Este arquivo faz parte do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação
Social, que disponibiliza para consulta a Dissertação abaixo. O exemplar impresso está
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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
ÂNGELA LOVATO DELLAZZANA
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: UMA VISÃO COMPLEXA DO DISCURSO
DAS ORGANIZAÇÕES
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do título de Mestre em Comunicação
Social, no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação
Social
da
Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Helena Steffens de Castro
PORTO ALEGRE
2005
2
ÂNGELA LOVATO DELLAZZANA
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: UMA VISÃO COMPLEXA DO DISCURSO
DAS ORGANIZAÇÕES
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do título de Mestre em Comunicação
Social, no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação
Social
da
Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
APROVADO PELA BANCA EXAMINADORA
PORTO ALEGRE, 11 DE JANEIRO DE 2006.
BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Profª. Drª. Maria Helena Steffens de Castro
Profª Drª. Cleusa Maria Andrade Scroferneker (PUCRS)
Profª. Drª. Karla Maria Müller (UFRGS)
3
Aos meus pais.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela minha vida e por me guiar até aqui;
À minha família pelo suporte necessário;
Às amigas do grupo Nova Aliança, pelas frutíferas orações;
Ao pessoal da AGCO;
Aos colegas, professores e funcionários do “pós” da Famecos;
Em especial, à minha orientadora, Profª Maria Helena Steffens de Castro, pela
dedicação e constante disponibilidade.
Ao Gustavo, pela presença, carinho e estímulo.
A todos os amigos a quem eu não pude dar a atenção que queria.
5
Recomenda a Iahweh tuas obras e teus
projetos irão se realizar.
Provérbios 16, 3
6
RESUMO
Este trabalho focaliza o discurso da publicidade de maneira a possibilitar uma análise
atenta da comunicação organizacional enquanto comunicação institucional e mercadológica.
Neste sentido, insere-se a perspectiva da comunicação integrada que visa, entre outros
objetivos, a criação de uma imagem positiva da organização.
Amparada no paradigma metodológico do pensamento complexo, a análise de
discurso contribui para demonstrar como é estruturado o texto publicitário em seu contexto
social, a partir dos múltiplos sujeitos que agem e interagem neste circuito apresentado por
Patrick Charaudeau, como um contrato de comunicação. Incluem-se ainda as técnicas de
estudo de caso e pesquisa exploratória, que reuniram o aporte teórico e documental necessário
para a análise transdisciplinar com base no paradigma proposto por Edgar Morin.
Buscando demonstrar como a comunicação organizacional é empregada de maneira
integrada numa campanha publicitária, foram analisadas as peças da Caravana 500 mil pelo
Brasil, promovida pela marca de tratores Massey Ferguson - AGCO, à luz do pensamento
complexo.
Constatou-se a presença de aspectos tanto mercadológicos quanto institucionais nas
peças analisadas, evidenciando o caráter complexo, ambíguo e até mesmo contraditório da
comunicação organizacional, o que possibilita múltiplas leituras.
Palavras-chave: organizações; comunicação; discurso; pensamento complexo.
7
ABSTRACT
The present research focuses the advertisement speech to allow an attention analysis of
the
organizational
communication
as
institutional
communication
and
marketing
communication. This way, it is introduced the perspective of the integrated communication,
that aims, among other objectives, the creation of a positive image of the organization.
Supported by the method of the paradigm of the complex thought, the speech analysis
contributes to show how the advertisement text is structured in its social context, starting from
the multiple subjects, that act and interact on the circuit presented by Patrick Charaudeau as a
communication contract. It is also included the techniques of case study and exploratory
research, that combine the theoretical and documental subvention needed on the
transdisciplinary analysis, based on the paradigm proposed by Edgar Morin.
Aiming to demonstrate how the organizational communication is used in a integrated
way in an advertisement campaign, the pieces of the Caravana 500 mil pelo Brasil, promoted
by the brand Massey Ferguson-AGCO, were analyzed at the light of the complex thought.
The presence of both institutional and marketing communication aspects was noticed
in the analyzed pieces, proving the organizational communication to have a complex,
ambiguous and even contradictory nature, what enables multiple understandings.
Key-words: organization; communication; speech; complex thought
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Construção da imagem............................................................................................. 45
Figura 2 - Processo da identidade e da imagem. ...................................................................... 46
Figura 3 - Contrato de comunicação publicitária .....................................................................65
Figura 4 - Elementos presentes no texto publicitário. ..............................................................68
Figura 5 - Contrato de comunicação publicitária – Campanha Caravana 500 mil pelo Brasil87
Figura 6 - Anúncio 1................................................................................................................. 89
Figura 7 - Anúncio 2................................................................................................................. 90
Figura 8 - Outdoor.................................................................................................................... 91
Figura 9 - Proposta do discurso argumentativo. ..................................................................... 100
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Concepção de comunicação organizacional...........................................................27
Quadro 2 - Concepção de comunicação institucional .............................................................. 36
Quadro 3 - Valores da AGCO .................................................................................................. 79
Quadro 4 - Anúncio 1. .............................................................................................................. 89
Quadro 5 - Anúncio 2. .............................................................................................................. 90
Quadro 6 - Frases das peças da campanha ............................................................................... 93
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 12
1
A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES ............................................................... 18
1.1
A COMUNICAÇÃO COMO OBJETO ................................................................... 18
1.2
COMUNICAÇÃO NO ESPAÇO ORGANIZACIONAL........................................24
1.2.1
1.3
Um olhar sobre as teorias organizacionais .......................................................29
AFINAL, O QUE É COMUNICAÇÃO INTEGRADA?......................................... 34
1.3.1
2
Comunicação institucional X comunicação de marketing: .............................. 35
A COMUNICAÇÃO INTEGRADA E A IMAGEM ORGANIZACIONAL.................. 42
2.1
Construção da imagem organizacional NA PERSPECTIVA da comunicação
integrada ............................................................................................................................... 43
2.1.1
2.2
3
A responsabilidade social a serviço da imagem institucional ..................................48
O DISCURSO ORGANIZACIONAL ............................................................................. 52
3.1
O paradigma da complexidade ................................................................................. 52
3.1.1
3.2
4
Imagem, identidade e identificação. .................................................................44
Três princípios da complexidade...................................................................... 54
A necessidade do pensamento complexo nas organizações .....................................56
A ORGANIZAÇÃO DISCURSIVA ................................................................................ 60
4.1
O discurso PUBLICITÁRIO .................................................................................... 62
4.1.1
Organizações do discurso publicitário.............................................................. 67
4.1.2
Estratégias do discurso publicitário.................................................................. 70
4.2
Campanhas publicitárias........................................................................................... 72
11
4.2.1
4.3
5
6
As peças publicitárias ....................................................................................... 73
A relação da imagem com o TEXTO ....................................................................... 76
ESTUDO DE CASO: A CAMPANHA CARaVANA 500 MIL PELO BRASIL ...........78
5.1
Caracterizando a organização pesquisada ................................................................ 78
5.2
A CAMPANHA .......................................................................................................80
5.3
O contexto - Programa Fome Zero ...........................................................................82
APLICAÇÃO DA ANÁLISE: O ENCONTRO DE CHARAUDEAU COM A
COMPLEXIDADE................................................................................................................... 86
6.1
A análise das peças ................................................................................................... 87
6.1.1
Organização enunciativa................................................................................... 92
6.1.1.1
Comportamento Alocutivo ........................................................................... 94
6.1.1.2
Comportamento Delocutivo ......................................................................... 97
6.1.2
Organização argumentativa ............................................................................ 100
6.1.3
Organização narrativa..................................................................................... 101
6.1.4
Relação da imagem com o texto..................................................................... 102
6.2
ANÁLISE DAS FALAS – entrevista.....................................................................105
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................109
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 115
ANEXOS ................................................................................................................................ 119
12
INTRODUÇÃO
A adaptação da conduta organizacional perante a sociedade é cada vez mais necessária
para que a empresa possa crescer e se desenvolver num mercado competitivo e exigente. Para
ilustrar essa realidade, pode-se citar a recente preocupação das organizações com as suas
relações sociais e com os acontecimentos políticos e econômicos mundiais.
No que tange à comunicação, muitas mudanças já ocorreram em função da
globalização. A adoção de ações e programas de comunicação com vistas à construção de
uma imagem organizacional positiva deixou de ser apenas um diferencial, assumindo papel
fundamental no planejamento estratégico das empresas. Contudo, na prática, percebe-se que
as organizações enfatizam apenas algumas ferramentas, e não exploram o poder que a
comunicação exerce sobre toda a estrutura organizacional, e conseqüentemente sobre seus
diversos públicos.
O interesse por essa área surgiu desde a especialização em administração, com ênfase
em marketing, quando se constatou a falta de uma abordagem mais ampla da comunicação
por parte dos professores e dos autores de marketing. Durante o curso percebeu-se uma
grande disparidade entre a concepção de comunicação vista na graduação em comunicação
social, e a concepção de comunicação na pós-graduação em marketing. Foi com surpresa que
se deparou, na especialização, com uma abordagem superficial da comunicação
organizacional, restrita aos processos de promoção e divulgação. Nesta ocasião, desenvolveuse uma monografia onde era proposta uma nova concepção de comunicação para o marketing,
tornando essa área mais abrangente.
13
Ao longo dos estudos, buscando justificar a necessidade de se tratar a comunicação
com maior ênfase no âmbito organizacional, deparou-se com o termo comunicação integrada
que justamente se propunha abordar a comunicação de maneira mais ampla, alçando-a a
patamares mais altos na hierarquia dos tradicionais organogramas das empresas. Porém, esta
nova atenção que foi dispensada à comunicação parece não ter gerado a transformação que se
esperava. Bueno (2005) argumenta que os profissionais de comunicação acreditam e pregam
que a comunicação integrada é a melhor solução para as organizações, mas não a estão
praticando. Nesse sentido, surgiu a necessidade de se estudar como é praticada a comunicação
dentro das organizações, verificando se esta é realmente apenas uma ferramenta do marketing,
ou se ela é utilizada através da perspectiva da comunicação integrada.
A comunicação integrada, segundo a visão de Kunsch (2003), é uma filosofia que
direciona a convergência das diversas áreas da comunicação, numa união que permite uma
ação sinérgica, formando um mix, um composto de comunicação organizacional. Já para
Bueno (2005) fazer comunicação de maneira integrada significa que as atividades de
comunicação estão articuladas, se integram ao processo de gestão, de planejamento, de
marketing e obedecem a uma política de diretrizes comuns.
Assim, entende-se que a comunicação integrada busca ser uma aliada das organizações
para que cada mensagem desta, mesmo que em linguagens diferentes (discursos
organizacionais), seja harmônica e coerente, criando a legitimidade da organização e
projetando na mente do público exatamente a imagem do que a organização é, busca, e parece
ser.
Dentre essas manifestações da empresa, estão as ações de responsabilidade social, que
também foram implantadas como resposta a uma tendência mundial. A responsabilidade
social interessa tanto à empresa, por questões mercadológicas, quanto à comunidade em geral,
14
por questões éticas. A preocupação em realizar essas ações socialmente responsáveis
apresentou-se como uma das “adequações” que a globalização, de uma certa maneira, impôs
às organizações. Para divulgar estas ações, é necessário o desenvolvimento de uma
comunicação de cunho institucional, mas sem deixar de lado o objetivo final de empresa que é
o lucro, o que implica também em ações de comunicação mercadológica. Entende-se que
estes programas de comunicação, para que sejam coerentes, precisam ser planejados de
maneira integrada.
Durante o período de coleta de dados e investigação foram surgindo muitas
indagações, tais como: de que forma as empresas entendem a comunicação organizacional, e
como a comunicação organizacional influencia a formação da imagem. A partir destes
questionamentos foram traçados os objetivos gerais e específicos que norteiam este trabalho.
O objetivo geral foi compreender como a comunicação institucional e mercadológica é
trabalhada nas organizações, a partir dos discursos publicitários. Como objetivos específicos
buscou-se compreender de que maneira a comunicação influencia a criação da imagem
organizacional e discutir as estratégias comunicacionais para legitimar a imagem de uma
empresa socialmente responsável.
Buscando alcançar estes objetivos, analisou-se o discurso da campanha publicitária
intitulada Caravana 500 mil pelo Brasil, da marca Massey Ferguson, a partir do método
proposto pelo paradigma da complexidade (MORIN, 2003). Como metodologia, utilizaram-se
as técnicas de pesquisa exploratória como o levantamento bibliográfico e documental (GIL,
1999), que permitiram o embasamento teórico, e estudo de caso (YIN, 2005), que se mostrou
vantajosa por auxiliar na compreensão de fenômenos sociais complexos dentro de seus
contextos, como pode ser caracterizado o objeto deste estudo. A opção por esta técnica está
atrelada à sua ausência de fórmulas de rotina, característica pertinente na medida em que
15
permite ao pesquisador a liberdade de traçar seus caminhos, enriquecendo o estudo e
estimulando o exercício do pensamento complexo.
A Massey Ferguson é uma das marcas produzidas pela empresa multinacional norteamericana AGCO, responsável por 25% da produção mundial de máquinas agrícolas. O nome
AGCO não é mais considerado uma sigla, e sim um nome próprio que se formou a partir dos
nomes das duas primeiras marcas que compuseram a empresa: Allis, Gleaner Corporation. A
corporação não trata mais como sigla porque já tem mais de vinte marcas em seu portfólio,
várias delas muito mais representativas que estas duas, a começar pela Massey Ferguson. A
AGCO dispõe de um departamento de comunicação bastante atuante, e recentemente
promoveu, juntamente com a Associação Nacional dos Distribuidores Massey Ferguson
(Unimassey), uma campanha em nível nacional, para divulgar e comemorar o alcance de 500
mil tratores da marca produzidos no país.
A campanha é compostas de peças publicitárias com mensagens verbais e icônicas.
Entretanto, a análise ficou circunscrita aos textos verbais, num processo empírico-dedutivo
proposto por Patrick Charaudeau. Entendeu-se necessário incluir também uma leitura da
relação das imagens com o texto e da entrevista, como complementação.
Para analisar a campanha selecionada para o estudo – dois anúncios para revista e
jornal, um outdoor e um spot de rádio – foi empregada a técnica de análise de discurso,
através da dialética da enunciação, que trabalha com práticas sociais da linguagem. Segundo
Charaudeau esta técnica permite compreender os contextos e o apelo desses contextos, através
da reconstrução de representações. Nessa perspectiva, o lingüista define o ato de linguagem
como uma mise-em-sene da significação, da qual participam os parceiros em interação,
subordinada a contratos e convenções sobre saberes, normas, valores, universos de referência,
partilhados entre os sujeitos da enunciação.
16
Acredita-se que esta análise qualitativa, a partir do método proposto pelo paradigma
da complexidade de Edgar Morin, permite perceber o vínculo entre partes contraditórias de
um mesmo campo e a interação com outros campos sociais, o que dá um caráter
multidimensional ao todo da realidade social, característica inerente a todo processo
comunicacional.
No primeiro capítulo será abordada a comunicação nas organizações, fazendo-se um
breve relato de algumas teorias organizacionais e comunicacionais. A partir das idéias
expostas sobre comunicação organizacional, busca-se então a noção de comunicação
integrada, dando-se destaque para a comunicação institucional e a mercadológica.
No capítulo seguinte faz-se necessário abordar alguns aspectos da imagem
organizacional, pois se entende ser esta um produto, sempre inacabado e em constante
construção, de todos os meios de interação da organização com os públicos. Como auxiliares
na construção desta imagem são enfatizadas então as ações de responsabilidade social, que
atraem críticas positivas de toda a sociedade para a organização que as pratica. É pertinente
discutir este aspecto, na medida em que a campanha analisada foi concebida pela empresa
como uma ação socialmente responsável.
Já o terceiro capítulo discorre sobre o discurso organizacional, através da perspectiva
de Edgar Morin, apontando indícios do paradigma da complexidade nas organizações.
Através deste paradigma, o autor propõe a superação dos limites da metodologia ao
configurar uma teoria e um imaginário do conhecimento, que surge de um conjunto de novas
concepções, de novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão relacionar-se
em uma constante incerteza.
O quarto capítulo aborda a análise de discurso com ênfase no discurso publicitário,
priorizando-se a abordagem do circuito semiolingüístico que Charaudeau propõe na
17
construção do texto publicitário. Neste momento, discute-se também a criação de campanhas
publicitárias e a escolha de mídias para a veiculação das peças, restringindo-se às mídias
usadas na campanha.
No quinto capítulo, surge a necessidade de se caracterizar um estudo de caso (YIN
2005), através da descrição do objeto de pesquisa, a campanha Caravana 500 mil, e o
contexto social em que foi criado, o Programa Fome Zero do governo federal.
Finalmente, no sexto capítulo, estabeleceu-se a interação das idéias do paradigma da
complexidade e da análise discursiva de Charaudeau (1986). As abordagens circulares,
complexas e multidisciplinares auxiliam a entender o discurso publicitário em si, e a sua
interação com o contexto em que ele está inserido. É o momento em que se compreende que
as contradições são necessárias e que a imersão na complexidade auxilia na convicção de que
nenhuma verdade é definitiva, e o incerto está presente em todo o momento. Acredita-se que a
consciência da necessidade de preparar-se para o inesperado, proposta por Morin (2003), é um
caminho para tornar as ações organizacionais adequadas às constantes mudanças do mundo
globalizado.
18
1
A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
Segundo Putnam, Phillips e Chapman (2004), existe conflito tanto em nível teórico
quanto em nível prático, quando o assunto é a relação entre organização e comunicação. Para
os autores, ainda não há consenso sobre como efetivamente o contexto organizacional afeta a
comunicação e como a comunicação molda o contexto organizacional. Contudo, a relação
entre eles é importante, a ponto de fazer da comunicação um termo presente na maioria dos
estudos sobre as organizações.
Esta relação também é abordada por Littlejohn (1982), que afirma que, em certo
sentido, o conceito de organização é semelhante ao de comunicação, pois, em ambos os casos,
sabe-se intuitivamente do que se trata, mas é difícil defini-los formalmente. Para o autor, uma
parcela considerável da comunicação ocorre no contexto da organização, e, nesse sentido,
concorda-se com o autor, quando este cita a importância de se conhecer alguns aspectos tanto
das teorias da comunicação quanto das teorias da organização para enriquecer o entendimento
da comunicação no âmbito organizacional.
1.1
A COMUNICAÇÃO COMO OBJETO
Para Littlejohn (1982), a comunicação consiste num processo ubíquo e complexo de
eventos psicológicos e sociais, envolvendo a interação simbólica, através de diversas
combinações de codificação, significado, pensamento, informação e persuasão. Para o autor,
não é produtivo procurar a melhor teoria da comunicação, pois esta não é um ato singular e
19
unificado, mas um processo constituído por numerosos aglomerados de comportamentos.
Portanto, é pertinente uma abordagem multiteórica deste complexo processo.
Nesse sentido, buscou-se fazer um breve recorte dos diversos estudos da área que
justificam esta visão integrada, formada pela contribuição de diversas disciplinas que
discutem a questão da comunicação.
De acordo com Cooley (1901):
O campo da comunicação abrange não só a expressão do rosto, a atitude, os gestos, a
tonalidade da voz, as palavras, o escrito, mas também a imprensa, as estradas de
ferro, o telégrafo, o telefone; em suma tudo o que pode ser o resultado do domínio
do espaço e do tempo (apud MATTELART 1996, p. 40).
Esta frase é citada por Mattelart para frisar que a gama de definições do termo
comunicação já estava sendo comentada em 1901, pelo sociólogo americano Charles Horton
Cooley na obra Social Organization. Desde então, a polissemia desta palavra só aumentou e
Mattelart (1996) afirma que as diversas definições existentes hoje acabam importunando a
leitura de obras sobre o tema.
O autor procura enfatizar uma visão política nos seus estudos de comunicação,
argumentando que a comunicação promove o progresso, como aconteceu a partir de 1980,
com o desenvolvimento das tecnologias eletrônicas e informáticas, que fez surgir a “sociedade
da informação”. Especialmente nos países do então chamado “terceiro mundo”, a
comunicação apresentou-se como saída para o subdesenvolvimento, como um agente da
mudança social para auxiliar na racionalização dos comportamentos no domínio do
planejamento familiar, dos métodos agrícolas e da alfabetização (MATTELART, 1996).
Rabaça e Barbosa (2001) também acreditam que o mundo desenvolveu-se graças à
comunicação, e fazem uma ampla abordagem das várias definições do termo comunicação.
20
Os autores concluem que o homem só pode existir se for através da comunicação, pois ela
permeia toda sua vida, e onde existe vida humana, existe comunicação.
Porém, para se ter uma idéia da abrangência do termo comunicação, é preciso voltar às
origens dos estudos nesta área, e fazer uma breve síntese das teorias da comunicação.
Segundo França (2002), para iniciar uma reflexão sobre teoria (ou teorias) da
comunicação, é preciso, antes de tudo, definir o seu objeto. E a primeira questão que surge do
senso comum é que o objeto da comunicação está disponível a todos, materializado em
objetos e práticas que podem ser vistas, ouvidas e tocadas. A autora enfatiza esta visão ao
afirmar que a comunicação é um fato concreto do nosso cotidiano, de presença quase
exaustiva na sociedade contemporânea.
A autora alerta ainda que, no estudo do objeto da comunicação, não estão em questão
os objetos “comunicativos” do mundo, prontos para serem analisados, pois eles não estão
disponíveis. Na verdade, foram conceituados, construídos e apontados pelos teóricos de
comunicação. A comunicação, como processo social básico de produção e partilhamento do
sentido através da materialização de formas simbólicas, sempre existiu na história dos
homens. Foi a modernidade que transformou a comunicação em problema, que levantou
questões em torno de uma prática até então natural, naturalizada, mas que, a partir desse
momento, se impôs ao homem como algo a ser melhor conhecido.
França (2002) afirma ainda, que a partir de 1930, uma teoria começou a ser
desenvolvida nos Estados Unidos e foi chamada de mass communication research, pesquisa
voltada para os meios de comunicação de massa, seus efeitos e funções. Preocupava-se com
os aspectos objetivos, tangíveis e mensuráveis da comunicação como um todo, levando em
conta a eficiência e a eficácia das práticas comunicativas. Esse sistema foi criado para
21
explicar a comunicação eletrônica, mas logo foi aplicado a diversos contextos sociais,
principalmente para explicar a comunicação humana.
Para Martino (2002), é importante ressaltar a intenção da comunicação de romper com
o isolamento, realizando uma ação em comum, como o produto de um encontro social, num
processo bem delimitado no tempo, sem se confundir com a convivialidade. Nesse sentido, a
comunicação exprime um tipo de relação exercida sobre outrem, ou seja, uma relação entre
consciências. O autor exemplifica citando que um livro somente se torna comunicação a partir
do momento dessa relação: para que a página de um livro se transforme em mensagem, é
preciso reunir tanto a atividade do leitor, quanto o produto da atividade do escritor.
O rastro que uma consciência deixa sobre um suporte material, de modo que uma
outra consciência possa resgatar, recuperar e simular o estado em que se encontrava a
primeira consciência, é a informação (MARTINO, 2002). A informação é uma comunicação
que pode ser ativada a qualquer momento, e tanto pode ser considerada uma parte do processo
de comunicação ou um sinônimo desse processo, pois não existe comunicação sem
informação, e, por outro lado, não há informação, senão em vista da possibilidade dela se
tornar comunicação.
Para Martino (2002), a resposta que surge espontaneamente para a pergunta “o que é
comunicação?”, é a situação de diálogo, onde duas pessoas – o emissor e o receptor – trocam
idéias, informações ou mensagens, ou seja, conversam. Mas este fenômeno não se restringe
exclusivamente ao envolvimento de duas pessoas. Existe uma diversidade de conceitos que
pode nos levar para situações muito distintas do diálogo, como, por exemplo, a comunicação
entre animais, comunicação não verbal, comunicação entre máquinas, como computadores
conectados por um modem. Entretanto, considerando-se a comunicação como uma disciplina,
22
delimita-se o tema, pois nesse âmbito o seu estudo não engloba todo e qualquer fenômeno
comunicativo, mas apenas aqueles restritos à dimensão humana.
O autor busca a etimologia do termo para discorrer sobre o tema. O termo
comunicação vem do latim communicatio, que se divide em três partes. A raiz munis significa
“estar encarregado de”, o acréscimo do prefixo co expressa simultaneidade, reunião, ou
“atividade realizada conjuntamente”, reforçados pela terminação tio, que também exprime a
idéia de atividade (MARTINO, 2002). O autor conclui que o objeto de estudo da
comunicação tende a se confundir com o objeto de outras ciências. A verdadeira dimensão
desse problema pode ser percebida ao se analisar a riqueza semântica da palavra
“comunicação”.
Hohlfeldt (2002), partindo do pressuposto de que a comunicação é a troca de
mensagens, afirma que o processo comunicacional é, antes de tudo, uma habilidade
exclusivamente humana, que se aprende através da linguagem, consistindo em um fenômeno
social. Para o autor, embora seja hoje estudada enquanto disciplina específica, a comunicação
é, na verdade, campo de estudos e análises de múltiplas disciplinas, tais como a antropologia e
a sociologia.
Neste
sentido,
Rüdiger
(2002)
contribui
para
reforçar
a
questão
da
interdisciplinaridade dos estudos comunicacionais, ao sinalizar que os precursores da pesquisa
crítica em comunicação não eram teóricos do campo da comunicação, mas pensadores que se
interessavam por diversos campos do saber com o objetivo filosófico e político de elaborar
uma ampla teoria crítica da sociedade. O autor refere-se à Escola de Frankfurt, grupo de
cientistas sociais alemães cujos expoentes eram Theodor Adorno, Max Horkheimer, Erich
Fromm e Herbert Marcuse (2002).
23
Entre as contribuições da referida Escola está a criação do conceito que se tornou
central para os estudos sobre mídia e que interessa ainda hoje para os pesquisadores de
comunicação: a indústria cultural. Este termo refere-se à conversão da cultura em mercadoria,
ou seja, a produção cultural e intelectual orientada em função de sua possibilidade de
consumo no mercado.
Os pensadores frankfurtianos criticaram a cultura de massa porque perceberam que a
família, a escola e a religião perderam grande parte de sua influência socializadora para os
meios de comunicação, a ponto de o capitalismo penetrar no campo da formação da
consciência. Para eles, a cultura convertida em mercadoria conserva as marcas da violência e
da exploração a que as massas têm sido submetidas desde as origens da história,
transformando não só o conhecimento, a literatura e a arte em produtos de consumo, mas
também os próprios seres humanos (RUDIGER, 2002).
Nesse paradigma estudava-se a comunicação inserida na cultura, considerando os
ritos, valores, conteúdos de linguagens e das narrativas, sem adotar conceitos préestabelecidos. Desse modo, busca-se a interpretação dos fatos, relacionando-os em aspectos
sócio-culturais da época, dando ênfase nas suas diferenças e similaridades e revelando o
sentido de um mito ou de um sistema.
Contudo, Martin-Barbero (2004) afirma que a inserção da comunicação nos estudos
das ciências sociais gerou uma visão reducionista da área, tornando suas tecnologias e
linguagens restritas aos aparelhos e instrumentos de reprodução social. Tal reducionismo pode
ser percebido na visão dos pensadores da Escola de Frankfurt de que a arte somente
permaneceria íntegra se não participasse da comunicação, como se a comunicação se
restringisse a um instrumento de reprodução ideológica.
24
O autor aborda também a necessidade crescente de conscientização da
transdisciplinaridade do campo da comunicação. Esta consciência é imposta pela
globalização, que cada vez mais levanta questões transnacionais com novos territórios, atores,
contradições
e
conflitos.
Entretanto,
Martin-Barbero
(2004)
alerta
que
essa
transdisciplinaridade não significa a dissolução dos objetos da comunicação nas disciplinas
sociais, e sim a construção de articulações que permitem a compreensão das novas formas de
percepção e de linguagem.
A comunicação também é analisada a partir de uma realidade una e múltipla, em que a
pluralidade está nas relações complexas que o sujeito estabelece com o mundo. Para Morin
(2002), o pensamento complexo não é um pensamento onisciente, mas uma aventura
contraditória que exige a construção e a reconstrução dos fatos para chegar a uma autoorganização recursiva. Tal organização permite compreender a realidade e a sua
interdependência, ou seja, a realidade recíproca entre as noções de sociedade e indivíduo.
Finalizando esta breve descrição dos estudos de comunicação, constata-se a
necessidade de estudar a comunicação de uma maneira global e multidisciplinar, revisando
constantemente os conceitos e permitindo a integração com um mundo cada vez mais
complexo, onde a comunicação tem papel essencial. Acredita-se que esta abordagem inicial
da comunicação como objeto de estudo permite a melhor compreensão da comunicação no
âmbito organizacional, onde esta possui papel fundamental e estratégico.
1.2
COMUNICAÇÃO NO ESPAÇO ORGANIZACIONAL
No Brasil, a terminologia “comunicação organizacional” é usada indistintamente dos
termos “comunicação empresarial” e “comunicação corporativa”, para designar todo o esforço
25
de comunicação realizado pelas organizações em geral. Contudo, defende-se o uso da
terminologia “comunicação organizacional”, apoiando-se na visão de Kunsch (2003), para
quem este termo abrange toda a gama das ações organizacionais e apresenta maior amplitude,
aplicando-se a qualquer tipo de organização – pública, privada, sem fins lucrativos, ONGs
(organizações não-governamentais) –, associações etc.
No que tange às organizações, a comunicação atua como mecanismo de adaptação
crucial para seus membros e para sua própria sobrevivência (KREPS, 1995). Nesse sentido,
está relacionada primeiramente como uma atividade simbólica, um mecanismo de adaptação
para a humanidade, uma ferramenta para ajudar as pessoas a reconhecer e responder às
ameaças à sua existência. Num segundo momento, Kreps (1995) afirma que a comunicação é
um processo de recolhimento, envio e interpretação de mensagens.
Este processo permite às pessoas compreender suas experiências, gerar e compartilhar
informações e ferramentas de pensamento e direção para cooperar e organizar-se. Dentro das
organizações, este processo de comunicação é utilizado para facilitar o desempenho de suas
atividades. O autor afirma ainda, que as organizações só estão organizadas porque seus
membros trabalham para esse fim e estão continuamente comprometidos com um processo de
organização e de reorganização.
A comunicação insere-se neste contexto como o elo norteador da interação da
organização com seus diversos públicos, na medida em que o relacionamento entre as pessoas
é considerado fator primordial na vida organizacional.
Esta visão é compartilhada por Kunsch (2003), que considera a comunicação como
ponto crucial da sobrevivência das organizações, sendo o único meio para conhecer o
consumidor e se relacionar com ele. Para a autora, o grande valor de uma organização e seu
produto ou serviço é a diferença e a credibilidade gravada na mente do consumidor.
26
Contudo, é pertinente ressaltar que os departamentos das organizações não dependem
apenas da comunicação para que possam alcançar as suas metas, mas também de modernas
tecnologias de armazenamento e recuperação de informação, como sistemas de informação e
arquivos (KREPS, 1995). O autor afirma que, tanto os sistemas de informação, quanto os
diversos departamentos das empresas, utilizam a comunicação para coletar, interpretar, avaliar
e aproveitar a informação relevante para a organização. A informação é um resultado da
comunicação e da criação de significados que serve às pessoas para compreender e prever o
mundo à sua volta.
Nesse sentido, o referido autor destaca que os membros de cada setor necessitam
compartilhar informações relevantes entre si para que todos os setores da organização
trabalhem conjuntamente. Na vida da organização, a informação é fundamental e necessária,
pois os indivíduos que possuem conhecimento podem responder apropriadamente às diversas
tarefas, problemas e ações da organização. A informação ajuda a dirigir o comportamento nas
organizações ao indicar a maneira mais frutífera de interpretar e cumprir essas atividades. A
carência desta pode conduzir a organização a resultados desastrosos.
Para Kreps (1995), uma compreensão clara das funções de adaptação da comunicação
para os indivíduos e as organizações serve para reforçar e acentuar a centralidade da
comunicação e da informação ao organizar atividades. O autor destaca ainda, que existem
canais internos e externos, dois sistemas primários de comunicação nas organizações que
desempenham funções importantes e inter-relacionadas no processo de organizar.
Já Goldhaber (1991) analisa a comunicação a partir de definições de diversos autores
conforme o quadro a seguir:
27
Autor
Concepção de Comunicação Organizacional
Redding e Somtom Ato de enviar e receber informação dentro de uma organização complexa.
(1964)
Zelco e Dance (1965)
Interdependente entre as comunicações internas (ascendentes, descendentes e
horizontais) e as comunicações externas (relações públicas, vendas e publicidade).
Katz e Kahn (1966)
Fluxo de informação (o intercâmbio de informação e a transmissão de mensagens
com sentido) dentro da organização.
Thayer (1968)
Fluxo de dados que serve aos processos de comunicação e intercomunicação da
organização.
Bormann e outros “Comunicação oral” como oposta à comunicação escrita.
(1969)
Huseman e outros Fator da estrutura organizacional, presente na motivação e nas habilidades
(1969)
comunicativas como falar, escutar, escrever, entrevistar e discutir.
Lesikar (1972)
Interdependente entre as comunicações internas (ascendentes, descendentes e
horizontais), externas (relações públicas, vendas e publicidade) e pessoais
(intercâmbio informal de informação e sentimentos entre os indivíduos que formam
a organização).
Quadro 1 - Concepção de comunicação organizacional.
Fonte: Elaborado a partir da obra de Goldhaber (1991, p.15-31).
Ao analisar o quadro, cabe destacar os elementos consensuais entre os autores. O
primeiro, é que a comunicação ocorre em um sistema complexo e aberto que é influenciado e
influencia o meio ambiente. Segundo, que implica mensagens, seu fluxo, propósito, direção e
o meio empregado por elas, e terceiro, que envolve pessoas, suas atitudes, seus sentimentos,
suas relações e habilidades. A partir das idéias expostas, Goldhaber (1991) conclui que a
comunicação organizacional é o fluxo de mensagens dentro de uma rede de relações
interdependentes.
Torquato (1986), por sua vez, destaca que, para se atingir um nível de expectativa
desejado para as ações de comunicação, é preciso também escolher os canais adequados, a
fim de gerar empatia, pois as comunicações altamente empáticas são comunicações eficazes.
A eficiência comunicativa deve ser vista como a potencialidade do emissor de afetar outros,
de modo a fazê-los seguir suas intenções e também o potencial do emissor para ser afetado
pelos outros. Simplificando, o desenvolvimento das aptidões de alguém para receber
comunicação é tão importante como o desenvolvimento das aptidões de alguém para
comunicar.
28
Considera-se importante destacar a diferenciação que Torquato (1986) faz dos termos
eficácia e eficiência no campo da comunicação. Comunicação eficaz não é apenas o ato em
que o emissor e receptor se envolvem numa mensagem, com resultados claros e consensuais
para ambos. Apesar de o emissor ter claramente em vista o objetivo de sua mensagem, com a
qual concorda o receptor, ambos podem se comportar de maneira diferente.
Portanto, a eficácia do desempenho comunicativo não é o mesmo que a eficiência do
encontro comunicativo. Duas pessoas podem ser eficientes, mas os resultados de um encontro
de comunicação podem ser desastrosos. A informação a ser transmitida, o desempenho do
emissor e suas habilidades integram o processo de comunicação, mas também fazem parte
desse processo a situação, a mensagem que o receptor interpreta, suas habilidades de
captação, etc.
O autor deixa claro que não se pode analisar eficácia isolando-se qualquer um desses
elementos. Assim, acredita-se que a eficácia da comunicação só é atingida quando todos esses
fatores que integram o processo de comunicação são analisados e considerados favoráveis
para que o receptor receba exatamente a mensagem que o emissor intencionalmente
transmitiu.
Torquato (2002) destaca ainda, que a comunicação organizacional não deve ser
percebida somente como comunicação social. Para o autor, a comunicação assume quatro
modalidades distintas dentro da organização. A primeira é a comunicação cultural, onde se
inserem os costumes, as personalidades e perfis das pessoas, é o clima interno da organização.
A segunda dimensão é a comunicação administrativa que engloba os memorandos,
correspondências internas e outros materiais impressos, que muitas vezes acabam não sendo
lidos. A terceira forma de comunicação é a comunicação social, a mais conhecida, que
envolve o jornalismo, relações públicas, publicidade, editoração e marketing. Existe ainda a
29
quarta e última forma, que é a comunicação cibernética, onde estão reunidos os sistemas de
informação e bancos de dados. Para o autor: “a comunicação organizacional é a possibilidade
sistêmica, integrada, que reúne essas quatro grandes modalidades, cada uma exercendo uma
função específica” (TORQUATO, 2002, p.35).
Nesse sentido, insere-se a visão de Kunsch (2003) e de Bueno (2005), de que a
comunicação organizacional necessita ser abordada a partir da concepção de comunicação
integrada. Esta, para Kunsch, envolve a comunicação institucional, a comunicação
mercadológica, a comunicação interna, e a comunicação administrativa. Bueno, por sua vez,
prioriza as duas instâncias da comunicação que são trabalhadas neste estudo, a comunicação
institucional e a comunicação mercadológica. As abordagens destes autores serão discutidas
no decorrer deste capítulo.
Por fim, conforme Baldissera (2000), acredita-se que a comunicação é utilizada para
reforçar e preservar a identidade organizacional, e ser a força que impulsiona para as
transformações desejadas, uma vez que a comunicação organizacional compreende todo o
fluxo de mensagens que compõem a rede de relações da organização. Assim, considerou-se
pertinente uma leitura das teorias organizacionais para melhor compreensão desta visão.
1.2.1 Um olhar sobre as teorias organizacionais
A teoria das organizações, segundo Motta (2001), é fruto de uma transformação na
teoria da administração, a partir da evolução da Sociologia, da Ciência Política e da
Psicologia Social norte-americanas, e que rapidamente foi divulgada em diversos países
capitalistas, inclusive no Brasil.
30
Na transição da teoria da administração para a teoria das organizações, a preocupação
com a produtividade dá lugar à preocupação com a eficiência do sistema. Nesta teoria, a
organização é entendida como uma rede de tomada de decisões, onde a racionalidade tem
papel limitado. Esta linha teórica ficou conhecida como behaviorismo, onde o processo
decisório tem papel central. Seguindo a evolução da teoria organizacional, Motta (2001)
discorre sobre as diversas influências neste campo, das quais destacam-se, entre outras, o
funcionalismo, o estruturalismo, a teoria dos sistemas abertos e a teoria da contingência1. Não
se pretende aqui desenvolver ou defender essas abordagens, bastante densas, mas apenas citálas como marcos importantes da evolução das teorias da organização.
Uma outra abordagem é feita por Marsden e Townley (2001), que afirmam que a
organização foi inicialmente definida como um sistema formal orientado para realização de
um objetivo. Porém, os autores alertam que esta abordagem não foi suficiente para atender às
necessidades psicológicas dos trabalhadores. Nesse sentido, afirmam que não há uma só
prática organizacional, nem tampouco uma só teoria. Destaca-se a análise que os referidos
autores fazem das chamadas teoria organizacional normal e teoria organizacional contranormal.
A teoria organizacional normal está ligada ao modelo econômico e político capitalista
norte-americano e é acusada pela teoria contra-normal de ser a teoria dos gestores em
detrimento dos geridos. A grande questão que a teoria organizacional contra-normal critica é a
postura da teoria normal em pregar a administração sem considerar as pessoas, sem dar a elas
a devida importância, alienando-as em um processo de controle e dificultando que
reconheçam a natureza do poder que influi sobre elas.
1
Sobre a origem destas influências na teoria das organizações consultar Talcott Parsons, The Social System
(Nova Iorque, The Free Press, 1964); Amitai Etzioni, Organizações Complexas (São Paulo: Atlas, 1973);
Ludwig von Bertalanffy, Teoria Geral dos Sistemas (Petrópolis, Vozes, 1973); Tom Burns e G. M. Stalker, The
Management of Innovation (Londres, Tavistock Publications, 1968).
31
Contudo, os referidos autores alertam que a teoria contra-normal também apresenta
falhas devido à sua incapacidade, até o momento, de produzir uma alternativa à teoria normal,
que, segundo os autores continua atuando até hoje. Embora divergentes em muitos aspectos,
as teorias organizacionais mantêm em comum o interesse em diagnosticar as causas da
ineficiência e identificar possíveis soluções. Nesse sentido, concorda-se com a afirmação de
Bronzo e Garcia (2000), de que existe a necessidade de se estabelecer uma nova visão sobre
as teorias organizacionais que seria construída a partir da abrangência da análise
administrativa, incluindo enfoques de economia, política e sociologia. Acredita-se que
também possa ser inserido nesse processo o enfoque da comunicação.
Esta nova visão da administração, que para Chanlat (2000) seria baseada também na
antropologia, semiologia, psicanálise e ciências da linguagem, parece ser mais apropriada, em
função dos argumentos defendidos pelos autores aqui citados. Ficou claro que a teoria
organizacional normal, apesar de ser a mais utilizada atualmente, não é a palavra final e
necessita de uma alternativa que a teoria organizacional contra-normal não conseguiu criar.
Chanlat (2000) aponta ainda que em numerosas instituições de formação em
management ocorre a redução da presença das ciências sociais em proveito de disciplinas
mais técnicas ou menos perturbadoras. Essa mesma insatisfação foi sentida durante o
transcorrer desta pesquisa. Constatou-se que há uma tendência das obras de administração e
marketing enfatizarem apenas algumas ferramentas de comunicação, e não explorarem a
importância e o poder que ela exerce sobre toda a estrutura organizacional. Esta tendência está
explícita na afirmação de Kotler (2002), de que é na promoção – um dos chamados “4Ps” do
marketing – que são desenvolvidos os programas de comunicação.
Contudo, entende-se que a comunicação organizacional não se restringe a um
instrumento de venda, e, por isso, acredita-se que, esta nova visão do campo da administração
32
defendida por Chanlat (2000) precisa incluir também uma abordagem mais ampla da
comunicação.
Enriquez (2000), por sua vez, ressalta a importância que está começando a ser
atribuída pelas organizações à afetividade humana. O autor retoma as principais etapas do
desenvolvimento do aspecto emocional nos estudos organizacionais, partindo da visão
reducionista do taylorismo sobre o psiquismo humano. Enriquez afirma que Taylor
considerava os indivíduos preguiçosos e egoístas, e que para garantir o bom funcionamento da
organização eles tornavam-se inclusive meros executores sem alma. O autor ressalta que esta
visão é abordada de forma mais sutil por Weber2, que reconhece o direito dos indivíduos de se
deixarem levar pelas paixões, mas somente na vida privada, sendo permitido na vida pública
apenas manifestações puramente racionais. Motta (2001) cita Fayol que também desenvolve
estudos voltados à racionalização da estrutura administrativa e complementa o trabalho
desenvolvido por Taylor ao criar a classificação lógico-dedutiva das funções do
administrador: planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar.
As reações a essas análises foram elaboradas pelo psicólogo industrial George Elton
Mayo, que ressaltou a importância dos fatores afetivos nas organizações e inspirou a criação
da corrente administrativa chamada de Relações Humanas (MOTTA, 2001). A Escola de
Relações Humanas sucedeu à Administração Científica e deslocou a atenção da organização
formal para a informal, estimulando uma “psicologização” das relações de trabalho. Esta
influência da Escola de Relações Humanas inaugurou a preocupação psicossocial no campo
da teoria das organizações.
Já para Moscovici (2002), os valores atuantes na organização moldam atitudes e
comportamentos, norteiam e condicionam as relações interpessoais internas e externas. A
2
Enriquez faz referência à obra de Max Weber, L’étique protestante et l’esprit du capitalism. Paris, Plon,s.d.
33
autora enfatiza também a importância da cultura organizacional, ao afirmar que esta constitui
um dos mais fortes condicionadores do desempenho profissional. Entretanto, a autora alerta
que, apesar de muitas organizações afirmarem dispor de valores humanísticos na sua cultura,
– o que hoje, pode ser visto com uma atitude moderna e avançada – estes aparecem mais no
discurso do que nas práticas organizacionais.
Segundo a autora, as emoções e sentimentos ainda são ignorados ou menosprezados
como se fossem variáveis menos importantes e menos decisivas na dinâmica da organização.
A empresa que dispõe de uma administração “saudável” reconhece, acolhe e permite a
expressão das emoções, procurando aproveitar essa energia de forma positiva. A idéia de
enpowerment3 expressa essa tendência no sentido de que as pessoas precisam ser
potencializadas, descobrir seu potencial e aprender a usá-lo e expandi-lo de forma construtiva.
A comunicação organizacional atuaria, então, como agente minimizador da hierarquia e da
distância entre os departamentos, contribuindo para a atribuição de responsabilidades e poder
a todos que interagem com os clientes internos e externos.
Destaca-se, deste breve recorte sobre as teorias apresentadas, que a criação desta nova
abordagem organizacional abrangendo áreas externas à administração pode vir a preencher a
lacuna deixada pelas teorias anteriores, desde que pretenda ampliar a importância da
afetividade e evidenciar a necessidade da combinação das várias ciências que estudam as
relações humanas. A citação de Enriquez (2000, p.16), “Se a paixão age sozinha, termina em
paranóia. Da mesma forma, se a razão não é temperada pela paixão, termina em perversão”,
demonstra claramente o equilíbrio que se considera necessário para que uma organização se
legitime e se mantenha como tal. Atuando no alcance e conservação desse equilíbrio
organizacional, insere-se a comunicação integrada, tópico que será desenvolvido a seguir.
3
Para a autora, enpowerment é o resgate da essência humana. Ao tornar-se humana, a pessoa se torna poderosa.
34
1.3
AFINAL, O QUE É COMUNICAÇÃO INTEGRADA?
Administrar estrategicamente a comunicação nas organizações com os diferentes
públicos (empregados, consumidores, imprensa, poderes públicos, acionistas, fornecedores),
requer uma consulta a especialistas no assunto, que podem ser profissionais de comunicação
que atuam internamente, ou de empresas e agências de comunicação, que prestam serviços
externos. Também é possível considerar as duas fontes juntas. Para Kunsch (2003), somente a
partir das decisões tomadas pela organização após ouvir esses profissionais, é que deverá ser
pensada a elaboração de um plano estratégico de comunicação.
Kunsch (2003) alerta ainda que conceber projetos, programas e planos isolados de
comunicação institucional sem uma vinculação com a comunicação mercadológica, a
comunicação interna e todo o conjunto político, econômico e social de uma organização, é
atuar de maneira fragmentada que resultará em resultados duvidosos. Para a autora, a
realização dessa tarefa só é possível através de um projeto global, com políticas definidas e
com um planejamento alinhado às diretrizes e ações delineadas por todos os setores da
organização, através da comunicação integrada. Essa comunicação envolve a comunicação
institucional, a comunicação mercadológica, a comunicação interna e a comunicação
administrativa, que atuam de maneira conjunta. Kunsch destaca que essa visão já era
vislumbrada em 1984:
Não acreditamos que haja, na área de comunicação, um profissional ecumênico.
Acreditamos na comunicação integrada, ou seja, na atuação conjugada de todos os
profissionais da área. Não há conflitos entre as diversas atividades: há somatória em
benefício do cliente. (ABERP 1984, p.12 apud KUNSCH 2003, p. 151).
35
É importante ressaltar aqui a afirmação de Torquato (2001), que faz outra abordagem.
Para o autor, a comunicação organizacional4 é composta por quatro grandes modalidades: a
comunicação cultural, a comunicação social, a comunicação administrativa e a comunicação
cibernética, conforme já destacado anteriormente. Neste sentido, a comunicação social seria o
subcampo escolhido para ser estudado neste trabalho, sob o viés da comunicação institucional
e mercadológica.
Entende-se a comunicação organizacional como um dos sub campos da comunicação,
fazendo parte deles a comunicação institucional e a comunicação mercadológica. Esta visão
está baseada na perspectiva de Bueno (2005) de que a comunicação empresarial é composta
pela comunicação institucional e a comunicação mercadológica, que devem agir de maneira
integrada. Para o autor, a comunicação institucional e mercadológica, quando autênticas, não
entram em conflito, mas se alinham para construir um trabalho ético, comprometido com o
interesse público, gerando lucros para as organizações.
Neste sentido, considera-se relevante desenvolver os tópicos da comunicação
institucional e mercadológica para melhor compreender a importância da sua atuação conjunta
e efetiva relação.
1.3.1 Comunicação institucional X comunicação de marketing:
Torquato (1986) afirma que é importante considerar a comunicação como uma ação
integrada de meios, formas, recursos, canais e intenções, pensada de maneira estratégica para
impulsionar e assessorar a administração na conquista de melhores resultados, tornando-a
assim um investimento que trará resultados. Assim, apesar de afirmar que os programas de
4
O autor entende comunicação organizacional e comunicação empresarial como sinônimos.
36
comunicação institucional e mercadológica têm diferenças em suas abordagens, o autor
defende sua atuação conjunta:
O programa de comunicação institucional distingue-se, portanto, do programa de
comunicação mercadológica, apesar de poder-se estabelecer entre eles afetiva
relação, na medida em que um bom conceito é vital para a organização, integrandose na estratégia global dos negócios e promovendo e respaldando a sinergia
comercial. (TORQUATO 1985 p. 183-4 apud KUNSCH 2003 p. 165)
Para Rabaça (2001 p. 176) o termo comunicação institucional é definido como um
“conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público sobre as
políticas, práticas e objetivos de uma instituição, interna e externamente, de modo a tornar
compreensíveis e aceitáveis essas proposições”.
Segundo Kunsch (2003), a comunicação institucional está intrinsecamente ligada aos
aspectos organizacionais que explicitam o lado público das organizações, constrói uma
personalidade legítima e tem como proposta básica a influência político-social na sociedade
onde está inserida. A autora cita três definições de comunicação institucional de diferentes
autores, conforme quadro a seguir:
Autor
Torquato (1985)
Weil (1992)
Fonseca (1999)
Concepção de Comunicação Institucional
Ação que objetiva conquistar simpatia, credibilidade e confiança, realizando, com
meta finalista, a influência político-social; utilizando, para tanto, estratégias de
relações públicas, tanto no campo empresarial como no governamental, de
imprensa, publicidade, até as técnicas e práticas do lobby.
Anunciar a política, traduzir a missão, cumprir seus objetivos como sujeito
pensante e dirigente de sua produção, ir além do registro puramente comercial.
Conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público
sobre as filosofias, as políticas, as práticas e os objetivos das organizações, de
modo a tornar compreensíveis essas propostas.
Quadro 2 - Concepção de comunicação institucional
Fonte: Kunsch 2003, p. 164-165
Segundo as percepções dos autores citados no quadro, Kunsch (2003) assegura que a
comunicação institucional é complexa e necessita de estratégias e políticas bem definidas de
comunicação que precisam ser pensadas de maneira integrada, pois realizar a comunicação
institucional de maneira satisfatória implica conhecer a organização e saber compartilhar seus
atributos – missão, visão, valores, filosofia e políticas organizacionais.
37
Conforme Kunsch (2003), a comunicação institucional é composta por instrumentos
que concorrem para legitimar a organização perante seus públicos, a opinião pública e a
sociedade em geral. Esses instrumentos são: as relações públicas, às quais cabe delinear e
gerenciar essa comunicação, o jornalismo empresarial, a assessoria de imprensa, a
publicidade/propaganda institucional, a imagem e a identidade corporativa, o marketing
social, o marketing cultural e a editoração multimídia.
A autora afirma ainda, que a comunicação institucional visa agregar valor ao negócio
das organizações e contribuir para criar um diferencial no imaginário dos públicos. Neste
sentido, não pode ser concebida isolada da comunicação mercadológica, interna e
administrativa, pois, apesar de serem áreas específicas, atuam conjuntamente para uma só
organização, que necessita manter uma comunicação cada vez mais precisa para alcançar a
aceitação e adesão dos públicos.
Já a comunicação de marketing é utilizada para tentar aumentar vendas e lucros
(CHURCHILL E PETER, 2000). Os referidos autores ressaltam que os profissionais de
marketing desejam que os receptores respondam suas mensagens através da compra dos
produtos ou marcas oferecidos. Na comunicação de marketing, a criação das mensagens
destinadas ao público-alvo da organização visa estimular atenção, interesse, desejo e ação,
sendo esta última etapa, a efetivação da compra.
Churchill e Peter (2000) complementam o tema, afirmando que a comunicação de
marketing informa, persuade e lembra os consumidores; comunica vantagens e a relação
custo-benefício dos produtos desejados pelos consumidores. Os autores asseguram ainda que,
antes que os consumidores ou compradores organizacionais possam adquirir um produto
qualquer, precisam saber o que é o produto, como ele proporciona valor, e onde é encontrado,
sendo tarefa da promoção – um dos “4Ps” do marketing - fornecer essas informações.
38
Considera-se importante destacar a divergência sobre a concepção de comunicação para
os autores de marketing, e para os autores de comunicação. Enquanto a maioria dos autores de
marketing reduz a comunicação a um dos chamados “4Ps” do composto de marketing – a
promoção –, os autores de comunicação aqui citados entendem a comunicação como um
fenômeno
social,
interdisciplinar,
quase
exaustivamente
presente
na
sociedade
contemporânea. E, no que diz ao respeito ao marketing, deve ser encarada como todos os
meios de exposição e interação da organização com os diversos públicos (consumidores,
funcionários, imprensa, poderes públicos, acionistas, fornecedores).
Para Churchill e Peter, por exemplo, a comunicação faz parte do composto de marketing
– combinação de ferramentas estratégicas usadas para criar valor para os clientes e alcançar os
objetivos da empresa –, e é chamada também de promoção. Dentro do composto de marketing
existem quatro elementos primários: produto, preço, ponto de venda e promoção, que também
são chamados de “quatro Ps”. (2000 p.20): “o elemento promoção, ou comunicação, refere-se
a como os profissionais de marketing informam, convencem e lembram os clientes sobre
produtos e serviços”.
Kotler (2001) também identifica a comunicação de marketing como sinônimo de
promoção. Segundo este autor, a comunicação de marketing – ou promoção – é projetada para
ser persuasiva, para conseguir um efeito calculado nas atitudes e no comportamento do
público-alvo. É todo o esforço de comunicação empreendido pela empresa para informar a
existência do produto e promover as vendas. O autor afirma ainda, que há uma nova
concepção da comunicação, isto é, um diálogo interativo entre a empresa e seus clientes que
ocorre durante os estágios de pré-vendas, vendas, consumo, e pós-consumo. As empresas
precisam se perguntar não apenas “Como chegaremos aos nossos clientes?”, mas também
“Como nossos consumidores chegarão até nós?”. O autor sugere que, para promover uma
39
comunicação eficiente5, os profissionais de marketing precisam compreender os principais
elementos que compõem essa comunicação.
Neste ponto, pode-se inserir a abordagem de Torquato (1986), que afirma que, para
avaliar se a comunicação foi eficaz é necessário levar em consideração os seguintes fatores: a
mensagem, o desempenho do emissor, suas habilidades, a situação, o receptor, a interpretação
do receptor, suas habilidades de captação, relevância, credibilidade, adequação, entendimento
e sincronia. O autor afirma que o objetivo final dos profissionais que lidam com comunicação
nas empresas é produzir aceitação, gerar consentimento, através do desenvolvimento de uma
comunicação eficaz.
Para Kotler (2001), o comunicador de marketing necessita realizar oito etapas para
desenvolver esta comunicação eficaz: identificar o público-alvo, determinar os objetivos de
comunicação, elaborar a mensagem, selecionar os canais de comunicação, estabelecer o
orçamento total de comunicação, decidir sobre o mix de comunicação, medir os resultados de
comunicação e gerenciar o processo de comunicação integrada de marketing. Esta última
surge da necessidade de coordenar a ampla gama de ferramentas de comunicação, mensagens
e públicos.
Segundo Kotler:
comunicação integrada de marketing é deixar de depender quase que exclusivamente
de uma só ferramenta de comunicação como a publicidade ou a força de vendas, e
passar a combinar várias ferramentas para proporcionar uma imagem de marca
consistente aos clientes a cada contato que eles tiverem com a marca (2001, p. 50).
Torquato (2002) cita a comunicação integrada de marketing (CIM), afirmando que ela
consiste na união de esforços para se comunicar de modo eficaz. Através dessa integração e
coordenação de todos os canais de comunicação – propaganda, venda pessoal, promoção de
5
Diferentemente de Torquato (1986), percebe-se que Kotler (2001) não diferencia comunicação eficiente e
comunicação eficaz, citando os dois termos como sinônimos.
40
vendas, relações públicas e marketing direto –, torna-se possível a veiculação de uma
mensagem clara, coerente e convincente sobre a organização e seus produtos.
Kunsch (1997), por sua vez, também defende esta terminologia – Comunicação
Integrada de Marketing – onde a comunicação assume fundamental importância, envolvendo
propaganda, promoção de vendas, feiras, exposições, demonstração de produtos, venda
pessoal, merchandising, etc. Para a autora esse termo inova ao propor uma teoria que substitui
os tão consagrados “4 Ps” do marketing, pelos “4 Cs” do marketing: cliente, custo possível,
conveniência e comunicação. Apesar de parecer modismo, o termo tem a preocupação de
demonstrar que existe uma nova maneira de olhar o todo, usando adequadamente o mix da
comunicação, conhecendo melhor o público, sem se limitar à mídia de massa.
Kunsch (2003) conclui afirmando que, assim como a comunicação institucional
precisa ser gerenciada pela área de relações públicas, utilizando-se de todas as articulações
necessárias com as outras subáreas afins para construir a imagem organizacional na mente do
consumidor, a comunicação mercadológica fica a cargo do marketing, que coordena as ações
persuasivas que objetivam conquistar o consumidor. Enfim, no decorrer destes processos, a
organização necessita definir a utilização de todo o mix ou composto de comunicação, a partir
da comunicação integrada, buscando sempre estabelecer relações de confiança com seus
públicos.
Concorda-se com Bueno (2005), quando acusa os profissionais de comunicação
empresarial de serem preconceituosos com as atividades de comunicação mercadológica,
buscando rejeitá-las em prol da comunicação institucional, como se fosse possível e razoável
separá-las. O autor considera impossível para uma organização distinguir a sua imagem da
qualidade e do prestígio de seus produtos ou marcas, assim como uma empresa não pode
desvincular os produtos que fabrica de sua ação social e, é por isso que se acredita que a
41
comunicação integrada é tão importante para garantir a atuação conjunta da comunicação
mercadológica e institucional.
42
2
A COMUNICAÇÃO INTEGRADA E A IMAGEM ORGANIZACIONAL
A comunicação integrada, conforme a perspectiva defendida neste estudo, significa a
articulação da comunicação organizacional com o processo de gestão, de planejamento e de
marketing, de acordo com objetivos comuns. Dentro dessa comunicação, a imagem
organizacional é tida como a integração, na mente do público, de todas as manifestações
emitidas pela instituição no relacionamento com esse mesmo público (VILLAFAÑE, 1999).
É possível, portanto, inferir que a imagem organizacional pode e precisa ser construída
através da comunicação integrada. Contudo, faz-se uma ressalva importante: a comunicação
não é a única responsável pela construção dessa imagem. Muitos episódios interferem na
construção da imagem de uma organização, por esta ser construída através da integração de
todas as manifestações emitidas e suas relações com o público. Acredita-se que, se a
comunicação está bem articulada em toda a estrutura organizacional, tais episódios tendem a
manifestar uma imagem positiva, de acordo com o que a empresa cultiva e quer divulgar.
Porém, a complexidade inerente ao processo de comunicação evidencia a impossibilidade de
se prever tais resultados.
Ainda assim, a imagem, no âmbito organizacional precisa ser gerida, tarefa que cabe à
comunicação institucional, inserida na perspectiva da comunicação integrada. Segundo
Kunsch (2003), a imagem corporativa é formada pela dimensão coletiva das percepções que
cada pessoa cria, como um conceito intangível e abstrato, uma visão subjetiva da realidade.
Por ter essa natureza intangível, admite que conhecer e administrar a imagem das
organizações é uma tarefa complexa, um verdadeiro desafio a ser gerido pela área de relações
públicas, através da comunicação institucional.
43
Já Bueno (2005) admite que a imagem de uma organização está definitivamente
atrelada a tudo que se relaciona a ela, pois, no mundo globalizado, onde as empresas estão
focadas no cliente, não é possível imaginar ações que sejam apenas institucionais ou
mercadológicas, pois tudo se soma para construir a imagem. Toda a ação mercadológica
positiva reforça a imagem da organização como toda a ação social efetiva, qualifica seus
produtos. Neste sentido, entende-se que o papel da comunicação integrada na construção da
imagem organizacional inclui, ainda, os conceitos de imagem e identidade.
2.1
CONSTRUÇÃO DA IMAGEM ORGANIZACIONAL NA PERSPECTIVA DA
COMUNICAÇÃO INTEGRADA
Segundo Costa (2003), a imagem é o principal ativo da empresa6, apesar de ser o
menos conhecido. O autor coloca a comunicação e a imagem lado a lado, ao afirmar que,
assim como nada exclui uma empresa dos problemas e oportunidades de comunicação (nem
mesmo o setor de negócios ou de atividade, o tempo de existência ou o tamanho da empresa),
da mesma forma, toda empresa irradia uma determinada imagem em seus públicos. É preciso
compreender que ambas – a comunicação e a imagem – são comuns a todas as empresas.
A imagem corporativa é um instrumento estratégico importantíssimo que tem um
valor diferenciador e duradouro que se acumula na memória social. Portanto, não é
aconselhável que a imagem organizacional seja encarada como um conceito abstrato, algo
inevitável e secundário, nem tampouco como um modismo. Na mente do público, a imagem
empresarial produz diversos efeitos: percepções, induções e deduções, projeções,
experiências, sensações, emoções e vivências. Costa (2003) afirma ainda, que as estratégias
6
Para Costa (2003), empresa é o termo amplo que engloba instituições, fundações, indústrias, entidades
comerciais e de serviços, organizações sem fins lucrativos, administração pública, governos e ONGs. O autor usa
o termo empresa indistintamente do termo corporação.
44
de comunicação, integradas pelo vetor da imagem, servem tanto aos objetivos pontuais, de
curto prazo, quanto aos objetivos globais, de longo prazo, gerando uma certa sinergia positiva
ao alcançar ao mesmo tempo tais objetivos.
Para o autor, no que diz respeito às organizações, a imagem seria a “a representação
mental, no imaginário coletivo, de um conjunto de atributos e valores que funcionam como
um estereótipo e determinam as condutas e opiniões desta coletividade” (COSTA, 2003, p.
53). Contudo, acredita-se que existe confusão causada pela polissemia do termo “imagem”,
que muitas vezes é confundido com termos que também fazem parte do mundo corporativo,
como a identidade organizacional. Para melhor esclarecer a definição destes termos, no
âmbito das organizações, serão discutidos os conceitos de imagem, de identidade e de
identificação.
2.1.1 Imagem, identidade e identificação.
Villafañe (1999) faz uma abordagem esclarecedora da imagem organizacional,
afirmando que esta é formada a partir de três tipos de imagem: a imagem funcional, a autoimagem e a imagem intencional.
A imagem funcional seria aquela construída a partir do comportamento da empresa, ou
seja, a qualidade dos produtos, os serviços prestados, suas políticas financeira, de produção,
comercial, etc.
A auto-imagem seria uma imagem interna, gerada a partir da cultura organizacional.
Cabe destacar que este estudo não pretende se deter profundamente na cultura corporativa,
que renderia assunto para uma outra abordagem, porém, é importante ressaltar sua influência
45
na formação da imagem corporativa. Segundo Villafañe (1999), as diversas manifestações da
cultura corporativa projetam uma imagem interna, ou auto-imagem da organização, que será
refletida na imagem corporativa.
O autor destaca a existência de uma imagem intencional, que é construída a partir da
personalidade corporativa, ou seja, dos atributos que a empresa pretende induzir
voluntariamente na mente de seus públicos para alcançar uma imagem positiva. Esta
personalidade é o posicionamento estratégico da organização.
O autor elabora um esquema para resumir esta abordagem:
EMPRESA
Comportamento
Imagem funcional
Cultura
Auto-imagem
Personalidade
Imagem intencional
IMAGEM
Figura 1 - Construção da imagem
Fonte: Villafañe (1999 p. 32)
A partir da figura, percebe-se que, para o autor, a imagem de uma empresa é
construída pelo comportamento, pela cultura e pela personalidade da organização. É preciso,
portanto, preocupar-se com estes conceitos, pois eles sustentam essa imagem, e dificilmente
uma organização conseguirá projetar uma imagem positiva sem que exista realmente uma
base que a respalde.
Na visão do autor a comunicação não deve ser considerada como única responsável
pela gestão da imagem da organização, pois uma comunicação excelente e bem planejada
pode perder seu valor se a empresa atender mal seus clientes, ou se envolver em escândalos
financeiros freqüentes, por exemplo.
46
Torna-se importante destacar o próprio conceito de identidade, que, para Hall (2001),
é demasiado complexo e pouco desenvolvido nas ciências sociais, dificultando a análise das
proposições teóricas existentes. Para o autor, as identidades representam vínculos, lugares,
eventos, símbolos, e histórias particulares que remetem ao sentido de pertencimento, que
estaria sendo questionado pela globalização. As identidades, então, passam por uma
transformação gerada pela tensão entre o local e o global, pois a globalização, na medida que
produziu novas identidades, também contribuiu para o fortalecendo de identidades
“fechadas”. Esse efeito contraditório se refletiu no comportamento das pessoas, pois enquanto
muitas tentaram resgatar suas tradições, outras aceitaram a diversidade de misturas das novas
identidades, como as que surgiram com as culturas híbridas7.
No que tange às organizações, Múnera e Sanchez (2003) entendem a identidade como
a conjunção entre o ser e o fazer de um organismo, que o diferencia de outros organismos,
singularizando-o ao mesmo tempo em que o distinguem dos demais. Para os autores, tanto o
conceito de identidade quanto o de imagem, têm sido abordados de maneira superficial,
limitados ao aspecto da aparência. Buscando demonstrar a dimensão desses conceitos, os
autores fazem a seguinte relação:
Identidade
Identificação
Imagem
Retroalimentação
Figura 2 - Processo da identidade e da imagem.
Fonte: Múnera e Sanchez (2003) p. 396
No esquema apresentado, o processo de configuração da imagem é alimentado pela
identificação. Esta, por sua vez, seria o ato de reconhecer a identidade de um sujeito ou
objeto, isto é, o ato de registrar e memorizar de maneira inequívoca aquilo que o faz
7
Para Hall (2005), as culturas híbridas constituem um desses novos tipos de identidades produzidos pela
globalização, onde não existe uma cultura pura, ou um absolutismo étnico e sim uma mistura de culturas com as
quais essas pessoas se identificam.
47
intrinsecamente diferente dos demais e, ao mesmo tempo, idêntico a si mesmo. Para os
autores, este processo demonstra que, para o público, a imagem que se tem da empresa é a sua
verdadeira identidade.
Costa (2003) também faz uma relação entre imagem e identidade, afirmando que a
imagem é um valor global que transcende a todas as realizações, produções e comunicações
da empresa, pois injeta identidade, personalidade e significados próprios nestas atividades. O
autor conclui que a imagem organizacional, por não ser um objeto ou algo, e sim um conceito
psicossociológico, somente pode ser gerida indiretamente pela empresa, por meio de suas
ações e comunicações. Porém, o autor alerta que a imagem organizacional é tão poderosa
quanto frágil, e aponta a comunicação mal utilizada como possível causa dessa
vulnerabilidade da imagem organizacional.
Pode-se resumir a relação entre imagem e identidade a partir da afirmação de Kunsch:
“imagem é o que passa na mente dos públicos, no seu imaginário, enquanto identidade é o que
a organização é, faz e diz” (KUNSCH, 2003, p. 170).
Entende-se que a comunicação integrada busca ser uma aliada das organizações para
que cada manifestação desta, mesmo que em linguagens diferentes, seja harmônica e coerente,
criando uma legitimidade, e projetando na mente do público exatamente a imagem do que a
organização é, busca e parece ser. Portanto, a separação entre a comunicação institucional e a
mercadológica pode gerar danos na imagem da empresa, por trazer visões distintas e até
contraditórias.
Acredita-se, porém, que o objetivo final de uma organização que visa lucro, ao investir
em uma campanha publicitária (mesmo que essa seja dita institucional e não venda
diretamente nenhum produto ou serviço), é gerar lucros. Isso se justifica pela abordagem do
capítulo anterior, onde se enfatizou que a comunicação institucional e mercadológica estão
48
integradas, ou seja, toda divulgação da marca vende seus produtos e serviços, e toda a
divulgação de seus produtos e serviços vende sua marca, inevitavelmente. Dentro das
divulgações da marca, estão as ações de responsabilidade social, que foram incluídas na
pesquisa pelo grande apelo que a empresa estudada faz a este tema, considerando-se que é
fator contribuinte na formação da imagem organizacional.
2.2
A RESPONSABILIDADE SOCIAL A SERVIÇO DA IMAGEM INSTITUCIONAL
A responsabilidade social pode ser definida como “a preocupação com as
conseqüências sociais dos atos de uma pessoa ou instituição na medida em que eles podem
afetar os interesses de outros” (CHURCHILL E PETER, 2000, p. 40). Os autores afirmam
que, em longo prazo, a responsabilidade social é interessante para a organização, pois, além
de proporcionar uma imagem séria e respeitosa, é provável que os potenciais clientes venham
a comprar de uma organização que demonstre ser e estar preocupada com o seu bem-estar e o
de sua comunidade.
Neste sentido, insere-se também o que os autores chamam de marketing relacionado a
causas, projetado para promover uma causa ou problema específico. Este tipo de ação é
bastante usada entre os profissionais de marketing, pois beneficia a todos: os produtos são
promovidos, as vendas aumentam, os consumidores percebem o valor agregado, e a
comunidade beneficia-se com as doações, estreitando a sua relação com a empresa. Assim,
doações de caridade podem ser ligadas diretamente às vendas de produtos específicos.
Além de interessar para a empresa, a responsabilidade social também é uma questão
ética. Segundo os autores, “ética” são os princípios e valores morais que governam o modo
como um indivíduo ou grupo conduz suas atividades. As questões éticas precisam de mais
49
atenção ainda quando uma organização atua globalmente, pois elas podem variar conforme a
cultura local e podem prejudicar alguns stakeholders8 em detrimento de outros.
Uma outra abordagem sobre o tema é proposta por Chanlat (2000). O autor afirma
que, em gestão, a ética ficou muito tempo na sombra, e somente nos últimos vinte anos do
século XX é que o questionamento ético surgiu como importante ponto de reflexão.
Neste período, algumas práticas de gestão contestáveis – escândalos financeiros, casos
de corrupção, publicidade enganosa, poluição ambiental, oferta de produtos perigosos e de
serviços duvidosos, entre outros – coagiram as organizações a se interessarem pelas questões
da equidade e da responsabilidade, ou seja, pela legitimidade da ação dos gestores
(JACKALL e PASQUERO apud CHANLAT 2000).
Nesse sentido, Morin (2005), apresenta a ética como um conceito em crise no mundo
ocidental. O autor esclarece que os tempos modernos produziram deslocamentos e rupturas
éticas na relação indivíduo/sociedade/espécie, gerando a desintegração social, o crescimento
da corrupção de todos os tipos, dos atentados à civilidade e das ondas de violência. O
desenvolvimento da sociedade contemporânea, individualista e egocêntrica, criou relações de
interesse e lucro que desintegraram as formas tradicionais de solidariedade, e incitaram a
busca por uma regeneração ética. Esta visão, embasada no pensamento complexo proposto
pelo autor, busca religar os saberes, e de um modo abrangente, os seres humanos. O autor
alerta para a necessidade do desenvolvimento do altruísmo dos seres humanos, buscando
equilibrar o excesso de egocentrismo, e gerando princípios da ética, como a solidariedade e a
responsabilidade.
8
Stakeholders: indivíduos e grupos que podem influenciar decisões de marketing e ser influenciados por elas
(CHURCHILL e PETER, 2000: 13).
50
Bueno (2003) lembra que a relação entre as organizações e os públicos de interesse
modificou-se profundamente com a criação de entidades independentes que atuam com
competência para defender os interesses dos consumidores. Além disso, o autor afirma que a
sociedade como um todo está mais disposta a se mobilizar para condenar ações consideradas
antiéticas, como a agressão ao meio ambiente, a exploração do trabalho infantil e a busca
obsessiva do lucro pelo lucro. Ou seja, as organizações são exigidas a praticar administrações
transparentes e cidadãs.
O autor afirma também, que as empresas que orientam suas ações com
responsabilidade social recebem diversas referências positivas na mídia, e adquirem o respeito
da comunidade e dos cidadãos, o que, no caso das organizações que visam lucro, pode se
refletir em melhores vendas. Para Bueno (2003), a responsabilidade precisa adquirir status de
filosofia organizacional, extrapolando aspectos meramente comerciais e deixando de ser
apenas uma simples prática.
O autor destaca que a atuação socialmente responsável pode e precisa ser planejada em
perfeita sintonia com os objetivos comerciais, pois, como uma organização social, toda a
empresa pode obter lucro de maneira sadia e pró-ativa, interagindo com a comunidade. Nesta
perspectiva, insere-se uma visão mais abrangente do lucro, onde este não seria só baseado em
resultados financeiros, mas também em resultados sociais e institucionais. No lucro social
estão os benefícios que a organização gera para a comunidade, e no lucro institucional, a
geração de uma imagem positiva.
Porém é preciso analisar com cuidado as ações de responsabilidade social, pois,
segundo Bueno (2005), muitas organizações fazem apologia de suas parcerias com entidades
51
do Terceiro Setor9 apenas para se apoiar em seus trabalhos sociais e aparecer junto à opinião
pública como empresas solidárias. Confundem responsabilidade social com marketing,
empreendendo ações oportunistas para conseguir vantagens.
Neste sentido, Bueno (2003, p. 118) afirma que “a comunicação empresarial é crucial
em todo o processo de gestão focado na responsabilidade social”. Para o autor, a
comunicação, quando empregada com competência, ética e transparência, demonstra o
compromisso da organização com a sociedade e com os stakeholders, agrega valor ao seu
produto ou serviço, e é decisiva para a formação de uma imagem positiva.
Entende-se, portanto, que somente a partir da adoção de atitudes socialmente
responsáveis é que a organização pode garantir uma avaliação satisfatória de sua imagem
perante o público. A comunicação, inserida e permeando completamente esse processo,
poderá auxiliar a manter uma longa e promissora existência das organizações. Enfim, este
esforço de integrar o econômico e o social requer dedicação e espaço à comunicação,
empregada de maneira integrada em toda a estrutura organizacional.
A construção de um referencial teórico que contemplasse aspectos da comunicação,
das organizações e da imagem organizacional, conceitos abordados até este ponto, fez-se
necessária para permitir uma melhor compreensão do discurso da organização eleita para o
estudo, tema que será abordado a seguir a partir da visão de Morin (2003).
9
Entende-se o Terceiro Setor como as organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como
objetivo gerar serviços de caráter público.
52
3
O DISCURSO ORGANIZACIONAL
Encontrou-se no Paradigma da Complexidade, proposto por Morin (2003), o respaldo
para analisar o corpus da maneira abrangente que a técnica de Charaudeau exige. O
Paradigma da Complexidade sugere uma mudança de olhar sobre todas as esferas,
demonstrando que a complexidade é onipresente. É nesta perspectiva que se discute o
discurso organizacional, permeado pela circularidade que permite que se dimensione os fatos
sempre dentro de um contexto, a partir de diversas interações.
3.1
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
Para Morin, um paradigma torna-se necessário para embasar e orientar o
desenvolvimento do conhecimento, considerando-se aí conceitos fundamentais e norteadores
que não estão isentos das relações de atração e repulsão. Ao mesmo tempo em que um
paradigma define a organização das idéias, ele permite o questionamento e propõe a constante
incerteza de conceitos. Para o autor, portanto, todo o paradigma estabelece um pensamento
apto a reconhecer a dialógica, a recursividade e a multidimensionalidade, princípios do
pensamento complexo. O autor defende, então, que não se pode pensar a complexidade como
algo pronto e acabado, e não se pode materializá-la de forma linear e objetiva, como ocorre
com o modelo mecanicista.
Como justificativa dessa visão, Morin questiona a existência de um paradigma da
simplicidade, contrastando-o com o paradigma da complexidade. A simplificação, para o
53
autor, é um ato inibidor que limita o processo do conhecimento, na medida em que se baseia
na proposta de excluir a desordem do universo, instituir uma ordem e reduzi-la a uma lei, a
um princípio. A partir do paradigma da simplicidade vê-se ora o uno, ora o múltiplo, mas não
é possível ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. Morin (2003) conclui que o
princípio da simplicidade quer separar o que está ligado e unificar o que está disperso,
causando respectivamente disjunção e redução.
Torna-se mais fácil compreender esta abordagem a partir do exemplo proposto pelo
autor: o estudo do ser humano. O homem é um ser evidentemente biológico e é ao mesmo
tempo um ser cultural, que vive num universo de linguagem, de idéias e de consciência. O
homem vive, portanto, em duas realidades, a biológica e a cultural.
O paradigma da simplicidade separa e reduz estas realidades da mais complexa a
menos complexa possível, fazendo com que o homem seja estudado separadamente, por
departamentos distintos da academia. Então, ele é estudado como um ser anatômico,
fisiológico, etc., nos departamentos de biologia. Os outros aspectos humanos serão estudados
nas ciências humanas e sociais. O cérebro será estudado como órgão biológico,
separadamente do espírito, da mente, que, por sua vez, será estudada como função ou
realidade psicológica. Isso porque, este paradigma esquece-se de que não existe um sem o
outro, não existe cérebro sem mente, não existe corpo sem alma, ou seja, um é
simultaneamente o outro, embora sejam tratados por termos e conceitos diferentes. O
paradigma da complexidade, por sua vez, tem por essência possibilitar que o homem seja
capaz de enxergar algo decomposto em suas partes, podendo, no entanto, tornar a vê-lo
enquanto todo.
Schvarstein e Etkin (1990) também abordam o paradigma da complexidade e enfocam
a sua característica de enxergar a interação das partes de um sistema entre si, e do próprio
54
sistema com um todo com outros sistemas do seu ambiente. A complexidade se manifesta,
então, pela coexistência da ordem e da desordem nos planos manifesto e latente destes
sistemas.
A complexidade, portanto, não poderia ser qualquer coisa que se define de maneira
simples e que tome o lugar da simplicidade. Para Morin (2003), a complexidade é, então, uma
palavra que traz problemas, e não soluções10. Acredita-se que o conteúdo deste paradigma é
capaz de auxiliar na compreensão de dois termos tão complexos e tantas vezes
equivocadamente simplificados nos estudos das ciências sociais: a comunicação e a
organização.
3.1.1 Três princípios da complexidade
O pensamento complexo proposto por Morin busca escapar das inúmeras dualidades
presentes no campo das ciências, a partir de sete princípios: princípio sistêmico ou
organizacional, princípio hologramático ou hologrâmico, princípio do anel retroativo,
princípio do anel recursivo, princípio dialógico e princípio da re-introdução. Nesta análise,
foram selecionados três destes princípios que nortearam o estudo, visto que a complexidade
da própria técnica de Charaudeau já permite uma análise extensa.
O primeiro princípio utilizado, chamado de dialógico, permite “assumir racionalmente
a associação de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo”
(MORIN, 2000, p. 34). Assim, é possível manter-se uma unidade através da união de dois
conceitos ora complementares, ora antagônicos. No exemplo do estudo do homem, este
princípio pode relacionar-se com a dualidade dos seres humanos, como seres biológicos e
10
Morin (2005) elaborou a coleção O Método, com seis volumes que abordam este paradigma.
55
sociais. Este princípio contempla o objeto desta pesquisa na medida em que permite a
compreensão da inseparabilidade da comunicação organizacional em áreas como a
mercadológica e a institucional. Neste sentido, acredita-se que a comunicação institucional e a
mercadológica são duas partes de um todo que se relacionam para aperfeiçoar os resultados da
comunicação organizacional. Podem ser ora complementares, ora antagônicas, na medida em
que se analisa o implícito e o explícito em cada uma dessas instâncias, que atuam de maneira
integrada.
A recursividade organizacional é o segundo princípio da complexidade analisado neste
estudo. Esta etapa sugere o rompimento com a idéia linear de causa e efeito, de produto e
produtor, estrutura e superestrutura. A partir deste princípio, entende-se que tudo que é
produzido reentra sobre aquele que o produziu em um ciclo em si mesmo, auto-constitutivo,
auto-organizador e auto-reprodutor. Por exemplo, os indivíduos produzem a sociedade que os
produziu. A escolha desse princípio deve-se ao fato da análise de discurso de Charaudeau, que
sugere uma reinvenção dos sujeitos do ato publicitário, num circuito onde se insere o ato de
linguagem sempre revisto a partir dos vieses do mundo real e do mundo imaginário criado
pela publicidade.
Por fim, elegeu-se ainda o princípio hologramático, pois se acredita que este
compreende os dois princípios anteriores, a partir da constatação de que a parte está no todo e
o todo está na parte. Transcende o reducionismo que só enxerga as partes, e o holismo que
não vê mais que o todo (MORIN, 2003). Um filme de holograma onde se tem gravada uma
imagem, mesmo cortado em partes menores, ao ser irradiado, irá projetar a imagem inteira
que foi gravada. Este princípio é utilizado por Morin para exemplificar qualquer organização
viva, desde uma pequena célula, que contém todo o código genético do ser vivo, que a ela
pertence até uma estrutura sócio-antropológica, onde ao mesmo tempo cada indivíduo é parte
de uma sociedade, essa sociedade se manifesta em cada indivíduo, através da linguagem, da
56
cultura e das normas. Aplicado neste estudo, esse princípio é bastante pertinente, na medida
em que encaminha para a compreensão de que não é possível dissociar em partes a
comunicação de uma organização, diferenciando-se a comunicação mercadológica da
comunicação institucional.
3.2
A NECESSIDADE DO PENSAMENTO COMPLEXO NAS ORGANIZAÇÕES
Sobre a organização e a complexidade, é pertinente citar a visão de Maturana e Varela
(2004, p. 50):
O que é a organização de algo? É alguma coisa ao mesmo tempo muito simples e
potencialmente complicada. Trata-se daquelas relações que têm de existir, ou têm de
ocorrer, para que esse algo seja. [...] É simples apontar para uma determinada
organização ao indicar objetos que formam uma classe. Mas pode ser complexo e
difícil descrever com exatidão e de modo explícito as relações que constituem tal
organização.
Segundo Morin (2003), a necessidade do pensamento complexo não poderia ser
justificada em poucas linhas, pois não se trata de exercer um pensamento capaz de abordar o
real, de dialogar e negociar com ele. O que a complexidade busca, é eliminar a simplicidade
recusando as conseqüências mutiladoras e ilusórias de uma visão simplificadora que apenas
reflete o que há de real na realidade. Como exemplo, pode-se citar a comunicação
organizacional, que, em diversas obras de administração, não é referenciada com a
complexidade devida. Alguns autores, conforme abordagens nos capítulos anteriores, buscam
simplificá-la, definido-a como um meio de divulgar algum produto ou serviço, e se esquecem
de que a comunicação permeia e determina todo o discurso organizacional.
Para auxiliar a compreensão do paradigma da complexidade em uma organização, o
autor utiliza a metáfora da tapeçaria, a partir das três etapas da complexidade. A primeira
57
etapa da complexidade indica que conhecimentos simples não ajudam a conhecer as
propriedades do conjunto. O autor exemplifica sua idéia através de uma tapeçaria, que seria
mais do que a soma dos fios que a constituem, ou seja, o todo é mais do que a soma de suas
partes.
A segunda etapa da complexidade revela exatamente o contrário, ou seja, o todo é
menor do que a soma de suas partes. O autor conclui que o fato de existir uma tapeçaria faz
com que as qualidades desse ou daquele fio não possam expressar-se em sua plenitude, pois
estão inibidas ou virtualizadas.
A terceira etapa da complexidade une as duas etapas anteriores e afirma que o todo é
ao mesmo tempo maior e menor do que a soma de suas partes.
Morin (2003), sob a ótica da complexidade, afirma que a organização não pode ser
compreendida segundo a mesma lógica que a máquina artificial. O autor aborda o conceito de
auto-organização ou organização viva, que foi criado para compreender o ser vivo e
representa um sistema que cria suas próprias determinações e suas próprias finalidades. Nesta
organização viva, os componentes se degradam muito rapidamente, mas ao mesmo tempo em
que se deterioram, se renovam com a mesma velocidade, mantendo o organismo idêntico,
apesar da constante desintegração de seus componentes.
O autor enfatiza que nessa desintegração cria-se desordem e uma conseqüente autoorganização, onde a agitação e o acaso participam e ajudam a produzir uma nova ordem, que
seria a auto-organização da desordem, exemplificada como o trabalho incessante de
degradação/renovação celular do corpo humano.
Segundo Morin (2003), a organização não é um conceito fechado, é um
desenvolvimento ainda não atingido. Para demonstrar esta afirmação, ele cita a existência
58
desses novos conceitos, como a organização viva (auto-organização), a desorganização
(entropia), a reorganização (neguentropia) e a auto-eco-organização (depende do meio
externo).
Sob a ótica do paradigma da complexidade, o autor sugere uma nova lógica da
organização, contrária ao modelo newtoniano de um mundo mecânico, do qual a mudança não
faz parte, pois o paradigma por ele proposto não visa constituir uma teoria acabada, mas um
campo teórico aberto.
Neste ponto, sustentando a idéia de que as contradições são necessárias, Morin (2001)
possibilita a imersão na complexidade, auxiliando na convicção de que nenhuma verdade é
definitiva, e o incerto está presente em todos os momentos. A necessidade de preparar-se para
o inesperado, proposta pelo autor, é um caminho para tornar as ações organizacionais
adequadas às constantes mudanças do mundo globalizado. Neste sentido, inserem-se as ações
de responsabilidade social, já previamente citadas como novas “imposições” que a sociedade
faz às organizações.
Morin (2003) também afirma que pensar processos comunicacionais a partir da
complexidade é perceber a solidariedade entre partes contraditórias de um mesmo campo e a
interação com outros campos sociais, o que dá um caráter multidimensional ao todo da
realidade social. Sobre a comunicação, Morin (2002, p.77), faz a seguinte explanação:
a comunicação entre as pessoas é medida pelas conversas, essa troca desajeitada das
palavras convencionais, pontuadas de sorrisos delicados e risos espasmódicos, de
solilóquios cruzados, entre os quais, às vezes, surge uma pequena luz. Na vida
cotidiana, a comunidade é bloqueada, atrofiada, desviada – daí o sucesso da
comunicação imaginária dos filmes e dos romances.
O autor alerta ainda que, é preciso distinguir comunicação de compreensão. A
comunicação é a transmissão de informação às pessoas ou a grupos que podem entender o que
significa a informação. A compreensão é um fenômeno que mobiliza os poderes subjetivos de
59
simpatia para entender a pessoa. Morin (2002) acredita que este é um problema fundamental
no mundo da comunicação, pois, para o autor, não basta multiplicar as formas de
comunicação, também é preciso compreendê-las, já que na sociedade atual existe muita
comunicação e pouca compreensão.
Schvarstein e Etkin (1990) também abordam a organização sob a ótica do paradigma
da complexidade, e afirmam que este considera a realidade organizacional como processos
não ordenados ou programáveis. Pressupõe a existência de forças de múltiplas fontes,
exercidas em direções distintas. Os autores concluem, então, que na organização coexistem,
em um mesmo sistema, relações complementares, simultâneas e antagônicas, ou seja, o
ambiente é de relativa desordem, diversidade e incerteza. Este paradigma destaca também as
vinculações que se estabelecem entre o observador, com seu aparato perceptual e conceitual
próprios, e a realidade que é estudada.
É importante destacar ainda que, para os autores, o paradigma da complexidade
explica o funcionamento das organizações através de processos que se fecham em si mesmos,
e, então, se regeneram. Admitem que as organizações não desenvolvem atividades com início
e fim bem definidos, mas estão num constante processo de recursividade e de reconhecimento
contínuo, num ciclo ininterrupto.
Segundo Morin (2003), o pensamento complexo é aquele que, pressupondo a
incerteza, é capaz de conceber a organização e reunir, contextualizar, globalizar, e, ao mesmo
tempo, reconhecer o singular, o individual, o concreto. Foi neste sentido que se considerou o
discurso publicitário, como parte integrante do discurso organizacional, a partir da análise de
aspectos singulares e de sua relação com o contexto em que se insere. Buscou-se demonstrar
que a proposta de Morin atende ao propósito de ancorar a análise dos discursos
organizacionais, a partir do discurso publicitário, tema do próximo capítulo.
60
4
A ORGANIZAÇÃO DISCURSIVA
Torna-se difícil fazer um repertório de todas as tendências que hoje se interessam pela
análise de discurso. Isso se deve à diversidade de enfoques e à variedade de conceitos sobre o
que é discurso. Contudo, foi possível eleger alguns autores pela sua relevante contribuição na
fundamentação deste tema.
Para Pinto (2002), as análises de discurso que se praticam hoje são derivadas de duas
tradições distintas: a análise do discurso francesa e a análise de textos anglo-americana, com
diferentes abordagens epistemológicas. Ambas empregam a palavra discurso no singular, mas
o autor sugere o uso da palavra no plural em função da sua multiplicidade e para distingui-la
das grandes categorias abstratas, evitando o estruturalismo.
Como diz o autor, é na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas, ou
marcas, deixadas pelos processos sociais de produção de sentidos que o analista vai
interpretar. O analista de discursos é uma espécie de detetive sociocultural, pois sua prática é
primordialmente a de procurar e interpretar vestígios que permitem a contextualização em três
níveis: o contexto situacional imediato, o contexto institucional e o contexto sociocultural
mais amplo, no interior dos quais se deu o evento comunicacional. Ou seja, a análise de
discursos não se interessa tanto pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação
semântica de conteúdos, mas sim como e porque o diz e mostra.
O discurso será associado à linguagem apenas à medida que faz sentido para sujeitos
inscritos em estratégias de interlocução, em posições sociais ou em conjunturas históricas.
Segundo Maingueneau (1997), esse tipo de análise aborda a dualidade da linguagem – a
61
explícita e a implícita – tanto integralmente formal, como integralmente atravessada pelos
embates subjetivos e sociais.
Entretanto, torna-se importante lembrar a ligação essencial que a análise de discurso
mantém com a finitude e a “raridade”, pois, como defende Foucault (1986), não é possível
defini-la como uma gramática de língua, uma vez que uma palavra só pode ser analisada a
partir do contexto em que foi usada. Isso equivale a determinar qual é a posição que pode e
deve ocupar cada indivíduo, para dela ser o sujeito do enunciado, no momento em que este
acontece.
Os atos de fala, então, acirram regras e convenções que regulam institucionalmente as
relações entre os sujeitos de enunciação, atribuindo a cada um deles um “contrato de
comunicação”. A noção de contrato pressupõe que os indivíduos que pertencem ao mesmo
corpo de práticas sociais utilizem códigos específicos de área, como os utilizados em
discursos jurídicos, pedagógicos, publicitários, etc. Conseqüentemente, o sujeito que anuncia
sempre poderá atribuir ao outro uma competência de linguagem análoga à sua, que o habilite
ao reconhecimento. Tal processo explica como o uso da linguagem está ligado às práticas
sociais e a um contexto histórico.
Para Ducrot (1987), a língua comporta um catálogo completo de relações interhumanas, “toda uma coleção de papéis” que o locutor pode escolher para si e impor ao
destinatário. Caracteriza uma encenação em que as formulações eficazes conferem
credibilidade ao que é dito, assim como todas as estratégias envolvidas no tempo e no espaço,
que são remetidas ante os parceiros no ato da comunicação. Isso porque, segundo o autor,
todo discurso faz parte da história de outros discursos; todo discurso é a continuação de
discursos anteriores, como uma citação explícita ou implícita do que já foi dito anteriormente.
62
Todo discurso também poderá estar relacionado a novos discursos e fazer parte, assim, do
grande corpo textual de uma cultura.
Assim, a análise de discursos procura descrever, explicar e avaliar criticamente os
processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados aos produtos culturais
empíricos criados por eventos comunicacionais (tais como anúncios publicitários, textos
jornalísticos impressos, programas televisivos ou de rádio, até mesmo a organização dos
espaços de uma cidade, empresa, etc.).
Neste contexto, insere-se a abordagem de Charaudeau (1983), que propõe um projeto
global de análise de discurso ao levar em consideração não só a dimensão lingüística, mas
também a psicológica e a sociológica.
4.1
O DISCURSO PUBLICITÁRIO
A importância da publicidade e propaganda pode ser percebida a partir da abordagem
de Iasbeck (2002), para quem a linguagem publicitária extrapolou os limites dos meios de
comunicação, e já é parte integrante dos diversos discursos da modernidade, emigrando, por
exemplo, de jornais, revistas, cartazes e televisões para freqüentar o dia-a-dia de diversos
profissionais, como executivos, políticos e até conversas pela Internet. A publicidade envolve
por completo a sociedade, e está presente em quase tudo o que é consumido pelo homem
moderno.
Pinho (2001) afirma que a força da publicidade está na sua grande capacidade
persuasiva e na sua efetiva contribuição para mudar hábitos, recuperar uma economia, criar
imagem, promover o consumo, vender produtos e informar o consumidor. A mais conhecida
63
função da publicidade é contribuir para o desenvolvimento econômico, ajudando a conquistar
e manter mercados para um determinado produto ou serviço, e, no caso de novos produtos, a
formar o mercado consumidor. Atualmente, a publicidade tem papel central na construção e
manutenção de marcas fortes e duradouras, que estão se tornando o principal ativo das
empresas.
Seguindo-se a linha de pesquisa de Charaudeau, será discutida, nesse capítulo, a
publicidade enquanto discurso, buscando em outros teóricos da comunicação os
conhecimentos que permitam ampliar a abordagem sobre o tema.
O discurso publicitário prende-se a normas precisas da linguagem cotidiana,
garantindo assim uma interpretação única e um bom retorno no contrato de comunicação.
Para Sant’anna (1966), a publicidade encontra-se subordinada à arte de vender, conferindo ao
consumidor o papel de maior importância, já que tudo é feito em função dele, limitando o que
é criado e o que é dito. Por outro lado, a publicidade é capaz de construir uma nova realidade:
Embora nem todas as mensagens publicitárias surtam o efeito desejado, a
onipresença da publicidade comercial na sociedade de consumo cria um ambiente
cultural próprio, um novo sistema de valores, de acordo com o “espírito do tempo”
(CARVALHO, 1996: 11).
Assim, a mensagem publicitária torna familiar o produto que está vendendo, ao
mesmo tempo em que o diferencia do concorrente. Para a autora, publicidade é discurso,
linguagem, e tem como objetivo mediar objetos e públicos, utilizando-se mais da linguagem
do mercado do que da linguagem dos objetos.
Para Castro (2004), o discurso publicitário transcendeu a realidade e busca mais
seduzir o consumidor do que persuadi-lo, pois a sedução está ligada ao afetivo e ao psíquico,
instâncias que propiciam a criação de um ambiente apto à realização do desejo prometida pela
mensagem publicitária.
64
Acredita-se que, sempre que se utilizar textos na pesquisa social sem abordá-los com
instrumentos lingüísticos ou semiológicos adequados, a palavra será analisada fora do
contexto. Esta visão vai ao encontro da análise de discurso proposta por Charaudeau (1983),
que afirma que é possível analisar a produção publicitária a partir de dois vieses: o do
conteúdo, circunscrita pelo próprio texto, e o do anunciante, a partir do ponto de origem da
produção.
A primeira abordagem, a partir do conteúdo, é do tipo hermenêutica, e tem inspiração
semiológica. A análise se detém na interpretação do texto, e, como desvantagem, pode induzir
à revelação de um objeto parcial. Ela se mantém complexa e ambígua por acabar
demonstrando que o analista seria o único portador e decifrador de seu conteúdo. A
interpretação neste tipo de análise corre o risco de ser extremamente subjetiva, pois aspira
esgotar o sentido do texto. Isso não seria possível se o analista tivesse a recomendável
transparência em relação ao seu objeto.
A segunda abordagem, que se apóia nos produtores da publicidade, remete à análise de
um ponto anterior ao das formas textuais. Os publicitários precisam conhecer os verdadeiros
destinatários do discurso para prever sua adesão à mensagem nele contida. Para tanto, estes
profissionais realizam pesquisas e produzem verdadeiras enciclopédias de perfis psicossociais
de um consumidor ideal. A desvantagem desta análise é que os receptores seriam todos
previsíveis, cabendo ao publicitário apenas ajustar a mensagem aos moldes do destinatário.
Soulages (1996) sugere então, que a análise de discurso pode ser uma terceira análise,
que seria capaz de evitar o extremo subjetivismo ou extremo mecanicismo, presente nas
análises anteriores. O objeto desta análise seria o fenômeno publicitário, abrangendo tanto as
considerações do produtor, quanto do receptor e do conteúdo da mensagem em si, envolvendo
também o contexto em que estes fatores estão inseridos. A partir de um processo empírico-
65
dedutivo, a análise de discurso pretende revelar um falar publicitário com suas configurações,
tanto coerentes quanto contraditórias.
Quanto às circunstâncias do discurso, Charaudeau (1983) define o ato de linguagem
como algo assimétrico, na medida em que o fato de produção ou de interpretação depende dos
conhecimentos supostos que circulam entre os sujeitos da linguagem, a partir do explícito e do
implícito. Assim, o ato de linguagem não é concebido apenas como um ato de comunicação
da produção de uma mensagem por um emissor para um receptor, e sim como um encontro
dialético entre o processo de produção, produzido por um emissor para um destinatário, e o
processo de interpretação, produzido por um receptor interpretante, que constrói uma imagem
do emissor. Para Charaudeau, a observação do sistema sócio-econômico mostra que a
publicidade se inscreve em um circuito de trocas de bens de produção que põe em questão
vários parceiros:
Circuito externo: sujeitos psicossociais
Parceiros
Circuito interno: interlocutores
Empresa
Anunciante +
Agência de
Publicidade
EUc =
EUe
benfeitor
ELEx
mensagem
publicitária
TUd
beneficiário
= TUi
Consumidores
do produto,
público-alvo da
publicidade
Protagonistas
ELEo – Produto / serviço
Figura 3 - Contrato de comunicação publicitária
Fonte Soulages 1996 p. 146
O esquema apresentado por Charaudeau resulta do relacionamento de dois parceiros,
um sujeito comunicante – um anunciante (publicitário) determinado - e sujeitos interpretantes
– um conjunto indiferenciado de consumidores e compradores em potencial do produto. Estes
66
sujeitos estão inscritos em um circuito externo, que demonstra o andamento real da
comunicação publicitária. No interior deste circuito, o autor descreve a existência de uma
duplicação de cada um desses sujeitos, protagonistas das produções discursivas que a
publicidade busca representar. Entende-se que o circuito externo seria a realidade, e o circuito
interno uma representação dessa realidade, um mundo imaginário, proposto pelo sujeito
comunicador, ou seja, o criador do anúncio.
Este criador poderá ser o fabricante do produto e o publicitário, que serão levados a
fazer estudos de mercado até conceber a divulgação publicitária sob formas diversas, como
outdoors, anúncios em jornais e revistas, merchandising, etc. Os diferentes parceiros são
ligados por contratos de interesse em torno do valor de mercado dos produtos que eles podem
oferecer.
Do outro lado do circuito estão os consumidores, isto é, os parceiros que têm parte
ligada a esse sistema sócio-econômico, e no qual eles têm um lugar determinado: o de
compradores de bens de produção. O autor busca, então, denominar os diferentes sujeitos que
agem no contrato de comunicação, chamando-os da seguinte maneira: EUc-Publicitário, TUiConsumidor e ELEo-Produto e descrevendo-os conforme segue:
EUc-Publicitário: é quem comunica, é de onde provém a fala publicitária destinada a
um receptor imaginário. Seria a fala do fabricante do produto anunciado, concebida através de
um texto publicitário. Existe ainda um EUe, que seria o enunciador do discurso publicitário,
que constrói uma imagem do EUc.
TUi-Consumidor: é quem age, ou seja, quem lê e interpreta a mensagem do texto
publicitário, e compra o produto elogiado nessa mensagem. Aqui existe ainda o TUd, ou seja,
o destinatário imaginado para a mensagem, um possível utilizador do produto.
67
ELEo-Produto: é o objeto elogiado no texto publicitário, o objeto de troca que promete
aquisição de vantagem para o consumidor, e enriquecimento para o publicitário.
O autor sugere que o objetivo desse contrato sociolinguageiro é de realmente
transformar, por meio de persuasão, um consumidor de publicidade em um consumidor de
mercadorias. Os meios para alcançar tal objetivo incluem estratégias para ocultar a finalidade
comercial do discurso publicitário, que serão abordadas no decorrer deste capítulo.
4.1.1 Organizações do discurso publicitário
Os seres de fala que são postos em cena pelo discurso publicitário podem ser
organizados de maneira enunciativa, narrativa e argumentativa, ou seja, a definição de quem o
texto põe em fala e como isso é feito. Charaudeau (1983) discorre então sobre cada uma dessa
formas de organização discursiva.
A organização enunciativa pressupõe que o enunciador, EUe nunca se revele como
publicitário. Em alguns casos, ele identifica-se com a “sociedade” produtora do bem de
consumo, mas apenas como uma estratégia para fazer crer que EUc e EUe sejam um único
sujeito, ou seja, no discurso criado, o enunciador identifica-se com a empresa. O enunciador
tem então, estatuto de apresentador de um produto, sobre o qual ele diz um certo número de
qualidades. O autor também denomina este enunciador do discurso publicitário de anunciador.
O destinatário (TUd) do texto enunciativo não é designado como consumidor, mas
como um sujeito suscetível de ser atingido por tudo que é dito a respeito do produto
anunciado. O autor o denomina como um utilizador eventual do produto.
68
Ainda no texto enunciativo, o terceiro elemento é denominado ELEx, e não é
apresentado em sua forma original, que seria o ELEo. Isto ocorre porque o produto em si não
é citado, mas é apresentado como uma marca, uma qualidade, ou uma vantagem. O autor
também indica que muitos publicitários não exprimem as qualificações do produto, querendo
assinalar que a marca em si já é suficientemente conhecida, o que ele chama de efeito de
notoriedade. Neste sentido, o autor constata a presença constante, de maneira mais ou menos
explícita, de quatro componentes no texto: produto (P), a marca (M), qualidades do produto
(q) e vantagens q o produto oferece (R) e constrói uma fórmula, descrita da seguinte maneira:
P(M ) × q ⇒ R
Figura 4 - Elementos presentes no texto publicitário.
Fonte: Charaudeau (1983).
A organização narrativa, por sua vez, é pensada a partir do princípio do aparelho
narrativo citado pelo autor, que pressupõe a existência de uma situação de falta para alguém.
A tomada de consciência dessa falta é o que incita esse alguém a buscar algo para supri-la. A
busca pode resultar num processo de sucesso ou de fracasso, dependendo se a falta foi suprida
ou não. O produto em questão, (P), seria um meio de ajudar o possível consumidor a
satisfazer esta necessidade criada. O objeto dessa busca seria representado por aquilo que o
produto oferece. Então, o autor sugere a seguinte descrição da organização narrativa do texto
publicitário:
•
Alguém tem uma Falta => [Falta = R (-)]
•
O sujeito procura suprir esta Falta => (Busca)
•
R = a Falta suprida => (Objeto de busca)
•
P(M) x q = meio de suprir essa Falta => (Auxiliar de busca)
69
Charaudeau (1983) observa ainda, que no texto publicitário não se fala do resultado
dessa busca. Para o autor, existe um duplo objetivo do agente EU. Para o EUc-Publicitário, o
objetivo do anúncio é o ato da compra, mas para o EUe-Enunciador, o objetivo do anúncio é
levar o leitor a acreditar que tem uma falta do produto anunciado. Neste sentido, o autor
afirma que o ato da compra não significa que o leitor se convenceu de que tem uma falta, e a
consciência de ter essa falta pode não resultar no ato da compra. Ou seja, o ato da compra não
é prova de sucesso do “fazer-crer”, e, inversamente, a “não-compra” não constituiria um
fracasso. O consumidor pode ter se convencido que precisa do produto, mas mesmo assim não
o compra, ao mesmo tempo em que o consumidor pode comprar o produto, mesmo não
estando convencido de que precisa realmente comprá-lo.
Finalmente, no caso da organização argumentativa de discurso, o autor a descreve
como uma proposta – que mostra onde se apóia a argumentação -, uma proposição – que
mostra o raciocínio – e, por fim, um ato de persuasão – que mostra a validade da proposição,
tentando responder antecipadamente a duas objeções possíveis.
A proposta do texto publicitário é representada pelo ELEx, o produto de uma marca,
que, combinado com suas qualificações, alcançará um resultado, conforme ilustrado na figura
3.
A proposição, por sua vez, cria um contexto de raciocínio indutivo que se articula com
a organização narrativa na medida em que o destinatário é convocado a perceber que R é seu
objeto de busca.
Já o ato de persuasão pode ser descrito da seguinte maneira:
a)
“você não pode não querer R” – esta frase busca atingir tanto os destinatários
que buscam R quanto os que não se interessam por R.
70
b)
“somente P(M) permitirá que você tenha R” – esta frase busca deixar claro,
inclusive para os destinatários que não se interessam por R de que não existe outra maneira de
conseguir R.
O autor esclarece, contudo, que por força do pressuposto do contrato de fala, de que
não se pode afirmar nada de antemão, cabe aos publicitários utilizarem-se de meios retóricos
adequados em cada caso, para chegar a seus fins persuasivos.
Ainda sobre o contrato de fala que define o gênero publicitário, Charaudeau (1983)
afirma que possui uma dupla estratégia: a estratégia de ocultação e a estratégica de
sedução/persuasão. A seguir serão descritas estas estratégias.
4.1.2 Estratégias do discurso publicitário
Para Charaudeau (1983), o discurso publicitário é encenado de modo a ocultar o que
se passa no circuito externo, segundo a figura 3. Neste circuito, os parceiros são ligados por
relações de interesse muito mais em prol do publicitário do que do consumidor. Para o autor,
o ato de compra do consumidor é a garantia do enriquecimento dos parceiros que se
encontram na cadeia da instância produtora, enquanto que o consumidor só recebe a sua parte
na apropriação de um bem que é, por definição, perecível (qualquer que seja seu prazo), e
ainda, é algo que o consumidor nem mesmo pode afirmar que realmente necessita (a não ser
que ele justifique essa necessidade utilizando a mesma argumentação do discurso
publicitário).
Essa ocultação se realiza primeiramente pela fabricação de uma imagem de sujeito que
enuncia (EUe), que “se mascara” de anunciador através do sujeito que comunica (EUc)-
71
Publicitário (CHARAUDEAU, 1983). Por outro lado, o sujeito consumidor também é
mascarado por uma imagem de sujeito destinatário, que deve estar interessado não no
produto, mas no que ele oferece. Ele é, portanto, chamando a se colocar no local de um agente
de uma busca, cujo objeto não é a compra de um produto, mas a imagem vaga de um objeto
de desejo, ou seja, a identificação.
Ao mesmo tempo, o autor percebe que se opera um deslocamento do lugar do produto.
No circuito externo (figura 3), P é o objeto de troca entre a instância produtora e a instância
consumidora, que obterá esse objeto através do ato da compra. Já no circuito interno, onde
opera o discurso publicitário, P não é mais este objeto, mas sim, um auxiliar na busca deste
objeto. Assim, este deslocamento tem o efeito de inocentar P, dar a impressão de que ele está
mais acessível, e ainda, fazer crer que o consumidor se apropriou dele por outro motivo que
não o produto em si.
Na organização discursiva narrativa, relatada anteriormente, Charaudeau (1983)
destaca que R representa um objeto de valor positivo, um benefício, que teria como
beneficiário o destinatário e como benfeitores o anunciador e o fabricante. Este benefício é
reapresentado por um valor vago, como o amor, a sabedoria, a virilidade, para que possa se
inscrever em um imaginário coletivo no qual se supõe que cada um encontra um ponto de
ancoragem pessoal. Mas essa subjetividade é ao mesmo tempo levada por um objeto concreto,
o que constitui uma maneira de fazer crer que o desejo de cada um pode encontrar a sua
concretização em um objeto material, e o seu preenchimento na apropriação desse objeto.
Enfim, o publicitário pode trabalhar com categorias de interlocutores diferentes, talvez
até opostas. Algumas, com efeito, serão mais sensíveis a um discurso de sedução, e outras a
um discurso de persuasão. O autor discorre também sobre a relação do tipo de contrato
publicitário e a mídia que o publicitário utiliza para veicular suas mensagens. A mídia
72
especializada é indicada quando o público alvo é formado por destinatários intelectuais, e
precisa de um discurso argumentativo através do que o autor chama de “contrato sério”. Já a
mídia de massa é utilizada quando o público alvo é extenso e mais inclinado a sonhar, e
precisa do que o autor chama de “contrato maravilhoso”.
A seguir será discutido como o discurso publicitário é formatado em uma campanha
publicitária, suas peças e as mídias escolhidas na campanha analisada.
4.2
CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS
Segundo Sampaio (2003), uma campanha de propaganda pode ser definida como a
soma de diversos esforços publicitários integrados e coordenados entre si, e realizados para
cumprir determinados objetivos de comunicação de um anunciante, tais como: lançamento de
uma nova marca no mercado, promoção de uma liquidação, sustentação das vendas e da
imagem de um produto ou serviço já existente, esforço de caráter institucional, e muitos
outros exemplos.
A campanha de propaganda diferencia-se do anúncio ou do comercial isolado pela
maior quantidade e integração das peças de comunicação utilizadas, pela coordenação dos
esforços, e pela existência de um tema de campanha.
Para o referido autor, tema de campanha é um slogan, frase, conceito visual, gráfico
ou sonoro que resume a essência do posicionamento de um produto, marca ou empresa. É o
elemento que integra suas diversas peças de comunicação, uma vez que está presente em
todas elas. O tema também é a essência daquilo que é mais importante dizer em toda a
73
campanha, é a própria expressão comunicativa da estratégia de comunicação adotada. Pode
ser expresso através de palavras, elementos visuais, sonoros ou gráficos.
Além das peças de comunicação publicitária, pode-se utilizar outras ferramentas de
comunicação que complementam os esforços de propaganda, ou cumpram tarefas específicas
necessárias à consecução dos objetivos centrais da campanha.
4.2.1 As peças publicitárias
A abordagem teórica sobre as peças publicitárias será restrita às utilizadas pela
campanha analisada neste estudo, ou seja: anúncio, outdoor e spot de rádio.
Os anúncios encontram boas oportunidades em jornais e revistas, pois estes veículos
permitem a inserção de textos, desenhos, fotografias, manchetes chamativas, diagramação e
design inovador, oferecendo a possibilidade de passar uma mensagem detalhada. O anúncio é
o canal que estabelece a ligação direta entre a oferta e a procura (CARVALHO, 1996).
Castro (2004) esclarece que a estrutura do texto publicitário de um anúncio permite
que as suas partes se complementem num todo, dispostas logicamente, a começar pelo título,
que geralmente aparece destacado e tem a função primordial de conduzir à leitura do restante
do anúncio. Esta leitura serve para reproduzir relações sociais da vida cotidiana, buscando
causar a identificação do público com o conteúdo da mensagem publicitária, que retrata
significados variáveis do contexto social e cultural em que veicula.
O outdoor, cartaz de grandes proporções posicionado em locais estratégicos, de modo
a ser visto por um grande número de pessoas, utiliza mensagens curtas e diretas associadas a
imagens igualmente simples e fortes para convencer as pessoas a respeito de uma idéia ou
74
produto. O outdoor se diferencia do anúncio pela sua grande visibilidade (CARVALHO,
1996).
A autora afirma ainda que o outdoor e o anúncio – em jornal ou em revista - ocupam
lugar de destaque, por se basearem na palavra escrita, que exerce a função de direcionar o
sentido da imagem.
Assim como em outras publicidades ao ar livre, no outdoor a mensagem precisa ser
curta para ser eficaz, conforme afirma Carvalho (1996). No entanto, a velocidade com que a
mensagem é vista, e as distrações comuns de quem está no tráfego, fazem com que os
outdoors precisem ser expostos ao público por um tempo relativamente longo. A autora
afirma ainda, que, no Brasil, esses painéis costumam ficar um tempo mínimo de 15 dias em
veiculação. Martins (2004) esclarece que o outdoor atua como mídia de apoio em uma
campanha publicitária, veiculando, de maneira rápida e enfática, a síntese do seu conceito.
Já o spot de rádio não dispõe do fator visual como os anúncios e os outdoors, e é
encarado como mídia eletrônica. Este veículo busca atrair a atenção do público em horário e
condições que outros meios não conseguiriam, pois as pessoas costumam ouvir o rádio
enquanto estão fazendo alguma outra coisa. Por outro lado, o ouvinte pode não estar
prestando atenção integral à mensagem publicitária. Segundo Shaver (2002), o rádio
combinado com outdoor costuma ser a televisão barata, por surtir quase o mesmo efeito de
um comercial televisivo.
Tanto o rádio, como o jornal e o outdoor são usados primordialmente para reforçar,
em termos locais, uma campanha de âmbito nacional, pois são excelentes meios de
comunicação para fixar e relembrar (SCHULTZ e BARNES, 2001).
75
Segundo Prata (2005), é pertinente destacar a visão de Charaudeau (1984) de que a
voz é a principal característica que dá suporte ao rádio, e instaura uma relação muito
particular entre a instância midiática e o receptor. No caso do spot de rádio é pertinente levar
em consideração a observação do autor sobre o tema:
O rádio é essencialmente a voz, os sons, a música e é esse conjunto que o inscreve
em uma tradição oral, mais marcada ainda se não o acompanha nenhuma imagem,
nenhuma representação figurada dos locutores nem de objetos que produzam vozes
ou sons. A magia particular do rádio se deve a essa ausência de encarnação e essa
onipresença de uma voz pura. A voz – timbre, entonação, intenção – revela o estado
de espírito daquele que fala. Assim, ele poderá parecer forte ou fraco, autoritário ou
submisso, emotivo ou controlado, frio ou emocionado, tudo isso com que jogam os
políticos e profissionais da mídia. (Prata 2005 p. 242 apud Charaudeau, 1997 p. 119)
Charaudeau (1984) esclarece ainda, que a análise da mídia não pode se contentar
apenas com o produto final, como as peças publicitárias. Para o autor, toda a produção de
sentido depende do sujeito que a produz e do processo em esta se dá em função dos efeitos
que se quer produzir nos destinatários.
A partir das abordagens expostas, acredita-se que, no que tange à comunicação
integrada, a propaganda é um instrumento, tanto da comunicação dita mercadológica, quanto
institucional, que atuam conjuntamente. Ou seja, assim como a propaganda é uma ferramenta
da comunicação, também é uma ferramenta do marketing, na medida que estes setores
buscam um mesmo objetivo organizacional. Garantir a sobrevivência da organização é função
de toda a estrutura organizacional, a partir de uma atuação ética que permite a geração de
lucros (financeiro, social e institucional), beneficiando acionistas, clientes, funcionários,
fornecedores, toda a comunidade e o meio ambiente.
76
4.3
A RELAÇÃO DA IMAGEM COM O TEXTO
Apesar de não ser o enfoque principal deste estudo, considerou-se pertinente fazer
uma leitura, ainda que breve, da imagem em peças publicitárias. Para tanto, elegeu-se Barthes
(1990), por ser considerado o primeiro teórico a propor uma análise desse tipo voltada à
publicidade, e trabalhar com a semiolinguística.
Para este autor, a publicidade exprime mensagens de teor lingüístico e icônico, sendo
que este último se divide em outros dois tipos de mensagem: a imagem icônica codificada, e a
mensagem icônica decodificada, que traçam as relações dos diferentes elementos entre si para
construir uma mensagem visual (BARTHES, 1990). Essas mensagens podem ser
relacionadas, respectivamente, com os conceitos de conotação (implícito) e denotação
(explícito), baseando-se na presença ou ausência de certos elementos nas peças publicitárias.
Quanto ao emprego da cor, Farina (2003) disponibiliza uma abordagem oportuna no
que se refere à publicidade. Para o autor, a cor tem íntima conexão com aquilo que será
anunciado, quer seja para transmitir a sensação de realidade, quer para causar impacto.
Devido às suas qualidades intrínsecas, a cor tem a capacidade de captar rapidamente, e sob
um domínio emotivo, a atenção do comprador. Para o autor, é inegável que o anúncio
publicitário realizado nos contrastes de branco e preto tem poder atrativo muito grande, é um
contraste agradável à vista e com um inquestionável poder de impacto. Porém, as
combinações de cores possuem um poder muito maior, atuando diretamente sob a parte
sensorial do indivíduo.
O autor afirma ainda que existem certas cores que possuem, por si próprias, um grau
de atenção maior do que as outras. O vermelho simboliza uma cor de aproximação, de
77
encontro e algumas de suas características afetivas são o movimento, o dinamismo, a força,
energia, vigor, intensidade, coragem. O cinza dá a idéia de máquinas, seriedade, finura, e em
geral não interfere junto às outras cores. O branco lembra a harmonia, simplicidade, limpeza,
estabilidade. Contudo, o tema é demasiado complexo e não se pretende estendê-lo, atendo-se
apenas as cores que são utilizadas com relevância nas peças da campanha analisada a seguir.
78
5
5.1
ESTUDO DE CASO: A CAMPANHA CARAVANA 500 MIL PELO BRASIL
CARACTERIZANDO A ORGANIZAÇÃO PESQUISADA
Considera-se relevante mencionar algumas das características ímpares da AGCO que
concorreram para que a organização fosse escolhida como objeto desta pesquisa11. A sede da
AGCO Corporation fica na cidade de Duluth, Georgia, Estados Unidos e a empresa possui
fábricas em seis países: Alemanha, Brasil, Dinamarca, Estados Unidos, França e México.
Atualmente, a AGCO exporta para 90 países, expandindo-se na Europa, no Oriente Médio e
na África. A empresa projeta, fabrica e distribui equipamentos agrícolas e peças de reposição
relacionadas, como tratores, colheitadeiras, retro-escavadeiras, pás carregadeiras, tratores de
esteira e pulverizadores.
No Brasil, a AGCO conta com aproximadamente 3.000 colaboradores nas fábricas de
Canoas e Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, e contempla as marcas Massey Ferguson, AGCO
ALLIS, Challenger, Ag-Chem, Fieldstar, Auto-Guide, Soilteq, MF Industrial e Spra-Coupe. A
empresa possui a maior rede de concessionárias do país, com 220 lojas espalhadas por todos
os estados.
Para validar sua missão – crescimento sustentável através do atendimento ao cliente,
inovação, qualidade e comprometimento superiores – e sua visão – soluções de alta tecnologia
para produtores rurais que alimentam o mundo –, a AGCO baseia-se em cinco valores,
descritos no quadro a seguir:
11
Todas as informações sobre a AGCO foram colhidas durante conversas e trocas de mensagens eletrônicas com
os profissionais da empresa.
79
VALOR
Foco no cliente
DESCRIÇÃO
“Criamos soluções excelentes para nossos clientes ouvindo atentamente suas
necessidades e excedendo suas expectativas”.
Dimensões humanas
“Valorizamos nossos funcionários; queremos ser o empregador preferido no nosso
segmento; queremos desenvolver funcionários altamente motivados que sejam; os
mais instruídos e melhor treinados no segmento; desenvolvemos as habilidades e
qualificações dos funcionários; queremos que nossos líderes sejam pró-ativos e
indiquem a direção; queremos que nossos líderes influenciem e estabeleçam as
regras; queremos alcançar vantagem competitiva através da agilidade, qualidade e
comportamento inovador”.
Número
um
na “Mais do que entregar alta qualidade em produtos e serviços, queremos ser
qualidade
percebida reconhecidos por isso”.
pelo cliente
Padrões éticos
“Agiremos de maneira ética como bons cidadãos corporativos em todas as
comunidades nas quais a Companhia atua; cuidamos do meio ambiente; queremos
proteger o meio ambiente de influências nocivas, conservar os recursos naturais e
promover a consciência ambiental”.
Valores da marca
“Reconhecemos a tradição e o valor das marcas, a lealdade de nossos clientes e a
identificação de nossas concessionárias e distribuidores com as marcas. A
estratégia multi-marcas da AGCO mantém o valor de cada marca”.
Quadro 3 - Valores da AGCO
Fonte: www.AGCO.com.br (disponível em 13 de novembro de 2005.)
Entre suas ações para legitimar sua missão, está também a criação do primeiro
programa de marketing de relacionamento do setor agrícola, que visa ouvir o cliente e
desenvolver soluções adequadas.
Ressalta-se ainda a preocupação da empresa com sua imagem junto aos públicos,
explícita nos diversos prêmios que a empresa recebeu, ligados ao meio ambiente, segurança e
saúde ocupacional, marketing, recursos humanos e qualidade. Entre eles destacam-se: Top of
Mind, Top List e Destaque Empresarial (2003 e 2000), Gerdau Melhores da Terra (2003,
2002 e 2000), Top Ser Humano da ABRH–RS (2003), Prêmio Expressão de Ecologia (2003,
2002 2001, 2000 e 1999), Prêmio Qualidade RS (2003, 2002, 2001, 2000, 1998 e 1997),
Prêmio Sul de Energia da Revista Expressão (2002) e Prêmio CNI de Ecologia (1999). Além
dos prêmios, a AGCO recebeu as seguintes certificações: ISO 9001 (2003), OHSAS 18001
(2002), ISO 14001 (1999), e ISO 9001 (1994). Em 2003, a AGCO do Brasil recebeu o seu
primeiro Certificado de Responsabilidade Social fornecido pela Assembléia Legislativa do
Rio Grande do Sul a empresas situadas no Estado.
80
Esta constante participação da empresa nos prêmios mencionados demonstra seu
esforço em cultivar sua imagem, fator que também foi considerado para justificar sua escolha
como modelo de organização preocupada com sua comunicação.
Numa visita à sede da empresa em Canoas, no dia 15 de junho de 2004, às 15h,
constatou-se que o departamento de comunicação é intitulado marketing e comunicação, e
trabalha em conjunto com o departamento de marketing e vendas. É importante destacar esta
integração entre comunicação, marketing e vendas, uma vez que pode ser um indício da
importância que a empresa atribui à comunicação.
5.2
A CAMPANHA
A Massey Ferguson, que a partir deste ponto será referida como MF, é a marca líder
do mercado de tratores no Brasil há 44 anos, e alcançou, em 2003, o número de 500 mil
tratores produzidos no país. Dentre as comemorações desse fato, a empresa resolveu
confeccionar um trator especialmente para a ocasião. O trator, com detalhes cromados, virou
motivo de orgulho para os funcionários da AGCO, quando a empresa decidiu promover um
leilão beneficente no dia 08 de julho de 2003. O valor arrecadado seria integralmente doado
para o Programa Fome Zero, do Governo Federal, que estava sendo lançado na época, e
repercutia na mídia nacional. Esta foi uma oportunidade que a empresa percebeu para agregar
sua marca a uma ação de cidadania, uma ação isolada, mas que se legitima por ser realizada
por uma empresa com histórico bastante sólido em atuação socialmente responsável.
A idéia que originou a criação da Caravana 500 mil pelo Brasil surgiu no momento
em que a AGCO decidiu leiloar o Trator 500 mil e doar o valor arrecadado ao programa Fome
81
Zero. Esta doação atendia a um apelo do Governo para que as empresas aderissem a este
programa social de amparo a pessoas carentes, recém lançado e bastante presente na mídia.
A iniciativa da AGCO atraiu atenção da imprensa, e a realização do leilão gerou um
grande momento para a empresa. Estiveram presentes na ocasião políticos, membros do
Ministério da Reforma Agrária, representando o governo federal e os governadores dos
Estados do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso. O evento foi transmitido ao vivo para todo o
país pelo Canal Rural. O trator comemorativo foi arrematado pela Unimassey por R$
200.000,00, e a AGCO reverteu este valor para o programa Fome Zero.
Toda essa comemoração fez com que a Unimassey resolvesse mostrar o trator recém
adquirido, lançando então a campanha Caravana 500 mil pelo Brasil, com o objetivo de
arrecadar alimentos por onde passasse. Para divulgar a campanha, juntamente com o alcance
dos 500 mil tratores produzidos no país, a AGCO encomendou uma campanha publicitária
que compõe o corpus deste estudo.
A campanha teve seu lançamento oficial na feira agropecuária Expointer de 2003, em
Esteio/RS, e saiu do pátio da fábrica da AGCO, em Canoas/RS, no dia 28 de setembro,
percorrendo, até setembro de 2004, cerca de 83 cidades. O trator comemorativo 500 mil da
série MF 500 mil viajou pelo Brasil e visitou os concessionários associados, onde ficou em
exposição durante um dia, para os clientes terem a oportunidade de conhecer e tirar uma foto
com ele.
Nessa ocasião, a campanha promovia na comunidade uma mobilização para a doação
de alimentos não-perecíveis, que foram entregues às entidades carentes. A cada 5 quilos de
alimentos doados, o produtor rural que apresentasse sua inscrição, ganhava um cupom para
concorrer a um trator da série 500 mil. O primeiro sorteio aconteceu em abril de 2004, na
82
Agrishow de Ribeirão Preto (SP) e o segundo ocorreu durante a Expointer 2004, no
encerramento da campanha.
Em maio de 2004, a AGCO doou outro trator para leilão, que foi arrematado por R$
49 mil pela Covediesel - Comércio de Veículos Diesel, de Santa Rosa. O evento aconteceu
durante a 15ª Fenasoja, em Santa Rosa, e teve transmissão ao vivo para todo o Brasil pelo
Canal Rural. A renda também foi integralmente revertida ao programa de combate à fome do
Governo Federal, com benefício direto às entidades assistenciais da região.
A campanha analisada, segundo os profissionais da AGCO entrevistados, buscou
prioritariamente reforçar a imagem da organização, ou seja, contribuir para que essa imagem
fosse positiva na mente dos seus públicos. Este objetivo foi planejado a partir de uma
campanha publicitária declaradamente institucional, que buscou atrelar a marca a ações
socialmente responsáveis. Para alcançar este objetivo, a sugestão da AGCO para veiculação
das peças da campanha concentrou-se em três veículos: anúncio para jornal ou revista,
outdoor e rádio. No caso da campanha da AGCO, a Unimassey deixou a cargo de cada
concessionária participante da campanha a decisão e o investimento de veicular as peças na
mídia local.
As peças analisadas, dois anúncios em preto e branco para revista ou jornal, um
outdoor colorido e um spot de rádio, visavam motivar o público a participar da Caravana
quando ela estivesse chegando na sua cidade, através do apelo da solidariedade e do combate
à fome, conforme o contexto social em que o país se encontrava.
5.3
O CONTEXTO - PROGRAMA FOME ZERO
83
Considera-se relevante destacar o contexto nacional em que a empresa se situava no
momento do lançamento da campanha em estudo, fazendo-se um relato sobre o programa
Fome Zero, que, segundo os profissionais entrevistados, inspirou a criação da Caravana.
O programa Fome Zero12 é um conjunto de políticas públicas lançado pelo governo
federal visando garantir o direito à alimentação adequada a todos os brasileiros, priorizando as
pessoas carentes. Fez parte das propostas da campanha presidencial de 2002 do Partido dos
Trabalhadores, anunciado como prioridade de governo no primeiro discurso do presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na manhã seguinte à eleição. Em novembro de 2002, o Fome
Zero foi submetido ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e à Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em reunião realizada em
Washington, nos Estados Unidos. Nessa ocasião, o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf,
declarou que esse projeto seria uma referência para as atividades daquele organismo em
outros países.
A iniciativa deste programa partiu do Instituto Cidadania, entidade independente e
apartidária, fundada pelo presidente Lula há dez anos. Foi financiado com recursos da
Fundação Djalma Guimarães, entidade vinculada à Companhia Brasileira de Metalurgia e
Mineração (CBMM), do Grupo Moreira Salles. O projeto teve início em meados do ano 2000
e reuniu uma equipe com mais de 50 pesquisadores e colaboradores, entre os maiores
especialistas do Brasil em políticas sociais, alimentação, nutrição e saúde.
Num país como o Brasil, onde a fome e desnutrição formam um círculo vicioso e
agravam a pobreza, o programa Fome Zero foi recebido com grande entusiasmo pela
sociedade em geral. Sabe-se que o problema do país não é a falta de comida, mas a falta de
12 Todas as informações sobre o programa Fome Zero foram retiradas dos sites da Internet
<http://www.fomezero.gov.br> e <http://www.fomezero.org.br>, acessados em 30 de novembro de 2005.
84
recursos financeiros para adquiri-los em quantidade permanente e com qualidade adequada.
Como a renda no Brasil é indiscutivelmente mal distribuída, uma parcela da população não
tem acesso nem mesmo à quantidade mínima de alimentos necessária para garantir a sua
sobrevivência.
Esta situação produz efeitos cumulativos e irreversíveis principalmente nas crianças,
como a dificuldade de assimilação de conhecimento, a quebra da imunidade às doenças, o
retardamento mental, a cegueira, os distúrbios glandulares (há crianças “gordas” em
decorrência da fome), e até a morte precoce (de cada mil crianças nascidas vivas no Brasil,
cerca de trinta e duas morrem antes de completar um ano de vida).
Utilizando-se desses argumentos, o programa Fome Zero propôs um conjunto de
políticas públicas que envolveram os três níveis de governo: o federal, o estadual e o
municipal. Porém, percebe-se que a responsabilidade pelo êxito do programa foi claramente
entregue à sociedade brasileira como um todo, conforme declaração do presidente Lula:
Penso que o Brasil deu uma oportunidade a si mesmo. (O Fome Zero) não será um
milagre de um presidente da República. Acho que será um milagre da sociedade
brasileira. Se cada entidade empresarial, se cada pessoa que tenha alma, consciência
política, neste país, resolver adotar essa campanha, o governo não precisa nem saber,
porque não queremos paternidade do resultado. Se alguém na sua cidade, se alguém
na sua vila, se alguém na sua comunidade quiser fazer alguma coisa, pelo amor de
Deus, faça! Não fique esperando o governo! Faça, porque o que nós queremos não é
ver a cor da semente, o que nós queremos é ver o resultado que essa semente vai dar,
se a sociedade brasileira assumir para si a responsabilidade de acabar com a fome no
nosso país.13
É pertinente destacar ainda, que o Programa Fome Zero foi pensado buscando a
integração de três instâncias. A primeira, voltada às Políticas Estruturais, busca reverter as
causas profundas da fome e da pobreza, e é desenvolvido pelo poder público. Possui os
programas de Bolsa Família, Geração de Emprego e Renda, Previdência Social Universal,
13
BETTO, F. Cartilha da Mobilização Social do Fome Zero, disponível em: <http://www.fomezero.gov.br>.
Acesso em: 30 nov. 2005.
85
Incentivo à Agricultura Familiar, Intensificação da Reforma Agrária, Sede Zero / Apoio ao
Programa 1 Milhão de Cisternas, Segurança e Qualidade dos Alimentos.
A segunda instância – Políticas Específicas – é voltada para atender diretamente às
famílias carentes, no que se refere ao acesso ao alimento. Podem ser desenvolvidas pelos
governos dos estados, dos municípios, e pela sociedade civil organizada através de doação de
cestas básicas emergenciais, combate à desnutrição materno-infantil, restaurantes populares e
cozinhas comunitárias, ampliação da merenda escolar, programa de distribuição de leite,
ampliação do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), bancos de alimentos,
manutenção de estoques de segurança, educação para o consumo e educação alimentar e
nutricional, segurança e qualidade dos alimentos.
Por fim, as Políticas Locais dizem respeito às prefeituras e à sociedade civil
organizada de cada município, propondo apoio à agricultura familiar e à produção para
consumo próprio. Nas pequenas e médias cidades, a sugestão é a criação de bancos de
alimentos, parcerias com varejistas para doação de alimentos, feira do produtor, modernização
dos equipamentos de abastecimento e agricultura urbana. Já nas cidades grandes, destaca-se a
criação de restaurantes populares.
Finalizando-se as abordagens apresentadas até este ponto, que serviram de
embasamento e fundamentação para a pesquisa, parte-se para o desafio proposto de se
compreender a comunicação no âmbito organizacional a partir de discursos publicitários.
Neste momento, cabe a reflexão de que o caminho percorrido não se apresentava pronto, mas
foi construído ao longo da trajetória, constituindo uma dentre tantas possibilidades
vislumbradas no início e até mesmo durante este percurso.
86
6 APLICAÇÃO DA ANÁLISE: O ENCONTRO DE CHARAUDEAU COM A
COMPLEXIDADE
Para estudar os textos das peças da campanha em questão, foi utilizada a técnica de
análise de discurso, a partir dos contratos de comunicação propostos por Charaudeau (1983),
amparada pelo método do paradigma da complexidade proposto por Morin (2003). Optou-se
por estes autores pela sua abordagem bastante abrangente e por terem sido já utilizados para
análise de textos publicitários. Charaudeau (1983) apresenta um contrato de comunicação,
onde o gênero lingüístico publicitário se inscreve em um circuito de trocas de bens de
produção, com uma interação entre parceiros, conforme apresentado anteriormente.
Como forma de coleta de dados para o estudo de caso, a entrevista simultânea com
dois profissionais na empresa, foi conduzida de maneira espontânea, buscando construir uma
conversa informal, e seguindo, na medida do possível, um roteiro de perguntas. O intuito do
uso desse tipo de entrevista é corroborar certos fatos que já se acreditam terem sido
estabelecidos.
Este estudo de caso foi analisado a partir de duas das fontes de coleta de dados
recomendadas por Yin (2005). A primeira foi a documental, que é constituída pelas peças da
campanha, analisadas sob a ótica posposta por Charaudeau. A segunda é a entrevista com
profissionais da AGCO, que auxiliou no momento de caracterizar a empresa e compreender as
intenções desta com a campanha. Apesar de não ser este o propósito principal do estudo,
realizou-se também uma breve leitura da imagem da peças publicitárias, segundo Barthes
(1990) e Farina (2003), como complementação.
87
As técnicas propostas para a pesquisa, a análise semiolinguística do discurso segundo
Charaudeau (1983) e o estudo de caso de Yin (2005), são ancoradas pelo método do
paradigma da complexidade de Morin (2003), que sugere a superação dos limites impostos
por uma metodologia tradicional, ao afirmar que nenhuma ação tem a garantia de ser
previsível, e que as contradições são necessárias e convivem com uma permanente incerteza.
Na medida em que sugere uma revisão no conceito do próprio método, impedindo que este se
imponha como uma forma rígida, racional e reducionista a ser seguida, o paradigma da
complexidade propõe aspectos metodológicos que buscam a construção do saber em um
processo transdisciplinar contínuo.
6.1
A ANÁLISE DAS PEÇAS
Aplicado à campanha Caravana 500 mil, o contrato de comunicação tem os seguintes
elementos:
Circuito externo: sujeitos psicossociais = Fome Zero
Parceiros
Circuito interno: interlocutores
Massey
Ferguson +
Dez
Propaganda
EUc =
Publicitário
EUe
Anunciador
ELEx =
Texto
publicitário
TUd
Leitor
= TUi
Prováveis
consumidores
do trator
Protagonistas
ELEo - Trator MF500 mil
Figura 5 - Contrato de comunicação publicitária – Campanha Caravana 500 mil pelo Brasil
88
Esse esquema mostra que o ato de linguagem se compõe de dois circuitos de produção
de saber:
-circuito interno, da fala configurada com seres de fala criados à imagem de sujeito
que enuncia (EUe) e de sujeito destinatário (TUd).
-circuito externo à fala configurada com sujeitos reais que agem e são instituídos à
imagem do sujeito comunicante (EUc) e dos sujeitos que interpretam o anúncio (TUi).
Na análise do circuito, percebe-se que, de um lado encontra-se a marca MF, que
contratou uma agência de publicidade para conceber uma campanha. Juntas, a Massey
Ferguson e a agência, são parceiras que compartilham o mesmo espaço no circuito de
linguagem (base de construção do discurso publicitário), e estão ligadas por contratos de
interesses em torno do valor no mercado do trator que elas oferecem implicitamente,
representado o EUc que é transformado em EUe.
Do lado oposto do circuito está o público-alvo da campanha, que, ao adquirir um
trator, completa a relação entre a persuasão estabelecida no texto do anúncio, e o ato de
compra do produto, representando o TUd transformado em TUi. Esse procedimento evidencia
que o indivíduo foi convencido a usar o trator anunciado, o que completa o circuito de trocas
ilustrado na figura 5.
O enunciador (EUe) é o sujeito responsável pela fala dos enunciados do texto e não se
revela como publicitário, pois tem o papel de apresentador do discurso sobre o trator da marca
MF, enaltecendo suas qualidades e vantagens sobre a concorrência. O destinatário (TUd), ou
leitor do texto publicitário não é designado previamente como consumidor; mas é tido como
um sujeito vulnerável a tudo o que é dito sobre o produto anunciado, como o apelo à
solidariedade evidente na chamada: “A Massey Ferguson vai bater recorde de solidariedade”.
89
O autor chama este sujeito de utilizador eventual do produto, ou seja, um possível consumidor
do trator MF 500mil.
A partir das asserções de Charaudeau (1983) sobre a organização discursiva, a ênfase
da análise será na enunciação, embora também se façam leituras das formas argumentativa e
narrativa ao longo do capítulo, ainda que de maneira menos densa. Optou-se pela enunciação
por se considerar este o tipo de organização discursiva que permite maior visualização do
duplo sentido das mensagens existentes na campanha analisada.
Todas as peças analisadas estão inseridas em tamanho ampliado no anexo A, para uma
melhor visualização das mesmas, porém, considerou-se pertinente inserir as peças gráficas
também no corpo do trabalho para facilitar a compreensão da análise:
Figura 6 - Anúncio 1.
TÍTULO
TEXTO
Vamos passar como um trator por cima da fome.
A Massey Ferguson vai pegar a estrada rumo a um Brasil sem fome. É a Caravana 500 mil pelo
Brasil que vai levar solidariedade a todos os cantos do país, através de nosso grande orgulho: o
trator 500 mil. Ele vai rodar o país inteiro arrecadando alimentos para comunidades carentes.
Participe. Quando o trator estiver na concessionária da sua cidade, passe lá e doe alimentos
não-perecíveis. Assim, você ajuda a combater a fome e ainda conhece de perto o novo recorde da
Massey.
Quadro 4 - Anúncio 1.
O anúncio 1 tem formato retangular, conhecido como “rodapé”, utilizado para ocupar
a parte inferior de jornais ou revisas. Em tons de cinza e preto, é composto por um título, em
destaque, no canto superior direito, disposto em duas linhas. O texto está logo abaixo em
tamanho reduzido, alinhado ao título. A imagem do trator está em primeiro plano, ocupando
90
toda a metade esquerda do anúncio. Como pano de fundo desta estrutura, encontra-se a
imagem de um mapa rodoviário. Assinando a peça, estão três logotipos dispostos no canto
inferior direito, da esquerda para a direita: logotipo da campanha Caravana 500 mil pelo
Brasil, brasão comemorativo ao alcance dos 500 mil tratores da marca MF produzidos no país
e logotipo da marca MF.
Figura 7 - Anúncio 2.
TÍTULO
TEXTO
A Massey Ferguson vai bater recorde de solidariedade.
Depois de bater seu recorde com a produção de 500 mil tratores, a Massey Ferguson está pronta
para um novo desafio: rodar o Brasil levando solidariedade a todos os cantos do país. É a
caravana 500 mil pelo Brasil. O trator 500 mil vai pegar a estrada e arrecadar alimentos para
comunidades carentes.Participe. Quando o trator estiver na concessionária da sua cidade, passe
lá e doe alimentos não-perecíveis. Assim, você ajuda a combater a fome a ainda conhece de
perto nossa nova conquista.
Quadro 5 - Anúncio 2.
O anúncio 2 tem formato quadrado, e é chamado do meio publicitário de “meiapágina”. Também tem tons de cinza e preto e é composto por um título em destaque, disposto
em duas linhas, e ocupa toda a parte superior do anúncio. Alinhado ao título, o texto está logo
abaixo em tamanho reduzido. A imagem do trator está em primeiro plano, ocupando a metade
91
inferior esquerda do anúncio, que também tem como pano de fundo a imagem do mapa
rodoviário e os mesmos três logotipos de assinatura.
Figura 8 - Outdoor.
O outdoor tem formato retangular, e é a única peça gráfica colorida. Por suas
características de veículo de rápida visualização, possui apenas uma frase: “Vamos passar
como um trator por cima da fome”, que é a mesma frase do título do anúncio 1. A frase está
destacada na parte superior direita da peça, tendo ao lado a imagem do trator, na sua cor
original, que ocupa todo o lado esquerdo do outdoor. Assim como a imagem do mapa,
também estão presentes os três logotipos das outras duas peças gráficas.
Já o spot, por não ter características gráficas, será analisado apenas enquanto texto.
Também não serão consideradas suas características de áudio. O texto do spot é composto
pelas seguintes frases: “Venha juntar-se ao trator 500 mil e ajudar a combater a fome no país.
É a Caravana 500 mil pelo Brasil que vai levar solidariedade a todos os cantos do país. Basta
trazer alimentos não perecíveis e se preparar para esta grande comemoração solidária. E, logo,
ela vai chegar aqui em nossa cidade. Esperamos você e sua família. De___a___de____na
concessionária___________”.
Cabe destacar que o tema da campanha, que, segundo o profissional 1 é “um trator
contra a fome”, está presente em todas a peças analisadas, demonstrando a unificação desta
92
mensagem de solidariedade vinculada ao produto trator. A partir das quatro peças
apresentadas foi feita uma leitura global do discurso publicitário da campanha.
6.1.1 Organização enunciativa
Os textos nas peças da campanha apresentam sobreposição de vozes que interagem
com enunciações dirigidas aos destinatários de maneira ora explícita, quando usa verbos no
imperativo, ora implícita, quando aparece como o narrador de uma história. Percebe-se que
esta polifonia presente nos textos é construída a partir da união de duas vozes enunciativas.
Para facilitar a análise do ponto de vista da enunciação, as frases dos textos das peças
da campanha foram separadas no quadro 6 conforme seu comportamento enunciativo, que,
com base na abordagem de Charaudeau (1983), se constatou ser do tipo alocutivo e
delocutivo. O primeiro tipo é claramente objetivo e dirige-se ao destinatário de maneira
explícita, através do emprego de verbos no imperativo, em primeira pessoa e pronomes
possessivos, enquanto o segundo tipo é subjetivo e fala implicitamente ao destinatário, que
também se apresenta oculto.
Neste jogo polifônico, as duas vozes aparecem intercaladas nas peças da campanha
analisada. Contatou-se que os dois anúncios e o spot possuem este caráter polifônico ao longo
do texto, a exceção é o outdoor, que, por ter apenas uma frase em sua estrutura discursiva,
possui um único comportamento enunciativo.
93
PEÇAS
Anúncio 1
FRASES ALOCUTIVAS
Vamos passar como um trator por cima da
fome. (título)
Participe.
Quando o trator estiver na concessionária da
sua cidade, passe lá e doe alimentos nãoperecíveis.
através de nosso grande orgulho: o trator 500
mil.
FRASES DELOCUTIVAS
A Massey Ferguson vai pegar a estrada rumo a
um Brasil sem fome
É a Caravana 500 mil pelo Brasil que vai levar
solidariedade a todos os cantos do país,
Assim, você ajuda a combater a fome e ainda Ele vai rodar o país inteiro arrecadando
conhece de perto o novo recorde da Massey.
alimentos para comunidades carentes.
Participe.
Anúncio 2
Outdoor
Spot
A Massey Ferguson vai bater recorde de
solidariedade. (título)
Quando o trator estiver na concessionária da Depois de bater seu recorde com a produção de
sua cidade, passe lá e doe alimentos não- 500 mil tratores, a Massey Ferguson está
perecíveis.
pronta para um novo desafio: rodar o Brasil
levando solidariedade a todos os cantos do
país.
É a caravana 500 mil pelo Brasil.
Assim, você ajuda a combater a fome a ainda O trator 500 mil vai pegar a estrada e
conhece de perto nossa nova conquista.
arrecadar alimentos para comunidades
carentes.
Vamos passar como um trator por cima da
____________________________
fome.
Venha juntar-se ao trator 500mil e ajudar a A Massey Ferguson está na estrada rumo a um
combater a fome no país.
Brasil sem fome.
Basta trazer alimentos não perecíveis e se É a Caravana 500 mil pelo Brasil que vai levar
preparar para esta grande comemoração solidariedade a todos os cantos do país.
solidária.
E, logo, ela vai chegar aqui em nossa cidade.
De___a___de____na
Esperamos você e sua família.
Juntos, vamos passar como um trator por cima concessionária___________.
da fome.
Quadro 6 - Frases das peças da campanha
Na análise do quadro 6, percebe-se que as peças possuem textos polifônicos, ou seja,
possuem “marcas” que evidenciam diferentes comportamentos enunciativos num mesmo
texto. Estes comportamentos são as formas de linguagem que o locutor se apropria para
referir-se a si mesmo (EU) e a seu interlocutor (TU), que nas peças mostraram ser do tipo
alocotivo e delocutivo. Percebe-se que o texto publicitário dos anúncios da campanha possui
nos títulos um comportamento delocutivo, sendo que ao longo dos enunciados o
comportamento muda para o alocutivo e permanece assim até o final do texto publicitário.
94
A seguir, serão analisadas as frases da campanha, separadas no quadro 6 conforme seu
comportamento enunciativo.
6.1.1.1 Comportamento Alocutivo
O comportamento alocutivo utiliza-se da fala direta ao TUd, o sujeito assume a
responsabilidade de falar no mesmo instante em que solicita a participação do destinatário,
incitando-o a algo, ao usar o tempo verbal imperativo. Neste comportamento, o efeito é
transformar definitivamente o leitor do anúncio em um potencial consumidor do trator,
identificando-se com uma imagem ideal de destinatário, em que será o beneficiário ao
comprar o trator da MF.
O tempo verbal imperativo presente no exemplo “Participe” explicita o caráter
persuasivo e a intenção de venda, tentando convencer o destinatário a participar da campanha.
A presença do destinatário é destacada na medida em que ele é o indivíduo que vai ser
convencido a comprar o produto anunciado. O enunciador se apresenta como um conselheiro,
e propõe um contrato de confiança ao destinatário. Este comportamento é característico do
tipo alocutivo, que marca a presença do destinatário no texto, o que não acontece no tipo
delocutivo, onde este se encontra oculto.
O leitor é convidado a participar da campanha de solidariedade e “passar na
concessionária” de sua cidade para levar os alimentos, onde estarão expostos os produtos da
MF, conforme a frase:
Quando o trator estiver na concessionária da sua cidade, passe lá e doe alimentos
não-perecíveis.
95
Já o uso do pronome “nosso” demonstra que o enunciador se anuncia em nome da
Massey Ferguson, revelando-se responsável pelo que afirma sobre as qualidades desta marca:
[...] através de nosso grande orgulho: o trator 500 mil.
O uso deste pronome e os verbos em primeira pessoa induzem a união entre a voz
delegada e a voz que delega, situando-as no mesmo universo de referência, para que, ao lerem
o texto, os sujeitos representados sejam capazes de se identificar como grupo privilegiado e
testemunhas do anunciante, levando à compra do trator. Também se verifica esta
característica nos exemplos abaixo:
Venha juntar-se ao trator 500 mil e ajudar a combater a fome no país.
Vamos passar como um trator por cima da fome.
Nessas frases, a MF confere credibilidade ao que é dito, pois traz o leitor do anúncio,
possível consumidor, para junto de si, colocando-o ao lado da empresa para realizar a
campanha de solidariedade. Agenciando elementos simbólicos como “500 mil”, “novo
recorde”, “grande orgulho”, ela transforma o produto, já dotado de valor comercial, em objeto
de desejo, diferenciando-o da concorrência e singularizando sua posição no Brasil.
Já nas frases em que o anunciador se dirige diretamente ao destinatário, é possível
perceber o vínculo que a empresa quer manter com o possível consumidor do trator:
Assim, você ajuda a combater a fome a ainda conhece de perto nossa nova
conquista.
Basta trazer alimentos não perecíveis e se preparar para esta grande
comemoração solidária.
96
Nestas frases percebe-se que o enunciador convoca o leitor na participação da
campanha proposta pela empresa, que visa mostrar que a Massey Ferguson, e,
conseqüentemente, a AGCO, estão preocupadas com projetos que envolvem o acesso aos
alimentos pela população. Esses trechos também situam o destinatário como responsável
pelos problemas sociais do país, convocando-o a ajudar no combate à fome.
Esperamos você e sua família.
Juntos, vamos passar como um trator por cima da fome.
O envolvimento da família do destinatário na campanha demonstra a preocupação da
empresa em se mostrar, ela própria, como uma grande família solidária. Na medida em que a
MF utiliza a metáfora de “passar como um trator por cima da fome”, o trator é considerado
como capaz de passar a combater a miséria de muitas famílias, gerada pela fome. Esta
associação deve-se ao uso deste equipamento como ferramenta principal para o
desenvolvimento agrícola do país. O trator é o veículo que lavra a terra para produzir
alimentos, e conseqüentemente, combater a fome.
O enunciador aparece como agente das ações descritas e se determina como benfeitor,
para incitar o destinatário, mesmo que não seja solicitado explicitamente, a se considerar
como beneficiário das vantagens que o trator oferece. Tal estratégia busca ocultar o intuito
comercial presente na campanha.
97
6.1.1.2 Comportamento Delocutivo
Através da impessoalidade, este tipo de comportamento mostra marcas de
distanciamento no momento em que o enunciador deixa de ser o sujeito empírico e assume o
papel de narrador dos fatos. Neste tipo enunciativo, o anunciador EUe – a Massey Ferguson –
está em segundo plano, e se faz passar por um apresentador que anuncia algo. O destinatário
TUd – o leitor do anúncio – também não é solicitado explicitamente, sendo apenas um
espectador-testemunha. O efeito deste tipo enunciativo é fazer com que o sujeito interpretante
do anúncio comece a se identificar com o possível comprador do trator, despertando uma
carência em relação ao mesmo. O texto oculta também a verdadeira agente da solidariedade,
que é a comunidade, pois a empresa anunciante não irá doar alimentos, e sim os participantes
que aderirem à campanha, conforme a frase:
A Massey Ferguson vai bater recorde de solidariedade.
Em todas as frases deste tipo enunciativo percebe-se que o anunciador está apenas
contando um fato extraordinário sobre a empresa, que é a produção recorde de tratores, e
anunciando algo de bom que a empresa irá realizar, ou seja, rodar o Brasil levando
solidariedade a todos os cantos do país. O recorde a que a empresa se refere, tem duplo
sentido, pois está relacionado ao combate à fome e à produção de 500 mil tratores, conforme
as frases a seguir:
Depois de bater seu recorde com a produção de 500 mil tratores, a Massey
Ferguson está pronta para um novo desafio: rodar o Brasil levando solidariedade a
todos os cantos do país.
98
É a Caravana 500 mil pelo Brasil que vai levar solidariedade a todos os cantos do
país.
Ele vai rodar o país inteiro arrecadando alimentos para comunidades carentes.
O trator 500 mil vai pegar a estrada e arrecadar alimentos para comunidades
carentes.
Também nestas frases é possível perceber que o enunciador do texto assume a
narrativa como um contador de estórias, falando subjetivamente para o destinatário sobre a
grande produção de tratores da empresa, causando neste uma situação de falta não só de ser
solidário, mas também do trator.
Nestes exemplos, não se encontram vestígios de um falar direto a um parceiro
qualquer, mas a um destinatário específico chamado a considerar a obtenção de um resultado
– o recorde de produção de tratores –, a partir da procura do bem que é anunciado
implicitamente – o trator. Tal destinatário não é solicitado explicitamente pelo enunciador,
que não o designa como consumidor, mas deixa a entender que o considera um sujeito
suscetível a tudo o que é dito sobre o trator e a empresa, e lhe atribui o papel de “utilizador
eventual”. A enunciação se processa dentro dessas condições de produção, quando o
enunciador, interagindo com o sujeito para quem o discurso está voltado obtém do processo
um produto discursivo.
Este tipo enunciativo substitui, então, o discurso argumentativo pela descrição de
ações e qualidades do trator, como ser capaz de rodar o Brasil inteiro levando solidariedade a
cada canto do país, na tentativa de envolver o provável comprador com as singularidades do
trator.
99
As mensagens provocam ainda o desejo de ser solidário. O leitor do anúncio e
eventual consumidor dos produtos anunciados é então incitado a se identificar com o modelo
de solidariedade para também se engajar no combate à fome. Assim, o enunciador destas
frases faz referência à vida cotidiana da sociedade no momento em que a campanha está
veiculando, concomitante com o lançamento do programa Fome Zero, colocando em cena
universos de referência circunscritos ao espaço do país, como se observa no exemplo:
A Massey Ferguson vai pegar a estrada rumo a um Brasil sem fome.
As mensagens põem em evidência não só a solidariedade, mas o sucesso dos 500 mil
tratores produzidos no Brasil e colocados no mercado, marcando sua intenção objetiva e
comercial: o fazer comprar. Este aspecto de venda fica oculto, envolto em procedimentos que
têm por função destacar a participação da empresa em projetos sociais, valorizando seu
objetivo filantrópico.
Os argumentos dos anúncios são apresentados de modo impessoal, pois não há, ao
longo dos textos, marcas verbais ou pronominais de primeira pessoa. Esta ausência mostra
que o enunciador fala de si mesmo, não como sujeito explícito, mas como uma terceira pessoa
com quem pretende que o sujeito interpretante se identifique.
A finalidade dessa enunciação é captar o sujeito interpretante, seduzindo-o, para que,
ao se identificar com a marca Massey Ferguson, sinta-se induzido a comprar o trator,
contribuindo com o sucesso da campanha e as metas da empresa.
100
6.1.2 Organização argumentativa
A organização argumentativa do discurso publicitário é estruturada a partir de uma
proposta, de uma proposição e de um ato de persuasão. A proposta do texto publicitário é
representada pelo trator da marca Massey Ferguson, que, combinado com suas qualificações,
alcançará um resultado, conforme ilustrado na figura 9.
Aplicando-se a fórmula da figura 4 à campanha:
A Massey Ferguson ×
(P(M))
tem uma nova conquista
(500 mil tratores) e está
pronta para um novo
desafio
⇒
vai bater recorde de
solidariedade com a
Campanha Caravana
500mil
(q)
(R)
Figura 9 - Proposta do discurso argumentativo.
Percebe-se que R está presente em todas as peças da campanha e, segundo Charaudeau
(1983), estará sempre presente, mesmo que implicitamente, pois é o que incita no leitor o
desejo de compra. Neste elemento, estão presentes duas palavras de significados relevantes:
recorde e solidariedade. A partir destas palavras pode-se inferir que se trata de uma
organização de grande porte, capaz de bater recordes. Ao vincular a palavra solidariedade ao
nome da empresa, o anúncio também possibilita a conclusão de que a Massey Ferguson busca
manter ou criar uma imagem de empresa socialmente responsável.
A proposição, por sua vez, convoca o destinatário a perceber que bater recorde de
solidariedade (através do trator 500 mil) é seu objeto de busca e está claramente presente na
frase:
101
Assim, você ajuda a combater a fome a ainda conhece de perto nossa nova
conquista.
Já a persuasão é percebida a partir das objeções “você não pode não querer bater
recorde de solidariedade” e “somente o trator da Massey Ferguson permitirá que você bata
recorde de solidariedade” e está presente na frase:
Venha juntar-se ao trator 500 mil e ajudar a combater a fome no país.
Esta frase demonstra nitidamente o argumento da campanha de que para combater a
fome e ser solidário, o destinatário precisa associar-se ao trator.
6.1.3 Organização narrativa
A organização narrativa do texto publicitário, proposta por Charaudeau (1986), pode
ser aplicada às peças da campanha da seguinte maneira:
•
O sujeito tem um falta ⇒ a solidariedade (e o trator)
•
O sujeito busca suprir esta falta ⇒ vai à concessionária e participa da
campanha
•
A falta é suprida ⇒ compra o trator e doa alimentos, tornando-se solidário
Assim, bater recorde de solidariedade (ser solidário, ajudar a combater a fome)
representa algo que as pessoas não conseguiriam sem o trator. Ao ler o anúncio, o destinatário
se conscientiza que tem esta falta e parte em busca de algo para supri-la. O trator representa
um meio de ajudar o destinatário a satisfazer esta necessidade.
102
A falta que o leitor sente ao ler o anúncio é ser solidário. Esta falta será suprida no
momento em que o leitor identificar-se com a campanha, a partir do contexto social do
programa Fome Zero e realizar a transação comercial, tornando-se também solidário.
A ênfase na palavra solidariedade demonstra que a empresa não só busca para si a
imagem de solidária, mas convida o público a participar também, fazendo a sua parte através
da doação de alimentos para entidades carentes. Esta palavra pode demonstrar um desejo de
vínculo com o público, estreitando o relacionamento organização-público, como participantes
de uma campanha em que é buscado o mesmo objetivo: combater a fome dos miseráveis do
país.
6.1.4 Relação da imagem com o texto
Como todas as peças de mídia impressa da campanha são ilustradas, constatou-se a
necessidade de se analisar os estímulos visuais. Contudo, foi feita apenas uma leitura
complementar e não exaustiva, pois a complexidade dos textos dos anúncios e da técnica de
Charaudeau (1983) exigiu um recorte com vistas aos discursos publicitários. Elegeu-se
Barthes (1990) como base para esta etapa por ser um dos pioneiros a optar pela utilização da
imagem publicitária como campo de estudo para a semiologia. Para o autor, a imagem
publicitária revela três tipos diferentes de mensagens, uma de teor lingüístico, e duas de teor
icônico. Como o teor lingüístico das peças publicitárias já foi analisado sob a perspectiva de
Charaudeau, a perspectiva de Barthes auxiliou na leitura das imagens icônicas.
A imagem do trator sobre um mapa, também presente nas três peças gráficas, remete
novamente ao trator viajando pelo país, o que demonstra uma relação de “ancoragem”
(BARTHES, 1990), na medida em que a imagem identifica elementos presentes no texto e
103
complementa o sentido deste, apresentando uma íntima ligação com o que o texto diz. A frase
“vamos passar como um trator por cima da fome”, está ancorada na imagem do trator em
cima do mapa, que demonstra a intenção da empresa em rodar o país arrecadando alimentos
para bater o recorde de solidariedade.
Quanto à denotação percebem-se alguns aspectos de estrutura. Nos dois anúncios,
deduz-se que a chamada tem mais importância que o resto do texto, pois está em caixa alta e
em um tamanho muito maior em relação ao parágrafo seguinte. No anúncio 2 o texto está
acima da imagem, induzindo a uma maior evidência na chamada, que ocupa toda a extensão
lateral do anúncio.
Em todas as peças, o trator aparece em primeiro plano, em local privilegiado,
revelando seu caráter de produto anunciado, seguindo a estrutura de um anúncio comercial.
Ainda sobre a denotação, se a campanha é institucional, seria mais admissível que a foto
mostrasse um saco de arroz, por exemplo, ou uma foto de uma cesta básica. Mas o que
aparece em todas as peças é o trator 500 mil, o produto que a empresa vende. As peças
apresentam ainda três imagens dispostas no canto inferior direito: o logotipo da campanha
Caravana 500 mil pelo Brasil, o brasão dos 500 mil tratores e o logotipo da Massey Ferguson,
que assinam a campanha.
Já a conotação pode ser relacionada com as cores que têm presença relevante no
outdoor – a única peça gráfica colorida da campanha –, como o vermelho do trator e dos
logotipos, o preto do texto e o cinza do mapa.
O vermelho é a cor de todos os tratores da marca MF. Segundo os profissionais
entrevistados, no mercado de tratores, cada empresa utiliza uma cor única em todos os seus
produtos, e o vermelho é a cor associada à MF. Esta associação está clara nas palavras do
profissional 1: “... o cara já vai começar a ver o vermelho, a ver o Massey...”.
104
O logotipo da campanha traz um trator vermelho estilizado, inclinado, dando a idéia
de que está em movimento. É associado ao logotipo da MF, que também é vermelho e faz
referência explícita ao trator 500 mil. A cor vermelha, conforme Farina (2003), transmite
paixão, que pode ser interpretada como o orgulho que a empresa tem de ter alcançado a
produção de 500 mil tratores. Além disso, por ser considerada vibrante, o vermelho está
ligado à motivação que resulta na ação da compra.
Já o brasão que foi confeccionado para marcar as comemorações do alcance do meio
milhão de tratores fabricados no Brasil foi aplicado a toda uma série de tratores produzidos no
ano de 2003. Foi também alvo de muitas reproduções, inclusive de um chaveiro dourado que
foi entregue pelos profissionais da empresa no momento da entrevista. As cores do brasão
remetem à bandeira do Brasil, e sua aplicação nos tratores MF, que são vermelhos, remete
também às cores da bandeira do Rio Grande do Sul. Esta associação pode demonstrar uma
intenção de vinculação com este estado, que sedia as fábricas da empresa. Além disso, o
brasão também se relaciona com o logotipo do programa Fome Zero, na medida em que
ambos apresentam as cores predominantes do símbolo nacional, o verde e amarelo.
Todas essas associações demonstram a intenção da empresa em vincular o seu
produto, o trator, ao projeto social do governo, caracterizando o objetivo institucional e
socialmente responsável que foi aplicado às peças. Contudo, a leitura da imagem também
revelou que esta “essência institucional” oculta um caráter mercadológico, complementando a
discussão da análise dos textos.
105
6.2
ANÁLISE DAS FALAS – ENTREVISTA
Segundo Yin (2005), a entrevista é um importante meio de coleta de dados nos estudos
de caso, é uma fonte essencial de informações. Neste sentido, a entrevista com os
profissionais da AGCO foi conduzida de maneira a deixar que eles se sentissem livres e até
confidentes para reproduzirem as reais intenções da empresa com a campanha. O principal
propósito desta entrevista foi, através de uma conversa espontânea e informal, corroborar o
fato, que já havia sido comprovado pela análise das peças, de que a campanha tinha, além do
seu caráter explícito de ação socialmente responsável, o intuito da venda. A reprodução
completa das falas encontra-se no anexo B.
Foram selecionados alguns trechos das falas dos profissionais entrevistados (por
questões éticas, foram identificados apenas como profissional 1 e profissional 2) para análise,
a partir da abordagem da organização discursiva enunciativa de Charaudeau (1983). Embora a
análise das falas não seja a preocupação principal deste estudo, considerou-se estes trechos
relevantes para se conhecer os objetivos da empresa com a campanha Caravana 500 mil.
Percebe-se o entendimento do profissional 1 sobre a campanha através da seguinte
fala:
quando começou a se aproximar a execução, a montagem do trator 500 mil, a turma
de marketing e a diretoria da empresa, em uma série de reuniões, definiu que isso era
um grande momento, com um ano antes de antecedência a gente já estava
vislumbrando que esse seria um grande momento. Então se pensou em várias coisas.
E a coisa que mais se configurou em termos de produto, em termos de marco para
isso era pegar o nosso trator mais vendido, o nosso best-seller, o mais conhecido, o
mais premiado, enfim, que era o 275 e transformar esse trator em que saísse um 275
da linha para ser celebrado, comemorado, porém um 275 estilizado, único.
106
O trecho apresenta um discurso polifônico, pois, no início, o enunciador se posiciona
como um narrador de uma história, contando como surgiu a idéia de comemorar os 500 mil
tratores produzidos no país, caracterizando um comportamento delocutivo. Em seguida, o
trecho adquire um teor alocutivo, através do uso do pronome nosso, posicionando-se como
representante da empresa.
Percebe-se que o profissional 1 da empresa considera o trator 500 mil, o produto da
empresa presente nas peças da campanha, realmente um produto de bastante valor, um grande
marco, digno de merecer uma grande divulgação. Neste trecho está explícito que a campanha
surgiu para divulgar o trator e o alcance de produção, portanto, até este ponto, a empresa não
pensava em uma campanha institucional, mas sim mercadológica.
Este intuito mercadológico está presente também na seguinte fala do entrevistado:
Então a Unimassey que é a associação dos revendedores Massey Ferguson comprou
o trator por 200 mil reais...A Unimassey com essa relíquia nas mãos tinha que
faturar em cima disso. E ela fez esse trator percorrer por todas as suas afiliadas, a
menos que alguma não quisesse, por estar num lugar muito longínquo, mas ela deu
uma circulada legal pelo Brasil todo.
Esta fala de comportamento delocutivo, demonstra o objetivo primeiro da Caravana,
que era percorrer as revendedoras MF para promover a venda de tratores. A partir daí o
segundo entrevistado, chamado de profissional 2, apresenta sua visão, que, em parte, reflete o
pensamento do profissional 1 da empresa e é, em parte, contraditória:
o trator nada mais é do que uma máquina que foi desenvolvida para produzir
alimentos, isso foi uma forma simbólica de resgatar qual a função social do trator, e
valorizar as pessoas que estão envolvidas com esse negócio.
A intenção social da campanha está clara neste trecho, no momento em que o
profissional 2 deseja valorizar as pessoas envolvidas com o campo. Novamente o
comportamento delocutivo se apresenta neste trecho através da impessoalidade.
107
Quando solicitado sobre os objetivos da campanha Caravana 500 mil, o profissional 2
proferiu a seguinte fala:
é aquela coisa da responsabilidade social,...a empresa fica mais valorizada perante a
comunidade [...] por isso que a gente saiu do Fome Zero, que é uma coisa muito
federal, e nessa época o Fome Zero estava começando a ser muito questionado
também, por ser um programa muito demagógico. Então a gente resolveu fazer uma
carreira solo. Também quando tu entras no Fome Zero, tu perdes o controle de pra
onde vão as doações [...] assim se prestigiam as entidades locais [...] O
concessionário tinha total liberdade para escolher as entidades locais, e juntavam
políticos, autoridades.
Isso cria uma imagem positiva da marca, uma boa vontade das pessoas com aquela
marca [...] mais cedo ou mais tarde, o mercado responde a isso.
[...] o foco aqui (na Caravana) foi o cliente Massey, o cara que tem o nosso trator,
gosta da marca, para o cara sentir orgulho, tirar foto da família com o trator...Isso é
um cara que já tem uma vinculação com a marca, a gente quer alimentar sempre
isso.
Portanto, está claro que o entrevistado percebe a campanha como uma ação de
responsabilidade social, com fins sociais. Entretanto, o objetivo final de valorizar a empresa
perante a comunidade também é destacado. A intenção de venda está explícita em dois
momentos dos trechos. O primeiro, quando o entrevistado afirma que o mercado acaba
respondendo a uma ação institucional, e a segunda quando se admite que o público que a
empresa quer atingir é o consumidor do trator.
A partir da concepção de comunicação institucional dos autores aqui citados, é
possível verificar que a campanha Caravana 500 mil é realmente uma ação de comunicação
institucional, na medida em que visa vincular a marca da empresa a um programa solidário,
como o Fome o Zero, mas assume, de maneira dissimulada, um caráter de ação mercadológica
a partir do momento em que a foto do produto da empresa, o trator, está em primeiro plano.
Também nas mensagens do texto o destaque é o produto da empresa, o trator que “passa por
cima da fome”. As marcas no texto também evidenciam o intuito da venda, como a solicitação
108
para que o leitor passe na concessionária, ponto de venda, para doar os alimentos, onde o
possível consumidor será envolvido e induzido à compra.
Neste sentido, entende-se que a complexidade, a partir dessas diversas contradições,
está presente em todo o desenrolar da análise, seja no estudo do discurso publicitário nas
peças da campanha, seja nas falas dos entrevistados. Os princípios da dialógica, da
recursividade, e da hologramática, mostraram-se inerentes ao discurso publicitário.
No circuito do contrato de comunicação proposto por Charaudeau (1992), aplicado no
transcorrer de toda a análise, encontra-se o princípio dialógico, em que os diversos sujeitos
trocam de papéis de maneira contínua, representando também o princípio da recursividade. A
hologramática, por sua vez, vai ao encontro do conceito de comunicação integrada, na medida
em que não pode ser separada em institucional e mercadológica. Ao se adotar o pensamento
complexo de Morin (2000) para nortear a pesquisa, foi possível estender o trabalho de análise
para além dos aspectos da lógica determinista, construindo um caminho que vislumbra
trajetórias paralelas e convergentes.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No momento em que a caminhada aproxima-se do fim, percebe-se a possibilidade de
outras abordagens, na medida em que se toma consciência da circularidade presente na
trajetória percorrida à luz do pensamento complexo. Contudo, o foco no objeto de estudo
permitiu que se mantivesse o caminho projetado, construído através de abordagens tanto
complementares quanto divergentes.
O aporte teórico dos capítulos iniciais permitiu a sustentação da análise e a preparação
para uma discussão de múltiplas facetas. Charaudeau (1983), através da sua análise de
discurso, contribuiu para demonstrar como a linguagem publicitária está estruturada, e como
ela depende de seus contextos para ser interpretada. A abertura necessária à
transdisciplinaridade mostrou-se pertinente num momento em que o papel da publicidade,
como instrumento econômico e social, adquire maior relevância.
Cada vez mais as organizações estão trocando a publicidade de seus produtos e suas
respectivas qualidades intrínsecas pela publicidade de sua marca relacionada a uma imagem
positiva junto ao público consumidor. Ou seja, as pessoas tendem a escolher entre as marcas
anunciadas não pela funcionalidade de seus produtos, mas pela imagem atrelada a cada marca,
a partir do momento em que o destinatário identifica-se com ela. Neste sentido, a publicidade
atua como criadora de identidades, evidenciando figuras e significações dentro do espaço
social.
Na campanha analisada, o benefício oferecido pelo discurso publicitário é
representado pela solidariedade, um valor subjetivo que se inscreve no contexto social do
país, induzindo seus destinatários a se identificarem com a empresa. Ao mesmo tempo, essa
110
subjetividade é relacionada a um objeto concreto, o trator, o que constitui uma maneira de
“fazer crer” que o desejo de cada pessoa pode encontrar a sua concretização na apropriação de
um objeto material.
As peças da campanha apresentam características polifônicas, que têm a finalidade de
levar o destinatário a identificar-se com o mundo imaginário criado pela publicidade. A
mensagem da campanha faz referência a um acontecimento social a nível nacional, como o
combate à fome, apresentando uma situação compartilhada com a sociedade, revelando, em
parte, a vida cotidiana e, em parte, o mundo ficcional.
O discurso publicitário mostrou-se, então, revelador de diferentes possibilidades de
interpretação, na medida em que oculta a intenção da venda. Charaudeau (1983) permite a
compreensão do projeto de fala do enunciador, que pretende transformar o leitor de anúncios
em consumidor efetivo de mercadorias. Essa transformação ocorre quando o publicitário
oculta sua fala direta, apresentando-se como interessado apenas no bem-estar do consumidor,
seduzindo-o com apelos subjetivos.
O sujeito consumidor também está implícito, oculto por uma imagem de sujeito
destinatário que deve estar interessado não no produto, mas no que ele oferece. Ele é,
portanto, chamando a se colocar no local de agente de uma busca cujo objeto não é compra de
um produto, mas a imagem de um objeto de desejo, ou seja, a identificação.
A análise permitiu enxergar esses objetivos tácitos, através da transformação dos
sujeitos do circuito interno do contrato de comunicação em sujeitos reais do circuito externo,
os produtores da publicidade. Essa concepção, amparada pelo paradigma da complexidade,
permitiu a análise do discurso publicitário, não como uma enganação, mas como uma
organização circular e contraditória, a partir dos três princípios de Morin (2002) que
embasaram a análise.
111
Já na análise da imagem, o que aparece em primeiro plano nas peças é o trator
estilizado, ou seja, o produto final da empresa, que está presente também no logotipo da
campanha. O apelo da campanha é combater a fome, mas em nenhum momento aparecem
imagens de alimentos ou de pessoas carentes se alimentando.
Metodologicamente encarou-se o desafio de analisar a campanha à luz do paradigma
de Morin, na medida em que este pressupõe a incerteza. Este método foi pertinente pela sua
capacidade de conceber a dualidade da organização, reunindo, contextualizando,
globalizando, e ao mesmo tempo reconhecendo o singular, o concreto, individualizando.
Tanto o caráter dialógico, quanto o recursivo e o hologramático, propostos pelo
paradigma da complexidade, proporcionaram o entendimento de que o discurso publicitário é
contraditório, e que esta é sua essência. A publicidade cria um mundo imaginário
propositalmente, pois toda a publicidade visa ocultar o objeto de venda. Na análise da
campanha foi possível perceber, por exemplo, que o novo trator deve ser um produto bom,
pois se subentende que será capaz de atravessar o Brasil, rodando pelas estradas e arrecadando
alimentos. Além disso, o anúncio traz a foto do próprio trator, ou seja, mesmo sendo uma
campanha institucional, a empresa está também divulgando o produto.
A associação destas idéias de Morin à campanha está presente em diversos momentos
na contextualização que a empresa faz ao vincular-se ao tema atual da fome, através do
Programa Fome Zero do governo federal. A empresa usa desta oportunidade, deste “gancho”
nacional, para sensibilizar o público de todo o país, mas não deixa de alcançar seu objetivo
final, concreto, que seria a divulgação do produto, o trator MF 500 mil. Através da chamada e
do texto, as peças repetem várias vezes a mesma mensagem, mensagem esta que é também
representada pela imagem do trator sobre o mapa.
112
Através da análise das peças da campanha, percebe-se a contradição em que o discurso
publicitário se insere. Frases como “vamos passar como um trator por cima da fome” e
“vamos bater recorde de solidariedade” induzem o leitor a pensar que a Massey Ferguson irá
realmente combater a fome. Contudo, a análise de Charaudeau permite enxergar o implícito,
onde se percebe que quem doa os alimentos são as pessoas que participam da campanha.
Portanto, a Massey Ferguson não “vai bater recorde de solidariedade”, nem “combater a
fome”.
Da mesma forma, a frase: “O trator 500 mil vai pegar a estrada...” dá a idéia de que o
trator em questão vai rodar país, o que passa uma mensagem de que o trator tem bastante
potência e grande resistência, pois o Brasil é uma nação de extensão continental. Porém,
através da entrevista com profissionais da empresa, constatou-se que o trator viajou em um
caminhão e apenas foi retirado para ficar exposto nas concessionárias. Esta é uma das muitas
contradições presentes no texto, pois a campanha anuncia que é o próprio trator que fará o
percurso, e não informa que, na verdade, ele estará viajando dentro de um caminhão.
As contradições inerentes ao discurso publicitário também estão presentes nas falas
dos executivos. Segundo José Alexandre Barioni, analista de marketing da AGCO, o grande
resultado da Caravana não foi somente a doação de alimentos, mas o fato de sensibilizar a
comunidade. "Estamos mostrando às concessionárias a importância de trabalhos como esse.
Seus funcionários sentem-se melhor em saber que a empresa se preocupa com essas questões.
É muito bom ver a alegria das pessoas que participam", ressalta Barioni14. Esta frase mostra a
intenção da empresa em promover ações puramente sociais.
14 Disponível em <http://cidadania.terra.com.br/interna/0,,OI291117-EI3453,00.html>, acessado em 08 de abril
de 2004.
113
Já a frase do profissional 2, “isso (a Caravana 500 mil) cria uma imagem positiva da
marca, uma boa vontade das pessoas com aquela marca... mais cedo ou mais tarde, o mercado
responde a isso”, demonstra que existe a intenção de gerar lucros com essa ação.
A comunicação mercadológica, segundo os autores aqui citados, informa, persuade e
comunica vantagens dos produtos aos consumidores, itens que estão presentes no discurso da
campanha analisada. Apesar de ser uma campanha com objetivos “puramente institucionais”,
segundo os profissionais da empresa, as peças dizem exatamente o que uma campanha
essencialmente mercadológica precisa dizer: o que é o produto da empresa – o trator –, como
ele proporciona valor – é solidário – e onde ele é encontrado – nas concessionárias.
Esta contradição entre a fala dos profissionais e o discurso presente nas peças da
campanha, remete à outra análise paralela. Com embasamento em Bueno (2005), pode-se
inferir que a comunicação da empresa está atuando de maneira integrada, na medida em que a
comunicação institucional e a comunicação mercadológica, apesar de diferentes,
complementam-se. A mensagem do anúncio, tanto a que está explícita e que reforça a imagem
institucional, quando a que está implícita e demonstra objetivos mercadológicos, demonstra
que a comunicação está integrada num processo complexo e contraditório.
A visão de Bueno (2005) sobre comunicação integrada está presente na análise das
peças na medida em que se percebe características tanto da comunicação institucional quanto
da mercadológica. À primeira vista, as peças são puramente institucionais, visto que induzem
a população a combater a fome no país e não vendem explicitamente o produto da empresa.
Mas o enfoque discursivo de Charaudeau permitiu uma análise abrangente, incluindo as
mensagens implícitas contidas nas peças enaltecendo o produto da empresa. Nesse sentido, a
análise da campanha Caravana 500 mil demonstrou a inseparabilidade da comunicação
institucional e mercadológica, através do discurso publicitário.
114
Assim, a comunicação organizacional, sob a forma do discurso publicitário, possui
aspectos complexos, ambíguos e contraditórios, e que possibilitam múltiplas leituras. Este
discurso, por sua vez, irá, juntamente com todas as outras formas de interação da organização
com este público, reproduzir uma imagem na mente de cada indivíduo.
É pertinente destacar que esta imagem depende também do receptor, ou seja, não se
pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse fatos ou objetos prontos no mundo,
que podem ser captados e introduzidos na mente (MATURANA E VARELA, 2004). Para os
autores, toda a experiência é validada de uma maneira particular pela própria estrutura
humana, que torna possível a descrição desta experiência. Acredita-se que esta abordagem
renderia assunto para outro estudo.
Por fim, considera-se relevante destacar que surgiram, num primeiro momento,
resistências ao uso do paradigma da complexidade, o que se deve à dificuldade em se aceitar
seu caráter empírico, incerto, confuso, incapaz de conceber uma ordem absoluta, e de evitar as
contradições. Mas percebe-se a necessidade de conscientização dessa complexidade, inerente
a todas as esferas do conhecimento, a partir da consciência de que a própria comunicação
organizacional não pode ser analisada de outra maneira, senão como um processo integrado,
dialógico, incerto e contraditório, ou seja, complexo.
115
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119
ANEXOS
120
ANEXO A
A CAMPANHA CARAVANA 500 MIL PELO BRASIL
121
Logotipo da campanha.
122
Outdoor.
123
Anúncio 1.
124
Anúncio 2.
125
Spot de rádio.
126
Capa da Revista Campo Aberto de 20 de agosto de 2003.
127
Capa da Revista Campo Aberto de 30 de outubro de 2003.
128
Entrega do Cheque
Trator 500.000 Leiloado
Relatório fornecido pela AGCO.
129
Logotipo do Programa Fome Zero.
130
A Continuação da Campanha
Relatório fornecido pela AGCO.
131
Trator 500.000 em exposição na concessionária Alpha, em Balsas, no Maranhão.
132
Crianças de entidade assistencial favorecida pela Caravana em Juazeiro, Bahia.
133
Sorteio de trator durante a Agrishow 2004, em Ribeirão Preto, São Paulo.
134
Sorteio de trator durante a Expointer 2004, em Esteio, Rio Grande do Sul.
135
ANEXO B
ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DA EMPRESA AGCO
136
Entrevista realiza em 30 de maio de 2005, na sede da AGCO, em Canoas-RS, com
duração de 41 minutos.
Ângela -
Esse anúncio é um modelo de como a comunicação está sendo realizada de
forma integrada, porque ele é um anúncio á primeira vista institucional, ele
não está vendendo nada n o texto todo nem aqui, mas ele tem a imagem do
trator então ele está mostrando o produto da empresa, pode não ser a primeira
idéia, mas ele também está vendendo, então é um anúncio de comunicação
institucional e de comunicação mercadológica.
Profissional 1 - Eu vou te contar um pouco de como isso tudo surgiu, como isso depois
evoluiu, e como isso depois acabou terminando. Nós começamos de um jeito
e terminou de um outro jeito, para nossa satisfação terminou num patamar
acima um pouco da expectativa que nós estávamos. Depois o Profissional 2
vai poder te dar um detalhe mais técnico que tu precisas da parte que o
marketing trabalhou, os bastidores, essas coisas que eventualmente venham
também te ajudar no teu trabalho.Eu acho que isso que tu abordou de
comunicação integrada, não só a comunicação foi integrada, sob o ponto de
vista comunicação, mas também foi bastante integrada a questão fábrica, nós
somos fábrica, nós fabricamos esse produto, existe uma rede de distribuição
que vende esse produto e daqui a pouquinho tu vai entender porque e tem
também o aspecto comercial mais amplo que tu v ais entender. (Profissional
2 entra). Eu estou dando para a Ângela um panorama macro da caravana 500
mil e depois na parte mais específica certamente tu tens muito a colaborar,
Profissional 2. Então, além da comunicação integrada teve toda uma
integração de outros fatores que agora tu vais entender melhor quando eu te
der um rápido histórico do que foi isso. Nós somos líderes de mercado há
137
mais de 40 anos e nunca perdemos essa liderança e por isso quem tem maior
a população de tratores nesse país, sem dúvida nenhuma é a marca Massey
Ferguson. Quando se aproximou a contabilização dos 500 mil tratores feitos
aqui no Brasil, eles começaram a ser feitos em São Paulo, a partir de 1981
nós transferimos a fábrica aqui para Canoas, onde ela está hoje e pelos
controles de produção, a gente sabe quantos tratores a gente fez no decorrer
do tempo, quantos modelos, etc. Quando começou a se aproximar a
execução, montagem do trator 500 mil, a turma de marketing e a diretoria da
empresa, em uma série de reuniões, definiu que isso era um grande momento,
com um ano antes de antecedência a gente já estava vislumbrando que esse
seria um grande momento. Então se pensou em várias coisas. E a coisa que
mais se configurou em termos de produto, em termos de marco para isso era
pegar o nosso trator mais vendido, o nosso best-seller, o mais conhecido, o
mais premiado, enfim, que era o 275 e transformar esse trator em que saísse
um 275 da linha para ser celebrado, comemorado, porém um 275 estilizado,
único. Seria um 275 para museu, esse é o cara, ninguém mais vai ver um
trator igual a esse na história, foi se criando essa expectativa. Tu conheces o
trator?
Ângela -
Não, só por foto.
Profissional 1 - Eu não sei nem onde ele está hoje, mas eu posso de antecipar alguma coisas,
por exemplo, um 275 não tem um pára-lama de plástico, como tu ta vendo
aqui, arredondado, ele não tem as rodas cromadas, ele não tem o escapamento
cromado, ele não tem a barra de proteção cromada. Ele é um 275 realmente
único, ele é um 275 bonito, ele salta aos olhos, ele brilha os cromos, depois
isso se evidenciou mais ainda. No momento que isso foi concebido, vai ser
138
por aí, nós aqui na fábrica, a engenharia, o trator aconteceu. O trator não
tinha muito vínculo com o projeto, era mais uma peça de comemoração do
que uma peça comercial ou uma peça de trabalho no campo. Então encima
disso a turma começou a montar o evento. E a espinha dorsal do evento seria
esse trator andar na linha e lá na ponta ter todo um cenário, uma montagem
comemorativa, com várias autoridades políticas, a autoridade máxima da
AGCO no mundo estava aqui, a autoridade máxima do Estado do Rio Grande
do Sul estava aqui, que era o governador Rigotto, três ou quatro ministros de
estado estavam aqui, o governador Blairo do Mato Grosso, realmente aquele
momento foi um momento ímpar para a nossa atividade aqui em Canoas.
Choveu que foi um horror.
Profissional 2 – O que foi a nossa sorte, porque por uma questão de protocolo quando se tem
uma autoridade como o Rigotto convidada, tu não podes começar o evento
sem que ele esteja presente. É uma questão de lei. E o evento estava marcado
para as quatro horas da tarde e ele tinha um evento, a duplicação da fábrica
da Souza Cruz, em Santa Cruz do Sul e ele queria ir aos dois eventos, com
certeza ele iria bater aqui umas 6h da tarde. Só que tinha um detalhe, o evento
ia ser transmitido ao vivo pelo canal rural, se ele chegasse tarde, tua ia ficar
um tempão enchendo lingüiça ia perder teu horário na TV. No fim a chuva
nos ajudou porque com ele estava de helicóptero e não conseguiu ir ao outro
evento.
Profissional 1 - Mas então esse trator ia sair na linha, nos preparamos toda uma saída na linha
e ele saiu sendo dirigido pelo vice-presidente mundial de vendas e marketing
e tinha toda uma arquibancada montada e isso era apenas o começo, a saída
do trator era apenas o começo muito mais vinha por aí. Teve um coral de
139
funcionários, uma atitude muito bonita da turma que se auto-indicou pra
cantar e teve um coquetel e toda essa parte festiva da estória. Mas esse trator
único ele ainda seria vendido. Quando ele informou que o canal rural estava
aí, ele não estava apenas para mostrar o momento, mas para fazer um leilão
em nível nacional ao vivo para qualquer revendedor, ou qualquer agricultor,
ou qualquer pessoa que tivesse um telefone e estivesse sintonizada no canal
rural naquele momento poderia dar o lance para comprar o trator. Então um
trator desses na época vamos supor que custasse oitenta mil reais, entre os
lances que foram dados, ele acabou sendo vendido por uns duzentos mil
reais. E quem comprou o trator foi uma entidade que se chama Unimassey,
porque os revendedores Massey Ferguson, aí que eu comecei a abrir um
pouco o círculo para ti, tem a fábrica, tem a engenharia, tem o marketing, são
círculo internos e depois tem um grande círculo externo que são a nossas
redes de revendedores. Então a Unimassey que é a associação dos
revendedores Massey Ferguson comprou o trator por 200 mil reais. A partir
disso eu acho que vem o tema mais pontual da tua dissertação que é a
Caravana 500 mil. A Unimassey com essa relíquia nas mãos tinha que faturar
encima disso. E ela fez esse trator percorrer por todas as suas afiliadas, a
menos que alguma não quisesse, por estar num lugar muito longínquo, mas
ela deu uma circulada legal pelo Brasil todo. E esse trator era conduzido num
caminhão que tinha toda uma comunicação visual, devemos ter várias fotos
desse caminhão. E em cada revenda que ele parava para passar dois ou três
dias ou o fim de semana a revenda fazia uma mini comemoração em que ela
convidava seus principais clientes, seus principais amigo,s ia sempre um dos
diretores aqui da AGCO para dar um pouco de porte à apresentação. E todas
140
as pessoas que eventualmente queriam bater uma foto com trator, tinha o
fotógrafo oficial, tinha o porta retrato oficial que hoje às vezes tu vais visitar
um agricultor e tu chega lá pra tomar chimarrão com o cara e ele te diz vem
cá quero te mostrar uma coisa aqui encima da minha lareira e ta lá a foto do
trator 500 mil, foi uma coisa que realmente quando eu te disse que estourou
um pouco a nossa expectativa é nisso, é uma coisa que foi um pouco além do
que sair com o trator na linha que é onde tudo tinha começado. Então essas
pessoas de alguma forma para entrar dentro do contexto de solidariedade, o
Lula tinha recém lançado o Fome Zero e todo mundo tava fazendo campanha,
vai jogar futebol e dá um quilo de arroz, show do Eric Clapton paga não sei o
que em banana, e daí a gente institui também que o pessoal pra ir lá bater a
foto, participar do evento, bater o porta-retrato, tinha que doar alguma coisa,
só que, quando os caras anunciam olha no Beira Rio no jogo fulano de tal
arrecadamos 3 toneladas de alimentos, para nós, no primeiro evento, os caras
em vez de darem um quilo de feijão os caras disseram olha eu vou dar um
caminhão de soja, eu vou dar três bois, o negócio foi virando uma coisa que a
gente imagina q fosse ser uma coisinha para se comparar a um evento no
beira Rio, por exemplo, extrapolou 50 vezes mais em termos de arrecadação.
A caravana não estava ligada ao Fome Zero, revenda que estava organizando
o evento na sua região de atuação fazia a doação para entidades assistenciais
locais. A renda do leilão, R$ 200.000,00 é que foi doada para o Fome Zero.
Houve pessoas que doaram sozinhas 6, 7 toneladas. Porque para um
agricultor que colhe milhares de toneladas, doar um quilo de alimentos não
significa nada, ele doa várias toneladas. Então isso foi mais ou menos por
onde terminou, esse trator girou pelo Brasil todo e provavelmente a
141
Unimassey vai acabar emprestando ele para o nosso memorial, que nós
estamos montando aqui, porque a Unimassey é uma entidade, ele não pode
ficar na casa de ninguém. Então esse é o contexto da campanha.
Ângela -
Qual o conceito da campanha?
Profissional 2 - Um trator contra a fome.
Ângela -
Quais as peças da campanha?
Profissional 2 - Não tem muita coisa, na verdade. Tem o caminhão, um banner, e muitas
fotos de cada evento, que estavam na nossa home page, fotos do trator, fotos
do pessoal doando alimentos, o que dá sustentação à popularidade que o
programa teve...
Ângela -
Como foi a idéia de relacionar o trator com a campanha?
Profissional 2 - É que o trator nada mais é do que uma máquina que foi desenvolvida para
produzir alimentos, isso foi uma forma simbólica de resgatar qual a função
social do trator, e valorizar as pessoas que estão envolvidas com esse
negócio.
Profissional 1 - Foi criado um brasão especial para a série comemorativa. Ele foi colocado
nos tratores na forma de adesivo, e foi distribuído como um chaveirão, uns na
cor prata e outros ouro. Esse símbolo foi um marco também. E a caravana por
si só teve seu próprio símbolo...
Ângela -
Quem eram os destinatários dessa campanha? Teve algum público alvo
específico?
142
Profissional 2 - Os clientes das nossas concessionárias.
Ângela -
O público alvo que ela atingiu foram esses clientes?
Profissional 2 - Além dos clientes, a comunidade em geral foi atingida.Hoje essa coisa da
responsabilidade social é muito forte dentro da empresa, e isso a gente tenta
passar para o concessionário também. Então, isso é uma forma da empresa,
do concessionário, ser bem visto na região.
Ângela -
Foi feita alguma medida dos resultados?
Profissional 2 - Sim, até porque uma das coisas que a gente fez na caravana foi o sorteio de
dois tratores da série 500mil. A cada 5 quilos de alimentos que a pessoa
doasse, ela ganhava um cupom. Nos tivemos dois sorteios, um na Agrishow,
em Ribeirão Preto/SP, no ano passado, e outro na Expointer
Ângela -
Quando a campanha foi feita, vocês pensaram nos objetivos mercadológicos
e institucionais, ou...
Profissional 2 - Mais institucionais...é aquela coisa da responsabilidade social, né... a empresa
fica mais valorizada perante a comunidade...por isso que a gente saiu do
Fome Zero, que é uma coisa muito federal, e nessa época o Fome Zero estava
começando a ser muito questionado também, por ser um programa muito
demagógico. Então a gente resolveu fazer uma carreira solo. Também quando
tu entras no Fome Zero, tu perdes o controle de pra onde vão as doações...
assim se prestigia as entidades locais... O concessionário tinha total liberdade
para escolher as entidades locais, e juntavam políticos, autoridades...
Ângela -
Os objetivos institucionais foram alcançados?
143
Profissional 2 - Sim, eu participei de um evento quando a gente entregou o 2 trator, e foi bem
emocionante... estavam as entidades que receberam os alimentos... a gente
nota que o pessoal valorizou muito. Até pelo fato de não ter nenhum interesse
comercial. Eu poderia dizer “ah, se tu comprares um trator, 5% da renda vai
ser doado”, mas aí tu estás vendendo um trator. Aqui não, a pessoa ia lá,
tirava uma foto com o trator, doava o alimento, e realmente o público é todo
do concessionário, que está bancando o evento,
Profissional 1 - Houve alguns depoimentos de quem recebia, por exemplo, curador de santa
casa, eram coisas de arrepiar... então quando tu perguntas se o objetivo foi
atingido, o objetivo foi muito bem atingido, nesse tema de solidariedade...
isso foi muito comentado...
Profissional 2 - Isso cria uma imagem positiva da marca, uma boa vontade das pessoas com
aquela marca... mais cedo ou mais tarde, o mercado responde a isso...
Ângela -
Como a campanha foi nacional, ela teve impactos diferentes por onde ela
passou?
Profissional 2 - Teve... não deu pra saber quais os fatores que determinaram essa ou aquela
reação, acho que foi muito ligado ao empenho do concessionário, do
prestígio que o cara tem na região, de como ele se mobilizou para fazer isso
aí. O evento era padronizado...Mas não tivemos nenhum evento medíocre,
todos tiveram bom resultado, tanto de público, como de doações.
Profissional 1 - Se tu pegares uma revenda, por exemplo, em Cascavel/PR, que é uma cidade
grande, que tem um círculo fantástico, foi um show... As revendas estão
muito próximas do seu mercado...agora tu vais a Sapezal, por exemplo, tu
144
estás no meio agrícola, mas longe da grande população, é importante pra
região, mas não fica uma coisa tão popular. Então, eu acho que a resposta
está muito relacionada com o tamanho da revenda e com a relação que a
revenda tem com o cliente e com a comunidade.
Ângela -
As pessoas se sentiram solidárias ao participar da campanha?
Profissional 2 - Esse cliente que ganhou o trator em Camarã, uma cidadezinha no meio do
nada, o cara já é engajado em questões sociais. Ele naturalmente já ajuda as
entidades. Quando o concessionário falou pra ele sobre a campanha, ele de
imediato disse para anotar três mil quilos de alimentos pra ele, depois ele
veria o que seria doado. Isso que ele nem sabia que seria sorteado um trator.
Ângela -
A relevância da comunicação institucional para a empresa?
Profissional 2 - Esse ano esta um pouquinho mais fraquinho porque a grana está curta, mas a
gente faz muita coisa institucional aqui. Se tu quiseres a gente pode te
conseguir um relatório social que tem o balanço social. A gente fala muito
pouco do que a gente faz, até internamente, mas se faz muita coisa. Apoio a
escolas, parte de ecologia, utilização de resíduo, os restos da madeiras que se
usa aqui vão para uma instituição que faz móveis.
Ângela -
Qual o entendimento de comunicação da empresa?
Profissional 2 - Temos uma área para isso. A área de comunicação é uma área dentro do
marketing. A gente tem uma área de comunicação bastante estruturada.
Comparando com outras empresas do setor e até de outros setores a gente
está bem. Temos uma estratégia bem clara com a mídia com a Internet.
145
Ângela -
Algumas empresas confundem vendas com comunicação...
Profissional 2 - A gente trabalha parcerias. Eu acho que a coisa se mistura mesmo. A feira,
por exemplo, para nós, é uma ferramenta de vendas e não institucional. A
Expointer é um pouco diferente porque é aqui do lado. Mas as feiras no
Brasil estão se tornando cada vez mais feiras de negócio. Então tu tens o
negócio do marketing que é a aplicação do logotipo, a exposição das
máquinas, o uniforme das recepcionistas, da equipe de trabalho, mas tu tens
toda uma estrutura voltada para a venda , na Agrishow, por exemplo, nós
tínhamos cinco bancos dentro no nosso stand, o consórcio, todos eles com
sala, Internet, conexão, telefone, tínhamos um segundo andar só para o
pessoal de vendas, para protocolos de pedidos, passar fax, para os
coordenadores de venda trabalhar e embaixo cada concessionário tinha uma
ilha de atendimento e ainda tinha mais uma sala de reuniões, tudo isso era
uma máquina de vender e tudo isso faz com que a coisa se confunda. A gente
tem uma preocupação com os vários canais de comunicação. Tem a Internet,
temos duas revistas uma para cliente externo que é a Campo Aberto e uma
para concessionários que é a Mão na Roda, tem mais o Acontece que é o
informativo para funcionários. Nós temos a intranet, temos o trabalho com a
imprensa, propaganda na TV, rádio, jornal e a gente procura trabalhar tudo de
forma integrada, o conceito que tu queres passar, a mensagem é a mesma,
com ferramentas diferentes. Tu entras no site tu vais ver coisas que levam pra
revista que leva pro site, essas coisas têm inter-relação.
Ângela -
A empresa tem um histórico de engajamento social?
146
Profissional 1 - Tem, achei uma coisa pra te dar um exemplo, um projeto para atender um
pedido do governo para dar empregos para pessoas com defeitos físicos,
cegos, mancos, aleijados, etc. A nossa concorrência não tem isso, mas cada
vez que nós somos chamados a algo desse tipo a gente sempre participa. Sob
o ponto de vista não só social, mas também a parte relacionada com o meio
ambiente, ecologia, natureza, nós estamos muito engajados. Semana passada
nós inauguramos dentro da nossa empresa a primeira recicladora de água
interna através de plantas aquáticas. Estava aí toda a turma de meio ambiente
participando conosco disto. Não é à toa que nós já ganhamos quatro ou cinco
anos seguidos o Top Ser Humano da ABRH e assim vai. Então essa questão
do meio ambiente, da comunidade, não só aqui, mas também na comunidade
de Santa Rosa, nós temos em Santa Rosa a fábrica de colheitadeiras e lá
também é assim. Então é muito grande a lista. Se tu tens interesse nessa parte
social, de comunidade tu tens que receber uma cópia do nosso Balanço
Social.
Ângela -
A campanha teve algum retorno mercadológico, em termo de vendas?
Profissional 1 – Mensurável, não.
Profissional 2 - Esse não era o nosso objetivo
Profissional 1 – Tu tens q entender um pouco o nosso mundo. O mundo do trator não é o
mundo de um automóvel. O trator tem quatro ou cinco marcas aqui no Brasil
e cada uma tem uma cor. Só o fato de tu veres um trator Massey tu rotula
aquela pessoa, aquela pessoa é Massey. Se for um trator verde, aquela pessoa
é Jonh Deere. É uma coisa muito engraçada e interessante o nosso mercado.
Tudo o que tem por trás disso institucionalmente, um jornal que foi lá fazer
147
uma reportagem da Caravana, por exemplo, isso soma pontos que tu não
fazes idéia, só que isso a gente não consegue medir, mas isso faz com que a
marca se solidifique. Porque que a gente participa em universidade e dá
cursos com o nosso trator, dá cursos de mecânica e máquinas agrícolas com o
nosso trator, porque o cara já vai começar a ver o vermelho, a ver o Massey e
isso lá na frente tem retorno, tu não vai medir, mas a gente sabe que tem.
Profissional 2 - E essa é uma formação de fidelização. O foco aqui (na Caravana) foi o cliente
Massey, o cara que tem o nosso trator, gosta da marca, para o cara sentir
orgulho, tirar foto da família com o trator, colocar na lareira como o
Profissional 1 falou. Isso é um cara que já tem uma vinculação com a marca,
a gente quer alimentar sempre isso. O cara não fica pensando só na coisa
mecânica do trator, o que ele faz, quanto ele custa, ele tem algo a mais, ele se
sente parte de uma família, a gente costuma usa o termo família Massey
Ferguson aqui. A nossa marca tem um componente emocional muito forte,
comprovado em pesquisas, o que é estranho para um bem de produção como
um trator, que é uma compra fria, se paga ou não se paga. A gente trata de
estar sempre alimentando esse componente emocional da nossa marca.
Ângela –
Esse consumidor é o pequeno agricultor?
Profissional 2 – Todos, a gente tem desde o sitiante até o mega-empresário rural. A gente os
trata de maneira diferente porque compram produtos diferentes.
Profissional 1 - Nós temos aqui na empresa o Club Líder que são os clientes de carteirinha,
para quem é fiel à marca e compra e recompra e vai ganhando pontos para se
tornar membro do clube.
148
Profissional 2 - Tem grandes e tem pequenos.
Profissional 1 - A partir do momento que tu faz parte do Club Líder tu tens vantagens nas
feiras, na compra de peças de reposição.
Ângela -
Onde veicularam as peças da campanha?
Profissional 2 - A campanha da Caravana 500 mil não tem plano de mídia porque foi uma
campanha dirigida. Eu posso te conseguir as peças, mas não a veiculação.
Profissional 1 - Tem também o caminhão onde o trator viajou, aquilo é um grande outdoor.
Visualmente aonde ele chega ele chama a atenção.
Ângela –
Muito obrigada.
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