Vitória, 08 de janeiro de 2009.
Mensagem n º 05 / 2009
Senhor Presidente:
Comunico a V.Exa. que, amparado nos artigos 66, § 2º e 91, IV da Constituição Estadual,
decidi vetar totalmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 178/2008, de autoria da Deputada
Janete de Sá, aprovado nessa Assembleia Legislativa e transformado no Autógrafo de lei nº 343/2008 e
que “Dispõe sobre a impressão de aviso nas embalagens de alimentos, remédios e bebidas energéticas
comercializadas no território do Estado do Espírito Santo, que contenham álcool em sua composição”.
O veto que ora aponho ao projeto de lei em exame está fulcrado no parecer, a seguir transcrito,
elaborado pela Procuradoria do Estado, que aprovo.
“Da competência legislativa concorrente para a matéria de proteção, consumo e proteção
à saúde – competência da União para editar normas gerais e dos Estados-membros para
suplementá-las – art. 24, V e XII da CF.
Inicialmente, destacamos que o autógrafo cuida de matéria relacionada à proteção, consumo e
proteção e defesa da saúde, já que objetiva informar aos consumidores acerca da existência de álcool na
composição de medicamentos, alimentos e bebidas energéticas, e que a ANVISA é um órgão que compõe
o Ministério da Saúde.
A competência legislativa em matérias de produção, consumo e proteção de saúde é
concorrente, nos termos do art. 24, V e XII da CF1
. Assim, uma vez editadas normas gerais pela União, os Estados poderão, dentro da
competência legislativa suplementar que lhes é assegurada no § 2° do art. 24 da CF, publicar normas que,
respeitados os limites estabelecidos pela União, atendam às peculiaridades estaduais, como dispõe o art. 19
1
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;
(...)
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
(...)
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender
a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
da Constituição Estadual2
.
Neste sentido ensina o Colendo Supremo Tribunal Federal:
“1. A Constituição do Brasil contemplou a técnica da competência legislativa
concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo
à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. 2. É
inconstitucional lei estadual que amplia definição estabelecida por texto federal, em
matéria de competência concorrente. 3. Pedido de declaração de
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inconstitucionalidade julgado procedente.”
“O espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de
competência concorrente abre-se: (1) toda vez que não haja legislação federal,
quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor;
e (2) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba
complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo
que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a definição de peculiaridades
regionais. Precedentes. 6. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se
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espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal (...)”
"O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não-cumulativa ou
suplementar (art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na
primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados
e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas
gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese,
poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência
legislativa plena ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal
de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, §
4º). A Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual
concorrente não-cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a Constituição Federal, art. 22,
XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º."5
Dentro de sua competência para legislar acerca de normas gerais sobre saúde, a União publicou
2
Art. 19. Compete ao Estado, respeitados os princípios estabelecidos na Constituição Federal:
(…)
V - exercer, no âmbito da legislação concorrente, a competente legislação suplementar e, quando couber, a plena,
para atender às suas peculiaridades;
(…)
3
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ADI 1245 / RS - Relator Min. EROS GRAU - Julgamento: 06/04/2005
- Órgão Julgador: Tribunal Pleno - DJ 26-08-2005 PP-00005.
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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ADI-MC 2396/MS - Relator Min. ELLEN
GRACIE - Julgamento: 26/09/2001 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - DJ 14-12-2001 PP-00023
5
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ADI 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 24-11-05, DJ de
10-3-06.
a Lei n° 9.782 de 26 de janeiro de 19996
, recepcionada pela nova ordem constitucional instaurada em outubro de 1988, que delegou à
Agência Nacional de Vigilância – ANVISA a incumbência de regulamentar medicamentos, alimentos e
bebidas, dentre outros (art. 8° e seu §1°).
O Decreto n° 3.029 de 16 de abril de 19997
, que regulamenta a Lei n° 9.782, repete no seu art. 4° a atribuição regulamentar da ANVISA, e
no art. 11 determina que cabe à Diretoria Colegiada da ANVISA editar normas sobre matéria de
competência da ANVISA, ou seja, normas sobre medicamentos, alimentos e bebidas. Observamos que foi
baixada a Portaria ANVISA n° 42, de 14 de janeiro de 1998 que regulamenta a rotulagem de alimentos
embalados.
Esta delegação a uma autarquia federal, retirando do âmbito dos Estados-membros a
regulamentação de medicamentos, alimentos e bebidas, deu-se em razão da necessidade de um tratamento
uniforme para a matéria em todo o território nacional, não se justificando requisitos mais ou menos rígidos
ao consumo da população em razão do Estado-membro em que este se dá.
Assim, caracterizada está a intromissão indevida do Legislativo estadual na e competência
legislativa da União para editar normas gerais sobre medicamentos, alimentos e bebidas, ultrapassando o
âmbito de sua competência para suplementar a legislação federal.
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Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e
serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
II - alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de
contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;
(...)
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Art. 4º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e
serviços que envolvam risco à saúde pública.
§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
II - alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de
contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;
(...)
Art. 11. Compete à Diretoria Colegiada, a responsabilidade de analisar, discutir e decidir, em última instância
administrativa, sobre matérias de competência da autarquia, bem como sobre:
(...)
IV - editar normas sobre matérias de competência da Agência;
(...)
Posteriormente, e ainda dentro de sua competência para a edição de normas gerais sobre saúde,
a União editou a Lei n° 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre bebidas, e em seu artigo 11
determina que incumbe ao Poder Executivo regulamentar, dentre outros, a rotulagem de bebidas8. O citado
regulamento foi trazido pelo Decreto n° 2.314, de 4 de setembro de 1997 (alterado pelo Decreto n° 3.510
de 04 de setembro de 1997), que no §1° do seu art. 109
determina que a bebida com composição de até meio por cento de álcool é considerada bebida
não-alcoólica.
Desta forma, note-se, o presente autógrafo não apenas ultrapassa o âmbito de sua competência
legislativa para suplementar a legislação federal, como atua em forma contrária ao disposto em norma
geral ao determinar que certo produto seja rotulado com o aviso de “contém álcool em sua composição”
em qualquer graduação alcoólica, enquanto norma geral federal entende como não-alcoólico produto cuja
quantidade de álcool seja inferior a meio por cento.
No julgamento da ADI 3645, de relatoria da Exma. Ministra Ellen Gracie – cujo objeto é a
argüição de constitucionalidade de norma do Estado do Paraná que impunha a fixação de aviso
informando sobre a presença de produto transgênico em sua composição, para qualquer quantidade –
entendeu nossa Corte Maior que a norma era inconstitucional por invadir a competência legislativa da
União para edição de normas gerais, e mais do que isso, contraposta às normas federais vigentes:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.861/05, DO
ESTADO DO PARANÁ. INFORMAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DE
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM ALIMENTOS E
INGREDIENTES ALIMENTARES DESTINADOS AO CONSUMO HUMANO
E ANIMAL. LEI FEDERAL 11.105/05 E DECRETOS 4.680/03 E 5.591/05.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PARA DISPOR SOBRE
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Art. 11. O Poder Executivo fixará em regulamento, além de outras providências, as disposições específicas referentes
à classificação, padronização, rotulagem, análise de produtos, matérias-primas, inspeção e fiscalização de
equipamentos, instalações e condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos industriais, artesanais e caseiros,
assim como a inspeção da produção e a fiscalização do comércio de que trata esta lei.
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Art. 10. As bebidas serão classificadas em bebida não alcoólica e bebida alcoólica.
o
§ 1 Bebida não alcoólica é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume, a vinte graus
Celsius.
o
§ 2 Bebida alcoólica é a bebida com graduação alcoólica acima de meio e até cinqüenta e quatro por cento em
volume, a vinte graus Celsius.
o
§ 3 Para efeito deste Regulamento a graduação alcoólica de uma bebida será expressa em porcentagem de volume de
álcool etílico, à temperatura de vinte graus Celsius.
Art . 19. O rótulo da bebida deve ser previamente aprovado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, e constar
em cada unidade, sem prejuízo de outras disposições de lei, em caracteres visíveis e legíveis, os seguintes dizeres:
(...)
IX - a graduação alcoólica, por extenso ou abreviada, expressa em porcentagem de volume alcoólico;
(...)
PRODUÇÃO, CONSUMO E PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. ART. 24, V
E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTABELECIMENTO DE NORMAS
GERAIS PELA UNIÃO E COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ESTADOS.
1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a despeito da
constatação, pelo Tribunal, da existência de normas federais tratando da
mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta
ofensa, pela lei atacada, das regras constitucionais de repartição da
competência legislativa. Precedente: ADI 2.535-MC, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ 21.11.03. 2. Seja dispondo sobre consumo (CF, art. 24, V),
seja sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma
estadual
impugnado
inaugurar
regulamentação
paralela
e
explicitamente contraposta à legislação federal vigente. 3. Ocorrência
de substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das
exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem
informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs
sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo
legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o
preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal.
Precedente: ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05. 4. Declaração
de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de decreto
regulamentar superveniente em razão da relação de dependência entre sua
validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes:
ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min.
Moreira Alves, DJ 27.04.90. 5. Ação direta cujo pedido formulado se julga
10
procedente.
Deste julgamento, para melhor elucidação, destacamos um trecho do voto da Exma. Ministra
Relatora:
“Não resta dúvida de que, seja tratando sobre consumo (CF, art. 24, V), seja
sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma
estadual impugnado inaugurar uma regulamentação paralela e
explicitamente contraposta à legislação federal vigente, suprimindo, no
âmbito do indispensável dever de informação ao consumidor, a tolerância de
até um por cento de transgenia acaso existente no produto ofertado. Esta
oposição ao modelo federal foi abertamente declarada nas informações
prestadas pelo Governador do Estado do Paraná. Apesar de politicamente
legítima tal oposição, não poderia ela se converter em atividade
legislativa praticada muito além dos limites impostos pela regra
constitucional de competência concorrente suplementar de que dispõem
os Estados.”
Especificamente quanto à flagrante invasão da competência da União para a edição de normas
gerais, destacamos também, neste mesmo julgado, o voto do Exmo. Ministro Sepúlveda Pertence:
“Trata-se evidentemente de uma norma geral. Não há como estabelecer
peculiaridade do consumidor paranaense para que a rotulagem no
Paraná seja mais rígida do que aquela que o legislador federal, embora
não disciplinando, dada a complexidade técnica da matéria diretamente,
optou por que fosse feito por regulamento com participação, óbvia, dos
organismos técnicos.”
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ADI 3645 / PR – PARANÁ - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE - Julgamento: 31/05/2006, DJ 01-09-2006 PP-00016.
Note-se, portanto, que embora os produtos sejam diversos (álcool e transgênico) o Autógrafo
n° 343/2008 e a lei a que se refere o julgado acima colacionado guardam identidade por (1) tratar de
aviso/rótulo de presença do agente na composição do produto; (2) de extrapolação da competência
legislativa para suplementar a legislação federal; (3) dispor de forma contrária à legislação federal que
entende inexistente certo percentual de presença do agente na composição do produto; e (4) ferem a
necessária uniformidade de tratamento em âmbito nacional para certos produtos, como alimentos.
Assim, muito embora a competência legislativa para a matéria de produção, consumo e
proteção à saúde seja complementar, o legislador capixaba ultrapassa o âmbito de sua atuação que cinge-se
a suplementar a legislação federal. Com efeito, ao trazer regulamentação paralela à legislação federal de
normas gerais sobre alimentos, medicamentos e bebidas, invadiu a área de atuação da ANVISA, conforme
disposto em Lei federal (norma geral) sobre produção, consumo e proteção à saúde, caracterizando ofensa
direta11 à regra de competência legislativa concorrente do art. 24, V e XII e seus parágrafos da CF.
Neste tocante, destacamos a lição do Exmo. Ministro Gilmar Mendes:
“Os Estados-membros e o Distrito Federal podem exercer, com relação às
norma gerais, competência suplementar (art. 24, § 2°), o que significa
preencher claros, suprir lacunas. Não há falar em preenchimento de
lacuna, quando o que o que os Estados ou Distrito Federal fazem é
transgredir lei federal já existente.”12”
Portanto, ante a presença de vício de inconstitucionalidade o veto total se impõe.
Atenciosamente
RICARDO DE REZENDE FERRAÇO
Governador do Estado - Em exercício
11
Ofensa direta, e não reflexa, às regra de repartição de competência legislativa concorrente trazidas no art. 24 e seus parágrafos da
CF.
12
MENDES, Gilmar. “Curso de Direito Constitucional”. São Paulo: Saraiva, 2007. pág.775.
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Vitória, de setembro de 2004 - Assembléia Legislativa do Estado do