Área de interesse escolhida: Teoria Econômica e Métodos Quantitativos. Título: Alocação do Tempo para Estudo e Desempenho no Vestibular: Evidências a partir da Universidade Federal da Bahia. Palavras-chave: Vestibular, alocação de tempo para estudo, função de produção educacional. Autor: Cláudio Pondé Avena1 Doutorando em Economia da Educação (UFBa/FACED) Mestre em Economia (UFBa./CME) Professor da Faculdade Ruy Barbosa Endereço postal: Alameda das Orquídeas, 107/301, Cidade Jardim, Salvador, Bahia. CEP: 40.283-230. Telefone residencial: (0XX71) 358-3982 Endereços eletrônicos: [email protected] ou [email protected] 1 Este artigo faz parte da pesquisa doutoral do autor. Comentários e sugestões sobre este artigo são bem vindos. 2 Alocação do Tempo para Estudo e Desempenho no Vestibular: Evidências a partir da Universidade Federal da Bahia. Resumo Este artigo desenvolve um modelo teórico sobre o comportamento do vestibulando e um modelo empírico de função de produção educacional. A hipótese básica do artigo, e que se confirma empiricamente, é a de que o indivíduo realiza uma auto-seleção ao escolher o curso para o qual se candidata. Os indivíduos pobres, ou seja, aqueles que têm escassez de tempo para estudar porque trabalham, selecionam os cursos menos concorridos de modo a aumentar as suas chances de ingressar no ensino superior. Uma vez que a concorrência é maior quanto maior for a renda vitalícia promovida pela profissão escolhida, o indivíduo mais pobre perpetua a sua condição de pobreza ao tender a escolher o curso menos concorrido. Isto demonstra a discriminação do vestibular contra os pobres, configurando-se em um mecanismo de seleção bastante injusto socialmente e que promove ainda mais a desigualdade social já tão grande no País. Palavras-chave: Vestibular, alocação de tempo para estudo, função de produção educacional. Classificação JEL: I21 Abstract This paper develops a theoretical behavior model of the student who intends to take the university’s entrance exam, the Vestibular, and an empirical model of the educational production function. The basic hypothesis of the article is that there is a self-selection by the student as he/she chooses his/her major field of study. The poor ones, that is, those who have scarcity of time to study, tend to choose the less competitive majors as a way to increase their probabilities of entrance. Since it has been observed that the more competitive the major, the larger is the lifetime earnings, it is possible to conclude that the Vestibular discriminates against the poor people that thus serves as a mechanism for reinforcing social inequalities in Brazil. Key-words: Vestibular, student time allocation, educational production function. JEL Classification: I21 1. Introdução: O presente artigo desenvolve um modelo teórico inédito sobre o comportamento do vestibulando e de como se dá a alocação do tempo para o estudo. Para isto, baseia-se nas teorias microeconômicas do consumidor e da produção. As hipóteses dessas duas teorias são muito pouco restritivas. Com efeito, supõe-se que o indivíduo, enquanto consumidor, é racional, ou seja, que ele procura escolher uma cesta de consumo que torna a sua satisfação máxima dadas as suas restrições de recursos de tempo, que é variável endógena do modelo, e de que ele precisa alcançar um escore mínimo para ser aprovado no vestibular. Supõe-se que esse escore mínimo seja função crescente do excesso de demanda por vagas; como produtor, o indivíduo é eficiente, ou seja, ele é capaz de extrair o máximo de produto dos seus recursos de tempo e financeiros, e a partir de suas características pessoais como a idade, sexo, escolarização e habilidade intelectual. Enquanto o modelo teórico estabelece um arcabouço de comportamento do candidato, sendo, portanto, uma análise ex-ante, pois ocorre antes de o candidato se inscrever no curso para o 3 qual vai prestar o vestibular, o modelo empírico é necessariamente ex-post, ou seja, após o indivíduo ter realizado a prova vestibular. O modelo teórico retrata a alocação de tempo potencial do indivíduo para o estudo e para trabalho e outras atividades, como lazer, transporte, sono etc., que são, enfim, as alocações destinadas à produção de Q, que é um bem agregado.Assim, a estratégia adotada para verificar se o modelo teórico se conforma aos dados consistirá em observar a correlação estatística entre o tempo que o indivíduo dispõe para o trabalho e o escore mínimo para ser aprovado no curso a que ele se candidata. LEVIN e TSANG (1987) desenvolveram um modelo na linha aqui adotada, mas sem chegarem a deduzir a função de produção educacional correspondente, por meio de um processo de maximização da utilidade do consumidor dadas as desigualdades nas restrições. Ademais, esses autores não testaram o modelo empiricamente, como aqui é feito. Além disso, esta é a primeira formalização do comportamento do vestibulando, até onde vai o conhecimento deste autor. Este artigo estrutura-se da seguinte maneira: além desta introdução, na segunda seção desenvolve-se o modelo teórico e analisam-se algumas de suas implicações; na terceira seção, discute-se sobre a base de dados e as variáveis utilizadas; na quarta seção, desenvolve-se o modelo empírico de uma função de produção educacional a partir do modelo teórico; nas quinta e sexta seções discutem-se os resultados empíricos e, por fim, apresentam-se as principais conclusões. 2. Desenvolvimento do Modelo Teórico Suponha-se que o indivíduo produza dois bens eficientemente, A=A(ta,I, G2,R, X, Z), e um bem agregado, Q = Q(tq), ambos funções do tempo que dedicam ao estudo2, ta, e do tempo que o indivíduo dedica à produção de Q, tq, respectivamente. A(ta, I, G2, R, X, Z) é medido pelo escore que o indivíduo obtém no vestibular. X é um vetor de características do candidato, formado por variáveis demográficas e sociais (variáveis binárias), tais como sexo, tipo de escola que freqüentou, se pública ou particular etc., I é a idade do candidato, G2 é o tempo que ele concluiu o 2º. Grau, R é a renda familiar e Z é a habilidade intelectual do candidato (esta última variável não é observável).Quanto à Q, este não é observável, mas o fator de sua produção, tq, o é. Além de produzir esses dois bens, esse indivíduo maximiza a sua função utilidade, U( . ), quase-côncava. A utilidade é a escala de preferências do indivíduo e, como tal, reflete a estrutura de sua personalidade, psicologia e contexto social em que o indivíduo se insere. Matematicamente, isto corresponde a que o indivíduo maximize a sua função utilidade, Max U[A(ta,I, G2,R, X, Z),Q(tq)] ta, tq (1) sujeita às seguintes restrições: ta + tq ≤ T A(D-S) ≤ A(ta,I, G2,R, X, Z) 2 Entenda-se por tempo de estudo o tempo que o indivíduo dedica ao estudo formal (presença em salas de aula) e o estudo informal (individual ou em grupo, fora da sala de aula). 4 Onde T é o total de horas que o indivíduo dispõe por semana, ta é a quantidade potencial de horas/semana destinada ao estudo, e tq é a quantidade de horas/ semana destinada à produção de Q. A(D-S) é o escore mínimo esperado para ser aprovado em um determinado curso no vestibular, e ele é função crescente do excesso de demanda por vagas, D – S; D corresponde à demanda agregada pelo curso e S à oferta de vagas. O indivíduo, quando se inscreve em determinado curso no vestibular, forma uma expectativa quanto ao valor de A(D-S) com base em seu conjunto de informações (o que inclui informações sobre a concorrência de vestibulares passados). Uma vez que esse escore mínimo depende da demanda por vagas, ele reflete também as condições de mercado de trabalho para determinada profissão, tais como a taxa de desemprego e a renda vitalícia proporcionada pela profissão escolhida. Conforme demonstrado em AVENA (2003), há evidências extremamente fortes de que a demanda por vagas do ensino superior é explicada em grande parte pela renda vitalícia proporcionada pela profissão que o candidato escolhe. Dando-se prosseguimento à resolução do problema expresso pelo sistema (1), forma-se o Lagrangiano de Kuhn-Tucker dado pela identidade (2): L(ta,tq; θ1, θ2) ≡U[A(ta,I, G2, R, X, Z),Q(tq)] + θ1(T – ta - tq) +... ...+ θ2[A(ta, I, G2, R, X, Z) - A(D – S)] (2) Supõe-se que as funções U( ), A( ) e Q( ) têm as seguintes derivadas parciais: UA, UQ > 0 e Ata , Az, AR, AI e Qtq > 0 e AG2 < 0 (3) Os sinais dessas derivadas parciais são explicados pelas seguintes razões: quanto maior o consumo de A ou de Q, maior o nível de satisfação (utilidade) do indivíduo; este é um pressuposto da teoria do consumidor, segundo o qual o indivíduo prefere mais a menos de um bem; no que diz respeito ao escore no vestibular, A, quanto maior o tempo dedicado ao estudo, ta, quanto maior a habilidade intelectual do indivíduo, Z, quanto maior a idade do candidato, I, ou quanto maior a renda familiar do indivíduo, R, ceteris paribus, maior o seu escore. Por outro lado, quanto maior o tempo que o indivíduo encontra-se afastado dos estudos, G2, menor deverá ser o escore do candidato, ceteris paribus, pois o seu estoque de conhecimentos deverá se depreciar com a passagem do tempo. Pelas condições de primeira ordem, de (2), e pelas condições de folga de Kuhn-Tucker em (6) e (7): (∂L/∂ta) = (∂U/∂A)( ∂A/∂ta) – θ1 + θ2(∂A/∂ta) = 0 (4) (∂L/∂tq) = (∂U/∂Q)( ∂Q/∂tq) – θ1 = 0 (5) (∂L/∂ θ1) = T – ta – tq ≥ 0 se θ1 ≥ 0 ou T = ta + tq se θ1 > 0 (6) (∂L/∂ θ2) = A(ta,I, G2,R, X, Z) - A(D-S) ≥ 0 se θ2 ≥ 0 ou 5 A(ta,I, G2,R, X, Z) - A(D-S) = 0 se θ2 > 03 (7) Substituindo (5) em (4) e arrumando os termos: (∂A/∂ta) / (∂Q/∂tq ) = (∂U/∂Q) / (∂U/∂A + θ2) (8) Graficamente tem-se o seguinte: Gráfico 1. U1 A(ta) A(D-S) U2 Q(tq) Se θ2 = 0, a segunda restrição é eliminada, e o indivíduo maximizaria a sua utilidade no ponto de tangência da curva de tranformação, (∂A/∂ta) / (∂Q/∂tq), com a curva de utilidade, (∂U/∂Q) / (∂U/∂A), indicada por U1. Vide gráfico 1.Ou seja: (∂A/∂ta) / (∂Q/∂tq) = (∂U/∂Q) / (∂U/∂A) (9) Pelo Teorema de Kuhn-Tucker e para simplificar a análise, admite-se que A(ta) - A(D-S) = 0, restringindo-se a θ2 > 0. Essa restrição implica que a solução obtida será interior, evitando-se assim as soluções de canto. Em conseqüência, A(ta) = A(D-S), ou seja, o estudante estuda o suficiente para obter o escore mínimo esperado do curso de modo a também produzir uma maior quantidade de Q. O equilíbrio será dado pela curva de indiferença U2 no Gráfico 1. As curvas de transformação e de utilidade se tangenciariam em um ponto mais baixo ou mais alto a depender da concorrência do curso a que o candidato se inscreve. Em outras palavras, ao formar uma expectativa quanto ao valor do escore mínimo para aprovação, o indivíduo estaria dedicando menos tempo ao estudo (se o curso for menos concorrido) e, conseqüentemente, mais tempo para a produção de Q(tq), de modo a manter a mesma utilidade. No caso de o curso ser mais concorrido, o valor de A(D-S) se elevaria e o candidato 3 Teorema de Kuhn-Tucker. 6 dedicaria mais tempo ao estudo e produziria menos de Q. De qualquer modo, o indivíduo maximizaria a sua utilidade de acordo com a posição da curva U2 (posição em que ocorreria o equilíbrio), conforme apresentado no Gráfico 1. Uma implicação desta análise é que o indivíduo que tem muita dificuldade de substituir o tempo destinado à produção de Q para a produção de A, o que é de se esperar principalmente dos alunos que trabalham, e o fazem porque precisam, e/ou não gostam de sacrificar horas de sono e de lazer, tenderão a demandar cursos cujo escore mínimo seja mais reduzido, de modo a compatibilizar as suas horas de estudo com a exigência do vestibular. Em outras palavras, levanta-se a hipótese de que ocorre um processo de auto-seleção na escolha do curso antes da inscrição. O indivíduo, nessa decisão, leva em consideração, além da disponibilidade de tempo para estudo, a sua habilidade, Z, a sua capacidade de transformar horas de estudo em escores no vestibular, e a elasticidade da utilidade com respeito ao escore no vestibular; esta última podendo ser interpretada como um maior ou menor pendor e gosto por certa profissão. Este modelo ressalta a importância das expectativas no ensino que o aluno forma quando se candidata a um concurso ou a um curso. Para fixar as idéias, tome-se uma Faculdade ou Departamento que seja mais exigente na seleção do que outra(o); sendo o aluno informado disto, seja por meio da estratégia de marketing, seja porque a informação circula entre os indivíduos interessados em determinado curso, esses alunos tenderão a estudar mais de forma a lograrem a classificação, pois o valor de A(D-S) se elevaria. A variável A(D-S), portanto, pode ser considerada um variável sob controle institucional ou do professor. Com efeito, a Faculdade ou Departamento poderia estabelecer exogenamente um escore mínimo para aprovação, se assim o desejasse, resultando em alunos selecionados com uma maior base de conhecimentos e, provavelmente, de maior calibre intelectual. Mas se a instituição deixa esse valor para ser estabelecido endogenamente pelo mercado, pela concorrência, o nível intelectual do último aluno selecionado será aquele tal que se preencha a última vaga, o que poderá comprometer a qualidade do curso futuramente, uma vez que, como se sabe, o conhecimento é um processo acumulativo (BLOOM, 1968; TODD e WOLPING, 2001); quem se apresenta com um menor estoque inicial de conhecimentos provavelmente adquirirá menos conhecimento durante o curso, a menos que realize um esforço suplementar para suprir as suas deficiências. Existe uma linha de pesquisa em Educação que investiga o papel das expectativas que o professor forma sobre o desempenho e aprendizagem dos seus alunos [conhecida na literatura pelo nome de “self fulfilling prophecies” (profecias que se auto-realizam)] (ROSENTHAL e JACOBSON, 1992; JUSSIM, 1989) que advoga que o professor deve estabelecer expectativas elevadas sobre o aprendizado do aluno, pois o aluno se esforçará mais e acabará por satisfazer as expectativas do professor. Pessoalmente, na minha experiência didática como professor de ensino superior, dou um certo crédito a esta hipótese4, mas reconheço, também, que o aluno que não dispõe de tempo suficiente para estudar ou que não gosta de estudar pode desistir do curso ou ter um rendimento sofrível5. Isto fica evidenciado pela equação (26). Resolvendo-se o sistema (4)-(7) para θ2, 4 Existe um Centro de Pesquisas na Universidade Harvard, E.U.A. que se dedica justamente a esta linha de pesquisas. 5 Em futuro trabalho se pretende investigar a importância do tempo sobre os escores do aluno graduando e sobre a sua probabilidade de conclusão do curso superior. 7 θ2 = [(∂U/∂Q)( ∂Q/∂tq) – (∂U/∂A).(∂A/∂ta)] / (∂A/∂ta). (10) O valor de θ2 depende da utilidade que o indivíduo obtém do consumo de Q e de A, mas depende também das produtividades marginais do tempo dedicado à produção de Q e de A, ∂Q/∂tq e ∂A/∂ta, respectivamente. Assim, o indivíduo que prefere estudar mais, porque tem uma expectativa mais elevada do valor de A(D-S), ou porque tem maior prazer nessa atividade comparativamente à utilidade que ele obtém em fazer outras coisas, Q, dedicará mais tempo ao estudo; como conseqüência, a produtividade marginal do tempo dedicado ao estudo se reduz e a produtividade marginal do tempo dedicado à produção de Q se eleva, de modo que o indivíduo ainda assim maximize a sua utilidade total. 2.1. Implicações do Modelo Teórico Suponha-se a função de produção educacional de A definida por6: A(ta,I, G2,R, X, Z) = C.taφ. f(I,G2, R,X, Z) (11) Onde C é o coeficiente técnico de produção do escore A e φ, 0 < φ < 1, é a elasticidade-tempo de estudo com respeito ao escore no vestibular. Esta pode ser interpretada como a habilidade do indivíduo em transformar horas de estudo em escore no vestibular. Quanto maior φ, maior o escore no vestibular, tudo o mais constante. As variáveis contínuas I, R, G2 e Z representam a idade, a renda familiar do indivíduo,o tempo que ele concluiu o 2º. grau e a sua habilidade intelectual, respectivamente. O indivíduo de maior habilidade intelectual (Z mais elevado), com curva de indiferença U1(Vide gráfico 2 a seguir), e/ou que tem maior capacidade de transformar horas de estudo em escore no vestibular (φ mais elevado), produz um escore mais elevado com a mesma quantidade de horas de estudo, ta, permitindo-lhe alcançar o escore mínimo esperado, A(D-S), com menos estudo e, assim, consegue produzir uma quantidade maior de Q, ou seja, ele sacrifica menos o lazer, o sono ou o trabalho. Isto lhe proporciona um nível de satisfação mais elevado, como se pode observar da curva de indiferença U1 à direita da curva de indiferença do indivíduo menos hábil, U2, ainda que ambos estejam maximizando as suas utilidades. Este mesmo efeito se verifica com indivíduos cuja renda familiar é mais elevada, em decorrência de haver uma correlação forte entre nível educacional e renda. Assim, pais de maior nível educacional valorizam mais a educação e transferem a importância da educação para os filhos. Isto porque lares mais ricos o são ou porque os pais têm uma profissão/ocupação mais valorizada no mercado, em geral, de nível superior, e/ou porque os pais receberam uma herança patrimonial. Neste último caso, a educação não é necessariamente mais valorizada, provavelmente pouco afetando o escore no vestibular. Acredito que a renda familiar é importante por duas razões: em parte porque permite financiar a educação dos filhos e, em parte, pelo que representa em termos do que os pais conquistam, 6 Esta especificação justifica-se por ter sido testada previamente. 8 materialmente ou não (como por exemplo, o status e o reconhecimento sociais), e atribuem essa conquista à educação. Assim, os candidatos de famílias de maior poder aquisitivo podem participar de cursos de maior concorrência, pois a renda mais elevada lhes permite disporem de tempo maior para o estudo do que os candidatos de famílias mais pobres. Daí a importância de se incluir o custo de oportunidade do aluno e a renda vitalícia no modelo, o que se pretende fazer em trabalho doutoral. Gráfico 2 A(ta) U2 U1 A(D-S) Q(tq) 3. Os dados e as variáveis: Foram utilizadas as bases de dados dos candidatos inscritos no vestibular dos anos de 1993, 1994, 1995, 1997 e 1998. Para se combinarem esses dados para a realização da análise em corte tranversal, foi necessário se recodificar algumas variáveis de modo que as bases se compatibilizassem entre si. Além disso, os dados relativos aos escores foram transformados em escores z padrão de acordo com a fórmula (12), pois os escores mudaram a sua sistemática de contagem no ano de 1997, quando então, reduz-se a escala dos números. Por exemplo, até o ano de 1995 (inclusive), os escores são medidos na ordem de cem milhares e, a partir de 1997, eles são medidos em unidades de mil. Quando se computam os escores em logaritmos, esse efeito é atenuado. Em seguida, observa-se, para cada ano e curso, o escore do último aluno aprovado, que é o escore mínimo para aprovação medido em escore z. A(D-S)jt = (Yijt – Yjt) / Sjt (12) 9 Onde A(D-S)jt é o valor mínimo necessário para aprovação no curso j e no ano t. Esse escore mínimo é obtido por meio da transformação dos escores globais obtidos no vestibular pelo indivíduo i, no curso j e no ano t, Yijt, em escores normais padrão do aluno i: Yjt é o valor médio amostral dos escores globais no curso j e ano t, e Sjt é o desvio-padrão amostral dos escores globais no curso j e ano t. As cinco bases em conjunto totalizam 128.260 casos; há determinados casos cujas observações apresentam-se ausentes, sendo automaticamente excluídas da análise, realizada no pacote estatístico SPSS. As variáveis das tabelas 1 e 2 assinaladas com um asterisco (*) são variáveis binárias que assumem o valor 1 em caso afirmativo e valor 0 em caso contrário. A variável do banco de dados “Motivos que o levaram a escolher o curso” foi transformada em três variáveis dicotômicas, englobando todas as respostas possíveis do questionário. Essas três variáveis binárias são descritas a seguir. A primeira variável binária criada, denominada “Se a escolha do curso foi baseada em interesse pessoal (econômico ou status social) ” engloba as seguintes categorias: 1) O curso oferece vantagem econômica, 2) O curso facilita a obtenção de emprego; 3) O curso é fácil, o que permite concluir rápido; 4) O curso permite conciliar com outros interesses; 5) Permite conciliar o curso (as aulas) com o trabalho e, 6) O curso dá prestígio social. Em qualquer desses casos a variável assume o valor um, em caso contrário, assume o valor zero. A segunda variável binária é “Escolha do curso adequada às aptidões”; quando o candidato responde sim, a variável assume o valor um e zero em caso contrário. É um total de 95.437 respostas positivas, mas a variável foi excluída por não ter se mostrado estatisticamente significativa. A terceira variável é omitida para se evitar perfeita colinearidade e ela engloba as seguintes categorias: 1) O curso é útil para o desenvolvimento do País, com 8.028 observações; 2) Se o curso permite conhecer pessoas interessantes, com 2.332 observações, 3) Se a concorrência do curso no vestibular é pequena (1.175 observações) e, 4) Outros motivos, com 7.829 observações. As demais variáveis das Tabelas 1 e 2 são auto-explicativas ou já foram definidas anteriormente no texto. Ressalte-se, entretanto, que a variável ta não corresponde ao tempo que o aluno destina ao estudo efetivamente, porque esse tempo não está disponível, mas ele retrata a disponibilidade de tempo que o indivíduo tem para estudar, seja estudo formal, na escola de ensino médio ou cursinho pré-vestibular, seja o estudo informal individual ou coletivo; neste sentido, deve ser encarada como um tempo potencialmente utilizado para estudo. Ela foi obtida do seguinte modo. ta = T – tq , onde T =168 horas/semana que é a dotação de qualquer indivíduo; tq, por sua vez, foi obtida segundo o Quadro 1: 10 QUADRO 1: Composição do tempo tq Sono Lazer 56 20 Higiene pessoal Transporte 7 14 Alimentação 10.5 Horas de h.t. trabalho Fonte: Estimativas do autor DOLTON ET AL (2003) estimou, com base em amostra de estudantes universitários australianos, as seguintes alocações diárias de tempo: 5 horas e 36 min para lazer, 7 h. e 45 min. para o sono, 1h e 50 min. para transporte, 4 horas para estudo formal e 3 h. e 45 min. para estudo próprio. As horas de trabalho, h.t., é uma variável intervalar cuja distribuição de probabilidade, f(h.t.), é como segue em (13): f(h.t.) = 0,641 , se h.t ≤ 0 horas 0,176 , se 0 < h.t ≤ 20 horas 0,069, se 20 < h.t ≤ 30 horas 0,114, se 30< h.t ≤ 40 horas 0, se h.t. > 40 horas (13) Da distribuição (13), verifica-se que 64,1% dos candidatos inscritos não trabalham. Tomou-se o ponto h.t. = 20 para representar a 2ª classe; 25 horas para a 3ª. classe e 40 horas para a 4ª. classe, pois em verdade, a 4ª. classe dispõe da informação no ponto h.t.= 40 horas. Deste modo, tq assumiu valores no intervalo 107,5 ≤ tq ≤ 147,5 e, conseqüentemente, ta está definido no intervalo, 20,5 ≤ ta ≤ 60,5.Em verdade, o limite inferior de ta poderá ser igual a zero, pois o aluno pode estudar nada. A variável “classe de concorrência” é uma variável binária definida de acordo com (14): se a concorrência do curso é alta ou muito alta, assume o valor um; se a concorrência é muito baixa, baixa ou média, assume o valor zero. Essa variável foi criada a partir da variável escore mínimo para ser aprovado, A(D-S)jt, de acordo com a seguinte distribuição: 0, se 0,63 ≤ A(D-S)jt < 12,634 Classe de concorrência = (14) 1, se 12,634 ≤ A(D-S)jt ≤ 26,57 11 Os cursos agrupam-se do seguinte modo: os cursos da área 1 são aqueles que tem uma fundamentação matemática mais forte, como Arquitetura, Engenharias, Ciência da Computação, Geofísica, Matemática, Estatística etc. A área 2 são os cursos de ciências médicas e biológicas, Farmácia, Enfermagem, Nutrição, Odontologia etc. A área 3, por sua vez, corresponde aos cursos de Administração, Ciências Econômicas e Contábeis, Educação Física, Direito, Jornalismo, Psicologia etc. A área 4 é formada pelos cursos de Letras e a área 5, são os cursos de Artes Plásticas, Teatro, Desenho, Dança, Música etc. As variáveis de referência ou base nas variáveis binárias são: “Se é residente no interior ou em outro estado”, “Se a casa onde mora é cedida”, “Se o curso é da área 5”, “Se o curso é útil para o desenvolvimento do País”, “Se a concorrência é pequena ou se permite conhecer pessoas interessantes”; “Se proveniente de magistério ou supletivo”, “Se optou pela língua francesa ou espanhola”; a variável base da variável “Se procura uma melhora na situação profissional atual” é: “Se o candidato procura aumento de conhecimento, formação profissional, formação teórica, formar consciência crítica ou outros”. Outras variáveis-base são: “Se mora em pensionato, república, residência universitária ou sozinho”; “Se quem sustenta é pai, mãe, cônjuge, parente ou irmão”, “Se o nível de instrução do pai ou da mãe é superior incompleto ou inferior”. Na regressão da Tabela 1 foram excluídas as seguintes variáveis: se o aluno é da capital, se a maior parte da vida escolar foi em escola pública, se a escolha do curso é adequada à aptidão, se o curso melhora a vida profissional, se o candidato trabalha pela manhã, se trabalha pela noite, se trabalha pela manhã e noite e, se o candidato mora com família ou parentes. O critério de exclusão é a de que a probabilidade de F seja maior ou igual a 0,1. Na regressão da Tabela 2 foram excluídas as seguintes variáveis:se o candidato provém de escola de 2º. Grau, se o candidato é da capital, se o candidato fez cursinho preparatório, se acredita que o cursinho ensina “macetes”, se acredita que a sua escolha é adequada às aptidões, se trabalha pela manhã, se trabalha pela tarde e noite, se trabalha pela manhã e noite, ln(renda familiar), se o candidato mora em casa própria e se o pai tem instrução superior completa. 4. Desenvolvimento do Modelo Empírico Nesta seção desenvolve-se o modelo empírico de uma função de produção educacional a partir de um processo de otimização da utilidade dadas as restrições de tempo do indivíduo e de que ele precisa alcançar um escore no vestibular que o permita ser aprovado. Para isto, suponha-se uma função de utilidade Cobb-Douglas, conforme definido em (15): U[A(ta),Q(tq)] = [A(ta)]α . [Q(tq)]1- α , (15) Onde 0 < α < 1 é a elasticidade da utilidade com respeito ao bem escore no vestibular, A(ta). Calculando-se a condição de equilíbrio (8) a partir de (15) (∂A/∂ta) / (∂Q/∂tq ) = {[(1-α)/ α ].U.A(ta)}/ {Q(tq).[ αU + θ2.A(ta)]} (16) 12 Re-arrumando-se os termos de (16): (∂A/∂ta) / A(ta) = [(∂Q/∂tq ) / Q(tq)] .(1-α).U / [αU + θ2A(ta)] (17) Resolvendo-se (17): Ln A(ta) = (1-α).U / [αU + θ2A(ta)]. ln Q(tq) (18) Lembrando-se de que αU = (∂U/∂A).A(ta), substituindo-se em (18), colocando-se A(ta) em evidência e substituindo-se (15) em (18) e θ2: Ln A(ta) = (1-α).U / (∂U/∂A + θ2) Ln Q(tq) / A(ta) = = [(1-α).(∂U/∂A).(∂A/∂ta) / α.(∂U/∂Q)(∂Q/∂tq)].Ln Q(tq) = = [(1-α)/α].(-dtq/dta).lnQ(tq) Onde, dtq/dta = - (∂U/∂Q)(∂Q/∂tq) / (∂U/∂A).(∂A/∂ta) (19) (19’) é a inclinação, em equilíbrio, de dada curva de utilidade U. Supondo-se Q(tq) = B.tqε (20) Onde B é o coeficiente técnico na produção de Q e é suposto igual a um7, e 0 < ε < 1 para que a função de produção de Q(tq) apresente rendimentos físicos marginais decrescentes com respeito ao tempo dedicado à sua produção. ε é a capacidade do indivíduo de transformar horas alocadas à produção de Q, em Q. Substituindo-se (20) em (19) e acrescentando-se as variáveis exógenas I, R, G2 e X chega-se à equação (21): Ln A(ta) = [(1-α)/α].(-dtq/dta)] [ε.ln(tq)] + f(I, G2, R) + Σjδj.Xj (21) Onde, dtq/dta, em equilíbrio, é a taxa marginal de substituição entre os insumos, tempo alocado à produção de Q, tq, e o tempo alocado ao estudo para a produção de A, ta. A equação (21) é uma função de produção educacional que relaciona o logaritmo neperiano do escore do curso a que se candidatou no vestibular com o logaritmo do tempo dedicado às outras atividades que não o estudo, tq, e, X, um conjunto de variáveis binárias relativas às características do indivíduo, como sexo, escolaridade dos pais, do próprio vestibulando etc. Além disto, espera-se que quanto maior a idade do candidato maior seja o escore no 7 B=1 é condição para que exista solução na determinação dos parâmetros do coeficiente de ln(tq), na equação (17) Uma vez que Ln Q(tq) > 0, pois não faz sentido dispender tempo com algo cuja produção seja não-positiva, tem-se de (17) que lnB + ε.ln(tq) > 0, o que implica que ε.ln(tq) > -lnB. Sucede que para isto ocorrer, ε > -LnB/Ln(tq) e lnB < 0 e à medida que ε cresce, │-lnB │também cresce, o que implica que não haveria solução que satisfizesse 0<ε < 1.Daí se impõe que B=1. 13 vestibular, quanto mais tempo o candidato esteja afastado dos estudos, G2, menor o escore em decorrência da depreciação do estoque de capital humano, e quanto maior a renda familiar, maior o escore no vestibular, ceteris paribus.. A equação (21) revela que quanto mais tempo se dedica à produção de Q(tq), cai a produção de A(ta), pois, como se verá, dtq/dta > 0; além disso, quanto maior a habilidade, ε, do indivíduo em transformar as horas tq na produção de Q, menor o escore no vestibular e quanto maior a preferência do indivíduo pelo estudo, α, maior o escore no vestibular, como seria de se esperar. Substituindo-se as derivadas parciais em (10), obtém-se: θ2 = U.[(1- α). ε - α φ] / φ.A(ta) = {[(1- α).ε / tq] – (α φ)/ta}/ α φ (22) θ2 > 0 implica que (1- α). ε > α φ ↔ ta > [α.φ / ε(1-α)]. tq (23) Ou seja, Existe uma constante positiva h (referente a um certo número de horas) tal que, a partir da inequação (23): ta = [α.φ / ε(1-α)].tq + h (24) dtq/dta = ε(1-α) / α.φ > 0 (25) Conseqüentemente, A equação (25) revela que o indivíduo está disposto a substituir as horas de estudo por horas na produção de Q, quanto maior for ε, a sua capacidade de transformar tq (horas alocadas à produção de Q) em Q, e quanto maior for (1-α), a sua preferência por produzir Q a ter que estudar para produzir A. Por outro lado, ele resiste a substituir o tempo destinado à produção de A quanto mais ele goste de estudar, α, e maior for a sua capacidade de transformar horas destinadas à produção de A, φ. Substituindo-se (25) em (21) resulta na equação (26) cujas estimativas encontram-se na Tabela 2 em Anexo: Ln A(ta, I, G2,R, X, Z) = (-1 / φ) [(1-α).ε /α]2ln(tq) + f(I, G2, R) + Σjδj.Xj + ν8 (26) 5. Resultados dos modelos empíricos: 8 Esta última parcela é o termo estocástico, suposto normalmente distribuído com média μ e variância σ 2. 14 Supondo-se que o valor esperado de A(D-S)jt pelo aluno se realizasse, estimou-se a equação (26) com LnA (ta, I, G2,R, X, Z) = A(D-S)jt. Os resultados encontram-se na Tabela 1 em Anexo. Os resultados da Tabela 1 evidenciam que ocorre um processo de auto-seleção no vestibular. Como se pode observar do coeficiente de ln(tq), -0,0352, quanto maior o tempo alocado à produção de Q, menor o escore mínimo esperado do curso a que o candidato se inscreve no vestibular, após o controle de uma série de outras variáveis. Assim, o candidato que trabalha e apresenta um tq mais elevado, estará preferindo um curso menos concorrido, de modo que ele amplie as suas chances de ingressar na Universidade. Objetivando estimar os coeficientes da função de produção educacional (26), desta vez com o escore final efetivamente obtido pelo aluno, rodou-se uma nova regressão cujos resultados apresentam-se nas Tabelas 2, 3 e 4. A tabela 2 mostra que o candidato da capital obtém um escore final inferior em 4%, em média, ao do indivíduo do interior ou de outro estado; este resultado condiz com a teoria de capital humano de que a imigração para um centro mais desenvolvido eleva a renda do indivíduo e o escore seria uma medida de sua produtividade. Se a casa em que mora o candidato é alugada, o seu escore é maior em 3,98%, em média, do que aquele que tem a casa cedida, o que seria de se esperar. Esta variável procura captar o efeito do nível sócio econômico, funcionando como uma proxy para a renda permanente. Se o candidato mora com família ou parentes, o seu escore é menor em cerca de 6% do que aquele que vive em pensionato, república ou sozinho. Além disso, quanto maior a classe de concorrência, é claro que o escore médio teria que ser maior; a estatística t de 162,29 mostra que a variável é significativamente diferente de zero. Quando se passa da classificação de concorrência muito baixa, baixa ou média para alta ou muito alta, o escore médio se eleva em 200%. Quanto maior o escore mínimo para aprovação, menor o escore médio final. Isto denota que deve haver uma maior uniformidade entre os escores dos cursos mais concorridos, ou seja, a concorrência é mais apertada quanto maior o escore mínimo. O escore mínimo funciona como uma medida de habilidade dos indivíduos do grupo que concorrem a determinado curso ou como uma proxy para a medida de quanto o indivíduo agrega de valor em seu escore para ser aprovado e é responsável, na maior parte, pelo poder de explicação do modelo. Os cursos da área 2 apresentam um escore médio mais elevado, em decorrência do maior nível de concorrência dos cursos de Medicina, Odontologia e, Enfermagem e Obstetrícia. Esses cursos são seguidos por cursos de escore médio alto, porém, um pouco menor, que são os da área 3, em decorrência da alta concorrência dos cursos de Administração de Empresas, Comunicação, Direito, Psicologia e Economia. Revela-se, também, que o interesse pessoal, seja de caráter econômico ou por status social, é bastante significativo, elevando a média dos escores em 12,3%; além disso, o aluno proveniente de escolas técnicas obtém um escore mais elevado do que o aluno proveniente de magistério ou supletivo. A variável “se o aluno realizou o curso colegial”, entretanto, foi excluída da análise. 15 A idade, nesta regressão da tabela 2, mostrou-se positiva, após o controle do tempo de conclusão do 2º. Grau, demonstrando que esta última variável capta melhor o efeito da depreciação do conhecimento do aluno, além de ser estatisticamente significativa. O aluno que não tem experiência com vestibular apresentou escores mais reduzidos, como seria de se esperar e a variável é significativa estatisticamente. Além disso, quanto maior o número de vezes que o indivíduo presta o exame vestibular, reduz-se o seu escore. Se o candidato trabalha pela noite, ele obtém um escore 7,22% mais elevado do que o aluno que trabalha pela manhã e tarde. Se o indivíduo é responsável pelo próprio sustento, o seu escore é cerca de 7,5% mais elevado do que quem não é responsável pelo próprio sustento. Outro resultado que demonstra as menores chances de ingresso em carreiras mais concorridas é se o aluno estudou em escola pública, pelo menos a maior parte de sua vida. Ele obtém, em média, um escore menor em 11% do que o aluno que estudou em escola particular. Isto não demonstra, entretanto, que as escolas públicas sejam necessariamente de menor qualidade do que as escolas particulares, pois, conforme demonstrado por SOARES ET AL (2002), a melhor forma de se avaliar uma instituição educacional é pelo critério de quanto a escola agrega e não pelo produto final9. Se o indivíduo é do sexo masculino, ele obtém um escore superior ao do sexo feminino, em média, 13,6%. Se o indivíduo é solteiro, ele obtém um escore cerca de 9% mais elevado de quem é não-solteiro. Se o indivíduo é solteiro e do sexo masculino, o escore é superior em cerca de 24% , em média, do que o caso oposto. Ademais, para cada ano que o indivíduo tenha concluído o curso médio (3º. ano colegial) e tenha parado de estudar, o seu escore se reduz, em média, 10,4%. Quanto à variável tq, cada 1% de aumento do tempo destinado ao trabalho, lazer, sono etc, reduz-se o escore médio em cerca de 0,58%. Assim, a pessoa que trabalha 20 horas semanais e passa a trabalhar 40 horas semanais, terá uma redução média de 58% no seu escore. 6. Resultados do sistema de (in)equações: O QUADRO 1 (no texto) permite calcular a média da distribuição de uma amostra de 127.406 observações; essa média corresponde a 0,4509 com desvio-padrão igual a 0,1567. Isto permite formar o sistema (27) de três equações, uma inequação, seis incógnitas e as restrições quanto às incógnitas: [(1-α).ε /α]2.(1 / φ) = 0, 577 [α.φ / ε(1-α)] + (h/tq) = 0,4509 e (27) ta – [α.φ/ ε.(1 - α)].tq = h α.φ < ε .(1- α) 9 e, Neste sentido, as últimas alterações na sistemática do Provão representaram um passo à frente, mas também, um desastroso passo atrás, pois adotou-se a exigência da realização das provas em dois momentos no tempo, mas proibiu-se a divulgação da classificação das IES. 16 0 < ε < 1, 0 < φ < 1, 0< α < 1, 0 ≤ ta ≤ 60,5 e 107,5 ≤ tq ≤ 147,5 O sistema (27) admite uma infinidade de soluções. Mas, fazendo-se hipóteses sobre o valor de α, determinam-se algumas soluções possíveis e mais prováveis. Os resultados encontram-se nas Tabelas 3 e 4 em Anexo. Como se pode observar dessas Tabelas, φ é relativamente constante para valores de α, 0,1 ≤ α ≤ 0,7, tornando-se muito baixo a partir deste último valor; ε é crescente com α, mas torna-se muito próximo de 1 a partir de α ≥ 0,9. Este resultado parece pouco verossímil, pois teria que se aceitar que o indivíduo transforma cada hora de produção em uma unidade de produto Q. Isto sugere que α ≤ 0,7. Uma outra razão para se crer nisto é que os valores de [α.φ / ε(1-α)] são constantes e iguais ao valor estimado de 0,4509 justamente no intervalo em que α ≤ 0,7. O mesmo padrão se verifica quando tq assume o seu valor máximo, que é de 115,79 horas por semana, segundo a resolução do sistema (27). Ou seja, em síntese, a capacidade média de os vestibulandos converterem o tempo de estudo em escore é de aproximadamente 11,7%. Já a habilidade de transformar horas de trabalho em Q, ε, é de se esperar, seja em média, superior a φ, o que nos leva a restringir o conjunto de soluções a 0,3 < α < 0,7, aproximadamente. Quaisquer valores que esses parâmetros assumam, θ2 > 0, o que garante que o indivíduo maximiza a sua utilidade. Uma vez que para alcançar o equilíbrio o candidato tem que estudar uma quantidade de horas de pelo menos 45,08% de tq, o que corresponde, no máximo, a 52 horas semanais, caso o indivíduo não consiga ajustar o seu tempo, ele procurará um curso que exija menos habilidade de transformar horas de estudo em escores no vestibular; é isto que fica demonstrado nas Tabelas 3 e 4, quando αφ/ ε.(1-α) se reduz para valores de α mais elevados. 7. Conclusões: O modelo teórico sugere que o candidato ao vestibular, sob o pressuposto de um comportamento racional, realiza uma auto-seleção do curso a que vai concorrer. Com efeito, o candidato que tem menor disponibilidade de tempo para o estudo porque precisa trabalhar, tende a escolher um curso menos concorrido de modo a maximizar a sua utilidade total. Assim, o vestibular se mostra como um mecanismo de perpetuação da pobreza, na medida em que os cursos mais concorridos são aqueles que proporcionarão uma renda vitalícia maior. A estratégia utilizada de se verificar a correlação estatística por meio de análise de regressão evidencia que isto de fato ocorre. Essa evidência se caracterizou quando se utilizou o escore mínimo para ser aprovado em um curso (supondo-se que este fosse o mesmo esperado pelo candidato) como variável dependente e um conjunto de variáveis sobre a família e o próprio candidato como variáveis de controle. Outras estratégias empíricas poderiam ser utilizadas por meio de modelos logit ou probit ordenado. Mas isto ficou para um trabalho posterior. Os principais resultados a partir da estimação da função de produção educacional com o logaritmo do escore como variável dependente são de que o indivíduo mais pobre (observando-se o fato de dispor de uma casa alugada) e que é, geralmente, proveniente de 17 escola pública têm escores médios mais reduzidos. Outrossim, se ele busca uma melhoria da situação profissional atual, o indivíduo se esforça mais, elevando o seu escore. O nível de instrução da mãe se mostrou significativo; e se ela tem o nível superior completo, isto impacta favoravelmente o escore no vestibular. Porém, o nível de instrução do pai não se mostrou estatisticamente significativo. Quanto mais tempo o indivíduo tiver concluído o 2º. Grau, pior o seu rendimento, o que se explica pela depreciação do estoque de conhecimentos do candidato E, por fim, a elasticidade-cruzada do tempo alocado à produção de Q e A é de -0,577, o que mostra que para cada 1% de aumento do tempo alocado à produção de Q reduz-se o escore médio do candidato em 0,58%. Assim, o indivíduo que trabalha vinte horas semanais e passa a trabalhar quarenta horas semanais terá uma redução em seu desempenho médio no vestibular de cerca de 58%. Feitas estas considerações e visando a se fazer mais justiça social, proponho que a Universidade pública seja gratuita apenas para os indivíduos comprovadamente pobres; além disso, que a receita proveniente dos indivíduos não-pobres seja destinada à concessão de uma bolsa de estudos aos candidatos aprovados pobres, de modo a lhes permitir estudar em tempo integral, ou seja, sem a necessidade de trabalharem. Com isto, se poderá abrir o acesso aos candidatos pobres dos cursos mais concorridos, que são os cursos de maior prestígio e que pagam, durante a vida laboral do indivíduo, uma renda vitalícia maior. Como conseqüência, a Universidade pública estará contribuindo para que haja uma maior mobilidade social no Brasil e estará se fazendo justiça social. Referências AKIN, J.S.;STEWART, J.F. The Time-Allocation Decision and Achievement Patterns of Young Children. Economics of Education Review, vol.2, no.4, pp.307-330, 1982. AVENA, C.P. Demanda por ensino superior a partir de uma abordagem de capital humano. Artigo selecionado para o XXXI Encontro da Associação Nacional de Cursos de PósGraduação em Economia (ANPEC).Porto Seguro(Ba): 9 a 12 de dezembro de 2003. CARRERA-FERNANDEZ, J. Microeconomia. CME/UFBa, 1998 (mimeo). DOLTON, P.; MARCENARO, O.D.; NAVARRO, L. The effective use of student time: stochastic frontier production function case study. Economics of Education Review, XX, 2003. JUSSIM, L. Teacher Expectations: Self-Fulfilling Prophecies, Perceptual Biases, and Accuracy. Journal of Personality and Social Psychology, vol. 57(3), p.469-480, 1989. KREPS, D.M. A Course in Microeconomic Theory. New Jersey: Princeton University Press, 1990. LEVIN, H.M.; TSANG, M.C. The Economics of Student Time. Economics of Education Review, vol.6, no. 4, pp.357-364, 1987. MAS-COLELL,A.; WHINSTON, M.D.; GREEN, J.R. Microeconomic Theory. Oxford: Oxford University Press, 1995. GREEN, W.H. Econometric Analysis, 4th. Ed. New Jersey: Prentice Hall, 2000. ROSENTHAL, R.; JACOBSON, L. Pygmalion in the Classroom. Teacher Expectation and Pupil’s Intellectual Development. Williston, VT: Crown House Publishing Limited, 1992. 18 SOARES, J.F.; CASTRO, C.M.; CÉSAR, C.C. Escolas de Ensino Médio de Belo Horizonte: As Campeãs e as que oferecem mais ao Aluno. Ensaio:aval.pol.públ.Educ., v.10,no.34, pp.101-122, jan./mar.2002. TODD, P.E.; WOLPING, K.I. On the Specification and Estimation of the Production Function for Cognitive Achievement. University of Pennsylvania, 2001(mimeo). VARIAN, H. R. Microeconomic Analysis, 2nd Ed. New York: W.W. Norton & Co, 1984. 19 Apêndice Tabela 1: Estimativa da equação (23) com A(D-S) = LnA(ta, I, R, X, Z) como variável dependente. Variável dependente: A(D-S) Coeficientes não-padronizados B 2.092 -0.0401 -0.0319 0.05946 0.197 0.518 0.47 0.191 Coeficientes Padronizados Beta Constante Se a casa onde mora é alugada * -0.028 Se a casa onde mora é própria * -0.024 Se fez curso colegial * 0.072 Se o curso é da área 1 * 0.189 Se o curso é da área 2 * 0.588 Se o curso é da área 3 * 0.566 Se o curso é da área 4 * 0.079 Se a escola de 2º.grau foi na -0.0252 -0.027 capital * Se a escolha do curso foi baseada -0.0167 -0.012 em interesse pessoal (econômico ou status social) * Se fez cursinho porque acredita que este ensina "macetes" para o 0.01027 0.009 vestibular * Se não fez cursinho * -0.0261 -0.031 Se proveniente de escola técnica* 0.02141 0.024 Se optou pela língua inglesa* -0.219 -0.151 Ln tq -0.0352 -0.01 Ln (idade) -0.402 -0.196 Ln (renda familiar) 0.03886 0.087 Ln (tempo conclusão do 2º. grau) 0.02319 0.05 Número de vezes que prestou 13.16 0.037 concurso vestibular Se o candidato é responsável pelo -0.0806 -0.052 próprio sustento * Se do sexo masculino* 0.005362 0.006 Se o candidato é solteiro * -0.0495 -0.035 Se o nível de instrução da mãe é -0.02965 0.029 superior completo* Se o nível de instrução do pai é 0.04159 0.016 superior completo * Se não tem experiência em -0.0513 -0.061 vestibular * Se trabalha pela manhã e tarde* -0.0208 -0.017 Se trabalha pela tarde e noite* 0.02462 0.018 Fonte: Cálculos do autor a partir da base de dados do vestibular. Estatística t Sig. 23.544 -4.360 -3.725 16.383 24.296 65.400 60.212 19.183 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 -9.733 0.000 -4.378 0.000 2.785 0.005 -9.756 5.809 -55.892 -2.042 -33.430 29.813 7.897 0.000 0.000 0.000 0.041 0.000 0.000 0.000 8.369 0.000 -15.747 0.000 2.198 -10.445 0.028 0.000 10.075 0.000 5.905 0.000 -13.987 0.000 -4.055 4.184 0.000 0.000 20 R2 =17,8%, n =114.965 e F = 961,58 (Sig = 0%) Tabela 2: Estimativa da equação (23) com LnA(ta, I, R, X,Z) como variável dependente Variável dependente: Ln A( . ) Coeficientes não-padronizados B 12.025 -4.01E-2 3.98E-2 2.004 1.401 2.149 1.953 1.577 Coeficientes Padronizados Beta Constante Se residente na capital * Se a casa em que mora é alugada* Classe de concorrência * Se o curso é da área 1* Se o curso é da área 2* Se o curso é da área 3* Se o curso é da área 4* Escolha baseada em interesse pessoal 0.123 (econômico ou social)* Escore mínimo para aprovação -4.940 Se proveniente de escola técnica* 5.04E-2 Se optou pela língua inglesa* 1.296 Ln tq -0.577 Ln(idade) 1.179 Ln (tempo conclusão do 2º. grau) -0.104 Se procura uma melhora na situação 7.21E-2 profissional atual * Se mora com família ou parentes* -6.25E-2 Número de vezes que prestou Concurso -4.98E-2 vestibular Se a escola de 2º. Grau era pública* -0.111 Se o candidato é responsável pelo 7.46E-2 próprio sustento* Se do sexo masculino* 0.136 Se candidato é solteiro * 9.30E-2 Se o nível de instrução da mãe é 6.60E-2 superior completo * Se não tem experiência em vestibular * -6.86E-2 Se trabalha pela manhã e tarde * 7.22E-2 Se trabalha pela noite * 0.101 Fonte: Cálculos do autor a partir da base de dados do vestibular. R2 = 61,8% , n = 90.928 e F = 5.875,52 (Sig = 0,0%) Estatística t Sig. -0.006 0.005 0.435 0.245 0.441 0.42 0.113 32.700 -2.804 2.425 162.294 40.538 62.403 57.468 36.584 0.000 0.005 0.015 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.015 7.119 0.000 -0.912 0.01 0.158 -0.028 0.095 -0.039 -344.930 4.091 74.409 -8.145 21.185 -7.835 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000 0.009 3.972 0.000 -0.007 -3.303 0.001 -0.025 -7.244 0.000 -0.023 -9.433 0.000 0.008 3.076 0.002 0.029 0.011 13.295 4.151 0.000 0.000 0.012 5.468 0.000 -0.015 0.01 0.005 -4.461 3.453 2.457 0.000 0.001 0.014 21 Tabela 3: Estimativas dos coeficientes considerando tq=min{107,5;...;115,79} Coeficientes Alguns dos Valores Possíveis estimados α 0.1000 0.3000 0.5000 0.7000 0.9000 0.9500 h 0.0129 0.0005 0.0315 0.0049 27.9778 38.7641 ε 0.0289 0.1115 0.2600 0.6070 0.9900 0.9900 φ 0.1172 0.1173 0.1172 0.1173 0.0210 0.0047 tq 107.5000 107.5000 107.5000 107.5000 107.5000 107.5000 ta 48.4718 48.4718 48.4718 48.4718 48.4718 48.4718 ta + tq 155.9718 155.9718 155.9718 155.9718 155.9718 155.9718 α.φ /ε .(1- α) 0.4508 0.4509 0.4506 0.4509 0.1906 0.0903 θ2 positiva positiva positiva positiva positiva positiva Fonte: Cálculos do autor a partir das estimativas da Tabela 2. Tabela 4: Estimativas dos coeficientes considerando tq=max{107,5;...,115,79} Coeficientes Alguns dos Valores Possíveis estimados α 0.1000 0.3000 0.5000 0.7000 0.9000 0.9500 h 0.0139 0.0005 0.0340 0.0053 30.1354 41.7534 ε 0.0289 0.1115 0.2600 0.6070 0.9900 0.9900 φ 0.1172 0.1173 0.1172 0.1173 0.0210 0.0047 tq 115.7900 115.7900 115.7900 115.7900 115.7900 115.7900 ta 52.2097 52.2097 52.2097 52.2097 52.2097 52.2097 ta + tq 167.9997 167.9997 167.9997 167.9997 167.9997 167.9997 α.φ /ε .(1- α) 0.4508 0.4509 0.4506 0.4509 0.1906 0.0903 θ2 positiva positiva positiva positiva positiva positiva Fonte: Cálculos do autor a partir das estimativas da Tabela 2.