BATE-PAPO Gostaria de conferir a nossa carta de bebidas? Dessa forma, Derivan Ferreira de Souza, um dos barmen mais respeitados do Brasil, atende diariamente seus clientes Alan B anas O Izilda França riundo da Bahia, Derivan Ferreira de Souza – barman – deu início à sua longa e reconhecida carreira, aos 17 anos, quando começou a estudar o mundo das bebidas. Dono de uma curiosidade ímpar, o barman viajou o mundo em busca das histórias e origens de cada bebida. Em sua última viagem, visitou Cuba e buscou aprender as particularidades do país. Acostumado a criar drinques, Derivan sempre gostou de homenagear seus clientes com algum em especial. O bate-papo desta edição prepara um coquetel especial sobre a vida do mestre Derivan, vencedor de inúmeros prêmios nacionais e internacionais. Um brinde a sua leitura! Como o senhor descreveria Derivan Ferreira de Souza? Antes de tudo um barman. Um profissional dedicado, que se recicla a todo tempo, sem parar, e assim tem sido ao longo desses 36 anos da mesma forma. Um grande pesquisador do setor... 8 Cozinha Profissional 109 | www.cozinhaprofissional.com.br O senhor sempre teve o sonho de ser um barman? Não, nunca tive. Foi uma situação diferente. Não sei se ainda é dessa forma, mas, na minha época, quando era jovem, tinha aquele problema de servir o exército, entre outras coisas. Nesse caso, era dispensado do trabalho. Fui estudar e acabei fazendo curso de datilografia no Senac. Conheci amigos que atuavam nessa área e entrei no setor. Existe alguma diferença entre barman e bartender? Temos uma associação internacional que atua claramente no setor e congrega mais ou menos 70 países. Os de língua inglesa normalmente vão chamar esse profissional de bartender e os outros vão chamar de barman. É só uma questão de interpretação e não muda o valor da profissão. Essa conotação de bartender foi mais o pessoal do free-style que, tentando buscar uma forma de se diferenciar do barman clássico, buscou a utilização desta palavra. Para nós, não cabe bartender. Nós somos barmen. Como o senhor definiria a profissão aqui no Brasil? É uma profissão que sobrevive muito bem. Hoje, existe uma boa procura para se tornar um barman, porém o setor tem deficiência e oferece poucas escolas para a profissionalização. Muita gente fazendo o estilo flair e se distanciando do Izilda França Uma boa carta de bebidas deve atender ao maior número possível de consumidores. Uisques, vodcas, gins, coquetéis, martinis... clássico. Na realidade, hoje, o que os bares querem mais é a forma clássica. É perceptível que o trade hoteleiro no Brasil cresceu muito e, a cada vez que um hotel cinco estrelas abre no País, imagina-se que vá precisar de profissionais capacitados de várias áreas. Temos escolas que foram historicamente formadoras dessa mão-de-obra básica, como a do barman, garçom, cozinheiro etc. Hoje, elas formam somente técnicos, pessoas na área gerencial, e a base, que é importante, não se tem mais. É um momento de crescimento muito grande com uma deficiência de profissionais. carência desse tipo de formação. Às vezes, essa mão-de-obra é oriunda de famílias muito simples, ou do Sul ou do Norte, buscando o setor como fonte de renda e sobrevivência. Existe alguma ação parecida aqui no Brasil? Temos grandes grupos de hotéis que, sabendo dessa situação, fornecem uma melhor capacitação, oferecendo escolas de línguas, treinamentos etc. Isso ajuda a moldar o profissional. Não existe mais aquela situação de treinar aquele profissional para depois perdê-lo. O empresário perdeu esse medo. A mentalidade mudou bastante. Como é a profissão fora do País? É totalmente diferente. Os países considerados de primeiro mundo formam primeiro o cidadão com uma base muito grande. Só depois, ele vai escolher o que gostaria de fazer. Quando você vê um barman em Londres ou Amsterdã, é por opção própria dele. Esse profissional poderia ter sido um grande engenheiro, um famoso médico e acabou escolhendo ser barman. Primeiro ele é um cidadão, e só depois vai fazer escola e conseqüentemente uma especialização. Resultado: é um profissional de outro nível, de outra formação e totalmente diferente. Aqui no Brasil, existe Quais as experiências adquiridas com suas viagens? A profissão me deu muitas alegrias. Tive um crescimento pessoal e profissional. Foram conquistas e ganhos por meio da profissão de barman. Nos 24 países que visitei, conheci bares, indústrias de bebidas e participei de congressos e inúmeros cursos. Trouxe vivência e interpretei tudo por meio dos meus livros, das minhas palestras e dos meus cursos aqui no País. Tudo aquilo que recebi ao longo desses anos, tenho passado adiante. A idéia é fazer com que as pessoas tenham a mesma capacidade de receber as informações de qualquer barman do mundo. Aproximar o máximo possível um brasileiro dos acontecimentos do mundo, principalmente na área da coquetelaria moderna. A utilização de novas especiarias, o crescente modo de preparo de drinques para que não sejam surpreendidos com o pedido de um cliente. Quais os prêmios que o senhor ganhou no decorrer de sua profissão? Já fui campeão brasileiro e mundial. Entre todos, o mais importante foi o de campeão mundial. É claro que o vice-campeão também foi. O título de campeão mundial foi em Algarve, Portugal e o vice foi em Amsterdã, Holanda. Comandei a Associação Brasileira de Barmen (ABB) durante oito anos e a Associação Internacional de Barman para a América do Sul, como vice-presidente, durante seis anos. Em um determinado período da minha vida, estive no auge da profissão. Logo depois, passaram a não me deixar competir porque realizava e dirigia os eventos, no Brasil e no exterior. Durante muitos anos, não pude competir e aos poucos perdi a vontade. Desenvolver uma boa relação com o seu cliente é o maior prêmio que conquistamos como www.cozinhaprofissional.com.br | Cozinha Profissional 109 9 BATE-PAPO os tipos. A pessoa que bebe muito não é boa nem para o bar nem para a sociedade. Hoje, vivemos a era em que as pessoas buscam as essências, os sabores e perfumes. É o momento em que o prato aumenta de tamanho e a comida diminui. É o visual. As pessoas querem ter o prazer antes de se alimentar. Com a bebida, é a mesma coisa. Quando você coloca um drinque diante do seu cliente, ele não vai mais tomar compulsivamente. O barman deve servir com parcimônia. encontrou mercado por aqui. Por outro lado, existem bebidas que são conceituadas no Brasil, estão no nosso ranking das mais consumidas, e só vendem aqui. O Dreher e a Montilla são marcas de expressão e vendem muito no Brasil. Como montar uma boa carta de bebidas? Hoje, uma boa carta de bebidas deve atender ao maior número possível de consumidores. Primeiro, você deve saber a origem do seu público e, a partir desse perfil, montar a carta. Izilda França profissional. Você pode fazer cursos em qualquer lugar do mundo, ser especializado em tudo que for preciso, mas quem vai dar o certificado de profissional é o cliente. No dia em que o seu cliente chegar e falar: “Estou por sua conta. Estou com meus amigos e gostaria de um drinque para nós. Estamos em suas mãos”. Com isso, você recebe o verdadeiro certificado e, a partir desse momento, pode se considerar um profissional. Antes, você era apenas uma pessoa que servia e atendia. Deu início a sua carreira aos 17 anos e de lá para cá nunca mais parou. Cada drinque uma homenagem O que um barman nunca pode fazer? Primeiro: adulteração de produto. Isso é algo que atinge a dignidade do profissional e a própria essência da casa. Segundo: você não pode colocar na mente do seu cliente que ele tem de beber muito. O barman é aquela pessoa que faz você sentir-se bem e ter o prazer em estar no bar. Nunca com o intuito de embriagar. O maior formador de personalidade é o barman. Sabemos que existem pessoas que chegam ao bar e depois de um ou dois drinques começam a sorrir facilmente, chorar, ou até brigar. Tem até o Don Juan. Existem todos 10 Existe alguma dificuldade de se comprar bebidas no Brasil? Sim, mas não é uma questão somente brasileira. O mercado inteiro é volátil. Algumas grandes marcas e produtos, que são sucesso em outros lugares, não fazem nem marola por aqui. O mercado não absorve e também não compra. Da mesma forma, há produtos que só vendem aqui e não dão certo em outros lugares. Para se ter uma idéia, o Soju Jinro, uma das bebidas mais vendidas no mundo, veio para o Brasil e não conquistou o brasileiro. O Genebra San Miguel, um gim que vende nas Filipinas, também não Cozinha Profissional 109 | www.cozinhaprofissional.com.br Oferecer diferentes tipos de uísques, as vodcas importadas, gins, aperitivos etc. Ao selecionar os drinques, colocar os denominados coquetéis clássicos ou internacionais, que serão entre cinco e oito, depois vêm os martinis, considerados bebidas chiques, por fim, as caipirinhas. A carta de bebidas pode ser modificada de acordo com a sazonalidade. No verão, é uma carta e, no inverno, outra. No fim de ano, acontecem inúmeras comemorações e temos de mudar também. Na carta de bebidas, algumas são fixas e outras podem variar constantemente. Durante muitos anos no Brasil, a carta de bar foi considerada chique e Sim, até porque é o barman que está cercado de todas as bebidas. Primeiro, é importante criar uma carta de bar que seja interessante financeiramente ao estabelecimento, sem transparecer isso ao cliente. O cliente não pode achar que a carta tem uma conotação comercial. Segundo ponto, é buscar resultados nessa criação. Não adianta criar drinques maravilhosos sem condições de vender. Praticidade e organização são fundamentais para que se possa fazer isso. Criar um drinque que demanda muito tempo, já é considerado um problema. O senhor já criou algum drinque? O trabalho do barman é constantemente homenagear o seu cliente por meio da sua arte. Existem pessoas que se manifestam por meio da escrita e outras da música. O barman manifesta a sua arte com o drinque. Criei vários que foram um sucesso. No Tanoeiro Bar, criei um drinque chamado Soraia. Em um determinado momento da noite, não agüentava mais fazer, de tanto que pediam. Esse drinque foi uma homenagem para a esposa de um amigo que freqüentava a casa. Feito com xarope de maçã verde, vodca, um pouco de suco de tangerina e finalizado com espumante. Dentro do copo, o drinque ficava verde. Virou capa de revista e saiu em vários lugares. Qual a bebida de sua preferência? Existem bebidas que nunca devem faltar em uma carta? Quais são? Sim, há bebidas que são ícones e estarão no bar mais simples e no mais sofisticado. Em um bom bar, não podem faltar boas marcas de uísques, vodcas e gins. Você não consegue fazer um Dry Martini, o “rei” dos coquetéis no mundo inteiro, sem ter um bom vermute francês – Noilly Prat, por exemplo. Também não podemos esquecer dos utensílios. É preciso ter uma coqueteleira, um copo misturador, entre outras ferramentas de bar. Todas elas são fundamentais para poder desenvolver o trabalho. Tenho fases. No livro “Drinks de Mestre: os 62 melhores Drinks do Mundo”, foi colocado que eu bebia Negroni. Imagine que foram vendidos 20 mil livros. Por onde passava, me ofereciam Negroni. Aí chegou um momento em que não bebia mais. Recentemente, fui para Cuba e descobri o rum. Estou nesse momento. Ainda mais porque trouxe rum da Nicarágua, Panamá etc. É a bebida com a qual estou encantado no momento. Só não bebo os anizados. Qual seria a bebida predileta do brasileiro? A cachaça é a bebida mais consumida. É 1,4 bilhão de litros por ano. Se você analisar que a maioria dos sítios e fazendas pelo País tem Drinques do mestre Mayfair • 15ml de Licor Gran Marnier 150 anos • 50 ml de Premium Vodca Ciroc • 20 ml de Lillet Blanc • Flocos de ouro 21 quilates Decorar com: • Fatia de pitaya vermelha • Fatia de pitaya Amarela • Phisales Mauro Holanda A função de criar uma carta de bebidas é exclusiva do barman? Modo de preparo: Em um copo de uísque Havana Cristal Boemia, coloque 4 pedras de gelo , em seguida a vodca , o licor e o Lillet . Misture bem, decore com as frutas e por último espalhe o ouro na superfície do drinque Flying Violet • 50 ml de vodca de uvas • 10 ml de sirop Violet • 30 ml de vinho chardonnay • 1 flor lilás Modo de preparo: Em um mixing-glass coloque 4 pedras de gelo, vodca, sirop e chardonnay. Misture bem e sirva em uma taça Martini bem gelada. Decore com uma flor lilás. Mauro Holanda importante por ser conservadora. Há ainda outro cenário a considerar: os drinques que são criados por demanda da indústria de bebidas , que atraída pelo seu sucesso desejará, de forma diferenciada, estar presente em seu bar de forma diferenciada, seja por meio de novos drinques, promoções ou até eventos. Então você é obrigado a criar e mudar drinques. Isso é muito saudável para o seu negócio. Mas, no final, é o seu público quem realmente molda a carta, dizendo do que gosta e do que não gosta de tomar. A Chardonnay é considerada a rainha das uvas. Seu sublime vinho, aqui associado à vodca de uvas, adquire um frescor maravilhoso na boca. A presença do sirop de Violetas celebra a estação com sua cor surpreendente. www.cozinhaprofissional.com.br | Cozinha Profissional 109 11 BATE-PAPO alambique, chega a mais ou menos 4 bilhões por ano. O brasileiro bebe muita cachaça e exporta muito pouco. A cachaça é a preferida. Feijoada: para a feijoada, o melhor drinque é a caipirinha clássica de limão. Ela funciona como um aperitivo. Ao tomar, o cliente cria disposição para o alimento. Aí a bebida, com seus elementos cítricos, acaba atuando beneficamente sobre a gordura, facilitando a digestão. Ou seja, primeiro ela desperta o apetite, depois atua na organização do alimento. Massas: existe a possibilidade de trabalhar com um pouco de vinho porque é importante para a massa. Nada muito doce. Faria um Kir Royal, no qual o vinho ficasse um pouco leve por meio da ação do creme de cassis. Algo que fosse agradável para consumir, sem brigar com o sabor. Perfeito para uma massa com muitos condimentos ou ervas aromáticas. O Kir Royal vai passar despercebido e estará harmonizado. Quais os conselhos para entrar na profissão? Antes de tudo, precisa ter muita emoção. Precisa gostar de trabalhar com as pessoas. Depois, não achar que só vai ser considerado um grande barman se tiver com 40 ou 50 anos. Existem profissionais hoje que crescem rapidamente, desde que se tenha essa vontade. Quando eu comecei, era mais difícil – hoje existe até a Internet para pesquisar. Existe a possibilidade de um crescimento bem mais rápido e em dois ou três anos se tornar um bom barman. Se eu tenho toda essa tecnologia na mão, o que falta? Falta emoção! É necessário ter vontade, ter o desejo do sucesso, pensar: “Eu quero ser o melhor barman”. Existem dois profissionais. Aquele que está no ramo e aquele que está no rumo. Se estiver no rumo, não sobrevive. fotolia.com/© Raven fotolia.com/© Boris Ryzhkov Harmonizações de Mestre Carnes: para um churrasco em família, o ideal seria sangria. Primeiro, porque não buscaria bebida alcoólica forte e, segundo, a harmonia do vinho com as frutas vai ajudar na organização do alimento. Geralmente, em churrascos, nos distanciamos de legumes e frutas. Caso seja um prato requintado com carne, buscamos bebidas mais fortes. Considerava que uísque com água era uma bebida estranha com as carnes. Recentemente, tive uma aula de harmonização de uísques com alimentos e descobri que ficam perfeitos juntos. Peixes: nunca os sirva com destilado. Eles se wharmonizam com espumantes, prossecos, licores, drinques de misturas suaves e leves. Busque uma harmonia em que prevaleça um pouco do sabor do próprio prosseco ou do espumante. Seria o ideal. 12 Cozinha Profissional 109 | www.cozinhaprofissional.com.br Izilda França Contato Esch Café (11) 3062-2285 www.derivanbar.com fotolia.com/© Julián ROvagnati fotolia.com/© sax Palavras-chave para busca no site: Derivan Ferreira de Souza, barman, bartender www.cozinhaprofissional.com.br | Cozinha Profissional 109 13