AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE FRATURAS INTRA-ARTICULARES DO CALCÂNEO Avaliação preliminar do tratamento cirúrgico de fraturas intra-articulares do calcâneo* DÉCIO CERQUEIRA DE MORAES FILHO1, EDISON PROVENZANO2, JANEILSON ROBERTO MATTOS2, LÉLIO CARLI BATISTA3, JOSÉ ANTONIO GALBIATTI4, JOÃO CARLOS DUARTE FERREIRA1, ROBERTO RYUITI MIZOBUCHI5, ALCIDES DURIGAN JÚNIOR6 RESUMO Foram analisados retrospectivamente 21 pacientes com 22 fraturas intra-articulares do calcâneo tratadas cirurgicamente por vias de acesso póstero-lateral elíptica ou lateral em ângulo reto, por vezes associada a uma via medial e osteossíntese sem enxertia óssea. Os resultados clínicos foram avaliados como bons em 72,72%, regulares em 18,18% e maus em 9,09%. Como principais complicações houve a necrose de pele, infecção superficial, alargamento do calcâneo e limitação da subtalar. Comparando com relatos publicados, a avaliação preliminar demonstrou baixa morbidade e resultados satisfatórios. SUMMARY Preliminary evaluation of the surgical treatment of calcaneal joint fractures The authors performed a retrospective study on 21 patients with 22 calcaneal joint fractures surgically treated with an elliptical posterolateral approach or right angle lateral approach, sometimes associated with a medial approach and internal fixation without bone grafting. The authors obtained 72.72% of good results, 18.18% of fair and 9.09% of poor results. Main complications were skin necrosis, superficial * Trab. realiz. na Disc. de Ortop. e Traumatol. da Fac. de Med. de Marília. 1. Professor Assistente. 2. Médico Residente. 3. Professor Voluntário. 4. Doutor e Professor Assistente. 5. Mestre e Professor Assistente. 6. Coordenador da Residência Médica. Endereço para correspondência: Décio Cerqueira de Moraes Filho, Av. Brig. Eduardo Gomes, 445 – 17515-430 – Marília, SP. Tel. (014) 422-1456, fax (014) 422-1099. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 infections, increased heel width, and decreased subtalar motion. Compared to previously published reports, the preliminary evaluation demonstrated low morbidity and satisfactory results. INTRODUÇÃO O calcâneo é o osso mais comumente fraturado do tarso(9), apresentando como principal mecanismo a queda de altura. Por sua estrutura trabecular não muito densa em certas regiões do osso e corticais finais(10), além de sua vulnerável posição no retropé, é altamente suscetível às fraturas. Isso é bastante relevante se considerarmos o grande impacto socioeconômico dessas lesões, pois a grande maioria desses pacientes está na fase produtiva(4) e há a possibilidade de não mais retornar a suas atividades originais. Parece claro que a maioria dos autores concorda que esse tipo peculiar de fratura é melhor conduzido por meio de procedimentos que visam, principalmente, a reconstrução da articulação subtalar, largura e altura do calcâneo, além de biomecânica do pé e tornozelo próxima do normal. Alterações nesses parâmetros, muitas vezes inevitáveis, em regra conduzem a prejuízos graves ao paciente, como a dor crônica, a claudicação, o edema residual, a alteração do número do sapato, entre outros. A artrite subtalar é mais comumente encontrada após redução inadequada das superfícies articulares, apesar de também poder ocorrer nas em que a redução foi satisfatória. Seria, nesses casos secundária à necrose da cartilagem articular determinada no momento da lesão(22). Baseados nessa preocupação, modificamos o tipo de via de acesso cirúrgica anteriormente utilizado em nossos procedimentos. Passamos da via elíptica póstero-lateral na região da subtalar(3,16,19,21) para uma via em ângulo reto mais ampla, que mostrou, entre outras vantagens, melhor exposição da articulação subtalar, calcâneo-cubóide e visibilização facilitada para correção da cor511 D.C. MORAES Fº, E. PROVENZANO, J.R. MATTOS, L.C. BATISTA, J.A. GALBIATTI, J.C.D. FERREIRA, R.R. MIZOBUCHI & A. DURIGAN JR. Fig. 2 Tomografia axial computadorizada de fratura intra-articular do calcâneo, do tipo II de Sanders Fig. 1 Radiografia na incidência lateral mostrando fratura intra-articular de calcâneo tical lateral, auxiliando na montagem dos fragmentos articulares. Nosso objetivo é relatar uma análise preliminar do tratamento dessas fraturas por meio de redução aberta e fixação interna utilizando uma via lateral em ângulo reto. Por vezes, associamos um acesso medial, como descrito por Stephenson(9). Não foi utilizado enxerto ósseo em nenhum caso. Todos os pacientes foram identificados previamente como fraturas intra-articulares do calcâneo, conforme comprovaram exames específicos de radiologia simples na incidência de perfil e axial do calcâneo. A partir desses dados foram classificados radiológica e tomograficamente pelo método de Essex-Lopresti(4,5,9) e Sanders & Gregory(22), respectivamente (figs. 1 e 2). A tabela 1 resume os dados pessoais dos pacientes em relação ao número de ordem, iniciais do nome, sexo, idade e profissão. TABELA 1 Dados pessoais dos pacientes Nº de ordem Iniciais do nome Sexo Idade Profissão 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 M.A.E. J.R.M. R.R. C.A.R. L.S. J.M. E.L. C.L.C.G. J.A.G. I.A.M.B. J.C.T. L.A.P. R.M.R. R.O. J.D.G. L.P.T. J.C. L.B. J.G.S. J.S. R.A.C. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Masc. Fem. 31 49 34 43 34 34 42 19 29 25 37 37 42 45 37 42 59 42 34 37 22 Pedreiro Operário Pedreiro Eletricista Mecânico Soldador Pintor Estudante Serralheiro Dentista Propagandista Encarregado de obras Pedreiro Serviços gerais Decorador Pedreiro Aposentado Encanador Pintor Ignorado Professora CASUÍSTICA E MÉTODO Foram tratados cirurgicamente 32 pacientes com 35 fraturas intra-articulares do calcâneo, no período de novembro de 1992 a fevereiro de 1996. Foi possível a reavaliação de 21 pacientes com 22 fraturas. Aos pacientes foram conferidos números de ordem. Quanto ao sexo, 18 eram masculinos e 3 femininos. A faixa etária variou de 19 a 59 anos de idade, com média de 36,9 anos de idade. O lado direito foi afetado em 15 casos, o esquerdo em 8 e 2 foram bilaterais. O mecanismo de lesão foi predominantemente a queda de altura em 18 casos e acidentes de trânsito em 3. Cinco dos pacientes apresentaram lesões associadas descritas como: 2 com fratura em coluna vertebral; 1 com fratura de metacarpo e ramo isquiopúbico e 2 com fraturas extraarticulares do calcâneo contralateral. 512 Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE FRATURAS INTRA-ARTICULARES DO CALCÂNEO A tabela 2 relaciona dados relativos às fraturas: o mecanismo, lado afetado, lesões associadas, classificação radiológica e tomográfica. O tempo para intervenção cirúrgica variou entre 2 e 20 dias, com média de 8,3 dias. Na avaliação pré-operatória, nenhuma delas foi exposta; havia presença de flictenas em 3 pacientes e lesões locais de pele em 1, que retardaram o procedimento cirúrgico. O tratamento cirúrgico proposto foi feito por abordagem lateral, associado, quando necessário, a uma via medial e abertura cuidadosa da parede lateral do calcâneo. A seguir procedeu-se à redução dos fragmentos fraturados e fixação interna, sem uso de enxerto ósseo. Para os casos operados, cuja coleta de dados foi completada, a média de manutenção de imobilização gessada foi de 42,3 dias, com extremos de 30 e 60 dias. O tempo para início de apoio variou de 90 a 120 dias, com média de 94,2 dias. Quanto à via de acesso, foi utilizada em 11 casos a via lateral em ângulo reto, em outros 11 a elíptica lateral e em 3 casos, a via medial. TABELA 2 Dados relativos às fraturas Classificação tomográfica Lesões associadas Classificação radiográfica Direito – Depressão articular IV Direito Fratura de L2 Depressão articular II C Esquerdo – Depressão articular II B Direito – Depressão articular II B Em língua II C – Depressão articular IV Direito – Em língua III BC Direito Fratura do 2º MTC à D. + ramo isquiopúbico à D. Depressão articular III AB Queda de altura Esquerdo e direito * Fratura intra-articular do calcâneo à D. Depressão articular III AB 10 Acidente automobilístico Esquerdo – Em língua III AC 11 Queda de altura Direito – Em língua II B 12 Queda de altura Direito Depressão articular IV 13 Queda de altura Direito – Depressão articular III AB 14 Queda de altura Direito – Depressão articular II A 15 Queda de altura Direito e esquerdo D: em língua E: em língua D: I E: II C 16 Queda de altura Direito – Depressão articular – 17 Queda de altura Direito – Em língua – 18 Queda de altura Esquerdo – Depressão articular 19 Queda de altura Direito – Em língua 20 Queda de altura Direito – Depressão articular – 21 Queda de altura Esquerdo – Em língua – Lado afetado Nº de ordem Mecanismo 1 Queda de altura 2 Queda de altura 3 Queda de altura 4 Queda de altura 5 Acidente automobilístico Esquerdo 6 Queda de altura Esquerdo 7 Queda de altura 8 Acidente automobilístico 9 Fratura do calcâneo extra-articular à D. + navicular à D. Fratura do calcâneo extra-articular à E. Fratura de T5 – II B * Este paciente, apesar de apresentar uma fratura intra-articular do calcâneo direito, teve tratamento conservador devido a complicações de pele; por isso, não fez parte da estatística e foi relatado. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 513 D.C. MORAES Fº, E. PROVENZANO, J.R. MATTOS, L.C. BATISTA, J.A. GALBIATTI, J.C.D. FERREIRA, R.R. MIZOBUCHI & A. DURIGAN JR. Fig. 4 – Peroperatório após redução e fixação óssea da fratura com parafusos, arruelas e fio de Steinmann. Nota-se um fio de Steinmann fixado no maléolo lateral, afastando os tendões fibulares e retalho de pele. Fig. 3 – Aspecto da via de acesso lateral, em ângulo reto, com reparação do nervo sural A avaliação foi baseada nos critérios de Rowe modificados por Pozo(17,18,20), que classifica os resultados como bom, regular e mau, como apresentado no quadro 1. QUADRO 1 Critérios de Rowe modificados por Pozo Bom Retorno ao trabalho anterior Marcha normal ou claudicação ocasional Habilidade funcional: mais de 3 provas Deformidade ausente ou leve Regular Retorno ao trabalho anterior Claudicação ocasional; dor aos esforços Habilidade funcional: menos de 3 provas Deformidade leve ou moderada Mau Não retorno ao trabalho anterior Claudicação e dor Habilidade funcional: nenhuma prova Deformidade grave Habilidade funcional: aptidão para ficar na ponta dos pés, saltar, correr e subir ladeiras. Descrição da técnica cirúrgica Paciente em DDH, sob anestesia com coxim sob a nádega ipsilateral e garrote na raiz da coxa. Acesso póstero-lateral em ângulo reto iniciando-se pela região posterior a 2cm do maléolo lateral, paralela ao tendão 514 calcanear (Aquiles), passando pela borda inferior do calcâneo a 3cm abaixo do maléolo lateral, estendendo-se até a articulação calcâneo-cubóide com vértice na altura da apófise lateral do calcâneo (fig. 3). Incisão feita sem dissecção de planos, da pele ao periósteo, exceto em nível distal, próximo à articulação calcâneocubóide, com proteção ao nervo sural e aos tendões fibulares que permanecem aderidos ao retalho. O retalho é levantado subperiosticamente até a visibilização da bainha dos fibulares, que somente será aberta se seu afastamento proximal não for possível por dissecção subperiostal (fig. 4). O retalho é mantido afastado cranialmente com fio de Steinmann, fixado perpendicularmente à cortical externa do maléolo lateral (fig. 4). Visibilização do foco de fratura com estudo minucioso da articulação subtalar. Introdução de fio de Steinmann na tuberosidade posterior do calcâneo até o fragmento deprimido; este é manipulado na tentativa de conseguir sua elevação (fig. 4). Caso não se obtenha resultado satisfatório, pode-se associar a abertura da parede lateral para exposição dos fragmentos subtalares afundados. O fragmento lateral é elevado e alinhado ao fragmento articular medial. A seguir, por compressão bimanual do calcâneo, reduz-se o alargamento causado pela fratura. Obtida a redução desejada, os fragmentos são fixados com fios de Steinmann e Kirschner, sob visão direta ou com auxílio do intensificador de imagens. Parafusos de esponjosa com arruelas são fixados da parede lateral à medial do calcâneo. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE FRATURAS INTRA-ARTICULARES DO CALCÂNEO Alguns fios de Kirschner podem ser mantidos como síntese perdida (fig. 4). Para as fraturas com comprometimento do sustentáculo do tálus, não redutíveis pela via lateral, associamos a via medial curvilínea, localizada 1cm posterior e distal ao maléolo tibial. Retira-se o garrote e realiza-se a hemostasia e sutura com pontos profundos diretos da pele ao subcutâneo. Confecção de bota gessada bem acolchoada. Após 4 a 6 semanas são retirados o gesso e os fios de Kirschner e iniciase a fisioterapia. O apoio só será permitido após 90 dias. RESULTADOS Relatamos os resultados, segundo os critérios de Rowe modificados por Pozo: 16 foram caracterizados como bons (72,72%), 4 casos como regulares (18,18%) e 2 casos (9,09%) como maus resultados. A maioria dos resultados considerados como bons foi classificada como do tipo II de Sanders. Nos pacientes de número de ordem 5, 6, 7 e 9, considerados como regulares, o 6 foi classificado como do tipo IV de Sanders, o 7 e 9 como do tipo III e o 5 como do tipo II-C operado com 20 dias após o trauma e apresentando fratura associada do navicular ipsilateral que exigiu redução cirúrgica aberta. Apesar de apresentar dor discreta e marcha levemente claudicante, retornou ao trabalho original. Nos 2 casos considerados como maus resultados, os pacientes de número de ordem 1 e 12, o tipo tomográfico foi o IV de Sanders. As complicações como deiscências e infecções foram conduzidas com antibioticoterapia e curativos para cicatrização TABELA 3 Resultados Nº de ordem Incisão Tempo para cirurgia Tempo de imobilização Tempo para apoio Retorno ao trabalho Critérios de Rowe 1 Lateral em ângulo reto 6 dias 59 dias 115 dias Não Mau 2 Lateral em ângulo reto 13 dias 30 dias 90 dias Sim Bom 3 Lateral em ângulo reto 11 dias 47 dias 90 dias Sim Bom 4 Lateral em ângulo reto 7 dias 48 dias 90 dias Sim Bom 5 Lateral em ângulo reto + medial 20 dias 37 dias 120 dias Sim Regular 6 Elíptica lateral 6 dias 44 dias 92 dias Sim Regular 7 Elíptica lateral 2 dias 42 dias 90 dias Sim Regular 8 Lateral em ângulo reto 3 dias 45 dias 90 dias Sim Bom 9 Elíptica lateral 6 dias 60 dias 110 dias Sim Regular 10 Lateral em ângulo reto + medial 10 dias 30 dias 90 dias Sim Bom 11 Elíptica lateral 5 dias 30 dias 90 dias Sim Bom 12 Elíptica lateral 14 dias 45 dias 100 dias Não Mau 13 Lateral em ângulo reto 9 dias 42 dias 90 dias Sim Bom 14 Elíptica lateral 9 dias 42 dias 90 dias Sim Bom 15 Elíptica lateral – E Elíptica lateral + medial – D 4 dias 10 dias 38 dias 42 dias 90 dias 90 dias Sim Sim Bom Bom 16 Elíptica lateral 7 dias 40 dias 90 dias Sim Bom 17 Lateral em ângulo reto 14 dias 42 dias 90 dias Sim Bom 18 Lateral em ângulo reto 8 dias 40 dias 95 dias Sim Bom 19 Elíptica lateral 4 dias 42 dias 90 dias Sim Bom 20 Elíptica lateral 5 dias 45 dias 90 dias Sim Bom 21 Elíptica lateral 8 dias 42 dias 90 dias Sim Bom Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 515 D.C. MORAES Fº, E. PROVENZANO, J.R. MATTOS, L.C. BATISTA, J.A. GALBIATTI, J.C.D. FERREIRA, R.R. MIZOBUCHI & A. DURIGAN JR. secundária. No paciente 1 foi necessária a reinternação e limpeza cirúrgica para resolução. Ocorreram outras complicações, como 2 casos de Sudeck e 1 de trombose venosa profunda, que foram tratados com fisioterapia e medicamento específico. Quanto ao retorno ao trabalho original, não ocorreu nos pacientes 1 e 12. O paciente 4 precisou mudar de função. Na tabela 3, apresentamos os resultados referentes ao número de ordem, tipo de incisão, tempo para realização da Nº de ordem 1 4 5 6 7 8 9 11 12 13 14 16 17 18 21 516 cirurgia, o período de imobilização gessada, tempo para o apoio plantígrado, retorno ao trabalho e critérios de Rowe. O quadro 2 resume as complicações. DISCUSSÃO As fraturas do calcâneo continuam sendo um desafio para o médico ortopedista e traumatologista. Mesmo com os bons resultados descritos nos inúmeros trabalhos abordando esse tema, ainda há um número de resultados insatisfatórios. A longo prazo, é sabido que a artrite da subtalar pode ocorrer de modo insidioso e progressivo, inclusive nos casos com bons resultados iniciais satisfatórios. Por outro lado, são poucos os QUADRO 2 Complicações relatos de casos avaliados com seguimento prolongado, como os de Melcher et al.(15). Complicações tardias Complicações imediatas Desse modo, parece ainda ser imprecisa uma previsão prognóstica fidedigna das fraLimitação subtalar, claudicação Infecção com necrose de pele, turas intra-articulares do calcâneo em pósreação alérgica medicamentosa operatório tardio. – Necrose de pele O tratamento dessas fraturas apresentou Limitação subtalar, claudicação Escoriações de pele fases distintas, à medida que se formava Flictena uma curva de aprendizado que provocou Dor leve, alargamento do calcâneo – variações nas tendências mundiais. Desse (moderado) modo, tivemos uma fase entusiástica, com Limitação discreta subtalar – Leve alargamento do calcâneo a balança pendendo para o tratamento cruDor retromaleolar lateral (leve) ento no fim do século passado, que esbarLimitação subtalar – rou com quantidade inaceitável de resulta2º e 3º dedos em garra (síndrome dos desapontadores e elevada morbidade. compartimental) Isso fez com que houvesse uma fase interSudeck Limitação moderada da subtalar mediária de defesa do tratamento incruenFístula, após retirada de fio, cedeu Claudicação leve, alargamento do to dessa difícil patologia(12), até que estucalcâneo dos mais modernos e específicos, com o de– Edema residual cedeu com a retirasenvolvimento de novas abordagens e sínda do parafuso tese, trouxessem de volta a idéia de melhoNecrose de pele, deiscência e Limitação da subtalar res resultados com a cirurgia(1,13). infecção superficial, flictena Alargamento acentuado do calcâneo Dor matinal, edema residual e clauEssa tendência também foi mister em dicação leve nossa experiência, que se mostrou positiva – Limitação significativa da subtalar com a intervenção cirúrgica e demonstrou Dor em face lateral do calcâneo, que que é muito importante tentar levar o calcedeu após a retirada do parafuso câneo a um padrão morfológico próximo – Edema, flictena ao normal (figs. 5 e 6), pois as cirurgias de Edema, TVP, Sudeck Edema crônico artrodese modelante e osteotomias corretiEdema retromaleolar lateral leve – Dor retromaleolar e limitação leve da vas jamais corrigem adequadamente deforsubtalar midades remanescentes. Dor no seio do tarso Infecção superficial Thompson e Friesen defendem a artroLimitação da subtalar – dese primária para o tratamento das fratuDor retromaleolar lateral leve ras cominutivas do calcâneo(8), porém preRev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE FRATURAS INTRA-ARTICULARES DO CALCÂNEO Fig. 5 – Radiografia na incidência lateral, pós-redução cirúrgica e fixação conizamos sua utilização apenas no tratamento tardio de casos com má evolução. A análise das fraturas de calcâneo com tomografia computadorizada contribui para melhor visibilização da linha primária de fratura, acometimento da articulação subtalar, calcâneo-cubóide, desvio do fragmento ântero-lateral e cominuição da parede medial(11). Mesmo concordando com a maioria dos autores em que a tomografia computadorizada tem grande importância na indicação do tratamento cirúrgico(6,7), bem como em seu planejamento, obtivemos bons resultados nos casos em que não foi possível sua realização, o que vem demonstrar a possibilidade da intervenção cirúrgica, quando indicada, sem o exame em questão. Isso é de essencial importância se considerarmos a situação socioeconômica do país, na qual boa parte dos serviços não tem acesso a um tomógrafo. Como demonstrado por Sanders, encontramos nossos melhores resultados nas fraturas do tipo II, pela obtenção de maior facilidade na redução adequada. Portanto, parte da função da subtalar seria determinada no momento do trauma e outra parte na escolha da conduta e habilidade do cirurgião. Consideramos as fraturas do tipo III como uma classe de comportamento intermédio, na qual obtivemos resultados regulares e bons. Não conseguimos relacionar nessa avaliação preliminar uma diferença significativa entre os resultados na utilização das duas vias distintas. Talvez isso se deva à precocidade de nossos estudos, visto que algum grau de artrite subtalar é praticamente inevitável, podendo mostrar-se mais acentuado e mais precoce naquelas em que tivemos maiores dificuldades na montagem dos fragmentos, no caso, nas cirurgias com utilização da via elíptica. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998 Fig. 6 Pós-operatório tardio, mostrando a inversão do calcâneo Foi McReynolds quem popularizou o uso da via medial, partindo da suposição de que o fragmento sustentacular se mantinha sempre desviado e rodado(2,14). No entanto, a partir dos trabalhos de Gilmer et al. através de TAC, comprovouse que o fragmento súpero-medial permanece alinhado com o tálus e o fragmento tuberositário é que está desviado lateralmente(6,7,22). Desse modo, na técnica por nós utilizada, a via medial foi associada somente na impossibilidade de redução adequada com a utilização da via lateral isolada. Em 3 pacientes associamos a via medial complementar para melhor redução dos fragmentos sustentaculares. Nos pacientes estudados notamos que a via elíptica póstero-lateral ao nível da articulação subtalar fornecia exposição, a nosso ver, insuficiente, da articulação e corpo do calcâneo, tornando mais árdua a obtenção da redução. Assim, a partir de março de 1995, passamos a utilizar uma via lateral em ângulo reto e observamos visibilização mais adequada dos fragmentos e melhor idealização espacial da redução desejada, além de facilitar a descompressão dos fibulares e a proteção do nervo sural. Apesar disso, na avaliação preliminar não houve diferenças acentuadas nos resultados comparativos entre as vias utilizadas devido à precocidade de nosso levantamento. São fraturas produzidas, normalmente, por traumas de moderada e alta energia, aos quais estão mais sujeitos os indivíduos que exercem atividades braçais e, principalmente, os que trabalham em altura, representando 86,3% do total dos mecanismos envolvidos, estando de acordo com a literatura, que relata entre 60% e 100% dos casos(19,20,21). Os demais 517 D.C. MORAES Fº, E. PROVENZANO, J.R. MATTOS, L.C. BATISTA, J.A. GALBIATTI, J.C.D. FERREIRA, R.R. MIZOBUCHI & A. DURIGAN JR. 13,7% foram por acidente de trânsito, estatística essa que tende a aumentar, visto o desenvolvimento das indústrias automotivas. Devido também ao tipo de atividade necessária para a produção das fraturas, as mulheres foram menos acometidas que os homens, com 86,3% para estes contra 13,7%. Notamos que as lesões associadas, principalmente com comprometimento bilateral dos membros inferiores, parecem ser fator agravante no prognóstico, ao retardar o apoio efetivo, determinando maiores chances de atrofia de desuso e Sudeck ou, pelo menos, prolongando o tempo de convalescença. Consideramos desnecessário o uso de enxerto ósseo para preencher a cavidade formada pela redução da fratura, em acordo com outros trabalhos já publicados(21). Entretanto, outros autores advogam o uso do enxerto córtico-esponjoso, visando a mobilização mais precoce e carga parcial com 8 semanas(4,11). Julgamos que as fraturas devem ser operadas dentro das duas primeiras semanas pós-trauma, pois encontramos dificuldades progressivamente maiores quando ultrapassamos esse limite(21). Em nossa casuística a maioria dos pacientes apresentou algum grau de limitação da subtalar e esta não se correlacionou de forma marcante com a presença ou intensidade da dor, em concordância com a literatura(17). As complicações por nós observadas não foram diferentes das citadas na literatura. A necrose de pele, deiscência de sutura, infecção superficial não comprometeram o resultado final e foram resolvidas com tratamento apropriado. O tratamento cirúrgico das fraturas intra-articulares do calcâneo apresenta resultados bastante positivos em avaliação preliminar. O número de bons resultados foi de 72,72%, justificando, em nossa opinião, a utilização dessa técnica. REFERÊNCIAS 1. Benirschke, S.K. & Sangeorzan, B.J.: Extensive intra-articular fractures of the foot surgical managent of calcaneal fractures. Orthop Clin North Am 292: 128-134, 1993. 2. Burdeaux, B.D.: Reduction of calcaneal fractures by the McReynolds medial approach technique and its experimental basis. Clin Orthop 177: 87-103, 1983. 518 3. Crenshaw, A.H.: “Abordagens cirúrgicas”, in Crenshaw, A.H.: Cirurgia ortopédica de Campbell, São Paulo, Manole, 1989. p. 25-111. 4. Delle, J.C.: “Fraturas de calcâneo”, in Mann, R. A.: Cirurgia del pie, Buenos Aires, Editorial Médica Panamericana S.A., 1987. p. 694-938. 5. Essex-Lopresti, P.: The mechanism, reduction technique, and results in fractures of os calcis. Br J Surg 39: 395-419, 1952. 6. Giachino, A.A. & Uhtoff, H.K.: Intra-articular fracture of the calcaneus. J Bone Joint Surg [Am] 1: 784-787, 1989. 7. Gilmer, P.W., Herzemberg, J., Frank, J.C. et al: Computerized tomography analysis of acute calcaneal fractures. Foot Ankle 6: 184-193, 1986. 8. Harris, R.I.: Fractures of the os calcis: their treatment by triradiate traction and subastragalar fusion. Ann Surg 124: 1082-1082, 1946. 9. Heckmann, J.D.: “Fraturas e luxações do pé”, in Rockwood Jr., C., Green, D.P. & Bucholz, R.W.: Fraturas em adultos, São Paulo, Manole, 1994. p. 2001-2141. 10. Henning, E.E.: “Fraturas do tornozelo e do pé”, in Herbert, S., Xavier, R. et al: Ortopedia e traumatologia: princípios e prática, Porto Alegre, Artes Médicas, 1995. p. 550-569. 11. Köberle, G., Oliveira, A. & Cortês, S.P.S.: Fraturas intra-articulares do calcâneo. Rev Bras Ortop 31: 477-480, 1996. 12. Lapidus, P.W. & Guidotti, F.P.: Immediate imobilization and swimming pool exercise in some fractures of foot and ankle bones. Clin Orthop 56: 197-206, 1968. 13. Letournel, E.: The open reduction and internal fixation of calcaneus fractures. Orthop Trauma 1: 173, 1984. 14. McReynolds, I.S.: “Trauma to the os calcis”, in Jahss, M. (ed.): Disorders of the foot, Philadelphia, W.B. Saunders, 1982. p. 1497-1542. 15. Melcher, G., Degonda, F., Leutenegger, A. et al: Ten year follow-up after operative treatment for intra-articular fractures of the calcaneus. J Trauma 38: 713-716, 1995. 16. Müller, M.E.: “Pé”, in Müller, M.E., Allgöwer, M., Schneider, R. et al: Manual de osteossíntese, São Paulo, Manole, 1993. 17. Pimenta, L.S.M. & Kojima, K.E.: Fraturas intra-articulares do calcâneo: resultados a longo prazo do tratamento conservador. Rev Bras Ortop 28: 469-473, 1993. 18. Pozo, J.L., Kirwan, O.G. & Jackson, A.M.: The long term results of the conservative management of severely displaced fractures of the calcaneus. J Bone Joint Surg [Br] 66: 386-390, 1984. 19. Ross, S.D.K. & Sowerby, M.R.R.: The operative treatment of fractures of the os calcis. Clin Orthop 199: 132-142, 1985. 20. Rowe, C.R., Sakellarides, H.T. & Freeman, P.A.: Fractures of the os calcis. JAMA 184: 920-923, 1963. 21. Salomão, O., Fernandes, T.D., Carvalho Jr., A.E. et al: Fraturas do calcâneo: tratamento cirúrgico. Rev Bras Ortop 28: 461-464, 1993. 22. Sanders, R. & Gregory, P.: Operative treatment of intra-articular fractures of the calcaneus. Orthop Clin North Am 292: 128-134, 1993. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998