ENSAIO Regulação do Acesso à Assistência: conceitos e desafios. Regulation of Access to Care: concepts and challenges Reglamento de Acceso a la atención: conceptos y desafíos. Geisa Cristina Modesto Vilarins¹ RESUMO Este ensaio tem como objetivo levantar uma conceituação do termo Regulação do Acesso à assistência em saúde. À luz dos princípios do Sistema Único de Saúde - SUS, quais sejam universalidade, equidade e integralidade, o escopo da regulação do acesso engloba a busca pela melhor alternativa assistencial disponível aos pacientes. O trabalho expõe alguns dos desafios para se implantar a regulação do acesso aos serviços de saúde como instrumento de gestão. Além disso, o presente estudo colabora para uma reflexão quanto à importância de se utilizar a regulação do acesso como um norteador das ações de saúde. Palavras-chave: Regulação; Acesso; Política de Saúde. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília- DF, Brasil. 1 Correspondência Diretoria de Regulação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal SIBS quadra 01, conjunto A, lote 03, Núcleo Bandeirante, Distrito Federal. 71.736-102, Brasil. [email protected] Recebido em 20/julho/2010 Aprovado em 30/agosto/2010 ABSTRACT This essay aims to raise a definition of the term Regulation of Access to health care. Following the principles of the Health System - SUS, which are universality, equity and comprehensiveness, the scope of regulation of access includes the search for the best alternative care available to patients. The paper outlines some of the challenges to implement the regulation of access to health services as a management tool. Furthermore, this study contributes to a reflection on the importance of using access regulation as a guiding health actions. Key words: Regulation; Access; Health policy. RESUMEN: Este ensayo pretende plantear una definición del término Reglamento de Acceso a la atención de la salud. Siguiendo los principios del Sistema de Salud - SUS, que son la universalidad, la equidad y la amplitud, el alcance de la regulación del acceso incluye la búsqueda de la mejor atención alternativa disponible para los pacientes. El documento se describen algunos de los desafíos para implementar la regulación del acceCom. Ciências Saúde. 2010;21(1):81-84 81 Vilarins GCM so a los servicios de salud como una herramienta de gestión. Además, este estudio contribuye a una reflexión sobre la importancia de utilizar la regulación del acceso como un faro de la salud. Palabras llave: Reglamento; Acceso; Políticas de salud. Regulação significa ato de regular, do Lat. Regulare. Segundo o dicionário Aurélio¹: 1. Verbo transitivo: sujeitar à regras; dirigir, encaminhar conforme a lei, regulamentar, esclarecer e facilitar por meio de regulamentos a execução de uma lei ou decreto, cotejar; acertar; regularizar o movimento de, moderar; reprimir. 2. Verbo intransitivo: servir de regra, trabalhar com acerto, estar conforme. 3. Verbo reflexivo: guiar-se. 4. Adjetivo: conforme as regras ou às leis. Para Mendonça e colaboradores², um conceito ampliado de regulação pode ser o de um conjunto de ações-meio que dirigem, ajustam, facilitam ou limitam determinados processos. Pressupõe-se a existência de um sistema cujo funcionamento seja regulado a partir de regras e parâmetros acordados entre as partes executoras e reguladoras. Estes parâmetros podem estar relacionados à satisfação do consumidor ou ao atendimento das necessidades mais prementes de uma população. Pode-se dizer que o termo “Regulação” é freqüentemente usado quando se refere aos serviços que funcionam sob concessão do Estado para suprir necessidades da população. Desta forma, acredita-se que o Estado é o principal sujeito da regulação no setor saúde. Na Constituição Federal³ de 1988 foi estabelecido que os cidadãos têm o direito de acesso universal e integral aos cuidados de saúde. Em consequência, as atribuições do Estado com vistas a garantir este acesso ampliaram-se significativamente. A descentralização das ações de saúde para estados e municípios determinou a divisão de responsabilidades e atribuições entre os níveis de governo federal, estadual e municipal, assim como entre cidadãos, setor público e setor privado. Segundo Arretche4, a Lei N.º 8.080/90 não apenas reforçou a atribuição de planejamento e execução 82 Com. Ciências Saúde. 2010;21(1):81-84 dos serviços de saúde para os estados e municípios, como ampliou a função da União de alocação de recursos e regulação do desempenho das ações municipais e estaduais. Além disso, os governos – nos três níveis da Federação– deveriam ter autoridade sobre os provedores de serviços – públicos e privados –, regulando suas atividades, de modo a garantir que os cidadãos tenham um atendimento de qualidade, gratuitamente, e que os provedores sejam eficientes, de modo a reduzir os custos de operação do sistema. Portanto, apesar das indagações quanto à autoridade para regular seja do Estado ou do município, permanece a convicção de que os provedores de serviços devem estar sob regulação, independentemente de serem entes públicos ou privados, uma vez que a ação regulatória otimiza os recursos disponíveis e favorece o devido acesso aos usuários. Desta forma, o processo de regulação do acesso pode constituir-se em um poderoso instrumento de intervenção na realidade sanitária, permitindo às instâncias de gestão (estadual, municipal e federal) regular o perfil assistencial mais adequado às necessidades de saúde. Conforme afirma Cavalcante5, este processo tem uma concepção flexível, pois pode permitir sua adequação às peculiaridades municipais respeitando, assim, as especificidades locais, ao mesmo tempo em que subsidia decisões sobre macro-políticas regionais e intersetoriais. Trata-se de instrumento de gestão que aponta, de forma sistematizada, pontos de estrangulamento para a consolidação do acesso às tecnologias de saúde existentes de forma mais eqüitativa e justa para a população. À luz da NOAS/SUS/016, regulação do acesso é definida como gestão em saúde e deve estar voltada para a disponibilização do recurso mais adequado às necessidades do usuário. Para o Ministério da Saúde (MS)7, este conceito é aprofundado como Regulação do acesso à Assistência a compreensão da concepção que institui ao poder público o desenvolvimento de sua capacidade sistemática em responder às demandas de saúde em seus diferentes níveis e etapas do processo assistencial, enquanto um instrumento ordenador, orientador e definidor da atenção à saúde, fazendo-o de forma rápida, qualificada e integrada, com base no interesse social e coletivo. Sob a ótica da demanda, a regulação do acesso busca qualificá-la, ou seja, disponibilizar o serviço de saúde mais adequado e disponível ao usuário, em momento oportuno, racional, equânime, ordenado e pautado em critérios de priorização de riscos. Sob o aspecto da oferta, o que se busca é a disponibilização de serviços e recursos assistenciais adequados às necessidades da população com base em critérios epidemiológicos. Desta forma, o processo regulatório estabelece um redimensionamento da oferta (diminuição ou expansão), qualifica a utilização dos recursos assistenciais e financeiros e coíbe fluxos paralelos, com base em relações pessoais e outros critérios não científicos ou não-pactuados. O Pacto pela Saúde8, nas diretrizes do pacto de gestão, aborda a regulação do acesso como o estabelecimento de meios e ações para a garantia do direito constitucional de acesso universal, integral e equânime, independente de pactuação prévia estabelecida na programação pactuada e integrada (PPI) e/ou da disponibilidade de recursos financeiros. A Política Nacional de Regulação do Ministério da Saúde9, objetiva, precipuamente, promover o acesso equânime, universal e integral aos usuários do SUS. A regulação do acesso às ações de atenção à saúde contribui, não em uma lógica meramente financeira, para otimizar a utilização dos serviços, em busca da qualidade da ação, da resposta adequada aos problemas clínicos e da satisfação do usuário. A proposta desta política está focada em três eixos estruturantes: a garantia da alocação de recursos para a implantação dos Complexos Reguladores do acesso à assistência, o desenvolvimento de instrumentos que operacionalizem as funções reguladoras e o desenvolvimento de um programa de capacitação permanente de recursos humanos. A ação regulatória é o elemento ordenador e orientador dos fluxos assistenciais, sendo responsável pelo mecanismo de relação entre a gestão e os vários serviços de saúde, e a relação entre esses serviços. Na prática, a ação regulatória é definida como o processo de operacionalização, monitoramento e avaliação da solicitação de consultas, internações, procedimentos/exames, realizada por um profissional de saúde, sendo observado, além das questões clínicas, o cumprimento de protocolos estabelecidos para disponibilizar a alternativa assistencial mais adequada a cada caso. Devem ser incluídos ao processo de regulação instrumentos que garantam, de acordo com a necessidade de cada caso, o acesso à assistência, a qualidade do atendimento aos pacientes, e a alocação eficiente dos recursos imprescindíveis à prestação dos serviços. Um dos grandes desafios na implantação da regulação do acesso é em primeiro lugar a informatização dos serviços, de modo a se ter uma rede lógica que facilite todo o funcionamento dos fluxos operacionais e que atenda às necessidades levantadas pela gestão local. A partir daí, iniciam-se os processos de aplicação dos protocolos operacionais de regulação com vistas a induzir a melhor alternativa terapêutica para os usuários dos serviços regulados. Há de se enfatizar a importância da segurança dos dados informacionais gerados em todo o processo. Outro desafio é a padronização dos protocolos operacionais de regulação quando se tem uma ampla rede de saúde, como por exemplo, no Distrito Federal. A elaboração destes protocolos envolve um processo de tomada de decisão, baseado em discussões com as áreas técnicas afins. Para que a regulação do acesso seja efetivada em todo o processo que lhe é inerente, não bastam apenas a alocação de computadores, a utilização de sistemas informacionais, de normas e de protocolos necessita também das relações de gestores com prestadores, e o mais importante, relações de usuários e as suas distintas demandas na identificação das necessidades. Inúmeros são as lacunas a serem preenchidas e conquistadas na implementação da regulação do acesso no SUS, e utilizá-la como instrumento de gestão é um deles. A regulação, ao garantir o acesso dos usuários aos serviços de saúde, atua sobre a oferta dos mesmos, assume o planejamento das ações e estabelece a adequação desta oferta de acordo com as necessidades identificadas. Promove assim, a eqüidade do acesso, e garante a integralidade da assistência de forma universal e ordenada, segundo os princípios do SUS. Com. Ciências Saúde. 2010;21(1):81-84 83 Vilarins GCM REFERÊNCIAS 1.Aurélio, BHF. Dicionário Aurélio eletrônico, século XXI [CD-ROM]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira e Lexicon Informática;1999. 2.Mendonça CS, Reis AT, Moraes JC, organizadores. A Política de Regulação do Brasil. Brasília: Organização Panamericana de Saúde;2006. 3.Brasil. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 198. Brasília: Saraiva;2006. 4.Arretche, Marta. Financiamento federal e gestão local de políticas sociais: o difícil equilíbrio entre regulação, responsabilidade e autonomia. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2003, vol.8, n.2, pp. 331-345. 5.Cavalcante MTL. Cartão Nacional de Saúde e Central de Regulação de Ações de Saúde: Tendências nas Tecnologias de Informação em Saúde. Rio de Janeiro. Dissertação [Mestrado em Saúde Pública] – Fundação Oswaldo Cruz; 2003. 84 Com. Ciências Saúde. 2010;21(1):81-84 6.Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento de Descentralização da Gestão da Assistência. Regionalização da assistência à saúde: aprofundando a descentralização com eqüidade no acesso: Norma Operacional de Assistência à Saúde: NOAS/SUS 01/02 e Portaria MS/GM n.º 373, de 27 de fevereiro de 2002 e regulamentação complementar. Diário Oficial da União, Brasília; 2002. 7.Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Manual de implantação de complexos reguladores. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Brasília: Ministério da Saúde;2006. 8.Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Plano Nacional de Saúde: um pacto pela saúde no Brasil: síntese. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 9.Ministério da Saúde. Portaria GM/MS Nº 1.559, de 1.º de agosto de 2008. Institui a Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. Brasília;2008.