EPILEPSIAS – TRATAMENTO CIRÚRGICO Conduta do CEANNE Gustavo Rassier Isolan O tratamento cirúrgico da epilepsia é uma modalidade terapêutica altamente eficaz para um grande grupo de pacientes cujas crises epilépticas são refratárias ao manejo medicamentoso. O impacto deste procedimento na qualidade de vida dos pacientes é incomensurável. Considera-se que o início da cirurgia da epilepsia deu-se no final do século XIX, quando John Hughlings estabeleceu um paralelo entre a semiologia das crises e sua suposta localização anatômica em exames de necropsia. Estas observações foram confirmadas por Ferrier mediante estimulação cortical em macacos em 1873. Seis anos após Willian Macewan localizou e ressecou um meningeoma frontal baseado no quadro de crises parciais simples motoras que seu paciente apresentava. Na história da cirurgia da epilepsia, no entanto, Victor Horsley é considerado o pioneiro, após ter realizado com sucesso a remoção de lesões epileptigênicas em três pacientes (1886). Penfield e colaboradores através de estimulação elétrica cortical mapearam os sinais e sintomas de diferentes regiões do cérebro. Nas últimas três décadas, com os avanços da neuroimagem e do emprego do vídeo-eletroencefalograma, muitas síndromes epiléticas passaram a ser tratadas com cirurgia com excelentes resultados e mínima morbidade (ENGEL, 1996; OLIVIER, 2000; PAGLIOLI & CENDES, 2000; CUCKIERT, 2002). A percepção do meio médico em geral é de que a cirurgia da epilepsia é um procedimento reservado para um número mínimo de pacientes e após inúmeras tentativas com diferentes medicamentos. Sendo considerado erroneamente um procedimento de última escolha, os pacientes em muitos casos podem demorar décadas para serem encaminhados para um centro de cirurgia da epilepsia, o que afeta sensivelmente a qualidade de vida destes e principalmente sua interação na sociedade. Em última análise, não há dúvidas de que a inserção social mais ampla bem como a inserção no mercado de trabalho de um paciente com 20 a 30 anos de idade ou mesmo pacientes pediátricos é completamente diferente daquela de um paciente com idade mais avançada, os quais geralmente já se encontram com alto grau de dependência dos seus familiares ou mesmo institucionalizados. Considera-se que 0.5 a 0.9% da população norte-americana seja portadora de epilepsia. Metade destes pacientes tem crises parciais e um terço crises refratárias ao tratamento medicamentoso. Uma estimativa conservadora é de que metade dos pacientes com crises refratárias ao tratamento medicamentoso seja candidata à cirurgia da epilepsia. Existe ainda outro grupo potencial de pacientes cirúrgicos, que são aqueles 10-15% dos pacientes portadores de crises generalizadas severas que não respondem a drogas antiepilépticas. Apenas nos Estados Unidos existem 100.000 candidatos cirúrgicos potencias, sendo que são adicionados a este número 5000 outros pacientes anualmente (ZIMMERMAN e SIRVEN, 2003). Atualmente, intratabilidade medicamentosa é definida pela maioria dos investigadores como crises convulsivas que não são controladas após tratamento adequado com duas drogas antiepilépticas de primeira linha. Outros grupos preconizam três tentativas com diferentes drogas antiepilépticas, sendo que uma delas consiste da combinação de duas drogas. Obviamente, um dos fatores mais importantes a ser considerado é a análise de como as crises afetam a qualidade de vida do paciente nas esferas psicológica, interpessoal e ocupacional. Por exemplo, poucas crises ao ano podem ter um impacto catastrófico em quem trabalha com veículos automotores. Caso três tentativas com monoterapia, usando drogas de primeira linha, não obtiverem controle satisfatório das crises, a probabilidade de que o paciente responda a uma quarta droga com monoterapia ou politerapia é de apenas 5%. Além disso, existem síndromes epilépticas cirurgicamente remediáveis, como a epilepsia do lobo temporal mesial, a qual pode ter períodos prolongados de remissão depois de se tornar intratável. Frequentemente, epilepsia do lobo temporal medial começa na infância, mas não se torna refratária até a adolescência ou no inicio da fase adulta. Aparentemente a epilepsia do lobo temporal medial pode ter um longo período de remissão antes de se tornar intratável. Um dado muito importante a ser considerado é que pacientes epilépticos com esclerose hipocampal ou displasia cortical (patologias que são identificadas com RNM conforme veremos adiante) respondem muito pouco ao tratamento medicamentoso, mas têm um excelente prognóstico com a cirurgia. Esses pacientes precisam ser identificados cedo na vida antes que consequências psicossociais não possam ser prevenidas por reabilitação, mesmo que o paciente seja submetido à cirurgia da epilepsia e se torne livre de crises. Este capítulo está dividido em três partes. Na primeira parte, daremos ênfase ao impacto das crises refratárias ao tratamento medicamentoso na vida dos pacientes. Na segunda parte, abordaremos a investigação préoperatória dos candidatos à cirurgia e, na última parte, apresentaremos os diferentes tipos de técnicas cirúrgicas usadas no tratamento destes pacientes. O impacto das crises epilépticas refratárias ao tratamento clínico na vida dos pacientes Pacientes com epilepsia refratária ao tratamento medicamentoso geralmente possuem transtornos do humor, baixa autoestima, comprometimento nos relacionamentos sociais, função ocupacional reduzida e perda da autonomia pelas restrições que a doença e a própria família impõem. Está comprovado que adolescentes com epilepsia intratável possuem menor probabilidade de se graduarem no ensino médio, se fixarem em empregos e se casarem. Epilepsia intratável também está associada a desordens endócrino-reprodutivas como a síndrome dos ovários policísticos, hipogonadismo hipogonadotrófico e ciclos anovulatórios, o que se deve em parte ao uso de algumas drogas antiepilépticas como por exemplo o ácido valpróico. O risco de acidentes e a taxa de mortalidade em pacientes com epilepsia intratável são maiores do que na população geral, sendo causas comuns de óbito a morte súbita sem explicação aparente e acidentes em geral. Especula-se que as próprias crises convulsivas recorrentes, o processo epileptogênico em si e mecanismos inibitórios reativos a epilepsia contribuam para a natureza progressiva desta doença. Pacientes com epilepsia refratária possuem funções ocupacionais e psicossociais claramente debilitadas cuja probabilidade de melhora é inversamente proporcional ao tempo de história das crises. Os efeitos interictais da epilepsia crônica foram largamente ignorados até recentemente. Déficits de memória, distúrbios do humor, disfunção neuropsicológica e anormalidades metabólicas em regiões do cérebro fora das áreas epileptogênicas são comuns. A natureza progressiva da epilepsia é bem exemplificada em crianças com as chamadas “crises catastróficas” devido a distúrbios hemisféricos difusos. Esses pacientes se desenvolvem normalmente até que espasmos refratários infantis surgem. Essas crises ocorrem várias vezes por dia e estão associadas a um declínio no desenvolvimento com perda de funções de linguagem e funções motoras. As descargas epileptogênicas do hemisfério anormal interferem com o desenvolvimento normal do hemisfério contralateral não-epileptogênico. Esse declínio se torna irreversível quando as crises persistem além de um período crítico para o desenvolvimento de certas habilidades como, por exemplo, a linguagem. Invariavelmente, esses pacientes desenvolvem retardo mental e requerem tratamento institucional crônico. A investigação e o planejamento cirúrgico O advento da monitorização prolongada com vídeo-EEG , os avanços das técnicas de neuroimagem e o desenvolvimento de centros de epilepsia foram fatores que alicerçaram os excelentes resultados cirúrgicos obtidos atualmente na cirurgia da epilepsia. Equipe multidisciplinar composta por neurologistas, neuropsicólogos, neurorradiologistas, assistentes neuropatologistas, sociais, enfermeiras e fonoaudiólogos, neurocirurgiões especializados em epilepsia é essencial no manejo destes pacientes. Uma detalhada história clínica é essencial para enquadrar o paciente corretamente na classificação das crises e síndromes. A ressonância nuclear magnética (RNM) cerebral é inquestionavelmente o melhor estudo de imagem estrutural. A tomografia por emissão de fóton único (SPECT) visualiza o fluxo sanguíneo cerebral e tem sido considerado um outro método para localizar o foco epiléptico, entretanto, é mais eficaz quando o radionucleotídeo é injetado nos segundos iniciais da crise, o que exige uma estrutura organizada em tempo integral. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) demonstra o metabolismo da glicose cerebral, sendo achado típico interictal o hipometabolismo na região do foco epiléptico. Quando realizado durante a crise (ictal) o achado típico é o hipermetabolismo da região. A RNM sozinha como exame de imagem é suficiente na investigação da grande maioria dos pacientes, não sendo essencial o uso do SPECT e do PET (este último disponível em poucos centros). O eletroencefalograma (EEG) é o exame de maior utilidade no diagnóstico de epilepsia. Uma atitude errônea é superestimar o valor de um achado interictal isolado. Em alguns casos, o EEG deve ser repetido várias vezes antes que as descargas epileptiformes sejam observadas. Quando o EEG não demonstra traçado anormal, mas o diagnóstico clínico é altamente suspeitado, um EEG durante o sono é recomendado, pois descargas epileptiformes comumente se ativam durante o sono não-REM (rapid eye movement – movimento rápido dos olhos) em algumas epilepsias. Para estabelecer a indicação cirúrgica, no entanto, um estudo com vídeo-EEG deve ser sempre realizado, principalmente para se fazer o diagnóstico diferencial com crises conversivas. A testagem neuropsicológica é realizada em todos os candidatos cirúrgicos. Uma bateria de testes geralmente contém um inventário de personalidade, testes de quociente de inteligência, testes de função de memória e linguagem, entre outros, dependendo do interesse do neuropsicologista. O objetivo destes testes é auxiliar na localização do foco epiléptico, o que não pode ser estabelecido muitas vezes mediante exame neurológico convencional. Certos testes e achados anormais tem valor em demonstrar lateralização de disfunção para um hemisfério e, ocasionalmente, para um lobo do cérebro. Talvez o melhor exemplo seja o teste de memória material-específica e habilidades entre os pacientes com suspeita de epilepsia do lobo temporal. Nesses casos, déficits em memória verbal e outras habilidades verbais (nomeação de objetos) são comuns quando o foco epiléptico está no lobo temporal esquerdo em um paciente destro. Similarmente, déficit em memória não-verbal sugere epilepsia do lobo temporal direito em uma pessoa destra. O teste de amobarbital (teste de Wada) é um procedimento invasivo (angiografia) que tem por objetivo avaliar a lateralização das funções da linguagem e o funcionamento da memória nos dois hemisférios cerebrais. O teste é feito com a canulação de uma artéria carótida interna. Depois que a injeção de contraste verificar que o sangue flui para o hemisfério correspondente e não para o tronco cerebral ou para o lado contralateral, uma dose de amobarbital sódico (o suficiente para impedir o funcionamento hemisférico) é injetada. Se a droga produzir no paciente hemiparesia contralateral ao vaso injetado com preservação da fala considera-se que este hemisfério cerebral não é o dominante para a fala e, dessa maneira, o procedimento cirúrgico nesta região não ocasionará afasia. A memória é testada no final do procedimento, sendo que caso haja perda das funções é contraindicada a ressecção cirúrgica. Este exame, no entanto, é indicado para um número restrito de pacientes, como veremos adiante. O estudo invasivo com eletrodos intracranianos é outra modalidade de investigação, porém este é realizado somente quando os métodos não invasivos não são suficientes para estabelecer o local de origem das crises, o que é mais comum nas epilepsias extra-temporais. Algumas indicações de monitorização invasiva são pacientes que apresentam crises lateralizadas mas sem localização topográfica definida, crises localizadas topograficamente mas não lateralizadas (ambos os lobos temporais, por exemplo), crises nem lateralizadas e nem localizadas, discordância entre o EEG ictal e os exames de imagem ou dados neuropsicológicos, pacientes com patologia dual ou lesões múltiplas em que seja necessário estabelecer relação entre a crise e a lesão e crises com início na área motora ou da linguagem. Os eletrodos podem ser do tipo grade (grid), estrias (strips) ou profundos, sendo estes últimos menos utilizados. Os eletrodos gravam um eletrocorticograma (ECoG) e permitem que a área a ser ressecada seja estabelecida com precisão no pré-operatório. O mapeamento cortical é indicado quando o cirurgião necessita estabelecer a exata relação topográfica da área epileptogênica a ser ressecada com áreas cerebrais eloquentes, por exemplo, áreas motora e sensitiva primária e área da fala (Figura 1). Algumas pequenas variações na técnica do mapeamento e na interpretação revelam achados sutis para o cirurgião que podem ser diferentes daquelas que o neurologista e o neuropsicólogo irão apreciar. Em algumas ocasiões as regiões corticais mapeadas irão ser diferentes daquelas esperadas dos estudos anatômicos clássicos, principalmente em áreas de malformações corticais. Algumas vezes, o mapeamento extraoperatório indica que a zona de início ictal está próxima da área motora primária ou da fala. Neste último, o uso de mapeamento de linguagem com o paciente acordado pode ajudar na ressecção do foco epiléptico sem ocasionar afasia pós-operatória. Finalmente, ao indicar monitorização invasiva deve-se considerar os riscos inerentes das complicações de uma craniotomia. Procedimentos cirúrgicos e indicações do tratamento cirúrgico das epilepsias Os procedimentos cirúrgicos podem ser divididos em definitivos e paliativos. A cirurgia definitiva tem grande probabilidade de diminuir sensivelmente ou mesmo extinguir as crises dos pacientes. A cirurgia paliativa tem como objetivo diminuir a frequência das crises. A proposta da cirurgia definitiva é a remoção do córtex produtor de crises, tais como ressecção de tumores epileptogênicos (Figura 2), anormalidades vasculares, malformações corticais, ou lesões como esclerose temporal mesial. As cirurgias paliativas atuam sobre as vias de propagação das crises, sendo a calosotomia um exemplo. O valor da eletrocorticografia transoperatória na lobectomia temporal anterior ou amigdalohipocampectomia seletiva não é superior ao procedimento standart sem eletrocorticografia. Essa, no entanto, assegura melhores resultados e é imprescindível no tratamento da epilepsia extra-temporal. Neoplasias astrocitárias de baixo grau de malignidade (Figura 1), oligodendrogliomas e gangliogliomas (Figura 2) são tumores bem circunscritos que causam epilepsia em muitos casos, sendo que sua ressecção geralmente susta as crises. Os hemangiomas cavernosos são lesões vasculares circundadas por hemossiderina, altamente epileptogênicas. Neste casos o uso de eletrocorticografia transoperatória é importante na identificação da zona epilptogênica a ser ressecada adjacente a lesão. Grandes anormalidades vasculares (malformações arterio-venosas) estão comumente associadas com crises. Diferentemente das lesões vasculares pequenas, a relação entre a lesão estrutural e o córtex epileptogênico não é sempre clara e a lesionectomia simples frequentemente falha em controlar as crises. Malformações congênitas do desenvolvimento como displasias corticais, heterotopias, fendas esquizencefálicas e facomatoses associadas a epilepsia de difícil controle medicamentoso são lesões desafidoras do ponto de vista cirúrgico uma vez que frequentemente necessitam de detalhada investigação com eletrodos invasivos. Encefalomalácia traumática é tratável cirurgicamente com resultados variados. A dificuldade do controle das crises com a cirurgia nestas lesões é que o dano cortical frequentemente se estende muito além da área de dano anatômico visível cirurgicamente. A seguir, descreveremos serão descritos os principais procedimentos cirúrgicos realizados para tratar epilepsia em pacientes refratários ao tratamento clínico. O conhecimento profundo da microanatomia cirúrgica envolvida em cada tipo de procedimento (Figura 3) é fundamental para o sucesso cirúrgico e para minimizar a chance de complicações técnicas decorrentes da cirurgia (DUVERNOY, 1999; ERDEM, YASARGIL e ROTH, 1993; GLOOR, 1997; ISOLAN, RECALDE e DE OLIVEIRA, 1995; ISOLAN, DE OLIVEIRA e AL-MEFTY, 2007; ISOLAN et al., 2007; ONO, KUBIK e ABERNATHEY, 1990; RUBINO et al., 2005; WEN et al., 1999; YASARGIL, 1999). Cirurgia da epilepsia do lobo temporal Esses procedimentos geralmente representam mais de 70% de todas as cirurgias realizadas para tratar epilepsia em centros de cirurgia da epilepsia (PAGLIOLI e CENDES, 2002). Os pacientes refratários ao tratamento medicamentoso candidatos à cirurgia classicamente apresentam os seguintes critérios: crises complexas parciais com semiologia típica de epilepsia do lobo temporal mesial, testes neuropsicológicos alterados correspondentes ao lado do hipocampo afetado, evidência na RNM em T2 de atrofia hipocampal unilateral com sinal hiperintenso nesta região (não é um critério definitivo uma vez que alterações mais sutis podem ser o único achado na RNM) e confirmação por EEG que as crises começam na área temporal ipsilateral à atrofia hipocampal ou evidência de hipometabolismo no estudo de PET (este último pode ser usado se os achados da ressonância são de natureza não lesional). Deve-se atentar no pré-operatório destes pacientes que devido ao fato do ácido valpróico estar associado a distúrbios de coagulação esta medicação deve ser descontinuada três semanas antes da cirurgia, porém esta conduta varia de acordo com o serviço de cirurgia. Antibiótico profilático (geralmente com cefalosporina, dependendo do protocolo de antibioticoprofilaxia do hospital) e dose de ataque (1g para adultos e ajustar ao peso nos pacientes pediátricos) de dexametasona endovenosa uma hora antes da incisão da pele, são outras medidas a serem tomadas. No pósoperatório uma classificação comumente usada para avaliar os resultados cirúrgicos é a Escala de Engel que consta das seguintes classes: I (sem crises), II (redução >90% das crises), III (redução de 60 a 90% das crises), IV (redução das crises <60%) e V (sem melhora) (ENGEL, 1996). A amigdalohipocampectomia seletiva e a lobectomia temporal anterior são duas técnicas muito utilizadas para tratar a epilepsia do lobo temporal. Craniotomia pterional com dissecção interfascial das fascias temporais (KRAYENBUHL et al., 2007) demonstra os giros temporal médio (T2) e superior (T1), o giro frontal inferior e a fissura sylviana (ISOLAN; DE OLIVIERIA, AL-MEFTY, 2007). A lobectomia temporal anterior padrão envolve a ressecção de 2,5 a 4,5 cm da porção anterior dos giros temporal médio e inferior. A porção inferior do giro temporal superior pode ser incluída. Existem duas rotas anatômicas diferentes para realização da amigdalohipocampectomia seletiva: transilviana e transcortical (ISOLAN et al., 2007). A via transcortical pode ser realizada não somente através do giro temporal médio, como proposto por Niemeyer, mas também através do giro temporal anterossuperior, sulco temporal superior e abordagem subtemporal (NIEMEYER, 1958; YASARGIL, TEDDY e ROTH, 1985; OLIVIER, 1991; HORI et al., 1993; PEARK et al., 1996; FEINDEL e RASMUSSEN, 1999; OLIVIER, 2000). O objetivo da amigdalohipocampectomia seletiva é ressecar a parte anterior do hipocampo (1,5 a 2,5 cm, ou mais), parte do parahipocampo, do giro denteado, do úncus e da porção temporal da amígdala. A ressecção pode ser estendida lateralmente, baseando-se em estudos eletrodiagnósticos, lado da dominância da linguagem, anormalidades neocorticais ou baseado em monitorização invasiva. Quando ambos, patologia e convulsões, são restritos aos componentes mesiobasal do lobo temporal, o que é diagnosticado na investigação pré-operatória, o procedimento seletivo deve ser realizado. Em geral, quando a investigação pré-operatória (imagem e EEG) é convergente para localizar a estrutura a ser ressecada, mais de 90% dos pacientes têm suas crises controladas após a cirurgia. Algumas considerações devem ser feitas em relação à cirurgia do lobo temporal (BIANCHIN et al., 1999, BIANCHIN et al., 2006; BIANCHIN et al., 2007; WyLlie et al., 1987; VAN BUREN, 1987; WYLER, HERMMAN e SOMES, 1995; PAGLIOLI et al., 2006). Disfasia pós-operatória pode ocorrer após lobectomia temporal anterior no hemisfério dominante, porém é transitória quando respeitados os limites anatômicos posteriores. Quanto à memória, quanto maior o grau de esclerose do hipocampo a ser ressecado, menor a probabilidade de o paciente desenvolver distúrbios de memória (memória verbal nas ressecções à esquerda e visual nas ressecções à direita). Outro aspecto relacionado à memória é que enquanto mais precoce for a cirurgia melhor será o resultado cognitivo em longo prazo. A piora do estado cognitivo é rara, mas pode estar mais associada a pacientes com representação bilateral da linguagem, associação com tumores e cirurgia em idade tardia. Quanto à retirada da medicação anticonvulsivante no pósoperatório existem controvérsias se esta deve ser total ou parcial, mantendo o paciente com um esquema de monoterapia com redução gradual da dose. Epilepsia extratemporal A epilepsia extra-temporal teve um grande avanço nos seus resultados a partir da era da RNM, principalmente naqueles pacientes em que era evidenciada lesão na imagem (epilepsia refratária lesional). Este grupo de pacientes, no entanto, ainda pode ser considerado o maior desafio em cirurgia da epilepsia, pois o foco epiléptico não se restringe somente a lesão visualizada na RNM e muitas vezes a causa da epilepsia não é evidenciada nem na imagem (epilepsia refratária não lesional), mas somente no exame anatomopatológico. Além disso, a presença de áreas eloquentes e o padrão vascular podem limitar a ressecção cirúrgica. Nas epilepsias lesionais, a ressecção da lesão por si só (tumor, displasia cortical, malformação vascular, etc.) é o principal fator no controle das crises (PALMINI et al., 2004). No entanto, se esta lesionectomia é associada a eletrocorticografia transoperatória das áreas adjacentes à lesão para verificar a necessidade de remoção das mesmas, o controle das crises pode ser melhor. Isso é especialmente verdadeiro para os cavernomas e displasias corticais. Nas lesões próximas às áreas motoras e sensitivas primárias (giros pré e pós-central, respectivamente) o uso de potencial evocado e/ou estimulação cortical direta são essenciais para definir com precisão o sulco central e por extensão a topografia anatômica destas áreas, o que em muitos casos não pode ser realizado somente se baseando no aspecto macroscópico dos sulcos e giros cerebrais. Uma outra maneira de mapear a área motora primária é com o paciente desperto, o que não é a princípio necessário. Para lesões adjacentes às áreas da fala dominante, no entanto, devido à imprecisão anatômica destas regiões, há indicação de determinar esta área com o paciente desperto sob anestesia local. Torna-se necessário ressaltar que o hemisfério dominante para a linguagem é o esquerdo em 90% dos pacientes destros e em 60% dos pacientes canhotos. A determinação da dominância pode ser dada pela presença do quadro clínico (afasia) associada à lesão na região da área da fala (áreas de Broca, Wernicke e de associação entre essas), pela avaliação neuropsicológica, teste de audição dicótica e teste de Wada (teste do amital sódico). Por ser invasivo e pelo fato do teste da audição dicótica sugerir na maioria dos pacientes a dominância hemisférica, o uso deste último vem diminuindo recentemente. As epilepsias refratárias extra-temporais não lesionais são as lesões mais desafiadoras porque os achados de neuroimagem evidenciam um exame sem anormalidades ou com lesões não localizatórias, como áreas de gliose e cistos porencefálicos. Estes são os pacientes nos quais classicamente é realizada a monitorização neurofisiológica invasiva, principalmente com grades e tiras subdurais, sendo a ressecção baseada nos achados deste exame. Corpo calosotomia A hipótese de que a secção de parte do corpo caloso poderia ser um procedimento cirúrgico no tratamento da epilepsia deu-se na década de 40 pelas observações de Van Wagenen de que quando um tumor que envolve o corpo caloso cresce, as crises generalizadas do paciente se tornam menos comuns e menos severas, com aumento da preservação da consciência. Essa cirurgia não é executada com os mesmos objetivos que a cirurgia de ressecção, na qual o resultado com ausência de crises é mais provável e as expectativas são maiores. O objetivo mais comum na calosotomia é reduzir a frequência e morbidade associada as crises. Alguns epileptologistas acreditam que pacientes com epilepsia refratárias associadas a deficiência mental não podem ser consideradas para calosotomia, pois o benefício é discreto. As principais indicações de calosotomia são, quanto ao tipo de síndrome epiléptica, síndrome de Lennox-Gastaut, epilepsia frontal, epilepsia focal/multifocal, e, quanto ao tipo de crise, crises atônicas e tônicas. A principal contraindicação do procedimento é a presença de um foco epiléptico definido. A técnica geralmente consiste na aspiração cirúrgica do corpo caloso com preservação de sua porção mais posterior (esplênio). Acredita-se que pacientes com um “caloso fino”, ou seja, com menor número de fibras, e aqueles com atrofia cerebelar, apresentam pior prognóstico no controle das crises. Quanto aos resultados, mesmo a presença de crises residuais e ao risco maior de déficit cognitivo pós-operatório, o prognóstico em relação às crises e a qualidade de vida destes pacientes é em geral muito bom, o que corrobora a indicação do procedimento. No primeiro mês após o procedimento pode estar presente transitoriamente a chamada síndrome de desconexão aguda, que se caracteriza por apatia, incontinência urinária e heminegligência esquerda. A estimulação vagal é um procedimento que vem sendo proposto atualmente para um grupo de pacientes muito similares àqueles que se enquadram nas indicações de calosotomia, porém este último permanece sendo o procedimento de escolha para estes pacientes. Hemisferectomia A hemisferectomia é o procedimento de escolha no tratamento das síndromes epilépticas hemisféricas de difícil controle. Estas patologias podem ser congênitas ou adquiridas. No primeiro grupo estão a Síndrome de SturgeWeber e as lesões adquiridas intraútero como hemimegalencefalia e displasia hemisférica difusa ou cistos porencefálicos resultantes de lesões vasculares extensas do período perinatal. No segundo grupo estão a encefalomalácia grave por traumatismo craniano extenso, meningoencefalite grave e encefalite de Rasmussen. As melhores indicações, mas não restritas a este grupo, são para aqueles pacientes que já possuem hemiplegia e hemianopsia associados a epilepsia de difícil controle medicamentoso. A dominância do hemisfério deve ser determinada naqueles pacientes menores de 8 anos de idade pelos testes já mencionados anteriormente. Para aqueles pacientes menores de 8 anos a área da fala irá se transferir para o hemisfério sadio, não havendo necessidade de investigações mais aprofundadas. A hemisferectomia é um procedimento de grande porte e grande potencial para perda sanguínea transoperatória, o que é particularmente grave em crianças. Os procedimentos iniciais consistiam de uma hemisferectoma anatômica, onde todo tecido cerebral era ressecado, permanecendo intactos apenas o tálamo e os gânglios da base. Estes procedimentos, no entanto, acarretavam complicações em grande número de pacientes, tais como sangramento transoperatório excessivo e, tardiamente, hidrocefalia tardia e hemossiderose cerebral, esta última uma reação inflamatória meníngea difusa devido a pequenos sangramentos de caráter constante e crônico. Visando evitar estas complicações, atualmente realizase duas variantes técnicas que são a hemisferectomia funcional, na qual desconectam-se o tecido cerebral dos polos frontal e occipital em detrimento a ressecção destes, e a hemisferectomia peri-insular, mais econômica que a anterior e com resultado cirúrgico semelhante (Cukiert, 2002). Referências BIANCHIN, M.M.; VELASCO, T.R.; MARTINS, A.P.; SAKAMOTO, A.C. Sex as a prognostic factor for surgical outcome in mesial temporal lobe epilepsy. Arch Neurol 64(2): 288, 2007. BIANCHIN, M.M.; VELASCO, T.R.; TAKAYANAGUI ,O.M.; SAKAMOTO, A.C. 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A mesma lesão (hipointensa) vista em um corte sagital em T1 evidenciando sua proximidade com a área motora. C. Posicionamento cirúrgico evidenciando a posição do tumor e da área motora primária baseando-se nos pontos craniométricos para guiar a craniotomia. Este paciente foi submetido a ressecção microcirúrgica tumoral completa sem déficit pós-operatório. Foi utilizado Estimulação cortical direta para mapear o córtex motor primário, potencial evocado somatossensorial e eletrocorticografia adjacente ao tumor. Figura 2 A, B, C, D Figura 2. Paciente feminina de 9 anos de idade com crises parciais complexas. A. RM coronal em T1 com contraste evidenciando lesão intra-axial que se impregna pelo contraste localizada na região temporal mesial direita. B. RM axial em T1 mostrando a mesma lesão e evidenciando sua íntima relação com a região topográfica correspondente à amígdala, cabeça do hipocampo e porção anterior do corno temporal do ventrículo lateral. O vídeo-EEG evidenciou descargas paroxísticas com origem no lobo temporal direito. Paciente submetida a ressecção microcirúrgica do tumor e lobectomia temporal anterior direita sem déficits pósoperatório e com melhora das crises convulsivas. C. TC no primeiro pós-operatório. D. Anatomopatológico evidenciando ganglioglioma. Figura 3 Figura 3. Aspecto medial do hemisfério cerebral direito. 1. Sulco rinal , 2. Incisura uncal , 3. Sulco uncal, 4. Giro ambiens, 5. Giro semilunar, 6. Sulco endorina, 7. Giro uncinato, 8. Banda de Giacomini, 9. Giro intralimbico, 10. Polo temporal, 11. Giro parahippocampal, 12. Fimbria, 13. Istmo, 14, Sulco calcarino anterior, 15. Giro Lingual, 16. Splenio do corpo caloso, 17. Giro fasciolar, 18. Glândula pineal , 19. Corpo do fórnix, 20, Coluna anterior do fórnix , 21. Comissura anterior, 22. Aderência intertalâmica, 23. Sulco hipotalâmico, 24. Corpo mamilar, 25. Quiasma óptico, 26. Giro paraterminal, 27. Giro Subcaloso. (Retirado de Isolan et al., Anatomia microcirúrgica do hipocampo na Amigdalohipocampectomia seletiva sob a perspectiva da técnica de Niemeyer e método pré-operatório para maximizar a corticotomia. Arq Neuropsiq. 65:1062-9, 2007).