Trabalhando menos e ganhando mais: o exemplo do casal DINC José Eustáquio Diniz Alves1 Luiz Felipe Walter Barros2 A família tradicional – formada por um casal heterossexual com filhos, sendo o homem o principal responsável pelo trabalho remunerado e a mulher a principal responsável pelos afazeres domésticos – está em declínio. Novos arranjos familiares estão surgindo e a diversificação familiar tem se expandido no país. Tem crescido o número de casais sem filhos, de famílias monoporentais, de famílias reconstituídas (inclusive as famílias mosaico), assim como de domicílios unipessoais. Um tipo de arranjo que dobrou de tamanho na última década é aquele formado por um casal sem filhos, em que os dois possuem renda, chamado de DINC: Duplo Ingresso, Nenhuma Criança (em inglês: Double Income, No Children). Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do IBGE, existia cerca de 1 milhão de casais DINC em 1996, passando para quase 2 milhões, em 2006. O casal DINC parece ser aquele mais se adapta à sociedade contemporânea pois, além de possuír maior nível de educação, renda e consumo, também trabalha menos dentro de casa e no mercado de trabalho, além de ser o arranjo com maior equidade de gênero na divisão sexual do trabalho. A tabela 1 mostra a proporção e o tempo em que homens e mulheres, de diferentes famílias com núcleo duplo (chefe e cônjuge) se dedicam aos Afazeres Domésticos (AD) e ao mercado de trabalho. Chama a atenção que o casal DINC se dedica menos tempo não só em relação aos trabalhos de casa, mas também ao mercado de trabalho. Tabela 01 Percentual de chefes e número de horas dedicadas por semana aos afazeres domésticos e ao trabalho produtivo segundo sexo e sexo do chefe do domicílio por tipo de arranjo familiar, Brasil, 2006. ARRANJO FAMILIAR Proporção daqueles que se dedicam aos AD segundo sexo Chefe Mulher Chefe Homem HOMEM MULHER DINC DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS DR COM 3 OU MAIS FILHOS DEMAIS CASAIS DINC DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS DR COM 3 OU MAIS FILHOS DEMAIS CASAIS 72,45 63,74 57,71 50,46 51,31 63,94 58,19 50,17 44,69 45,96 97,16 97,18 96,95 96,78 98,20 95,04 94,56 94,73 94,24 96,55 N° médio de horas dedicadas aos AD por sexo (somante quem dedica) HOMEM 9,36 10,01 9,92 10,34 9,98 8,61 10,34 10,33 11,29 11,84 MULHER 20,12 25,24 27,44 29,71 35,74 17,72 23,57 25,64 28,57 32,96 N° médio de horas dedicadas ao Trabalho Produtivo por sexo (somante ocupados) HOMEM 44,39 45,01 45,00 42,91 45,48 44,73 45,15 44,16 44,16 44,88 MULHER 38,16 36,44 34,90 30,84 28,68 39,87 37,55 37,57 35,20 37,37 Soma do n° médio de horas dedicadas aos AD e ao Trabalho Produtivo HOMEM MULHER 53,75 55,02 54,92 53,25 55,46 53,34 55,48 54,50 55,45 56,72 58,28 61,68 62,33 60,55 64,42 57,59 61,12 63,21 63,76 70,33 Fonte: microdados da PNAD 2006 DR: Dupla Renda AD: Afazeres Domésticos 1 2 Professor titular do mestrado da ENCE/IBGE. E-mail: [email protected] Discente do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da ENCE/IBGE. [email protected] 1 Quando o homem é o chefe do domicílio, ele se dedica 9,36 horas por semana aos afazeres domésticos, quando faz parte de um casal DINC, um pouquinho menos do que os homens de outros arranjos familiares de dupla renda com filhos ou outros casais que não são de dupla renda. Já a mulher DINC trabalha bem menos do que as outras cônjuges dos demais arranjos, sendo 20,12 horas semanais neste caso, contra 25,24 horas para as cônjuges dos casais de dupla renda com um filho e 35,74 horas para as cônjuges dos demais casais. Evidentemente, o fato de não ter filho reduz o tempo empregado nos afazeres domésticos de homens e mulheres, pertencentes ao casal DINC, embora sejam os homens DINCs que possuem a maior proporção de tempo dedicado aos afazeres domésticos (72,45%). Quanto ao tempo dos homens chefes dedicado às atividades do mercado de trabalho, não existem grandes diferenças entre os diversos tipos de arranjos. Já quanto ao tempo das mulheres (cônjuges) dedicado às atividades do mercado de trabalho observa-se que aquelas pertencentes aos casais DINCs trabalham mais tempo, 38,16 horas na média semanal, quase 10 horas a mais do que as cônjuges dos demais casais (28,68 horas). Quando somamos as horas dedicadas aos afazeres domésticos e do mercado de trabalho, duas coisas chamam a atenção: 1) as mulheres trabalham mais do que os homens em todos os tipos de arranjos; 2) as mulheres do casal DINC são as que trabalham menos tempo; 3) o casal DINC é o que tem a alocação mais equitativa de gênero na alocação do tempo total de trabalho. Quando a mulher é a chefe do domicílio algumas características chamam a atenção: 1) as mulheres, qualquer que seja o arranjo familiar, dedicam menos tempo aos afazeres domésticos do que as suas correspondentes cônjuges; 2) as mulheres, qualquer que seja o arranjo familiar, dedicam mais tempo ao mercado de trabalho, do que as suas correspondentes cônjuges; 3) as mulheres chefes do arranjo “demais casais” são as que acumulam mais trabalham e que possuem menor equidade de gênero na distribuição do tempo total; 4) as mulheres chefes dos casais DINC são as que acumulam menos trabalho e que possuem maior equidade de gênero na distribuição do tempo total dedicado aos afazeres domésticos e ao mercado de trabalho. A tabela 2 deixa claro que os casais DINCs, independentemente da condição de gênero do chefe, dedicam menos tempo aos afazeres domésticos e os homens assumem uma maior proporção deste trabalho3. Em seguida, o arranjo com o segundo menor tempo dedicado aos afazeres domésticos e com maior equidade de gênero na divisão do trabalho doméstico é o casal de dupla renda com apenas um filho e logo depois o casal de dupla renda com dois filhos. Entre os casais de dupla renda a pior situação ficou com aqueles que possuiam 3 ou mais filhos, indicando que a presença de crianças sobrecarrega especialmente o trabalho da mulher. Contudo, são os “demais casais”, com uma divisão sexual do trabalho tradicional, que mais tempo gastam com os afazeres domésticos e que possuem o menor comprometimento dos homens com esta atividade e, portanto, possuem menor equidade de gênero na distribuição do trabalho de casa. 3 Somou-se o número de horas dedicadas aos afazeres domésticos por homens e mulheres e dividiu-se pelo soma do número de homens e mulheres em cada tipo de família. 2 Tabela 02 Número total de horas dedicadas aos afazeres domésticos por semana e percentual deste trabalho executado pelos homens por sexo e sexo do chefe do domicílio por tipo de arranjo familiar, Brasil, 2006. Chefe Mulher Chefe Homem ARRANJO FAMILIAR DINC DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS N° total de horas dedicadas aos AD por semana (H+M) 13,17 15,45 Proporção do trab. dom. total realizado pelos homens 25,76 20,64 16,16 17,71 DR COM 3 OU MAIS FILHOS 16,98 15,35 DEMAIS CASAIS 20,11 12,74 DINC 11,17 14,15 14,74 15,98 18,63 24,63 21,25 17,59 15,78 14,61 DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS DR COM 3 OU MAIS FILHOS DEMAIS CASAIS Fonte: microdados da PNAD 2006 DR: Dupla Renda A tabela 3 mostra que embora o casal DINC se dedique menos tempo aos afazeres domésticos e ao mercado de trabalho é o arranjo que possui os maiores rendimentos domiciliares, portanto, trabalham menos e ganham mais. Isto é mais verdade ainda nos casais DINC com chefia feminina. Quando o homem é o chefe do casal DINC sua renda, em 2006, era de R$ 1.488,42 e a renda média da sua cônjuge era de R$ 946,94, com uma diferença de R$ 541,48, sendo que apenas 20,19% das esposas tinham renda maior do que a do marido. Já no caso da mulher chefe do casal DINC sua renda média atingia R$ 1.447,55, enquanto a renda do homem cônjuge era de R$ 1.467,77, diferença de apenas R$ 20,22 a favor do homem, sendo que, neste caso, 35,82% das esposas ganhavam mais do que os seus maridos. Portanto, a melhor situação socioeconômica de qualquer tipo de casal brasileiro é a do arranjo DINC com chefia feminina. Aliás, a chefia feminina faz elevar o rendimento familar para os casais até dois filhos e aumenta a equidade de gênero na distribuição da renda entre os sexos. Tabela 03 Renda média de todas as fontes de homens e mulheres e percentual de domicílios cuja renda da mulher é maior que a do homempor sexo do chefe e tipo de arranjo familiar, Brasil, 2006. Arranjo Familiar DINC DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS DR COM 3 OU MAIS FILHOS DEMAIS CASAIS DEMAIS ARRANJOS TOTAL CASAIS DR Sexo do Chefe Total Homem Mulher R homem R mulher Rh-Rm %Rm > Rh R homem R mulher Rh-Rm %Rm > Rh R homem R mulher Rh-Rm %Rm > Rh 1.488,42 1.288,48 1.440,90 931,21 1.325,80 1.142,51 . 946,94 752,79 774,50 479,16 542,74 . . 541,48 535,69 666,40 452,05 . . . 20,19 16,82 16,77 15,91 . . 16,71 1.467,77 1.447,55 1.226,11 1.129,74 1.301,57 1.022,58 788,33 630,20 1.108,45 871,31 . 896,63 . . 20,22 96,37 278,99 158,13 . . . 35,82 33,94 35,88 33,18 . . 34,35 1.486,23 1.000,13 1.282,85 786,81 1.428,87 795,94 918,16 492,96 1.316,26 602,73 1.142,51 896,63 . . 486,10 496,04 632,93 425,20 . . . 21,85 18,37 18,42 17,49 . . 18,32 Fonte: microdados da PNAD 2006 R homem: Méria da renda de todas as fontes do homem R mulher: Méria da renda de todas as fontes do mulher % Rm > Rh: Percentual de domicílios em que a renda da mulher é maior que a do homem Os arranjos com rendimento mais próximo ao do casal DINC são aqueles em que chefe e cônjuge possuem rendimento com um ou dois filhos, sendo que o casal de dupla renda 3 (DR) com dois filhos alfere um rendimento um pouco maior do que aqueles com um filho somente, embora a desigualdade de rendimento entre chefe e cônjuge seja menor no arranjo com apenas um filho. De qualquer forma, o segundo filho não aparece como uma carga adicional que reduz o rendimento da família, o que sugere que os casais com um ou dois filhos possuem rendimentos totais aproximadamente semelhantes. Já os casais de dupla renda (DR) com 3 ou mais filhos alferem um rendimento bastante inferior aos dos outros casais DR. Portanto, nos arranjos com a presença de mais de 2 filhos, o rendimento cai tanto para maridos quanto para esposas. Nos demais casais (que não são simultaneamente de dupla renda) o rendimento se equivale aos DR com um ou dois filhos, mas é menor do que os casais DINC. Nos demais arranjos existe um peso muito grande da família monoparental ou das pessoas sozinhas o que tende a reduzir o rendimento total do domicílio. A tabela 4 mostra que o rendimento domiciliar médio per capita do casal DINC é mais do dobro da média do rendimento per capita nacional, sendo que o para os casais de dupla renda (DR) o rendimento per capita é ainda maior quando a chefia é feminina. Nos demais casais, em geral, a renda per capita é a menor, pois não existe a dupla renda no núcleo da família. Nos demais arranjos existe um peso muito grande da família monoparental e das pessoas vivendo sozinhas (domicílio unipessoal). Entre os arranjos monoparentais femininos com filhos a renda domiciliar tende a ser menor pela dificuldade que a mulher tem para conciliar sozinha o trabalho no mercado e os afazeres domésticos. Entre os domicílios unipessoais as mulheres predominam nas idades mais avançadas, quando contam com renda de aposentadoria, que no geral é menor do que a renda dos homens de meia idade que trabalham e que caracterizam os domicílios unipessoais masculinos. Tabela 04 Rendimento domiciliar médio per capita segundo sexo do chefe do domicílio e tipo de arranjo familiar, Brasil, 2006. DINC DR COM 1 FILHO DR COM 2 FILHOS DR COM 3 OU MAIS FILHOS DEMAIS CASAIS DEMAIS ARRANJOS MÉDIA NACIONAL Chefe Homem 1.202,68 712,80 679,00 438,77 423,77 940,34 600,39 Chefe Mulher 1.435,68 847,38 714,76 440,61 345,34 606,87 605,13 Fonte: microdados da PNAD 2006 DR: Dupla Renda Em uma breve conclusão, podemos dizer que são os casais de dupla renda sem filhos que estão em melhor situação socioeconômica na sociedade brasileira, pois possuem maior nível de educação, maior nível de consumo e maior nível de rendimento, mesmo trabalhando menos horas por semana. Ao contrário, os casais com 3 ou mais filhos são, juntamente com os demais casais, os que mais tempo dedicam ao trabalho, mas obtém retornos de rendimento menores. O peso da fecundidade elevada é evidente no aumento dos afazeres domésticos e no menor retorno dos rendimentos do trabalho. Como as responsabilidades pela criação dos filhos recaem sobre a família, sem uma adequada ajuda das políticas públicas, muitos casais decidem por não ter filhos, jogando as taxas de fecundidade para níveis abaixo da reposição populacional. Assim como as autoras England e Folbre (1999)4 devemos nos perguntar: who should pay for the kids? 4 ENGLAND, P, FOLBRE, N. Who should Pay for the Kids? The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science,1999; 563: 194-207 4