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EDUCAÇÃO E TRABALHO EM ESCRITOS DE ROBERT OWEN (1771 – 1858):
UMA ANÁLISE DE THE LIFE OF ROBERT OWEN (1967).
Cláudio Rodrigues da Silva
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília – SP
[email protected]
Palavras-chave: Educação e trabalho; Socialistas utópicos; Robert Owen.
Introdução
Nesta comunicação apresentam-se resultados parciais de estudos documentais e
bibliográficos que investigam princípios educativos presentes em experiências educacionais e
em textos de autores vinculados aos denominados socialismos utópicos, em especial textos
sobre e textos escritos por três das principais referências dessas correntes políticas, quais
sejam, François-Marie-Charles Fourier (1772 – 1837), Claude-Henri de Rouvroy ou SaintSimon (1760 – 1825) e, principalmente, Robert Owen (1771 – 1858), autores esses escolhidos
dadas suas importância e representatividade em relação ao “socialismo utópico” – em
contraponto ao que denominara “socialismo científico”, conforme apontamentos de Friedrich
Engels ([19-?]).
I
Os socialistas utópicos tiveram significativa expressividade e ampla repercussão –
em termos teórico-práticos – nos respectivos momentos históricos. Seus escritos e
experiências educacionais são um importante legado para a história da educação, inclusive a
educação escolar. Esses movimentos tinham propostas formalizadas e, em alguns casos,
implementaram projetos de educação.
Entre os socialistas utópicos, destaca-se principalmente Robert Owen, haja vista a
implementação e a execução de um projeto educacional – nas comunidades de Lancashire e
de Lanarkshire – que, dentro das condições objetivas históricas, apresentavam algum nível de
conformidade com a nova visão de sociedade defendida por Owen.
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II
Nascido em 1771, tendo falecido em 1858, Robert Owen, segundo Mesquita
Júnior (2003, p. 22), foi um
Reformador social inglês que, por meio de redução do horário de trabalho e
de educação dos empregados de suas empresas logrou enorme êxito
econômico e social. Em 1813 publicou Uma nova visão da sociedade,
lançando-se à tentativa de formação de comunidades de vida e trabalho que
não encontram eco em seu país, devido à suspeição que seu indiferentismo
religioso levantava nas classes dirigentes. Várias comunidades foram
fundadas entre 1815 e 1839 nos Estados Unidos, Escócia e Irlanda, segundo
o modelo socializante por ele proposto, porém sem continuidade. Dedicou-se
então à fundação das primeiras Trade Unions os sindicatos ingleses com a
repressão de patrões e governantes. É reconhecido como um utópico que,
duas gerações antes do socialismo lançou os fundamentos do que mais tarde
vieram a ser cooperativas e sindicatos.
Ainda conforme esse autor (2003, p. 22), Owen,
[...] industrial, filantropo e reformador, acreditava que o sistema produtivo e
a prosperidade geral poderiam ser impulsionados por meio da regulação de
fábricas e oficinas, sob a forma de cooperativas. Introduziu em suas fábricas
reformas sociais, tendo abandonado a atividade de empresário, para se
dedicar à divulgação de suas idéias de reformador social, na obra que
escreveu em 1813, Uma nova visão da sociedade e no jornal que fundou,
com o sugestivo título de The Crisis (A crise).
O contexto de atuação de Owen é marcado pelo aprofundamento das repercussões
negativas, da Revolução Industrial e do modo de produção capitalista, na vida de
significativos percentuais das classes trabalhadoras (BRAVERMAN, 1974; DAL RI; 2012a;
ENGELS, 2008; ENGUITA, 1989; HOBSBAWN, 1977; 2007; THOMPSON, 1987a; 1987b;
1987c).
Segundo Engels (2008), eram reduzidas as alternativas de educação para as
classes trabalhadoras, pois, as possibilidades de aprendizagem, com as devidas
especificidades, eram muito similares, seja nas escolas dominicais, seja nas tradicionais [1]:
A Children’s Employment Commission afirma expressamente que nem as
escolas tradicionais nem as dominicais atendem às necessidades nacionais e
seu relatório aduz, para sustentar a afirmação, inúmeras provas. Esse
relatório arrola exemplos da ignorância encontrada na classe operária
inglesa, exemplos que não seriam esperáveis nem mesmo em países como a
Espanha ou a Itália. (ENGELS, 2008, p. 150)
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Os conteúdos e a questão da qualidade da educação e do ensino, assim como do
caráter relativo da qualidade, também são destacados por Engels (2008, p. 151)
E, entretanto, os industriais gabam-se de ter ensinado a ler a grande maioria
dos trabalhadores – o problema está no conteúdo que se atribui a ‘ler’. O
relatório da Children’s Employment Commission esclarece: aquele que
conhece o alfabeto afirma saber ler. O industrial contenta-se com isso. E se
pensamos na complexidade da ortografia inglesa, que transforma a leitura
numa verdadeira arte, cuja prática demanda um longo estudo, então
consideramos compreensível a ignorância reinante entre os operários:
poucos sabem escrever – aliás, muitas ‘pessoas instruídas’ não escrevem
corretamente.
Esse autor ressalta, ainda, a inexistência de instrução obrigatória franqueada às
massas.
Não existe, em parte alguma, a instrução obrigatória; esta foi
introduzida apenas formalmente nas fábricas, como veremos, e
quando o governo, na sessão legislativa de 1843, pretendeu fazer
dessa formalidade uma realidade, a burguesia industrial manifestou-se
vigorosamente contrária – quanto aos trabalhadores, eles apoiaram a
iniciativa de maneira categórica. (ENGELS, 2008, p. 150)
De maneira muito sucinta, pretendeu-se, neste tópico, destacar que o contexto de
atuação de Robert Owen é marcado por diversos impactos negativos e, por conseguinte, pela
precarização das condições de trabalho, da insuficiência ou inexistência de educação escolar
franqueada às classes trabalhadoras.
III
Robert Owen colocou em prática, nas comunidades de Lancashire e de
Lanarkshire, os princípios educativos conforme a sua nova visão de sociedade, assunto que
abordou de forma mais específica no livro A new view of society.
Owen atribuiu alta importância à ciência e ao conhecimento para a emancipação
de toda a humanidade dos princípios e práticas inerentes à velha sociedade (OWEN, 1967a;
1967b).
Under the present system this can never the attained; while under the true
and rational system which I am now proposing to you, everlasting good and
most beneficial employment and occupation, physical and mental, may be
easily provided for all who will desire them, and soon all will discover the
many great advantages to themselves and to all others which they will
experience by being so occupied. And in consequence of none of the
working classes being forced to be idle, real wealth will be soon everywhere
abundant. (OWEN, 1967b, p. xv)
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Assim, defendeu uma formação completa das populações, com vistas à
preparação para a nova sociedade. Essa formação abrangia todas as dimensões humanas –
física, mental, intelectual, moral, espiritual, enfim, do caráter.
Nessa perspectiva, princípios e prática eram considerados imbricados e deveriam
ser considerados as experiências e os fatos históricos para o progresso de toda a humanidade,
de todo o mundo (OWEN, 1967a; 1967b).
Owen defendia que a nova educação para a nova sociedade deveria ocorrer desde
o momento presente, em especial no que se refere às novas gerações (bebês e crianças), haja
vista a dificuldade de mudança de mentalidade após certo tempo de exposição a determinadas
vivências.
Such a system of training cannot be expected to produce any other than a
population weak in bodily and mental faculties, and with habits generally
destructive of their own comforts, of the well-being of those around them,
and strongly calculated to subdue all the social affections. (OWEN, 1967b,
p. 40)
Realizou experimentos em suas comunidades e divulgou os benefícios deles
decorrentes, assim como utilizou sua influência econômica e política para denunciar a
situação degradante de vida da classe trabalhadora fora daquelas comunidades, para
sensibilização e convencimento, em especial de governantes, parlamentares, eclesiásticos,
industriais e suas associações, quanto à possibilidade e à necessidade outra sociedade: “The
beneficial effects of this practice have been experienced for many years among a population
of between two and three thousand at New Lanark, in Scotland; at Munich, in Bavaria; and in
the Pauper Colonies, at Fredericks-oord.” (OWEN, 1967a, p. 271).
Para Owen havia a necessidade de uma nova humanidade, que deveria nascer de
novo, com nova mente, novo coração, novos sentimentos, novos hábitos. No entanto, entendia
que o sistema vigente à época, dados os princípios e as práticas que lhe eram inerentes, era
incapaz, de formar, treinar, educar a humanidade para a nova sociedade. Por isso, a adequou
os próprios ambientes daquelas comunidades, de forma a preparar seus habitantes para a nova
sociedade (OWEN, 1967a, 1967b).
Owen adequou a educação conforme as faixas etárias dos habitantes das suas
comunidades. Instituiu ambiente específico para a educação infantil destinado a crianças a
partir dos três anos, tanto para fins de suporte às famílias, quanto para tentar resguardar as
crianças dos maus hábitos ou seus resquícios decorrentes da velha educação das mães e pais e
também para serem gradualmente preparadas para o aprendizado posterior.
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By this means many of you, mothers of families, will be enabled to earn a
better maintenance or support for your children; you will have less care and
anxiety about them; while the children will be prevented from acquiring any
bad habits, and gradually prepared to learn the best. (OWEN, 1967a, p. 341)
À medida que avançavam em idade, porte físico e intelecto, as crianças eram
encaminhadas a ambientes onde eram ensinados os rudimentos de conteúdos escolares
comum, até alcançarem os estágios mais avançados de escolarização.
These stages may be called the first and second preparatory schools: and
when your children shall have passed through them, they will be admitted
into this place, (intented also to be used as a chapel,) which, with the
adjoining apartment, is to the general school-room for reading, writing,
arithmetic, swwing, and knitting; all which, on the plan to be pursued, will
be accomplished to a considerable extent by the time the children are ten
years old; before which age, none of them will be permited to enter the
works. (OWEN, 1967a, p. 342)
Contrário à educação – no seu entendimento – unicamente livresca, aborrecedora
e fútil, Owen defendia o ensino, por intermédio de novos métodos, de conhecimentos úteis
tanto ao indivíduo quanto à comunidade.
The children were taught reading, writing, and arithmetic, during five years,
that is, from five to, ten, in the village school, without expense to their
parents. All the modern improvements in education have been adopted, or
are in process of adoption. […] They may therefore be taught and welltrained before they engage in any regular employment. Another important
considerations is, that all their instruction is rendered a pleasure and delight
to them; they are much more anxious for the hour of school-time to arrive
than to end; they therefore make a rapid progress; and it may be safely
asserted, that if they shall not be trained to form such characters as may be
most desired, the fault will not proceed from the children; the cause will be
in the want of a true knowledge of human nature in those who have the
management of them and their parents. (OWEN, 1967a, p. 281-282)
A articulação entre educação e trabalho era considerada por Owen como
fundamental para a formação do caráter da nova humanidade conforme sua nova visão de
sociedade, pois crianças e jovens inseridas em ambientes adequados, tanto em termos de
demanda de força física e habilidade intelectual, quanto em termos de questões morais,
desenvolviam bons hábitos e melhores níveis de regularidade, de atenção, de limpeza e de
subordinação no trabalho, além de se interessarem mais pelo aprendizado dos conhecimentos
escolares.
[…] that the wages they receive become more regular, their work and their
attention to it more constant, in proportion to the importance of the
machinery employed, and, consequently, they acquire more regular habits of
life, - that they enjoy more ample means of learning to read and write than
the labouring population of England in general, and that in religious
information and moral conduct they are not inferior. (OWEN, 1967b, p. 29)
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Até os 12 anos, a educação, que deveria ser baseada na experiência e na
demonstração, incluía contatos com jardinagem, pomares, campos, bosques, animais
domésticos, entre outros, para fins de familiarização com a produção (OWEN, 1967a; 1967b).
“It is proposed that the elder children should be trained to assist in gardening and
manufacturing for a portion of the day, according to their strength […]” (OWEN, 1967b, p.
60).
Após os 12 anos, havia a possibilidade e era incentivado o envolvimento com o
trabalho produtivo – fundição, forja, tornearia em madeira e ferro, construção e reparos de
maquinarias e de prédios – conforme as demandas das fábricas das respectivas comunidades,
sempre respeitando as condições físicas e intelectuais de cada um (OWEN, 1967a). “– the
children gradually instructed in gardening, agriculture, and some trade or manufacture, and
only employed according to age and strength.” (OWEN, 1967b, p. 91).
Até mesmo pela importância crucial atribuída à educação, eram nomeados os
melhores professores com opiniões convergentes com a nova visão de sociedade, inclusive
porque, para que as crianças e jovens fossem todos bem educados e formados, havia a
necessidade de professores condizentes com esses propósitos: “– the children will be trained
by intelligent persons, possessing only good habits.” (OWEN, 1967b, p. 91).
Neste tópico foram destacados apenas alguns dos aspectos considerados mais
importantes nos princípios educativos e nas experiências educacionais levadas a cabo por
Robert Owen, em especial a questão da articulação entre educação e trabalho produtivo.
Considerações
Como outros autores, Owen – em especial no que se refere a seus escritos e
experiências relacionadas à educação e ao trabalho – não é uma temática que possa ser
considerada ponto pacífico ou consensual, mas, ao invés, trata-se de um autor polêmico, que
divide opiniões.
Já naquele momento histórico, o projeto de sociedade, por conseguinte, o projeto
educativo de Owen, seja em termos mais teóricos, seja em termos mais práticos, fora, ora
admirado e apoiado incondicional e enfaticamente por alguns, ora apoiado com ressalvas por
outros, ou mesmo refutado, por ser considerado um risco ou uma ameaça à ordem social
(ALMEIDA, 2010; MESQUITA JÚNIOR, 2003). Análises e interpretações mais recentes,
como, por exemplo, as de Almeida (2010), de Mészáros (2002; 2005), de Piozzi (1999), entre
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outros autores, também ajudam a demonstrar as polêmicas em torno do autor em referência,
bem como suas contradições.
Entre os que, não obstantes as ressalvas ou divergências em relação ao
posicionamento político-ideológico de Owen, identificaram aspectos positivos no projeto
educacional owenita, está Karl Marx, que se valeu dos princípios e experiências do utópico
para fins de esboçar o que seria um projeto marxista de educação, a denominada educação
omnilateral.
O ponto alto da educação owenita para Marx é a articulação entre educação e
trabalho produtivo (DAL RI, 2004; DAL RI; VIEITEZ, 2008; LOMBARDI, 2011;
MANACORDA, 1999).
Tanto princípios educativos owenistas, quanto princípios educativos marxistas
parecem presentes no projeto educativo de movimentos sociais de trabalhadores, como, por
exemplo, o MST. Dal Ri (2012b) aventa a hipótese de alguns princípios educativos, presentes,
à época da Revolução Industrial, em alguns movimentos de trabalhadores, reaparecerem em
movimentos sociais na atualidade, como, por exemplo, no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (Brasil) e no Movimento Zapatista (México).
Nessa perspectiva, haveria um conjunto de princípios educativos comuns e
transcendentes entre alguns desses movimentos, de diferentes momentos históricos e
perspectivas político-ideológicas. Entre esses princípios estaria a articulação entre educação e
trabalho produtivo.
Parece oportuno e importante revisitar os escritos de alguns autores clássicos que,
de alguma forma, contribuíram para a educação, em especial a educação escolar. Da mesma
forma, parece oportuna e importante a revisita a interpretações e reinterpretações daqueles
autores, de forma a se repensar desafios ou problemas, bem como soluções ou alternativas
apresentadas ou entendidas como atuais. Isso porque, não raramente, algumas das principais
questões postas pela educação escolar na atualidade, com as devidas ressalvas, já estavam
presentes em outros momentos históricos.
O aporte da história, tanto da história geral, quanto da história da educação, pode
permitir visão e, possivelmente, análises, mais aprofundadas de certas questões, pois “Somos
anões carregados nos ombros de gigantes. Assim vemos mais, e vemos mais longe do que
eles, não porque nossa visão seja mais aguçada ou nossa estatura mais elevada, mas porque
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eles nos carregam no alto e nos levantam acima de sua altura gigantesca...” (CHARTRES
apud LE GOFF, 2010, p. 36).
Notas
[1] Expressão empregada por Engels (2008) visando fazer contraponto às escolas vinculadas a
iniciativas religiosas.
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REFERÊNCIAS
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