17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis [ exposição como procedimento ] Regina Melim (CEART/UDESC) Adriana Barreto (CEART/UDESC) Bruna Mansani (CEART/UDESC) [ Resumo ] O texto tem como objetivo discutir sobre a noção de exposição como site, como lugar de debate e construção de um espaço. Contrário à idéia de apresentarse como um elemento à priori, o espaço de uma exposição é um dado que existe para ser construído. Neste sentido, a perspectiva deparada é sempre em torno de pensar a exposição como um procedimento. Para discutir sobre algumas questões que emergem de práticas expositivas desta natureza, escolhemos como objeto de reflexão a exposição Espaços Reversíveis, realizada no Museu Cruz e Sousa, em Florianópolis (SC), em abril/maio de 2008 e a participação de dois artistas: Rubens Mano e Tatiana Ferraz. Palavras Chaves: exposição, site, procedimento. [ Abstract ] The aim of this paper is to discuss the notion of exhibition as site, as a debate place and construction of a space. Opposite to the idea of presenting an element beforehand, the exhibition space exists to be constructed. In this sense, the perspective is relies on the idea of the exhibition as a procedure. So as to discuss some issues related to the exhibition practices of this kind, we chose the exhibition Espaços Reversíveis (Reversible Spaces) as object for reflection. This exhibition took place at the Cruz e Sousa Museum, in Florianopolis (SC), in April / May 2008, with the participation of two artists: Rubens Mano e Tatiana Ferraz. Key Words: exhibition, site, procedure. O texto que aqui apresentamos tem como objetivo discutir sobre a noção de exposição como site, como lugar de debate e construção de um espaço. Contrário à idéia de apresentar-se como um elemento à priori, o espaço de uma exposição é um dado que existe para ser construído. Neste sentido, a perspectiva deparada é sempre em torno de pensar a exposição como um procedimento. Para discutir sobre algumas questões que emergem de práticas expositivas desta natureza, escolhemos como objeto de reflexão a exposição Espaços Reversíveisi, realizada no Museu Cruz e Sousa, em Florianópolis (SC), em abril/maio de 2008. E a partir desde dado, a participação de dois artistas: Rubens Mano e Tatiana Ferraz. Cumpre ressaltar, que o museu em questão apresenta-se em sua dinâmica de espaço museológico duas situações distintas e separadas entre 2039 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis si: uma parte, que é destinada ao Museu Histórico, repleta de mobiliário, utensílios e parca memória do estado (sobretudo porque é composto dos elementos mais díspares possíveis, retalhos de outrora da residência e da sede do governo do estado de Santa Catarina). A outra parte do edifício é destinada à exposições temporárias, cujo caráter, conforme a diretriz da instituição, é de apresentar mostras periódicas de arte contemporânea. Da mesma forma, cumpre ressaltar também, que o espaço destinado às mostras de arte contemporânea possui em seus três aposentos um vasto mobiliário, composto de inúmeras cadeiras, mesas, escrivaninhas, vitrines, painéis com rodízios (utilizados de forma corriqueira como paredes móveis em edificações que são tombadas), biombos e um piano de cauda. Além disso, estas três salas são utilizadas, ( e com uma certa freqüência), também para eventos culturais e sociais, como coquetéis, palestras, lançamentos de livros, apresentações musicais, entre outros. Posto desta forma aos artistas e curadores que queiram expor seus trabalhos, uma das primeiras questões que surgiram aos artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz, para a exposição Espaços Reversíveis, foi a construção de um espaço que pudesse incorporar todo este mobiliário. Ou seja, de tratar desde o princípio aquele espaço expositivo, ali oferecido, como um componente ativo da experiência. Coberto de informações, qualquer tentativa de neutralização desta situação oferecida corresponderia em colocar todo o mobiliário em algum canto, na tentativa de sua ocultação. O que invariavelmente acontece, e da forma mais precária ou escandalosa possível, via de regra, utilizando os biombos e os painéis móveis como construção de um nicho-depósito. Ao se depararem com a situação, tanto espacial quanto contextual, específicas do Museu Cruz e Sousa, os artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz que, desde o princípio interessavam-se pela utilização das duas salas laterais do espaço, normalmente indisponíveis pois funcionam como auditório ou para estocar o mobiliário excedente, planejaram criar uma ação em parceria nomeada de MDC – Múltiplo Denominador Comum. A estratégia utilizada, portanto, seria de propor, durante o período da exposição, quatro formas de rearranjo deste mobiliário, inserindo-os efetivamente como parte destas três salas expositivas destinadas às mostras de arte contemporânea, 2040 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis ativando-as como um todo que insiste em se estabelecer como cubo branco e neutro, que ignora suas particularidades e especificidades, seu entorno, sua arquitetura e seus objetos. Como primeiro re-arranjo foi construído, a partir de sucessivos deslocamentos das peças, um espaço para conversa dos artistas com o público e um espaço para sala de concerto. E ambos, contornados com as vitrines, os painéis com rodízios e os biombos, criando nichos ativos e funcionais. Dispostos dessa forma, em um deles ocorreu dois encontros dos artistas com o público, que foi convidado em dias consecutivos anteriores à abertura propriamente dita da exposição. No outro, foi realizado um concerto para piano preparado, especificamente para a abertura da exposição composto e executado pelo músico Diogo de Haro. Ressalta-se que o piano em questão encontrava-se desde longo tempo fora de uso, considerado “condenado” pela própria instituição. Outras três proposições de re-arranjos foram impressas no formato de grandes blocos com folhas destacáveis e ficaram durante todo o período da exposição à disposição do público, que poderia retirá-las e de posse das mesmas vislumbrar novas ativações do espaço. Neste sentido, o mobiliário como parte integrante da exposição passou efetivamente a existir e cumprir uma função outra que, decididamente não era a de ficar como um conjunto amontoado em um canto de uma das salas ii. De acordo com os artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz, O MDC (Múltiplo Denominador Comum) seria algo como um rearranjo formal e arquitetônico com o “mobiliário excedente” diagnosticado na parte inferior do Museu Cruz e Sousa, (sala principal e sala auditório), a fim de recriar um espaço multiuso no centro da sala principal e liberar as demais. (...) Esta proposta reagiria igualmente aos aspectos da arquitetura do espaço, como colunas, pisos, paredes e demais estruturas protegidas pelo Patrimônio, que de muitas maneiras condicionam os usos do espaço das salas expositivas. A intenção é devolver para a própria Instituição os problemas relativos à uma certa indistinção entre os espaços expositivos e os 2041 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis espaços necessários para outras atividades pensadas pelo Museu: espaço para recitais; eventos efêmeros do salão; uso de uma das salas laterais como auditório para atividades com professores; entre tantas outras. Além disso, fazer um comentário sobre o uso do salão principal como epicentro do fluxo no andar térreo. (...) A provocação tentaria despertar uma reflexão sobre as necessidades institucionais e dos projetos artísticos; sobre a existência de espaços amarrados e a formulação de espaços reversíveis. Assim, o Museu se confrontaria com uma reflexão sobre a organização do seu próprio espaço e programação. Tal ação encerraria uma 'contra-proposta' [de certa maneira devolver à Instituição a imagem de sua oferta] e desvelaria o descompasso entre a desejada e propagada reflexão sobre a produção contemporânea e a solução normalmente adotada por museus e espaços expositivos para acenar sua entrada nesse campo de discussões iii. Durante o período da mostra, um novo re-arranjo deste mobiliário ativou mais uma vez as salas expositivas e onde, igualmente o anterior, criaram-se novamente dois ambientes: um deles para a realização de um encontro com o público a fim de debater sobre a exposição Espaços Reversíveis, e junto, um monitor de TV projetando o vídeo da ação realizada no primeiro re-arranjo. E um outro, para uma segunda realização do concerto para piano preparado. O público, portanto, podia assistir tanto a primeira ação de ‘contra-proposta’ empreendida pelos artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz para a abertura da mostra que estava gravada em vídeo, bem como, já instalado em uma segunda proposição de re-arranjo, participar da discussão acerca das estratégias utilizadas por ambos nesta exposição, configurando-a efetivamente como lugar de reflexão e construção de um espaço de reversibilidade. 2042 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis [ tatiana ferraz - transposição como procedimento ] Na seqüência das estratégias utilizadas pelos dois artistas, cada um deles passou então a ocupar uma sala, e a partir de seu próprio processo, buscou transpor e dialogar partes ou elementos do museu para estes espaços expositivos específicos. Em visitas anteriores ao museu, à título de inventariar o espaço e todos os seus elementos constitutivos, foram realizadas uma série de fotografias que no processo de ocupação tornaram-se documentos prospectivos da ação empreendida. A partir daí, Tatiana Ferraz propôs como trabalho a ser exposto a obra denominada MIMEO. A artista ocupou uma das salas laterais transpondo os painéis com rodízios ali existentes através da construção de outros três painéis de iguais dimensões. Vazados, esses novos painéis traziam em seu interior, como se fossem cortinas móveis, placas de acrílico transparente e, igualmente vazadas, os elementos decorativos que foram apropriados das paredes e salas ocupadas pelo Museu Histórico. Com as janelas abertas, a luz que incidia sobre essas placas de acrílico destacava as formas vazadas projetando-as no espaço e imprimindo-as na arquitetura da sala os padrões decorativos que foram apropriados do andar acima. A abertura das janelas, que estão contíguas à uma rua extremamente movimentada e que normalmente permanecem fechadas, possibilitaram uma permeabilidade, no sentido de permitir que o fluxo da cidade ocupasse também o interior daquela sala, de modo a torná-lo parte constitutiva da experiência que ali se instalou. Conforme ressaltou a artista durante a conversa com o público, foi uma forma de lidar com o espaço do museu como um todo, que se expande na admissão de seu entorno. Percebendo suas especificidades internas e externa, bem como suas inadequações, e a partir daí, incorporando-as como um procedimento que tem sido recorrente em sua trajetória artística, desenvolvidas através de três situações nomeadas como: memória, ocupação e colagem. Além disso, essa proposição de transpor partes de um espaço ao outro constituiu-se num exercício de ativação de dois segmentos existentes no museu. Partes do Museu Histórico deslocaram-se para as salas 2043 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis destinadas às mostras de arte contemporânea, possibilitando diálogos, conversas entre essas instâncias que habitam um mesmo edifício de forma separadas e distantes. Poderíamos dizer, que da mesma maneira que o mobiliário existente na parte das salas de mostras de arte contemporânea, estes dois segmentos do museu – parte histórica e salas de arte contemporânea – co-habitam insistentemente num jogo de constante ocultação um do outro. São distintos, é bem verdade, mas isto não os impede de se tornarem ativos, e o suficiente para permitir que exista entre os mesmos um diálogo freqüente. E, se pelas normas de conservação e preservação de um patrimônio histórico são impostas atitudes e procedimentos de controle de luminosidade e temperatura, de distanciamento e nenhum tipo de manipulação, em MIMEO, seja pelo material com que foi confeccionado e a luminosidade advinda da abertura das janelas, intensificando sua transparência; seja pelo manuseio das cortinas de acrílico dentro dos módulos (este, também móveis), uma interação se tornou possível, carregando consigo não apenas à memória referente de sua procedência, mas uma transformação ou reverso de uma relação impositiva. A obra MIMEO, construído especificamente para o Museu Cruz e Sousa, trouxe o mesmo vocabulário dos elementos memória, ocupação e colagem utilizado por Tatiana Ferraz em outros projetos. Em Conversa entre termos (2002), por exemplo, a artista instalou cinco peças em salas do prédio, originalmente residencial e que hoje funciona a Escola da Cidade, tentando resgatar uma memória de ocupação da cidade, seus edifícios e sua funcionalidade. O antigo edifício residencial, projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke, na década de 1950, possuía em sua estrutura original sete pavimentos, com dois apartamentos por andar. Passado por processos de mutações constantes, alterando-se entre sucessivos abandonos e adaptações de uso, em 2002 passou a ser ocupado por uma escola de arquitetura. Poucas eram as unidades, até aquele presente momento, que ainda mantinham a estrutura residencial primeira. Apropriando-se, portanto, de uma dessas poucas unidades que ainda mantinha a disposição original, composta de sala, cozinha, dois quartos e suíte, Tatiana Ferraz desenvolveu algumas peças, (construídas de compensado de madeira, forrados de fórmica rosa claro, vermelho e texturas de madeira, suspensos 2044 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis horizontalmente por cabos de aço), que pudessem então remeter aos objetos domiciliares de uma ocupação familiar, baseado em proporções de sofá, mesa, televisão e cama, como reminiscências de um passado remoto. Como colagem de uma memória do antigo uso residencial nas futuras salas de aula que pouco tempo depois ali se instalariam. [ rubens mano - diálogo possível entre o interior e o exterior ] Todo o processo artístico de Rubens Mano está baseado na percepção e nos diálogos possíveis na construção e ativação dos espaços que o mesmo ocupa. Dizemos construções de espaços porque é como situamos sua obra quando esta é apresentada ao público. Essa condição é tão presente e majoritária que, por exemplo, em 2001, convidado à participar da Bienal de São Paulo, o artista iniciou seu trabalho realizando uma foto do espaço expositivo do prédio da Bienal, totalmente vazio, sublinhando que a arquitetura a ser ocupada estava sendo incorporada como elemento constitutivo da obra. Uma outra questão, tão presente quanto à arquitetura, é o coeficiente de invisibilidade que acompanha todas as suas ordens propositivas. Vazadores (2002), Calçadas (1999), Bueiro (1999), entre outros, são obras que foram construídas sem nenhuma sinalização de que se tratavam de um trabalho artístico. Neste sentido, talvez Visible, realizado para a exposição In Site, na fronteira entre Tijuana/México e San Diego/EUA, (2005/2006) tenha se configurado como uma das ações mais instigantes. O trabalho definindo a relação do espectador com a obra, pois é ele – participador ativo – que aciona o trabalho, que o torna visível. Além disso, é esse espectador, que no dizer de Rubens Mano é chamado de perceptor, que determina a duração do trabalho. Ou seja, ele dura o tempo em que é acionado, afirmando que a vida da obra é mesmo concedida pelo público participante. Para a exposição Espaços Reversíveis, Rubens Mano ocupou uma das salas do museu retirando todos os objetos e mobiliário ali existente, deixando também suas luzes totalmente apagadas. Uma vez esvaziado o 2045 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis espaço da sala, o artista cobriu então suas janelas que abrem para o jardim do museu com uma película de vinil adesivo, opaca, e que imita vidro jateado. Este ato permitiu a entrada da claridade, porém, impossibilitava a visão para a paisagem. Todavia, uma pequena fresta deixada por um círculo, recortado nesta película aderida aos vidros, permitia que cada um dos visitantes pudesse observar o lado de fora e perceber num canto isolado do jardim uma pequena construção. Conjugando – sala interna do museu e edificação abandonada do jardim – como partes possíveis para um diálogo, Rubens Mano criou um espaço luminoso permanente no interior desta pequena construção que está na divisa do jardim do museu com o edifício que existe ao seu lado. As janelas dessa pequena edificação também foram cobertas com a mesma película e em seu interior (vedado à entrada do público), foram instaladas aproximadamente 110 lâmpadas fluorescente que durante todo o período da exposição permaneceram acesas continuamente, provocando a imagem de um bloco luminoso. Intitulado pelo artista com a sugestiva nomeação: nada/consta, essa obra tornou visível a todo o visitante que se dispôs a olhar na fresta daquela janela da sala do museu não apenas uma construção isolada e sem utilização, ignorada no jardim, mas aproximou-a, trouxe-a para dentro de suas salas expositivas. Tornou visível espaços que ao longo do tempo foram perdendo suas funções e, abandonados à própria sorte, ficaram invisíveis no conjunto da instituição. [ o espaço do museu como laboratório ] Todos nós, artistas e curadores, nos vemos continuamente quando pensamos uma exposição na condição de enfrentar tiranias de diferentes ordens, mas que findam, paradoxalmente, revertendo-se em instigantes desafios. Muitas decisões estéticas, conceituais e contextuais dependem e implicam naquilo que se construirá como/no espaço. O museu – à despeito de muitas omissões sobre àquilo que deveria ter como pauta permanente de suas funções – torna-se como no contexto aqui descrito da exposição Espaços Reversíveis, ele próprio, um laboratório para debater sobre suas próprias funções. 2046 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis As intervenções de Rubens Mano e Tatiana Ferraz para esta exposição não apenas questionaram o espaço expositivo em si, mas ampliaram-se numa rede de situações que replicou nas pessoas que estiveram diretamente ligadas à produção, como montadores, monitores, direção e coordenação do museu, assim como no público que durante o período de um mês pode participar de algumas de suas ativações. Foram, conforme apresenta James Meyeriv, ativações continuas operadas dentro de uma lógica denominada de functional site, onde ao invés de se ater à fisicalidade e a monumentalidade do espaço físico (literal sitev), a ação foi expandida para um site de ordem crítica e discursiva. Toda a configuração da situação em que os artistas transitaram e construíram como espaço de exposição ocorreu naquilo que Meyer assinala como entre sites. Ou seja, como método de investigação e indagação, no trânsito de esferas de interesses locais e contingenciais. Acrescentando ainda que, (...) o site funcional não precisa incorporar o lugar físico, pois certamente, ele não privilegia esse lugar. Ao invés disso é um processo, uma operação que ocorre entre sites, um mapeamento de filiações textuais e institucionais e os corpos que se movem entre eles, (sobretudo do artista). Trata-se de um site informacional, um palimpseto de texto, fotografias e gravações em vídeo, lugares físicos e coisas: um site alegórico, para emprestar o termo de Craig Owen, bem denominado para descrever a empreitada polivalente de Robert Smithson, cuja noção vetorial e discursiva de “lugar” se opõe ao modelo fenomenológico de Serra. Não é mais uma parede de aço que obstrui e se anexa a uma praça por toda a eternidade. Ao contrário, o trabalho funcional recusa a intransigência da especificidade do site literal. Trata-se de uma coisa temporária, um movimento, uma cadeia de significados e histórias intricadas: um lugar marcado com o abandono premente. O site móvel então namora sua destruição, é intencionalmente temporário, sua natureza não é durar mas sim ruir vi. (MEYER apud SUDERBURG 2000: 25) 2047 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Em Espaços Reversíveis, a ocupação dos dois artistas foi pensar a condição e a disposição do local da exposição numa mediação discursiva das partes: instituição e artistas. Levada à efeito como um site funcional, questionou e problematizou o museu e, como um campo de discussão, apresentou MIMEO (integrando salas que dividem descompromissadas o mesmo edifício), nada/consta (tornando visível espaços desvinculados de suas funções e abandonados à própria sorte no conjunto da instituição), e MDC - Múltiplo Denominador Comum (como contra-proposta, revelando o descompasso existente entre a desejada e propagada reflexão sobre a produção contemporânea e a solução normalmente adotada por museus e espaços expositivos como aceno de sua entrada nesse campo de discussões). [ Referências Bibliográficas ] MEYER, James. The Functional Site; or The Transformation of Site Specificity. In: SUDERBURG, Erika. (org.). Space, Site, Intervention: Situating Installation Art. Mineapolis: University Mineapolis Press, 2000. KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity. Cambridge/London: The Mit Press, 2002. O’DOHERTY, Brian. No Interior do Cubo Branco. Trad. Carlos. S. Mendes Rosa. SP: Martins Fontes, 2002. SANS, Jérôme e SANCHEZ, Marc. Qu’attendez-vouz d’une instituition artistique du 21e siecle? Paris: Palais de Tokyo, 2003. Regina Melim. Professora no CEART/UDESC. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC, São Paulo (2003). Coordena desde 2005 o Grupo de Pesquisa: Processos Artísticos Contemporâneos, organizando desde então as exposições: Midiações: ações orientadas para fotografia e vídeo em debate, MASC, Florianópolis, SC, (2005); e as exposições portáteis pf (2006), amor: leve com você (2007) e COLEÇÃO (2008). Adriana Barreto. Artista e mestranda no PPGV (CEART/UDESC). Entre as exposições que participou destacam-se: Ulay Babait /Maybe at Home, Pyramida Center for Contemporary Art, Haifa, Israel, 2007; FIAT Mostra Brasil - São Paulo/SP 2006, MAIS PERTO -Ybakatu Espaço de Arte, Curitiba 2006; VERBO 2005, Galeria Vermelho, São Paulo, 2005; e das exposições portáteis amor: leve com você, 2007 e PF , 2006. Bruna Mansani. Artista e mestranda no PPGAV (CEART/UDESC). Entre as exposições que participou destacam-se: FIAT Mostra Brasil , Porão das Artes, SP, 2006; MAIS PERTO, Ybakatu Espaço de Arte, Curitiba, 2006; VERBO , Galeria 2048 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Vermelho, SP, 2005; e das exposições portáteis amor: leve com você , 2007 e PF, 2006. i A exposição Espaços Reversíveis teve curadoria de Daniela Labra (RJ) e foi realizada com apoio do Edital Funarte, no programa Conexões Artes Visuais. Participaram da mostra, além de Rubens Mano (SP) e Tatiana Ferraz (SP), a artista Ana Holck (RJ). A coordenação desta exposição esteve à cargo de Adriana Barreto. Bruna Mansani participou no programa de montagem e monitoria. Regina Melim realizou um encontro com o público, na ocasião do lançamento do impresso da exposição, cujo tema foi a exposição como um procedimento. ii Apenas como curiosidade, o mobiliário em questão era composto de: 3 escrivaninhas, 6 biombos, 3 vitrines, 5 armários de vidro, 11 módulos com rodízios, 86 cadeiras, 1 mesa oval e 1 piano de cauda. iii Release enviado pelos artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz à equipe que coordenou e monitorou a exposição. iv MEYER, James. The Functional Site; or The Transformation of Site Specificity. In: SUDERBURG, Erika. (org.). Space, Site, Intervention: Situating Installation Art. Mineapolis: University Mineapolis Press, 2000. v Neste caso a prática site specific não comporta mudança, como em Tilted Arc (1981) de Richard Serra, que o autor aponta como um exemplo de literal site, onde o local é único e o trabalho também, inseparável do espaço. A mudança do trabalho implicaria na sua destruição. vi (...) the functional site may not incorporate a physical place. It certainly does not privilege this place. Instead, it is a process, an operation occurring between sites, a mapping of institutional and textual filiations and the bodies that move between them (the artist’s above all). It is an informational site, a palimpsest of text, photographs and videos recordings, physical places, and things: an allegorical site, to recall Craig Owens’s term, aptly coined to describe Robert Smithsons’s polymathic enterprise, whose vectored and discursive notion of “place” opposes Serra’s phenomenological model. It is no longer an obdurate steel wall, attached to the plaza for eternity. On the contrary, the functional work refuses the intransigence of literal site specificity. It is a temporary thing, a movement, a chain of meanings and imbricated histories: a place marked and swiftly abandoned. The mobile site thus courts its destruction; it is willfully temporary; its nature is not to endure but to come down. 2049