
assume uma atitude de desvalorização da profissão, considerando os
trabalhadores deste sector como mão-de-obra sem qualificação, indiferenciada
e empobrecida.
Quanto aos trabalhadores do serviço doméstico, eles próprios assumem,
geralmente, os estereótipos prevalecentes duma visão desvalorizadora da
profissão. A ausência duma consciência social relativa ao importante papel que
o trabalho doméstico adquire na sociedade decorre, em larga medida, da
relação de trabalho individualizada, em que muitas vezes o trabalhador cria a
ilusão de “pertencer” à família da entidade patronal.
Uma elevada presença de trabalhadores imigrantes, de um modo geral mais
fragilizados perante as entidades patronais, a segmentação da actividade, fértil
em práticas informais e precárias, a desprotecção social que agrava os riscos
de exclusão e de pobreza, são fenómenos que permanecem por resolver e dos
quais decorre, em boa medida, as dificuldades em organizar sindicalmente
estes trabalhadores, face às características da profissão.
As estratégias delineadas para conferir reconhecimento social ao trabalho
doméstico, à sua regulamentação, valorização e dignificação, não têm tido os
resultados esperados e que são necessários. Importa, no entanto, reconhecer
o papel desempenhado pela Organização Internacional do Trabalho, a qual se
tem destacado na produção de relatórios e outros instrumentos destinados a
promover o trabalho decente no mundo, com particular atenção dirigida para o
exercício da profissão doméstica, em condições dignas.
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Depois de encetar um processo tendente à criação de uma Convenção sobre
os trabalhadores e trabalhadoras domésticos, a Conferência Internacional do
Trabalho adoptou, em 2011, a Convenção nº 189, complementada com a
Recomendação nº 201, que estabelecem direitos e princípios básicos para
estes trabalhadores e exigem que os Estados tomem medidas com a finalidade
de tornar o trabalho decente uma realidade neste sector de actividade.
A entrada em vigor da Convenção, em Setembro último, constitui um
acontecimento de extraordinária importância, pois pela primeira vez foi
aprovado um instrumento jurídico que trata especificamente de um sector
laboral onde predomina a informalidade, os baixos salários, as longas jornadas
de trabalho, a escassa ou nula protecção social, pouco tempo livre, más
condições de vida e de trabalho e um incumprimento generalizado das normas
laborais. Há, contudo, que dar eficácia à aplicação daquele instrumento.
A economia social em Portugal
Abordei até aqui o trabalho doméstico salientando as principais preocupações
dos sindicatos. Farei agora algumas observações sobre a economia social em
Portugal e o relatório da Fundação Europeia para a melhoria das Condições de
Vida e de Trabalho, relativo à prestação de cuidados ao domicílio.
Começo por observar que economia social representa um dos três sectores na
classificação prevista na Constituição sobre a propriedade dos meios de
produção (artigo 82º): sector privado, sector público e sector cooperativo e
social.
Um trabalho recente do INE1 permite conhecer melhor este sector, o qual
abrange um conjunto heterogéneo de actividades, incluindo cooperativas,
associações mutualistas, misericórdias, fundações e sindicatos, entre outras. O
seu peso na economia representa 2,8% do VAB e 5,5% do emprego
remunerado, e tem expressão nalguns sectores como nas actividades artísticas
e recreativas, na saúde e no apoio social.
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INE, Conta Satélite da Economia Social 2010, Lisboa, 2013
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Embora abranja um número considerável de trabalhadores deve referir-se que
a remuneração média atinge apenas 83% da média nacional, a qual, por sua
vez, é já bastante reduzida. Este facto alerta, desde logo, não só para as
condições de vida e de trabalho de quantos têm actividades na economia
social, mas também para a compatibilização desta realidade com a necessária
qualidade dos serviços prestados à comunidade por estas organizações.
No que respeita ao relatório da Fundação sobre a prestação de cuidados ao
domicílio, incluindo cuidados de saúde e apoio social, queremos salientar que a
CGTP-IN valoriza a acção desenvolvida por estas instituições, tal como, em
geral, as instituições da economia social. A sua acção cobre actividades onde
existem grandes necessidades sociais, as quais se tendem a agudizar devido à
aplicação de programas de austeridade que estão a desestruturar o tecido
social em Portugal. Importa referir ainda três aspectos que se afiguram de
particular relevância.
O primeiro é o de que as actividades destas organizações não devem ser
concebidas como substitutivas do papel que cabe assegurar ao Estado nos
diferentes domínios onde tem uma responsabilidade que lhe é atribuído pela
Constituição, como sejam: 1) assegurar um Serviço Nacional de Saúde
universalista e financiado por impostos; 2) garantir aos cidadãos a efectividade
do direito à segurança social, também universal, baseada em valores de
solidariedade entre as gerações. Hoje vivemos numa situação de cortes nas
despesas com a saúde e com a segurança social, ao mesmo tempo que o
Governo visa substituir o papel do Estado pelo da iniciativa privada e por um
maior papel das instituições da economia social. Não concordamos com esta
perspectiva que, em nossa opinião, se inscreve numa filosofia de Estado social
mínimo e de natureza assistencialista.
Repetimos: as instituições que operam nas áreas de apoio social, de saúde e
outras, não devem servir de pretexto para desresponsabilizar o Estado e
enfraquecer respostas sociais, que devem se concretizadas na base de direitos
e não na base da assistência aos pobres, como hoje defende o Governo.
O segundo aspecto é o de que há necessidades por satisfazer e que se estão a
agudizar. No plano imediato, temos uma política de empobrecimento da
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população com a aplicação dos programas da tróica. Num plano menos
imediato, temos a necessidade de uma política global integrada que possa dar
respostas sociais adequadas às necessidades resultantes do envelhecimento
da população e do aumento do número de pessoas dependentes. Responder a
este problema exige resposta em domínios como:
 O aumento da oferta na rede de serviços e de equipamentos sociais
dirigida a pessoas idosas, devido à sua escassez e a desequilíbrios
regionais existentes, sobretudo na componente pública da rede, donde
resulta a existência de listas de espera em lares públicos e elevados
encargos que as famílias suportam com respostas privadas;
 O desenvolvimento de um novo ramo da protecção social – a protecção
na eventualidade de dependência, que deve passar a ser considerado
como eventualidade autónoma, como a CGTP-IN tem vindo a propor.
Pensamos que o próximo Quadro Comunitário de Apoio 2014-2020 deverá
prever o desenvolvimento de investimentos na área das infra-estruturas sociais.
Por fim, a terceira observação respeita à inserção profissional das pessoas
com deficiências. Apesar de ser um problema bem conhecido, que afecta um
elevado número de pessoas, e objecto de medidas de política, a verdade é que
a grande maioria destas pessoas estão excluídas do emprego. Segundo o
último Censo da população (2011) as pessoas com pelo menos uma
dificuldade (ver, ouvir, andar, etc.) cujo principal meio de vida é o trabalho,
representam somente 17% do total destas pessoas. Pelo que consideramos
que as políticas, com destaque para as de emprego, de formação profissional e
de reabilitação devem ser repensadas, no sentido de serem efectivas.
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Armando Farias, Membro da Comissão Executiva da CGTP-IN