Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto Programa de Pós-Graduação em Toxicologia Universidade de São Paulo Estado nutricional, exposição ao mercúrio e situação da Doença de Chagas em populações ribeirinhas da Amazônia Doutoranda: Juliana Valentini Orientador: Dr. Fernando Barbosa Junior Comitê de Tese: Dra. Cristina Romana; Dr. Carlos José Sousa Passos Ribeirão Preto – SP Setembro, 2009 Resumo As questões em torno da poluição ambiental por mercúrio (Hg) e conseqüente exposição humana por via alimentar na Amazônia (consumo de peixes contaminados), bem como o comportamento do MeHg e sua toxicidade em população exposta e em animais de modelos experimentais tem sido objeto de diversas pesquisas ao longo das últimas décadas, na tentativa de se determinar o risco real que este elemento apresenta as populações ribeirinhas amazônicas. No entanto, os mecanismos que levam aos efeitos tóxicos do MeHg ainda não são muito estudados em populações expostas ao metal. Também nessa população, casos emergentes e isolados de Doença de Chagas têm surgido e evoluído de forma exponencial. Este tipo de infecção torna-se um problema de saúde pública, uma vez que os efeitos da infecção crônica, principalmente no sistema cardiovascular, são altamente deletérios em um número considerável de indivíduos, prejudicando assim a qualidade e expectativa de vida. No entanto não há dados na região englobada pelo presente projeto acerca a incidência epidemiológica de casos de Doença de Chagas. Assim, o estilo de vida das populações da Amazônia levanta questionamentos acerca da exposição ao Hg e a infecção chagásica, que representam ambos, riscos cumulativos para a saúde em geral. Diante dessa problemática, a avaliação de tais riscos, através de exames clínicos e bioquímicos nas populações ribeirinhas da área de estudo, se fazem necessárias. Em suma, o presente projeto de pesquisa propõe-se a adicionar esforços através de um consórcio de pesquisadores brasileiros e canadenses a fim de explorar diversas questões relacionadas à saúde humana. Particularmente, através de coletas de sangue, a quantificação, bem como a elucidação dos mecanismos tóxicos envolvidos quando da exposição ao Hg serão avaliados. Ao mesmo tempo, através da sorologia proporcionaremos dados concretos acerca dos casos de infecção chagásica na região do estudo, com concomitante avaliação bioquímica dos voluntários soro-positivo. Isto será de suma importância para o entendimento de mecanismos fisiopatológicos decorrentes da eventual exposição ao Hg e infecção chagásica em populações que vivem essa problemática. 1. Revisão da Literatura 1.1. O cenário epidemiológico A presença do mercúrio (Hg) nos ecossistemas amazônicos, e a exposição humana a este poluente são objetos de muitas preocupações ao longo das últimas duas décadas. Os níveis elevados de Hg encontrados no meio ambiente são associados tradicionalmente às atividades de mineração de ouro. No entanto, a erosão dos solos e o desmatamento têm sido também reforçados como provocadores da contaminação mercurial de diversos ecossistemas amazônicos [1-10]. Em adição a esta dinâmica social e ambiental, estudos demonstraram concentrações elevadas de Hg, principalmente a forma metilada (MeHg) em tecidos biológicos de peixes e humanos [11-13]. Junto a isto, a doença de Chagas está atualmente presente na Amazônia porque os novos colonos, vindo de outras regiões, carregaram com eles o parasita T. cruzi para a região. O parasita infecta os triatomíneos espalhados nas palmeiras do gênero Attalea (mais de 40 tipos de utilidade conhecidos) de crescimento fácil e espontâneo geralmente perto das casas depois do corte e da queima da floresta [14-18]. Assim, o estilo de vida das populações da Amazônia levanta cruciais dilemas, visto que o consumo de peixes e as múltiplas utilizações das palmeiras Attalea representam ambos, elementos do bem-estar e igualmente de riscos cumulativos. 1.2. Exposição ao Mercúrio, mecanismos toxicológicos e seus efeitos sobre a saúde A exposição do homem ao MeHg ocorre pela ingestão, principalmente de peixes com altas concentrações deste metal. Após ser absorvido, o MeHg é distribuído por todos os tecidos do corpo, processo este que leva em torno de 4 dias. Nos seres humanos, o Hg orgânico tem uma meia vida biológica relativamente longa e muito variada, de 35 a 100 dias [19], com média de 65 dias. Uma vez absorvido, o MeHg acumula-se nos rins, fígado e cérebro e sua eliminação se dá pelos rins, fígado, glândulas sudoríparas, pele e leite [20]. Vários são os mecanismos sugeridos para explicar os efeitos tóxicos do MeHg, porém propõe-se que o estresse oxidativo deva ser o principal mecanismo envolvido na toxicidade induzida pelo Hg, uma vez que seus efeitos podem atingir várias biomoléculas do organismo, como mostraremos na descrição desse mecanismo nesse projeto. Os efeitos nocivos do MeHg são particularmente notáveis nos rins [21] e no cérebro [22]. Os principais sintomas consistem em distúrbios visuais, parestesia, perda da audição, dano nas funções do túbulo renal, tremor muscular, distúrbio da motilidade, paralisia e até morte. O MeHg também é muito prejudicial ao desenvolvimento de embriões, uma vez que mães intoxicadas por MeHg geraram crianças com severos danos cerebrais, tais como paralisia cerebral, microcefalia e retardo mental [23]. Nós últimos anos tem aumentado o interesse sobre a relação entre a exposição ao MeHg e o aumento do risco a doenças cardiovasculares [24,25]. 1.3. Doença de Chagas A doença de Chagas é bem reconhecida nos ecossistemas abertos da América Latina, tais como ecossistemas de florestas tropicais úmidas. Esta infecção parasitária é uma doença emergente e estima-se que 100 milhões de pessoas, em 21 países situados em todas as Américas vivam em áreas endêmicas [18]. Em todos os países da região amazônica (incluindo as Guianas) já foram relatados casos da doença e em algumas localidades a incidência de casos está aumentando quase exponencialmente [26]. Até recentemente, a doença de Chagas foi ausente ou não reconhecida, como é o caso da Amazônia brasileira. Porém, casos isolados e emergentes apareceram e evoluíram a sérias manifestações, particularmente no estado do Pará [27]. A doença de Chagas na Amazônia é principalmente uma infecção do tipo zoofílica, onde os mamíferos silvestres servem de reservatório aos insetos triatomíneos que representam o vetor de um protozoário mortal, o Trypanosoma cruzi (T. cruzi). As atividades de corte e queima favorecem a proliferação deste triatomíneo nas palmeiras do gênero Attalea (A. speciosa ou A. maripa no Brasil) [28]. Em termos ecológicos e epidemiológicos, Attalea é hoje considerado o principal ecótopo silvestre para os triatomíneos que estão invadindo de maneira freqüente e crescente as casas [18, 29]. A maioria das transmissões da doença de Chagas tem sido atribuída aos triatomíneos adultos que voam das palmeiras ou que cavam nas moradias. A transmissão oral pela contaminação do alimento pelo inseto foi também relatada por Valente et al. 2004 [30] em 174 casos diagnosticados no estado do Pará, ocorrendo em 62% dos casos associados com 31 microepidemias familiares, com uma média de 5,5 pessoas infectadas pelo parasito. 1.3.1. Infecção por Doença de Chagas, possíveis mecanismos de progressão e seus efeitos sobre a saúde A infecção em humanos pode apresentar duas fases: uma fase aguda que pode evoluir em alguns pacientes para uma fase crônica, as quais são separadas por um período de tempo indeterminado, onde os pacientes são assintomáticos. A fase aguda apresenta um quadro de infecção ativa, inflamação, dano ao miocárdio, e parasitemia [31,32]. Os sintomas possíveis mais importantes desta fase são: febre, linfadenopatia, anorexia, hepatoesplenomegalia, meningoence-falite em raros casos, e miocardite, a qual pode causar infrequentemente morte repentina do paciente. No entanto, na maioria dos infectados (60 a 70%) o sistema imune têm a capacidade de combater a infecção [33]. Entre dois e três meses após a primo infecção, 20 a 60 % dos pacientes tornamse portadores, e entram na fase intermediária ou indeterminada, com presença dos parasitas na corrente sanguínea em baixo número ou inexistência dos mesmos. Nesta fase existe uma grande dificuldade de diagnosticar a infecção, uma vez que os portadores não apresentam sintomatologia clínica e os parasitos praticamente inexistem na corrente sanguínea. Nesta fase vários métodos sorológicos podem ser utilizados para o diagnóstico da Doença de Chagas, tais como reação de fixação do complemento, aglutinação, imunofluorescência, hemaglutinação e imunoenzimáticos. Chamamos de fase crônica da doença quando iniciam-se os primeiros sinais e sintomas clínicos, que são predominantemente no sistema cardíaco, e envolvem inflamação e fibrose desse sistema. Assim, a cardiopatia chagásica é considerada progressiva e extensiva, pois todas as áreas do coração estão envolvidas [34]. Na última década alguns estudos têm investigado o estresse oxidativo como um mecanismo toxicodinâmico envolvido no aparecimento da cardiopatia crônica em pacientes chagásicos, uma vez que o processo infeccioso crônico e a progressiva inflamação podem levar a alteração no status antioxidante dos sistemas biológicos [35, 36,37, 38]. No entanto, esses estudos são poucos e controversos. Também em relação a infecção por T. Cruzi as alterações na resposta imune e inflamatória na fase aguda e crônica parecem ter efeitos mediadores na progressão e destruição tecidual em pacientes chagásicos [39-44]. No entanto existem poucos estudos acerca desses mecanismos em pacientes chagásicos [45, 46]. Também Fuents et al vem demonstrando desde 2003 [47, 48] que anormalidades no imbalanço de citocinas próinflamatórias, originados por um desequilíbrio entre oxidantes/antioxidantes, poderiam participar na evolução da patogenia crônica da doença de Chagas. 1.4. Estresse oxidativo O estresse oxidativo é definido como o desequilíbrio entre os fatores oxidantes e antioxidantes, a favor dos oxidantes, prejudicando a integridade celular [49,50], o que prejudica a integridade de várias biomoléculas [51-53]. As EROs têm uma alta reatividade, e uma meia-vida curta [54]. Por esse motivo sua determinação in vivo não é viável. Em contraste, os lipídios, proteínas, ácidos nucléicos e carboidratos, após serem modificados pelas espécies reativas, têm uma meia-vida maior, o que os torna marcadores ideais do estresse oxidativo. Dentre esses marcadores encontramos proteínas carbonilas (PCO), malondialdeído (MDA), F2 isoprostanos; 2,4 hidroxinonenal (HNE) [55, 56] atividade e índice de reativação da ácido delta aminolevulínico (ALA-D) [57-59]. Também são considerados biomarcadores, os níveis de antioxidantes, como a concentração de glutationa reduzida (GSH), a concentração de vitaminas antioxidantes (vitamina C e E), bem como o desequilíbrio na atividade das enzimas antioxidantes, tais como superóxido dismutase (SOD), a catalase (CAT) e a glutationa peroxidase (GSH-Px). Dentre os mecanismos toxicológicos do Hg que causam alteração no status oxidativo são reportados na literatura as seguintes ações tóxicas: a) Sobre os compostos com grupos tiólicos Um dos mais importantes mecanismos para explicar o dano oxidativo induzido pelo MeHg é a sua alta reatividade com os grupamentos sulfidrílicos (– SH) [60]. A glutationa reduzida (GSH) - L-γ-glutamil-L-cisteinil-glicina - é o principal tiol nãoprotéico celular livre, e também o principal antioxidante endógeno do organismo [61]. A GSH serve como uma primeira linha de defesa celular contra os compostos de Hg [62]. Tanto o Hg2+ quanto o MeHg se ligam à GSH e também a resíduos de cisteína de forma covalente, minimizando os efeitos deletérios deste metal. O conhecimento da afinidade do Hg pelos grupamentos – SH tem sido base para o planejamento de antídotos contra a intoxicação por este metal [63]. Na literatura é bem conhecido que a concentração de GSH é diminuída em ratos expostos ao Hg [64]. No entanto em humanos expostos cronicamente ao MeHg proveniente da dieta existe um único trabalho reportando a diminuição deste importante antioxidante [65]. Outras enzimas antioxidantes podem proteger o organismo desse desequilíbrio oxidativo. No entanto, essas enzimas podem tornar-se inativas devido à ligação direta do metal ao sítio ativo da enzima, se o sítio contenha grupamentos sulfidrílicos. Este é o caso da enzima δ-aminolevulinato desidratase (ALA-D), enzima essencial na rota de biossíntese do heme, que apresenta grupamentos – SH na sua constituição [66]. Em um estudo realizado por Perottoni e colaboradores [67], a atividade da enzima ALA-D foi reduzida em 60% em ratos expostos a HgCl2. Não existem trabalhos na literatura até o momento que investiguem a atividade da ALA-D em populações humanas expostas a este metal. b) Sobre a cadeia de transporte de elétrons Sugere-se que tanto o Hg inorgânico quanto o MeHg aumentem a produção de H2O2 e O2•- por prejudicar a eficiência da fosforilação oxidativa e do transporte de elétrons no passo ubiquinona – citocromo b5 Q [68,69]. Além disso, pode ocorrer deficiência na síntese do ATP, colaborando para a toxicidade do metal nos tecidos renais, hepático e nervoso. c) Peroxidação lipídica Um dos principais produtos da peroxidação lipídica é o malondialdeído (MDA), o qual é muito utilizado como indicador do dano da membrana celular [52]. Em um estudo realizado por Huang e colaboradores [70], níveis elevados de MDA foram encontrados em rins, fígado e pulmão de ratos tratados com HgCl2. Outro estudo, porém in vitro, também apresentou aumento da peroxidação lipídica, pela quantificação de MDA [71]. No entanto, estudos que investiguem a peroxidação lipídica em populações expostas ao MeHg não existem, até o momento. d) Sobre enzimas antioxidantes Além de induzir a peroxidação lipídica, o MeHg pode atuar sobre a atividade de algumas enzimas. A atividade das enzimas superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT), glutationa peroxidase (GSH-Px), pode ser afetada após a exposição a este metal. Porém, na literatura, não há um consenso entre os trabalhos com relação ao aumento ou à diminuição da atividade das enzimas. Ariza e colaboradores mostraram que o Hg inorgânico induz a formação de H2O2, estimula a atividade da SOD e não afeta a atividade da CAT e da GSH-Px [72]. Já em trabalhadores ocupacionalmente expostos ao Hg elementar, as atividades da SOD e da GSH-Px mostraram-se ambas diminuídas [73], enquanto que para Hussain e colaboradores houve um aumento na atividade da CAT e da GSH-Px [74]. Em outro estudo, no qual as atividades da SOD e da GSH-Px, bem como os níveis de GSH aumentaram após exposição crônica ao Hg, concluiu-se que os aumentos na atividade das enzimas e na concentração do antioxidante GSH poderiam ser uma resposta compensatória indireta das células ao aumento do estresse oxidativo, como forma de mecanismo de auto-proteção [75]. Em relação à população cronicamente expostas ao MeHg existe até o momento um trabalho que investiga a atividade da CAT e GSH-Px em um grupo de mulheres, e neste estudo a atividade da GSH-Px era aumentada, enquanto a atividade da CAT não demonstrou alteração [65]. 1.5. Respostas imunológicas e inflamatórias Trypanosoma cruzi é um estimulador potente da imunidade celular e humoral, e da indução de citocinas pró-inflamatórias. A imunidade humoral ou adquirida é mediada por anticorpos, os quais são produzidos por células linfocitárias B. A imunidade celular envolve macrófagos, células NK, e células T CD4+, CD8+ e CD12+ [76]. Por sua vez, as citocinas são moléculas que interligam, amplificam e propagam a resposta imune, através do recrutamento de células para as áreas de inflamação, estimulando sua divisão, proliferação e diferenciação [77]. Não só células imunológicas, mas também fibroblastos, plaquetas, endotélio, músculo liso vascular e o próprio cardiomiócito, principalmente sob estímulo de hipóxia, estresse mecânico e da endotoxina, são capazes de produzir um amplo e variado espectro desses peptídeos biológicos [77-79]. A ação das citocinas sobre o sistema cardiovascular está bem assentada em bases experimentais que demonstram promoção de inflamação, disfunção endotelial, coagulação intravasculares, desacoplamento do estímulo beta-adrenérgico, geração de radicais livres, perda gradativa de massa muscular e intolerância ao exercício, entre outros efeitos [80]. As principais citocinas que agem como mediadores inflamatórios (IL-1, IL-6, IL-8 e fator de necrose tumoral -TNF-β). Também a quantificação de proteína C reativa (PCR) serve como uma determinação indireta da produção de citocinas. As alterações na resposta imune e inflamatória na fase aguda e crônica parecem ter efeitos mediadores na progressão e destruição tecidual em pacientes chagásicos [8286]. No entanto existem poucos estudos acerca destes mecanismos em modelos experimentais [87-90] e em pacientes chagásicos [91,92]. Também Fuents et al vem demonstrando desde 2003 [93,94] que anormalidades no imbalanço de citocinas próinflamatórias, originados por um desequilíbrio entre oxidantes/antioxidantes, poderiam participar na evolução da patogenia crônica da doença de Chagas. 1.6. Pesquisas pioneiras em relação ao estado nutricional Em relação à exposição ao Hg via alimentação através do consumo de peixes um trabalho inicial realizado pelo projeto Caruso já foi realizado. Esse grupo realizou uma intervenção participativa realizada num vilarejo da região do Rio Tapajós (Estado do Pará), a qual se baseou na sensibilização e na capacitação comunitária no intuito de estimular o consumo preferencial de espécies de peixes herbívoros, os quais são menos contaminados (Lucotte et al., 2004; Mertens et al., 2005), e como consequência, constatou-se uma melhora substancial de funções motoras e de indicadores citogenéticos da população graças à diminuição da exposição (Mergler et al., 2001; Bahia et al., 2004). Paralelamente a referida campanha, um inquérito alimentar baseado em questionários permitiu o registro do consumo de todos os alimentos componentes dos hábitos alimentares dos ribeirinhos (Passos et al., 2001). Os resultados deste inquérito mostraram primeiramente que, além dos peixes constituírem a principal fonte protêica, as famílias têm acesso, também, a diversos alimentos pertencentes a diferentes categorias alimentares e provenientes tanto da floresta quanto dos quintais familiares, sugerindo também que seu estado nutricional, provavelmente, é suficientemente capaz de contribuir a uma boa saúde. Além disso, este estudo permitiu evidenciar a influência do consumo de frutas regionais sobre a relação entre o consumo de peixes contaminados e os teores de Hg nos cabelos e sangue. Para um mesmo consumo de peixes, pessoas consumindo frutas mais frequentemente apresentam níveis inferiores de Hg do que pessoas consumindo frutas menos frequentemente ou que não têm o hábito de consumir tais frutas (Passos et al., 2003, 2004). Num segundo estágio, essa investigação foi estendida a toda a bacia do Rio Tapajós, e a análise dos dados confirmaram que as frutas constituem um alimento capaz de modular a associação citada acima se manteve (Passos et al., 2005, 2007b). Por outro lado, não existem na literatura trabalhos que quantifiquem no sangue componentes nutricionais e os relacionem com a concentração de Hg no mesmo compartimento. Adicionalmente, também não existem investigações acerca do status nutricional e sua relação com os mecanismos de toxicidade aqui propostos (estresse oxidativo e mediadores inflamatórios) para a eventual exposição ao Hg e infecção chagásica. 2. Objetivos específicos 2.1. Nesse estudo serão investigadas amostras de sangue de voluntários de três comunidades localizadas nas proximidades do rio Tapajós, estado do Pará. As comunidades selecionadas são Lago Araipá, Nova Estrela e São Tomé, as quais são heterogêneas em relação à paisagem, cultura e hábitos alimentares de seus habitantes. Todas as análises bioquímicas e clínicas posteriormente delimitadas neste texto (íten 2.2; 2.3; 2.4; 2.5; 2.6 ; 2.7 e 2.8) serão também comparadas intercomunitariamente, a fim de relacionar a heterogeneidade das mesmas ; 2.2. Avaliar a concentração de Hg em sangue total e plasma dos voluntários participantes do projeto. 2.3. Através da sorologia, realizar um mapeamento dos casos de Doença de Chagas nos voluntários participantes do projeto. 2.4. Avaliação clínica dos voluntários participantes da pesquisa pelo médico participante da equipe. Essa incluirá exame físico, aferição da pressão arterial sanguínea e eletrocardiograma. 2.5. Determinar em sangue total, eritrócitos e plasma biomarcadores do estresse oxidativo (relacionados ao mecanismo de toxicidade do Hg). Posteriormente comparar tais resultados as concentrações de Hg encontradas e eventual soropositividade para Chagas; 2.6. Avaliar no plasma mediadores inflamatórios gerais e específicos. Após, comparar tais mediadores com a eventual exposição ao Hg e infecção chagásica; 2.7. Na eventualidade da concomitante exposição ao Hg e soropositividade para Chagas será avaliado a interação do dano oxidativo e inflamatório nos voluntários responsivos a tais critérios. A partir dos dados obtidos da quantificação sanguínea, a ocorrência das referidas interações serão testadas por análises estatísticas de regressão múltipla. 2.8. Avaliar os componentes nutricionais vitamina C, vitamina E e selênio no sangue dos voluntários ; 3. Materiais e Métodos 3.1. Seleção de voluntários e coleta: Neste estudo, serão investigados voluntários de três comunidades localizadas nas proximidades do rio Tapajós, estado do Pará. As comunidades selecionadas são Lago Araipá, Nova Estrela e São Tomé, as quais são heterogêneas em relação à paisagem, cultura e hábitos alimentares de seus habitantes. Serão incluídos no estudo pessoas com idade superior a 15 anos oriundos destas comunidades. Não há como informar o número de participantes do estudo, uma vez que a aderência ou não por parte dos comunitários será voluntária. Além da idade não será usado no estudo nenhum outro critério de inclusão/exclusão, uma vez que objetivamos ter um perfil o mais real possível da população estudada, e para isso o número. Para corrigir diferenças individuais em relação a variáveis contínuas (por exemplo, peso, altura, índice de massa corporal, idade, entre outras) e categóricas (por exemplo, hábito de fumar, hábito de beber, sexo, gravidez, amamentação, doenças crônicas, doenças infecciosas, entre outras) pretendemos fazer uma análise estatística que considere essas diferenças (iten 3.3.7). A amostragem sanguínea visará contar com a participação do maior número possível de voluntários. Para essa finalidade, palestras de esclarecimentos serão proferidas junto aos comunitários. A clareza e adequação a termos de fala conhecidos dos comunitários serão o foco dessas palestras. Tais esclarecimentos visarão adquirir a confiança das populações locais no projeto, e consequente adesão de um maior número de voluntários, a fim de que a amostragem sanguínea e clínica representem com fidelidade um perfil da população de estudo. O sangue somente será coletado dos indivíduos por punção venosa após a leitura e assinatura do termo de consentimento aprovado pelo CONEP. A coleta das amostras será realizada em 2 etapas, a partir da aprovação pelo CONEP do projeto proposto, sendo que cada etapa terá duração média de 2 meses. O objetivo é coletar amostras de uma comunidade por semana, no entanto para comunidades maiores será dispensado um período maior de tempo. As amostras de sangue serão acondicionadas em freezer -20 ºC, e semanalmente serão enviadas para o Laboratório de Toxicologia de Metais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCF-RP), unidade da Universidade de São Paulo. No referido laboratório as mesmas serão acondicionadas em freezer -80 ºC. A parte de análises laboratoriais das amostras biológicas obtidas perfizera um período médio de 1 ano, no qual as amostras serão unicamente usadas para o desenvolvimento do projeto aqui proposto. 3.2. Separação e tratamento das amostras de sangue coletadas humanos Para análise de PCO, GSH, MDA, e citocinas inflamatórias o sangue será coletado em tubo contendo anticoagulante EDTA. O sangue será rapidamente centrifugado em centrífuga no local da coleta. O plasma resultante será utilizado para a quantificação de PCO, MDA, citocinas inflamatórias e PCR, e os eritrócitos para a dosagem de GSH. Para a análise do Hg e das enzimas GSH-Px, SOD, CAT e ALA-D, o sangue será coletado em tubo contendo anticoagulante heparina. Para análise de Hg o sangue será coletado em tubo com EDTA (específico em coletas de análise de metais), sendo o sangue total e plasma serão separados. Para a avaliação da infecção chagásica o sangue será coletado em tubo sem anticoagulante. O sangue será rapidamente centrifugado, e o soro resultante será utilizado para os testes imunológicos de ELISA, RIFI, e para posterior contagem de células CD4, CD8 e CD12. Todas as amostras serão acondicionados, impreterivelmente, em freezer -20ºC até o momento de transporte para o Laboratório de Toxicologia de Metais da FCF-RP, onde então serão acondicionadas em freezer -80 ºC. 3.3. Metodologias para avaliações sanguíneas propostas nos objetivos 3.3.1 Determinação dos níveis de Hg nos fluidos biológicos por espectrometria de massa com plasma acoplado (ICP-MS) Um espectrômetro de massas com plasma acoplado (ELAN DRCII PerkinElmer), pertecente ao Laboratório de Toxicologia de Metais, será utilizado para a determinação dos teores de Hg nos fluidos biológicos. Para isto será utilizado método proposto por Palmer e colaboradores [104]. Materiais de Referência Certificada de sangue e plasma de animais provenientes da National Institute of Standards and Technology (NIST) e do Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque, contendo mercúrio, serão analisados previa e posteriormente à análise de um grupo de 20 amostras das usadas no estudo, para controle dos resultados obtidos. 3.3.2 Avaliação da infecção chagásica 3.3.2.1 Análise fenotípica das populações celulares por citofluorimetria de fluxo A contagem de linfócitos T CD4+, CD8+ e CD12+ serão realizadas por citometria de fluxo, baseada em anticorpos monoclonais marcados com substâncias fluorescentes, dirigidos contra antígenos de superfície de células esplênicas do baço. 3.3.2.2 Reação Elisa (imunoenzimático) A pesquisa de anticorpos anti -T. cruzi será realizada por kits comercial produzidos pelo instituto de tecnologia Bio-Manguinhos da Fiocruz de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. 3.3.3 Avaliação Clínica dos Voluntários Exames clínicos de rotina, incluindo verificação da pressão arterial serão realizados pelo médico da equipe antes da coleta de sangue dos voluntários. 3.3.4. Avaliação dos marcadores inflamatórios 3.3.4.1. Quantificação de proteína C reativa (PCR) A quantificação de PCR será realizada usando kit imunoenzimático comercial PharmPak (R&D Systems). 3.3.4.2. Quantificação das citocinas A quantificação dos mediadores inflamatórios (FASL, IP-10, MCP-1, RANTES, interleucinas (IL-1, IL-6, IL-8, IL-10) e TNF-β) será por Kits comerciais adquiridos da BD Bioscience, San Jose, CA, USA para citocinas. Usaremos este tipo de determinação para avaliar a resposta inflamatória mediada por citocinas baseado em importantes vantagens deste método, tais como: uso de pequena quantidade de amostra sanguínea (50 µl); rapidez e sensibilidade do teste; e uma avaliação mais completa (vários tipos de citocinas) do processo inflamatório na população e animais estudados [105]. 3.3.5. Determinação dos biomarcadores sanguíneos do estresse oxidativo 3.3.5.1 Quantificação das PCO As proteínas carboniladas serão quantificadas por espectrofotometria UV-VIS segundo o método de Levine e colaboradores [106]. 3.3.5.2 Quantificação da GSH As análises de GSH serão realizadas por cromatografia líquida de alta eficiência com detector de UV/VIS (CLAE-UV/VIS) segundo o método de Garcia e colaboradores [107]. 3.3.5.3 Quantificação do MDA As análises de MDA serão realizadas por CLAE – UV/VIS segundo o método de Grotto e colaboradores [108]. 3.3.5.4 Determinação da atividade da GSH-Px A atividade da enzima GSH-Px será quantificada por espectrofotometria de UV/VIS utilizando método de Paglia e Valentine [109]. 3.3.5.5 Determinação da atividade da CAT A atividade da enzima catalase será quantificada por espectrofotometria de UV/VIS utilizando método de Aebi [110]. 3.3.5.6 Determinação da atividade da SOD A atividade da enzima superóxido dismutase será quantificada por espectrofotometria de UV/VIS utilizando método de McCord e Fridovich [111]. 3.3.5.7 Determinação da atividade e reativação da ALA-D A atividade da enzima ALA-D será quantificada por espectrofotometria UV/VIS utilizando o método de Sassa com algumas modificações [57,58, 112]. 3.3.6. Estado Nutricional 3.3.6.1. Determinação do Selênio em Plasma Um espectrômetro de massas com plasma acoplado (ELAN DRCII PerkinElmer) será utilizado para a determinação de Se em plasma. Para isto será utilizado método proposto por Palmer e colaboradores [104]. 3.3.6.2. Determinação de Vitamina C A vitamina C será determinada em plasma, o qual ficará em eppendorf protegido da luz e estabilizado por TCA 10%. O método de quantificação é realizado por HPLCFluorescente [107]. 3.3.6.3. Determinação de Vitamina E A quantificação da vitamina E em plasma será realizada após extração e posterirmente quantificação em fluorímetro descrito pelo método de Garcia et al [107]. 3.3.7. Análise Estatística dos Dados As análises dos dados envolverão descrição dos dados, obtendo-se a média, mediana, desvio padrão, erro padrão, e valores mínimos e máximos encontrados, para cada variável analisada. Posteriormente serão realizados testes paramétricos (teste t de Student, ANOVA) ou não paramétricos (teste de Mann Whitney, Kruskall Wallis), dependendo da distribuição das variáveis, para verificar diferenças entre grupos e correlações (Pearson, Spearman, e ANCOVA) para todas as variáveis analisadas no estudo. Por último, usaremos análises de regressão múltipla, com a qual é possível considerar as diferenças individuais, e considerar as informações obtidas no questionário (em anexo), uma vez que não usaremos critérios de exclusão neste estudo. Para todas estas análises usaremos os programas estatísticos Jump® 5.0, Statistica® 6.0 e Statview® versão 5.0 para Windows (SAS Institute Inc.). 3.4. Referências Bibliográficas [1] Farella, N., Davidson, R., Lucotte, M., et al. 2007. Agric Ecosyst Environ. 120(2-4): 449-462. [2] Bastos, W.R., Gomes, J.P.O., Oliveira, R.C., et al. 2006. Sci Total Environ. 368: 344-351. [3] Bastos, W.R., de Almeida, R., Dórea, J.G., et al. 2007. 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