APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS DE VIAGEM AOS JOGOS OLÍMPICOS: DA PEREGRINAÇÃO NA ANTIGUIDADE GREGA AO TURISMO DA ATUALIDADE1 CARVALHEDO, Arianne e COSTA, Lamartine Da Universidade Gama Filho / PPGEF – Rio de Janeiro Resumo Esta investigação tem como objetivo apresentar a relação entre viagem, turismo e os Jogos Olímpicos, com o propósito de esclarecer significados, importância e função destes elementos na sociedade contemporânea. Para isto, foi feita uma revisão histórica das origens desta pressuposta relação, desde a Grécia antiga, berço dos Jogos Olímpicos, até os dias atuais. Além disso, as formas e motivações para a viagem foram investigadas a fim de identificar semelhanças com o turismo moderno. Este estudo se concentra nestas correlações tendo os Jogos Olímpicos como foco central. Concluindo, apresentamos também Olímpia e os Jogos Olímpicos como “lugares de memória”, reforçando ainda mais seu apelo para a indústria turística moderna. Abstract This investigation aimed at providing an understanding of the correlation between tourism/travel and the Olympic Games in order to clarify the meaning, importance and function of both of these typical activities in contemporary society. So far, it was historically reviewed the origins of this presupposed relationship, beginning with ancient Greek society, the cradle of the Olympic Games. Also the means of and reasons for traveling in ancient times have been investigated in order to identify a possible relationship with present day tourism. This research focuses on these connections at the Olympic Games in particular. In conclusion, Olympia and the Olympic Games are also presented as “places of memory”, reinforcing the appeal for the modern tourist industry. Palavras-Chaves: Viagem; Turismo; Jogos Olímpicos. Este estudo tem como objetivo fazer uma revisão de fontes históricas relacionadas à viagem e ao turismo reinterpretando-as à luz de manifestações esportivas. Por um lado trata-se de uma investigação do papel da viagem durante o período das Olimpíadas na Grécia antiga, enquanto por outro de uma análise do turismo como um componente central dos Jogos Olímpicos modernos. Em princípio, há pertinência em se afirmar A Viagem durante os festivais da Grécia antiga que os gregos antigos deslocavam-se por longas distâncias com o intuito de celebrar Jogos atléticos sagrados. De fato, as crenças religiosas e míticas voltadas para múltiplos deuses eram as principais motivações pelas quais viajava-se para presenciar festivais. Esta condição estava associada à inclinação cultural para competição (agon) que permeava a sociedade grega como um todo. Com efeito, o culto à perfeição dos empreendimentos humanos (arete) estava intrinsecamente associado às crenças populares e detinha uma importância ímpar na celebração dos Jogos, como Da Costa (2001) enfatiza em um de seus estudos. Em síntese, a fusão da cultura atlética, com a comparação e a competição interpessoais sob forma de ritos era de fato uma busca da divindade e da sublimação impulsionadas por crenças mitológicas. Portanto, valor mítico de Olímpia e sua associação com competições atléticas é uma manifestação fundamental da mitologia grega. Segundo conta uma de suas lendas2, a fundação de eventos atléticos é associada a Hércules e seus irmãos, os Curetes, em Olímpia. Em outra narrativa mítica, Olímpia abrigava o recém nascido Zeus das intenções hostis de seu pai Cronos (YALOURIS, 1996). Existe ainda uma versão mítica que sugere a origem dos Jogos como sendo uma celebração funeral baseada na lenda de Pelops e Oinomaos, este último tendo sido morto durante uma disputa de carruagens com o primeiro (WEILER, comunicação oral, 2002). A partir destes exemplos e do entendimento da importância dos deuses para o povo grego torna-se compreensível a grandiosidade imposta ao Santuário de Olímpia. Em termos de registros históricos, durante o início do reinado de Iphitus os Jogos Olímpicos foram suspensos e, durante este mesmo período, a região de Elis - onde se situava Olímpia - estava 1 Trabalho produzido a partir de reconhecimentos locais em Olímpia, Grécia, durante o Curso de Pós Graduação em Estudos Olímpicos de 2002, da Academia Olímpica Internacional. Agradecemos aos Profs. Drs. I. Weiller e C. Koulouri pelas críticas e contribuições para a elaboração do texto. 2 É importante que fique claro que quando fazemos qualquer citação referente à lendas estamos nos referindo a algumas delas e não a todas. Os gregos antigos baseavam parte de suas crenças em lendas e diversas versões das mais diferentes podem ser encontradas na “literatura” desta época. sendo devastada por pragas e guerras internas. Nesta ocasião, os Jogos Olímpicos não eram considerados tão importantes, possivelmente por se tratar de um evento eminentemente aristocrático (YALOURIS, 1996). Na versão de lenda então corrente, quando o rei citado foi a Delfos em busca de conselhos para livrar seu reinado destas tormentas, Pythian ordenou-o a reinstituir os Jogos Olímpicos. Depois desta ordem os gregos passam a dar destaque aos Jogos. Acredita-se também que, após o reinício da celebração, o rei de Elis e o rei de Esparta - regiões vizinhas do Peloponeso concordaram em declarar Elis sagrada a Zeus e estabeleceram uma trégua durante os Jogos, a qual passaria a ser um ínterim pacífico de neutralidade cívica e militar em honra a Zeus. Esta trégua teria duração de, aproximadamente, três meses antes e depois dos Jogos, para que espectadores e atletas pudessem viajar livremente e participar do festival (CROWTHER, 2001). Este acordo denominado "ekeicheria" - foi respeitado pela civilização helênica durante dez séculos, consistindo hoje em um símbolo de paz promovido pelas Nações Unidas. É importante notar que, durante este novo estágio, os Jogos Olímpicos tornaram-se abertos a todos os cidadãos gregos e não apenas aos aristocratas como na tradição anterior. O evento então passou a ser uma oportunidade para que o povo helênico contemplasse sua própria cultura em um glorioso ritual (DACOSTA, 2001). De acordo com Yalouris (op.cit.), diversas cidades em toda a nação grega organizavam eventos de atletismo e corridas de cavalo. Contudo, provavelmente devido ao seu valor mítico, Olímpia progressivamente passou a ser um centro pan-helênico, com fama e influência gradualmente indo além das fronteiras gregas. Uma evidência para este argumento pode ser encontrada nos textos de Philostratos (ca. A.D. 70), como registra Miller (1979), quando aquele narrador descreve o treinamento dos atletas para os festivais. Nesta fonte constata-se que para qualquer competição o atleta poderia ter valor suficiente para ganhar por seus próprios méritos e esforços, mas que para os Jogos Olímpicos, o atleta deveria ir com o conhecimento em seu coração de que ele somente teria valor suficiente para ganhar se fosse virtuoso e merecesse a vitória. Um autor que enfatiza a importância dos Jogos Olímpicos na antigüidade é Crowther (2001), o qual sugere que nenhum outro festival da época atraía tantos espectadores. Entretanto, de acordo com a mesma fonte, a popularidade dos Jogos não se baseava somente nos seus aspectos míticos mas também no fato de que o acesso pelo mar e a estrada principal do Peloponeso eram relativamente tranqüilas facilitando o transporte e acesso a Olímpia. Após a conquista da Grécia pelos romanos, os Jogos Olímpicos passaram a ser um evento ainda maior em termos de “nações” participantes. Inicialmente apenas os romanos, porém, após Caracalla estender cidadania a toda a população do império romano em 212 A.D., a participação teve uma natural expansão. Assim, espanhóis, italianos, sírios, armênios e outros povos passaram também a tomar parte no evento. As Olimpíadas se tornaram uma propriedade do mundo mediterrâneo. Desta forma, os Jogos perderam sua identidade estritamente grega e se desenvolveram como um festival entre nações e etnias (YALOURIS, 1999). Apesar dos Jogos Olímpicos serem, como citado anteriormente, o mais popular festival da antigüidade grega, e do acesso facilitado pelo mar e estradas, viajar até Olímpia ainda era um grande feito e uma conquista. De acordo com Crowther (2001), uma visita a Olímpia incluía perigo físico e desconforto, além do longo tempo gasto para chegar ao local de competições. Provavelmente, não havia qualquer tipo de hospedagem para espectadores comuns. Há indícios somente de local reservado para personalidades de destaque. A viagem, na maioria das vezes, não teria duração menor do que duas semanas, levando-se em conta os dias de deslocamento e estada em Olímpia. Alguns caminhavam levando suas próprias provisões, enquanto outros, os mais ricos e poderosos, tinham animais e escravos para carregar tudo o que necessitavam. Até mesmo para estes últimos, as estradas na Grécia eram difíceis e perigosas, tornando a viagem para Olímpia bastante sacrificante. Como dito anteriormente, havia alguns que viajavam de barco, mas ainda assim era uma jornada exaustiva e perigosa. Existem dados que confirmam naufrágios e nenhuma evidência de barcos de passageiros, o quer dizer que espectadores e atletas viajavam em cargueiros. Esta é, provavelmente, uma das razões pelas quais atletas chegavam com grande antecedência em Olímpia: era necessário descansar antes de iniciar seus treinamentos e competições. Durante os Jogos os problemas eram ainda maiores. O fato dos festivais acontecerem durante o verão era um grande desconforto e até mesmo um perigo para os mais velhos. Não era permitido o uso de chapéus uma vez dentro do sítio sagrado, o que podia ser bastante incômodo considerando o forte calor nesta época do ano (WEILER, comunicação oral, 2002). A grande quantidade de gente, instalações sanitárias de péssima qualidade, mosquitos, a falta de lugares para sentar para o espectador comum e a chuva, tornavam tudo ainda pior (CROWTHER, 2001). Ainda assim, existem poucas evidências de violência ou tumultos e isto pode ser explicado pelo aspecto religioso desta celebração. Razões para a Viagem aos Jogos na Grécia antiga Diante de tais dificuldades pergunta-se então: porque as pessoas suportavam provações para participar dos Jogos Olímpicos? Argumentamos no inicio deste estudo sobre as crenças e mitos como fatores de grande motivação. Esta era, por hipótese, a explicação plausível porque indivíduos adotavam a peregrinação para atender aos Jogos. Todavia, no ato de celebração e devoção reside um compromisso ritualístico da repetição, o que também implicaria em presumir que espectadores se extasiavam ao participar dos Jogos e buscavam voltar numa próxima vez. Neste propósito, Crowther (2001) aponta para o fato de que, para alguns, atender aos Jogos de modo cíclico era um ideal estético. A masculinidade, a forca, a perfeição de corpo e mente, a beleza e o afã pela vitória eram cultivados e venerados pelos Gregos. Estes viajavam para os Jogos pelo simples prazer do espetáculo. Jaeger (in DA COSTA, 2001) faz também uma reflexão sobre a dedicação religiosa na busca da perfeição, concluindo que existia um estilo e uma visão bastante particulares gerando uma identidade totalizadora típica da cultura Grega. Assim sendo, é pertinente ora se cogitar dos Jogos Olímpicos como uma expressão do ideal estéticoreligioso que permitiria aos gregos encontrarem a identidade de si mesmos em peregrinações cíclicas de quatro em quatro anos. Tal tese encontra suporte em fragmentos escritos de Lucian (ca.590 B.C.) e Pausanias (ca. A.D. 170) conforme organizados por MILLER (1979), nos quais encontramos descrições da paixão dos Gregos por tais festividades, tal como segue: “Eu não posso, apenas com palavras, lhe convencer do prazer que toma este festival (…) sentado no meio da multidão, apreciando a perfeição humana e a beleza física, o incrível condicionamento e a grande habilidade e irresistível força e orgulho intrépido e determinação imbatível e indescritível paixão pela vitória” (in MILLER, 1979, p. 44)3 Bento (1998) faz outra interpretação neste tema, entendendo o esporte como uma manifestação de cultura restrita ao homem, sendo expressão e símbolo do desejo deste de transcender. Por esta via, prosseguindo além dos valores estéticos, culturais e religiosos, podemos argumentar que o equilíbrio humano (estético) aliado à ordem do cosmos (divino), teve seu maior palco nos Jogos Olímpicos, como uma representação ritual de toda a sociedade grega e seus conceitos de vida, incluindo até mesmo a filosofia então praticada (DACOSTA, 2001). É significativo notar também a importância que o povo grego impunha à conquista física. Ganhar uma competição atlética era um grande prestígio na ordem comunitária. Como relata Mandell (1984), as cidades sentiam-se tão orgulhosas de seu atletas vencedores que esculpiam esculturas em sua honra e as colocavam no santuário de Olímpia, onde os deuses eram representados. Aqui novamente os fragmentos de Lucian (ca.590 B.C.) e Pausanias (ca. A.D. 170) (in MILLER, 1979) são fontes importantes para a pesquisa da cultura da atividade física e competições na sociedade grega antiga. De acordo com estes narradores, era imperativo para o povo helênico estar bem preparado fisicamente para ir a guerra. E também importante era a necessidade de se revelarem para os deuses e para si mesmos como virtuosos competidores. Outro aspecto do festival de Olímpia é que havia uma crença estabelecida de que os Jogos poderiam ser o início do processo de pacificação entre as “cidades” gregas (CROWTHER, 2001). Assim, aos valores estéticos e sociais pode-se associar implicações políticas uma vez que outras “nações” passaram a fazer parte do mundo cultural grego. “A celebração das competições atléticas panelênicas em Olímpia e o espírito de coexistência pacífica e emulação que predominavam durante todo evento atlético e atividade cultural ajudou o mundo grego a tornar-se inteiramente consciente de sua identidade comum que não resultava apenas de sua origem e língua comum mas também de seus objetivos ideológicos compartilhados e percepção uniforme de suas divindades” 4 (YALOURIS, 1999, p.51) Havia, por outro lado, um interesse comercial nos Jogos. Devido a grande quantidade de espectadores, os Jogos Olímpicos eram uma boa oportunidade para alguns se beneficiarem financeiramente. Era comum mercadores fazerem acordos e vendedores ambulantes oferecerem estátuas, objetos de lembrança e alimentos (MANDELL, 1984), não muito diferente do que presenciamos nos dias de hoje. Faz-se também essencial constar que os Jogos Olímpicos não eram somente um espetáculo esportivo como entendemos hoje. Era também um encontro artístico, onde artistas celebravam; poetas, atores e pintores mostravam sua arte (PIPERIDOU, 2002). Herodotus, o 3 4 Tradução livre dos autores Tradução livre dos autores famoso escritor grego, costumava recitar seus poemas nos Jogos Olímpicos, assim como outras tantas personalidades. De acordo com Lucian (in MILLER, 1979), Olímpia era o local perfeito para desenvolver a reputação de um artista por toda a nação grega. Neste sentido, Olímpia era um palco para o artista mostrar seu trabalho e esta era uma razão adicional pela qual indivíduos viajavam para Olímpia. Governantes e políticos igualmente encontravam em Olímpia um ótimo lugar para se mostrar e observar seus semelhantes. Lá eles podiam manifestar para todo o mundo grego como seus domínios eram fortes e influentes, assim como a população de suas respectivas cidades quando ganhavam competições. Eles também levavam ouro e pedras preciosas para mostrar sua riqueza e poder (MANDELL, 1984). Sinteticamente, podemos assumir que existiam, de modo fundamental, razões culturais para indivíduos viajarem para os antigos festivais atléticos. Razões estas que poderiam ser religiosas, artísticas ou filosóficas, mas elas representavam, na realidade, importantes tradições culturais. Assim, podemos concluir a partir desta breve revisão histórica que, apesar da competição “esportiva” não ser a única motivação para os gregos viajarem para os festivais, ela situava-se, indubitavelmente, como um elemento de atração central. É possível afirmar então, Relações entre a Viagem e o Turismo no Cenário “Esportivo” baseado em fontes históricas produzidas na antigüidade grega, que o fator viagem sempre esteve envolvido nos Jogos Olímpicos, desde suas origens. Contudo, quando nos referimos a esta prática não estamos afirmando que os gregos estavam fazendo “turismo” como o entendemos nos dias atuais. Efetivamente, os estágios primitivos das práticas esportivas, pelo menos no que concerne à Grécia antiga, têm relações próximas com a viagem e as condições locais de estadia e participação. Mas, segundo Koulouri (Comunicação oral, 2002), não é possível traçar um padrão que represente uma continuidade de idéias e motivações desde a Grécia antiga até a sociedade contemporânea e suas manifestações culturais. Entende-se portanto que por se apresentarem em momentos distintos do processo civilizatório, suas características são também distintas no que concerne aos seus paradigmas culturais. Esta mesma autora enfatiza tal posição quando afirma que os Jogos Olímpicos da antiguidade inspiraram uma instituição moderna que não pode ser entendida somente como uma evolução natural de um protótipo da antiguidade grega (KOULOURI, 1998). Podemos encontrar também nos discursos de Philippe Ioannou e P. Karolidis (in KOULOURI, 1998) defesa das distinções entre os Jogos Olímpicos do passado grego e os Jogos Olímpicos modernos. O primeiro aponta que existem diferenças essenciais entre estes já que os valores da sociedade moderna são bastante diversos dos da sociedade antiga, enquanto o segundo coloca que os Jogos Olímpicos da civilização grega da antiguidade não podem ser revividos e que sua história não pode ser repetida. Podemos aplicar então este olhar para a questão da distinção entre viagem e turismo inferindo que, devido aos diferentes valores priorizados por cada época histórica, suas características serão por muitas vezes divergentes, e por vezes similares. Não obstante, as semelhanças podem ser delimitadas, como fez Standeven (1993, p.138) que aponta: “ligações entre esporte e turismo não são, de forma alguma, novas, apesar de suas tendências e influências em épocas recentes terem dado a esta relação um novo sentido”5. De acordo com este pesquisador pode-se citar o exemplo de Olímpia, onde a viagem e a troca representariam um papel similar ao do turismo dos dias atuais. DeKnop, Wylleman, Martelaer, Puymbroeck & Wittock (1993) também sugerem relações entre a viagem e o turismo e os festivais esportivos da antiguidade: “ambos, esporte e turismo, têm significados duradouros e surgiram há muito tempo atrás. Por exemplo os vários festivais multi-esportivos das antigas civilizações gregas e romanas (…) atraíram sua parcela de turistas por muitos anos.” (op.cit. 36)6. Confirma-se, portanto, que há similaridades entre o que aconteceu no passado e o que estamos vivenciando nos dias atuais. Apesar do turismo de hoje não ter o mesmo papel da viagem na Grécia antiga, podemos encontrar motivos e atitudes semelhantes. Desta forma, faz-se relevante um melhor entendimento de como e porque esta viagem ocorria de forma a identificar possíveis influências que estas manifestações tiveram na conjuntura atual da prática do esporte e turismo. Para Standeven (1993, p.137), “Pierre de Coubertain 'inventou' um novo incentivo para viajantes com a criação do Movimento Olímpico, e a primeira celebração dos Jogos em Atenas apresentou um caráter muito mais ‘turístico’ do que ‘esportivo’ ” 7. 5 Idem Tradução livre dos autores 7 Tradução livre dos autores 6 Além da relação entre viagem e Jogos Olímpicos, é Razões para o Turismo Esportivo Hoje também importante analisar como esporte e turismo estão relacionados nos dias de hoje para que seja possível buscar influências mútuas. Um complexo processo de mudança vem sendo experimentado por diversas sociedades em direção a um novo estilo de vida. O excessivo compromisso e a expansão do tempo gasto com o trabalho vem abrindo espaço para uma sociedade com um maior entendimento da necessidade de lazer. Antes deste período, apenas determinadas classes sociais teriam tempo livre para o desfrute do tempo livre (VEBLEN, 1974). Além disso, o sistema capitalista, como Kipshidze (2000) salienta, criou os meios de produção que consideravelmente liberaram as pessoas e as libertaram do trabalho físico permitindo-lhes mais tempo e disposição para praticar atividades físicas como atividades recreativas de tempo livre. Outro importante aspecto desta questão é que a versão pós-moderna da cidade industrial está direcionando os países desenvolvidos a experimentar uma mudança em direção a uma economia baseada nos setores de informação e serviços. Isto quer dizer que os centros urbanos estão tendo que se reposicionar e representar como grupos de serviços, por exemplo, de consumo e atividades de lazer. Esta estratégia intenciona, acima de tudo, a atrair circulação de dinheiro na forma de turismo (WHITSON & MACINTOSH, 1996). Entre os diversos fatores que podem ser responsáveis pela mudança de valores mencionada, Lacruz & Perich (2000) mencionam dois de especial relevância: as rápidas transformações sociais que ocorreram no final do século XX e a fratura ideológica que vem sendo experimentada desde então. Na busca de preencher o tempo livre, indivíduos passam a procurar atividades que lhes dêem prazer. Neste momento, esporte e turismo se adequam perfeitamente. O esporte satisfaz a necessidade de movimento do corpo enquanto o turismo atinge a cultura, a troca e as relações interpessoais. Dumazedier (in LACRUZ & PERICH, 2000) contribui para esta interpretação afirmando que as pessoas buscam este tipo de atividade em busca de liberdade. Desejando equilíbrio pessoal, afastamento da rotina, monotonia e estresse, as pessoas têm respondido afastando-se do cenário de seu dia-a-dia viajando ou praticando esporte. Não menos importante é o fato de que a sociedade vem se direcionando para, cada vez mais, atingir seus limites de participação e de escolhas. O turismo comum e as práticas esportivas de final de semana já não atendem mais a demanda de homens, mulheres e famílias na busca do novo. A diminuição do trabalho físico proporcionada pelos avanços tecnológicos da sociedade pós-moderna, passa a encorajar uma atividade física mais intensa no tempo livre a fim de evitar problemas físicos e mentais (CAMACHO, 2000). Além disso, indivíduos têm estado mais alerta para as oportunidades de “férias ativas” e, como confirma Braz (1992), a tendência atual de procura por um lazer ativo e esportivo vem influenciando e aumentando o turismo de uma forma geral. Para alguns autores, esta composição não representa qualquer surpresa. De Knop et al. (1993) entendem que os mesmo fatores sociológicos, psicológicos, econômicos e culturais estão associados tanto como fonte de atividades de turismo quanto de esporte. E Pin Hsu (1992) confirma que existe uma clara relação entre esporte e turismo. Assim, a fusão é obvia, uma vez que ambos, turismo e esporte, são caracterizados pelas mesmas tendências de adesão e participação. Outra importante motivação para esta relação simbiótica e histórica entre esporte e turismo é que, juntos, representam referências mútuas e background cultural para promoção de imagem de cidades, regiões e países. Sobre este aspecto, Kieling et al. (op.cit.) apresentam exemplos de experiências internacionais nos quais o esporte não só promove benefícios econômicos e sociais mas também atua como referência para destinos turísticos. Além disso, o esporte pode ser visto também como referência de qualidade de vida. Barcelona, sede Olímpica em 1992, é um modelo típico desta proposta em que esporte, turismo, interesses econômicos e sociais foram congregados e atendidos. Ainda usando sedes Olímpicas como exemplo, Lillehammer (1994) e Sidney (2000), enquanto associando dimensões ecológicas e culturais ao evento, também objetivavam construir uma imagem positiva de suas cidades na intenção de promover o turismo. Estudiosos na área de esporte e turismo são ainda mais incisivos quando o assunto refere-se às possíveis correlações entre esporte e turismo. Para eles “não podemos ignorar a importância do esporte como fator contribuinte para o turismo.” (DE KNOP, 1993, p.36)8. E dando continuidade em seu texto afirmam que “esporte e turismo são um crescente empreendimento de negócios” (op.cit., 48)9. Os Jogos Olímpicos como um mega evento Os Jogos Olímpicos e o Turismo Hoje esportivo internacional, transformou-se em um importante destino turístico. Na realidade, de acordo com Breton (2000), os Jogos são reconhecidos pela sua capacidade de atrair turistas. Para esta autora, os eventos esportivos são vistos como parte da indústria turística. O número real de visitantes aos Jogos ainda precisa ser mais bem estudado (Breton, op.cit.). Entretanto, Battle (1992) afirma que centenas de milhares de pessoas presenciaram as festividades Olímpicas de 1996, 8 9 Tradução livre dos autores Tradução livre dos autores referindo-se aos espectadores em Atlanta, que foram assistir ao Centenário dos Jogos Olímpicos Modernos. Ademais, a variedade de culturas presenciando os eventos é uma atração por si só. Quanto maior a diversidade, mais atrativo o evento se torna. Assim, não é de se surpreender que, ao tempo da restauração dos Jogos, Coubertin estabeleceu que cada Olimpíada fosse realizada em uma cidade diferente do mundo, dando mais oportunidade para viajantes e turistas satisfazerem seus impulsos cosmopolitas da cultura européia. Assim, Breton (2000) indica que não parece provável que os Jogos Olímpicos perca seu impacto na área de turismo. Encontramos então uma relação histórica, sociológica e econômica de interdependência entre o turismo e os Jogos Olímpicos. A importância dos Jogos como promotor turístico está também implícito no estudo de Goldberg (1999) sobre este tema. O produtor das cerimônias das Olimpíadas de 1996 aponta que estas são boas oportunidades de mostrar a cultura local. Além disso, MacAloon (1996) alerta para a importância dada por Coubertin ao internacionalismo dos Jogos e coloca que as cerimônias são o palco de representação das diferenças culturais e comunicação intercultural. A promoção da cultura é um dos alvos da indústria do turismo, assim esta preocupação em mostrar sua cultura está diretamente relacionada com o turismo. Na perspectiva deste autor parece claro que o bônus obtido pelas cidades sedes dos Jogos estão estreitamente relacionados com a promoção do turismo. Finalmente, não parece errado inferir que a associação dos eventos esportivos com a promoção da imagem da cidade sede e atração de visitantes tornou os Jogos Olímpicos de grande interesse para políticas governamentais. Isto é claramente notado pelo aumento no número de cidades candidatas para os Jogos (DA COSTA, 1999). Além disso, o Comitê Olímpico Internacional, entendendo a importância que o turismo tem sobre o sucesso dos Jogos, vem crescentemente dando mais atenção a aspectos relacionados ao turismo na escolha de suas cidades sedes. Olímpia como um “Lugar de Memória” A importância da cultura grega da antiguidade para o mundo moderno é indiscutível. Sua importância para os Jogos Olímpicos modernos é também bastante clara, uma vez que encontramos hoje rituais e símbolos que se espelham nesta prática secular. Contudo, a percepção da cultura grega antiga apenas tornou-se mais difundida no século XIX quando o protótipo grego passa a ser uma grande fonte de inspiração para intelectuais e estudiosos europeus. Segundo a historiadora grega Christina Koulouri (1998), os Jogos Olímpicos, um dos elementos básicos desta cultura, não podiam deixar de inspirar, mais cedo ou mais tarde, entusiastas por toda a Europa. Entretanto, seu definitivo sucesso só foi atingido depois de adaptado a modelos contemporâneos de manifestações culturais. Outro autor que enfatiza o retorno da cultura européia em valorizar suas origens gregas é Da Costa (2001). Para este autor, o Renascimento europeu retomou a visão de mundo grega centrada no universo, humanidade e equilíbrio do homem. Durante o século XIX, século este apontado como fundamental na consolidação da ciência em seus papéis social, cultural e econômico, a Grécia antiga retorna como centro das atenções dos círculos acadêmicos europeus. Grécia, Atenas e Olímpia passam a ter uma visibilidade enquanto marco da cultura ocidental sem precedentes (DA COSTA, 2001). Aparte do apelo turístico que os Jogos Olímpicos modernos exibem e do seu elo com o esporte – uma das maiores manifestações culturais da sociedade moderna – existe também uma forte relação de seu sucesso por ser um dos lugares-símbolos da civilização grega. Civilização que, por sua vez, é encarada pelas sociedades ocidentais como berço da política, cultura, arte e filosofia contemporânea. Segundo Pierre Nora (1999), relatos históricos são mais bem representados e entendidos quando diretamente relacionados a referências concretas como monumentos, cidades, regiões, ao invés de eventos. Nora chama estas referências de “lieux de memoire”, que no caso da sociedade grega atual são mais bem entendidos e assimilados quando se faz uma conexão com locais historicamente consagrados como Atenas e Olímpia. Pode-se dizer então que a Grécia funciona muito mais como um símbolo do que como um objeto histórico (KOULOURI, 1998). Ainda concordando com esta linha de pensamento, Da Costa (op.cit.) afirma que a Grécia antiga é o símbolo fundador do mundo em diversos aspectos da vida moderna. Mais especificamente, Olímpia pode ser definida como um “lugar de memória”, uma vez que este local representava os festivais da Grécia antiga, importantes manifestações desta cultura, que aconteciam em períodos cíclicos sempre no mesmo local. Ainda acompanhando-se Pierre Nora (op. cit.), os Jogos Olímpicos modernos devem ser considerados então como um exemplo típico de “lugar de memória”, já que sua associação com a história grega representa uma referência concreta. Dando continuidade a esta linha de pensamento e desenvolvendo um pouco mais esta teoria, podemos inferir também que, o fato de ter-se a referência nominal à Olímpia (lugar de memória) no nome do evento, traz a este um apelo em escala ainda maior, somando-se aos seus outros atributos. Assim, os Jogos Olímpicos passam a ser, ainda mais, uma atração turística, já que esta beneficia-se, em grande escala, de referências culturais historicizadas. Conclusão A breve revisão histórica aqui apresentada pode ser sintetizada pelas relações entre os fenômenos esportivos e a viagem tanto na Grécia antiga assim como nos dias atuais. Ao passo que os Gregos buscavam manifestações culturais, troca, divertimento e experiências durante suas peregrinações à Olímpia, os turistas atuais fazem o mesmo com outros antecedentes; a forma e objetivos são, naturalmente, diferentes mas os fundamentos podem ser considerados como similares. Bastante pertinente é o entendimento de Olímpia como “lieux de memoire”. Esta proposição materializa um símbolo extraído de relatos históricos de uma cultura amplamente valorizada pela sociedade ocidental desde o século XIX, e que resulta em importante apelo para o turismo. Enquanto tal, este lugar de memória revela-se mais claro e substancial quando nos referimos aos Jogos Olímpicos, por deterem poder simbólico representativo da própria sociedade moderna. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATTLE, C. Reflections on the Centennial Olympic Games in Atlanta. Report of the ThirtySeventh IOA Session. Lausanne: IOA, 1999. p. 161-166. BENTO, J. Desporto e humanismo: o campo do possível. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. BRAZ, J. Sport for All Moves People Around the Globe: New Perspectives for Tourism. IV World Sport For All Congress. Varna, novembro, 1992. BRETON, C. Olympic tourism. In: INTERNATIONAL OLYMPIC ACADEMY. Report on the I.O.A.’s special sessions and seminars 1999. Athens: IOA, 2000. pp 51-71. CAMACHO, A. Lãs actividades físicas em la naturaleza em las sociedades occidentales de final del siglo. Revista Digital. http://www.efdeportes.com/ , año 5, n.23. Buenos Aires, 2000. CROWTER, N. Visiting the Olympic Games in ancient Greece: travel and conditions for athletes and spectators. The International Journal of the History of Sport, v.18, n.4 (dezembro). Londres: Frank Cass, 2001. pp.37-52. DA COSTA, L. P. Visions for Athens - 2004. Paper presented at the International Olympic th Academy, 5 Joint International Session for Educators & Officials of Higher Institutes of Physical Education. Olympia, 2001. DA COSTA, L. P. Visões de Atenas – 2004: filosóficos, da arte e da história nas representações sociais. In: VOTRE, S. (org.) Imaginário e representações sociais em educação física, esporte e lazer. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2001. pp.327-336. DE KNOP et al. New professions in sport and tourism. In: MESTER, J. (ed.) 2nd European Forum Sport Sciences in Europe 1993: current and future perspectives. German Sport University, Cologne. September 8-12, 1993. Conference Proceedings. Sport, Leisure and Physical Education Trends and Development. v.1. Meyer & Meyer Verlag, 1993. pp.32-54. GOLDBERG, D. Olympic Ceremonies rites: themes and objectives of the ceremonies. Report of the Thirty-Seventh IOA Session. Lausanne: IOA, 1999. p. 175-180. HSU, P. Sport For All in the World of Economy and Tourism. IV World Sport For All Congress. Varna, November, 1992. KIELING, A., ANATOCLES, M., ANTUNES, E. & DA COSTA, L. Florianópolis: in search of a new model for urban planning based on large-scale sport events and leisure sport activities. Artigo apresentado no 6o Congresso Anual do Colégio Europeu de Ciência do Esporte - 15o Congresso da Sociedade Alemã de Ciências do Esporte. Cologne, 2001. KIPSHIDZE, D. The Spectators of the Olympic Games in the New Millennium. Artigo apresentado no 8o Seminário de Pós-Graduação em Estudos Olímpicos na Academia Olímpica Internacional. Olímpia, 2000. KOULOURI, C. Athleticism and antiquity: symbols and revivals in nineteenth-century greece. The International Journal of the History of Sport. vol.15, n.3 (December). Londres: Frank Cass, 1998. pp.142-149. KOULOURI, C. Comunicação oral apresentada na Academia Olímpica Internacional. Olímpia, maio 2002. LACRUZ, I. & PERICH, M. Las emociones en la práctica de las actividades físicas en la naturaleza. Revista Digital. http://www.efdeportes.com/ , año 5, n.23. Buenos Aires, 2000. MAC ALOON, J. Olympic Ceremonies as a setting for intercultural exchange. In: MORAGAS, M., MAC ALOON, J. & LLINÉS, M. (eds.). Olympic Ceremonies: historical continuity and cultural exchange. International Symposium on Olympic Ceremonies. Barcelona-Lausanne, nov. 1995. pp.2943. MANDELL, R. Historia cultural del deporte. Barcelona: Ediciones Bellaterra, 1986. MILLER, S. Arete: ancient writings, papyri and inscriptions on the history and ideals of greek athletics and games. Chicago: Ares Publishers, Inc., 1979. NORA, P. Les lieux de memoire. In: RUANO-BORBALAN, J.(ed.). L’Historie Aujourd’hui. Auxerre: Editions Sciences Humaines, 1999. pp.343-348. PIPERIDOU, E. The sports fans in ancient Olympia. Artigo apresentado no 10o Seminário de PósGraduação em Estudos Olímpicos na Academia Olímpica Internacional. Olímpia, junho 2002. STANDEVEN, J. Sport and tourism in the south of England. In: MESTER, J. (ed.) 2nd European Forum Sport Sciences in Europe 1993: current and future perspectives. German Sport University, Cologne. September 8-12, 1993. Conference Proceedings. Sport, Leisure and Physical Education Trends and Development. v.1. Meyer & Meyer Verlag, 1993. pp.137-152. VEBLEN, A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições por Thorstein Veblen. São Paulo: Abril Cultural, 1971. WEILER, I. Comunicação oral apresentada na Academia Olímpica Internacional. Olímpia, maio 2002. WHITSON, D. & MACINTOSH, D. The Global Circus: International Sport, Tourism, and the Marketing of Cities. Journal of Sport & Social Issue. Thousand Oaks: Sage Publications, 23: 278-295, agosto 1996. YALOURIS, N. Ancient Elis: cradle of the Olympic Games. Athens: Adam Editions, 1996. YALOURIS, N. Ancient Elis: the cradle of the Olympic Games. Report of the Thirty-Seventh IOA Session. Lausanne: IOA, 1999. p. 45-52.