PALMADA NÃO EDUCA Informações e reflexões ­ Maria Livia Marchon
Pesquisa Datafolha realizada em julho de 2010, com quase 11.000 entrevistados revelou que a maioria dos brasileiros tinha apanhado dos pais, batido nos filhos e era contra o projeto de lei do governo federal que proibia palmada, beliscões e castigos físicos em crianças ( Folha de São Paulo, 26 de julho de 2010). 72% dos pais haviam sofrido algum tipo de castigo físico, 16% disseram que apanhavam sempre quando crianças.54% dos entrevistados eram contra o projeto de lei; 36%, a favor. Ou seja, mais da metade dos brasileiros era contra o projeto de lei que proíbe bater em crianças. Opondo­se a essa atitude,Peter Newell e Paulo Sérgio Pinheiro, de importantes entidades de proteção à criança, afirmaram: “Todos os países, inclusive o Brasil, têm leis penais que protegem as pessoas adultas de serem alvo de agressão. Mas, quando se trata de crianças, a lei autoriza os adultos a agredi­las, à guisa de “disciplina”(Folha de São Paulo, 31/07/2010).As pessoas veem a proteção às crianças como um ataque ao pátrio poder, uma intromissão do Estado na vida privada do cidadão.
Como disseram os já citados, a nova lei não visa retirar a autoridade dos pais, nem criminalizá­los, mas promover formas positivas, não violentas de disciplina, muito mais eficazes do que as palmadas. Castigos físicos violam os direitos da criança. O Estado deve protegê­la, pois “os direitos humanos não param na soleira das casas.” Violência física não deixa de sê­lo porque praticada dentro de casa. Dentro deste pretenso princípio de violar a autoridade paterna, o incesto, se praticado dentro de casa, não poderia ter intervenção do Estado.
O problema é mundial.
Em 2006, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança enfatizou que “eliminar a punição violenta e humilhante das crianças, por meio da reforma das leis e de outras medidas necessárias, é uma obrigação imediata e incondicional”.
Em maio de 2014 a lei da Palmada entrou em vigor, ao ser publicada no Diário Oficial, fazendo do Brasil um dos países do mundo a conseguir a proibição completa dos castigos corporais, inclusive no âmbito familiar. Seguiu o exemplo dado pela Costa Rica e Uruguai. Na Europa, em mais de 20 países, todos os castigos corporais são proibidos. A Suécia, em 1979, foi o primeiro país a proibir castigos corporais em crianças, embora, assim como no Brasil atual, a maioria do povo sueco, naquela época, fosse a favor do castigo físico. Hoje, trinta e poucos anos depois, poucos suecos ainda são a favor de castigos físicos. A lei contribuiu fundamentalmente para mudar a mentalidade.
Ainda há muito a fazer. Em março de 2015, a França foi criticada pelo Comitê Europeu de Direitos Sociais( CEDS) porque sua legislação “não prevê uma proibição suficientemente clara, obrigatória e precisa” dos castigos corporais em crianças. Na Inglaterra,nas escolas públicas,a prática de castigos corporais foi proibida em 1987 e, nas particulares, apenas em 1999, e nos internatos e escolas religiosas em 2010 ainda era permitida. No país, os pais tinham o direito de bater com “força moderada” em seus filhos”, contanto que não deixassem marcas nem manchas. Céus! O que é força moderada? Isso faz lembrar torturas do passado e do presente, na terrível Inquisição e nas prisões atuais... Se não há nenhum grau de violência “razoável”ou “aceitável” para idosos, mulheres e presos, por que excluir as crianças dessa proteção? Frente à lei da palmada, muitos argumentaram que já existe lei para punir excessos de violência contra a criança. Exemplificaram com a procuradora carioca que fez de uma menina adotada um saco de pancadas e foi processada... Para que uma nova lei? Respondemos. Para melhorar a relação familiar com os filhos, assim como já melhorou a relação com as esposas, sobre as quais os maridos não têm mais, como no passado, direito de vida e morte. Precisamos acabar de vez com o que muitos consideram um direito dos pais, o de “disciplinar” os filhos através de castigos corporais, que, muitas vezes, não deixam marca aparente na pele, mas deixam marcas indeléveis no cérebro, na mente e na alma. Ouçamos médicos neurologistas, psicanalistas, psicólogos. Palmadas, tapas e outras violências, tão praticadas por mães e pais, mais até por aquelas do que por estes, nunca constituem boas lembranças do passado e podem prejudicar muito.
“Violência, não importa em qual forma, gera violência, como a neurociência já constatou várias vezes”, afirma a neurocientista Suzana Herculano­Houzel. “Funciona igualmente com camundongos e com humanos; o cérebro que recebe maus tratos na infância sofre várias mudanças(...) Crianças que recebem restrição corporal, palmadas, sacudidas ou abuso verbal (castigos que muitos consideram brandos) se tornam adultos com propensão a comportamento antissocial e agressivo, transtornos de ansiedade, depressão, alcoolismo e outras formas de dependência química”( Folha de São Paulo, 27/07/2010).
Fala­se bastante nos maus tratos que os pobres, devido às duras condições de vida, infligem aos seus filhos. No entanto, psicólogos, psicoterapeutas e psicanalistas veem continuamente, em seus pacientes adultos, vindos de famílias de boa situação financeira, as marcas desastrosas da violência que estes sofreram, quando crianças, da parte de seus pais.
Quantas lembranças dolorosas permanecem presentes na vida adulta, gerando hoje desentendimentos, vinganças inconscientes e sofrimentos mil para as pessoas e os que com ela convivem! Defensores das palmadas “educativas” dizem que as receberam na infância e hoje são pessoas saudáveis e decentes. Por isso as defendem. Eles não percebem que, provavelmente, houve resiliência do seu cérebro (sua capacidade de se recuperar de agressões variadas) e eles se tornaram adultos saudáveis APESAR das palmadas, lembra a mesma neurocientista citada.
A palmada e similares, positivamente, não são educativas em época nenhuma. Alguns a defendem até os três anos! Que horror! Quanto menor a criança, menos a capacidade de entender aquela violência e a dor resultante, mais danos à sua personalidade! Com a palmada, a criança vai assimilando modelos de comportamento. Aprende que há momentos na vida em que a única solução é a agressão física, que esta é uma atitude normal. Aprende que a força bruta é mais importante que o diálogo. Aprende a temer o mais forte, o mais poderoso. Aprende a temer os pais e não a confiar neles, nem tampouco a amá­los e a respeitá­los.
Bater nos filhos é sinal de descontrole dos pais. É mais fácil partir para a palmada e técnicas afins do que aprender a controlar­se e impor limites de outra maneira. Este auto­
controle exige aprendizado e persistência, mas vale a pena, porque cria relações familiares mais verdadeiras. A criança deve receber dos pais carinho e firmeza. Ela precisa deles para contê­la, quando ela perde o controle, ela precisa de limites, mas impostos com coerência e sem violência, sem agressão física. Muitas famílias estão aí, pobres e ricas, para provar que isso não é impossível. Mas, para tal acontecer, é preciso que os pais tenham tempo para seus filhos! Tempo para brincar, mas também para ensiná­los a conviver, para impedi­los, sem violência, de fazerem o que não devem. Os pais não podem ficar ocupados só consigo mesmos, distantes dos filhos. Estes precisam de sua presença, de seus exemplos cotidianos, de seus limites, e não de presentes materiais e de permissividade. Os adultos que defendem as palmadas nos filhos estão sendo responsáveis pelas agressões que milhões e milhões de crianças estão sofrendo e que continuarão a sofrer por anos e anos vindouros, desenvolvendo este tipo de cultura de violência e de insanidade presente em nosso país. Os que são contra esta lei, não são e não serão inocentes ao perpetuarem esta cultura de violência em que estamos mergulhados até o pescoço. É imprescindível que interrompamos este processo terrível e covarde de palmadas nos filhos. Quem bate em seu filho, o que espera que ele lhe faça quando crescer? Espera amor e carinho quando, alquebrado pelos anos, já não puder cuidar de si mesmo? Espera que ele o ampare ou, pelo contrário, que também o agrida como você, pai, fez com ele? Espera uma visita dele no abrigo de velhos em que ele por bondade possa colocá­lo? Saibam, adultos, que seus filhos irão crescer e vocês, os pais, irão envelhecer e enfraquecer.
Lembrem­se que um ser humano pode não ser vingativo, mas os pais podem tornar um filho vingativo. A vingança de um filho pode ser uma obra feita pelos pais educadores pelas palmadas. Modifiquem­se hoje, não batam mais e vocês estarão ajudando a si e a seus filhos a trilharem os caminhos da Felicidade.
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Reflexões Palmada não educa