ANAIS ADOÇÃO DE PRÁTICAS DE PRODUÇÃO ENXUTA E GERAÇÃO DE BENEFÍCIOS AMBIENTAIS: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS A LUZ DE UM CASO BRASILEIRO MAÍRA CLARA SOBRAL ( [email protected] ) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP) - FACULDADE DE ENGENHARIA DE BAURU ANA BEATRIZ LOPES DE SOUSA JABBOUR ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP) - FACULDADE DE ENGENHARIA DE BAURU CHARBEL JOSÉ CHIAPPETTA JABBOUR ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP) - FACULDADE DE ENGENHARIA DE BAURU Resumo Este artigo tem com objetivo apresentar evidências empíricas de como a adoção de práticas de produção enxuta pode gerar benefícios ambientais a aspectos operacionais, em uma grande empresa multinacional montadora de veículos. Foi realizado um estudo de caso em profundidade, fazendo uso de observações diretas, dados secundários e análise de fatos reais coletados por meio de entrevistas com a técnica de meio ambiente, a engenheira de melhoria contínua e gerente de operações da fábrica. Pode-se constatar que aspectos da produção enxuta como treinamento dos funcionários, redução de estoque e o uso do mapa de fluxo de valor acarretaram em benefícios a gestão ambiental, como a redução do consumo de insumos. Palavras-chave: Produção enxuta; Gestão ambiental; Estudo de caso; Setor automotivo. 1. Introdução Cada vez mais as organizações têm se preocupado não apenas com o desempenho operacional e financeiro, mas também, com os aspectos ambientais de sua produção. A eficiência ambiental é galgada a partir do uso mais eficiente de materiais e recursos naturais, que depende das decisões operacionais e dos processos que visem à prevenção da poluição (ROTHENBERG et al., 2001). A função produção, pela sua natureza de transformação, é a grande potencial vilã e/ou heroína para a busca de melhorias em termos produção ambientalmente adequada (FRYXELL e VRYZA, 1999). Segundo Simpson e Power (2005) melhorias no sistema de produção pode gerar benefícios diretos e indiretos para as empresas com práticas de gestão ambiental, especialmente, no tange a redução do desperdício. O sistema de produção enxuta (lean), originário do Sistema Toyota de Produção, tem como proposta ser um sistema sócio-técnico integrado, cujo principal objetivo é eliminar desperdício pela constante redução ou minimização de consumidores, fornecedores e variabilidade interna (SHAH e WARD, 2007). Desperdício é qualquer atividade em um 1/10 ANAIS processo que não agrega valor ao cliente. Há sete tipos de desperdícios: superprodução, espera, transporte, estoque, processo inadequado, movimentação e defeito (MELTON, 2005). Moreira et al. (2010) identificaram que lean, inadvertidamente, teve significativos ganhos ambientais. Tais resultados são considerados de especial relevância na economia global e altamente competitiva, que é progressivamente conduzida por uma agenda ambiental. Várias pesquisas tiveram como foco verificar a relação entre enxuto e ambientalmente adequado (MAXWELL et al., 1998; POJASEK, 1998; ROTHENBERG et al., 2001; KING e LENOX, 2001; SIMPSON e POWER, 2005; VAIS et al., 2006; MILLER et al., 2010), no entanto, ainda é possível buscar mais evidências empíricas de como esta relação se concretiza ao nível mais operacional de uma fábrica e como os gestores das áreas de produção e meio ambiente entendem esta sinergia no dia-a-dia organizacional. Portanto, esta pesquisa tem como objetivos: identificar fatos de como a adoção de práticas de produção enxuta pode trazer benefícios para aspectos ambientais e como os gestores de produção e de meio ambiente entendem a relação que há entre lean e ambientalmente adequado no dia-a-dia das operações fabril. Este trabalho realizou uma pesquisa em profundidade com uma empresa multinacional do setor automotivo usando os recursos de observação de direta, dados secundários (site da empresa) e entrevistas com a técnica de meio ambiente, engenheira de melhoria contínua e com o gerente que supervisiona estas duas áreas, para poder coletar os dados para este estudo. As próximas seções deste artigo se destinam a apresentar aspectos conceituais do tema lean e ambientalmente adequado, a descrever os procedimentos de coleta e análise dos dados, a apresentar e discutir os resultados da pesquisa e, por fim, apontar as contribuições e limitações deste estudo. 2. Aspectos Conceituais Esta seção tem como objetivo apresentar alguns estudos anteriores sobre a relação entre produção enxuta gestão ambiental empresarial. 2.1 Influências da Produção Enxuta na Gestão Ambiental Empresarial A eficiência ambiental é galgada a partir do uso mais eficiente de materiais e recursos naturais, que depende das decisões operacionais e dos processos que visem à prevenção da poluição (ROTHENBERG et al., 2001). Segundo Simpson e Power (2005) as melhorias nos sistemas de produção podem levar a melhorias diretas ou indiretas na gestão ambiental organizacional, principalmente, em forma de redução de resíduos. Portanto, a função produção é considerada central para a gestão ambiental empresarial (FLORIDA, 1996) e é a partir dela que as mudanças iniciam-se como se fosse o “olho do furacão” dentro da organização a fim de ajustar processos e produtos para se tornarem ambientalmente corretos (JABBOUR, 2010). Assim, é importante integrar conceitos de preservação ambiental ao modelo de produção vigente na organização. Segundo King e Lenox (2001), a lógica de organização e limpeza de práticas de produção enxuta traz o benefício de reduzir desperdícios e riscos de acidentes. Para Maxwell et al. (1998) as instalações que incorporaram a produção enxuta foram dedicadas a uma filosofia de redução de desperdícios que poderiam facilmente ser estendidas para alcançar os objetivos de proteção ambiental. Vais et al. (2006) sugerem que para se tornar enxuto e 2/10 ANAIS ambientalmente amigável a organização deve se concentrar no consumo de energia e nos resíduos de materiais, que são inputs e outputs de um sistema de transformação. Neste contexto, associa-se que a adoção de práticas de produção enxuta melhora o desempenho ambiental organizacional. Para Yang et al. (2011) é importante que as empresas de manufatura implementem tanto as práticas de produção enxuta, como as de gestão ambiental, como forma de obter ecovantagens através de melhorias de desempenho ambiental. Como conseqüência, as empresas atenderão melhor os seus objetivos. Algumas pesquisas relataram de que forma a produção enxuta pode influenciar positivamente ações voltadas à gestão ambiental empresarial. Maxwell et al. (1998), Rothenberg et al. (2001) e Simpon e Power (2005) enfatizam a importância do envolvimento dos funcionários, seja para intervir no processo para evitar falhas (que causam retrabalhos e uso desnecessário de recursos), ou para se comprometer e propor melhorias relativas ao melhor uso e conservação de insumos. Nesse mesmo sentido, os círculos de qualidade também são uma forma de promover este envolvimento uma vez que proporcionam aos funcionários treinamentos e workshops visando à motivação para participar de projetos de eficiência ambiental (ex: reciclagem) e de mudança de comportamento favorecendo o consumo responsável (VAIS et al., 2006; MILLER et al., 2010). Vais et al. (2006) também citam o 5S e a manutenção produtiva total como práticas da produção enxuta que auxiliam a gestão ambiental. O 5S proporciona a organização e a limpeza de forma a evitar a destinação incorreta de resíduos e uso equivocado de insumos. A manutenção produtiva total objetiva a periódica revisão dos equipamentos a partir de ajustes simples (limpeza, lubrificação, calibração, etc.) de forma a aumentar a vida útil do equipamento (maior uso do equipamento) e sua eficiência (menor consumo de energia, etc.) (DONAIRE, 1999). Segundo Pojasek (2008) as práticas da produção enxuta reforçam o alcance de alguns requisitos da Norma ISO 14001. Como, por exemplo, procurar a causa raiz de algum problema e assim, aplicar ações corretivas; criar condições de prevenção de falhas (jidoka/poka yoke) e assim, elaborar procedimentos de ações de emergência; e proporcionar a melhoria contínua, a partir da análise crítica por parte da alta administração. González-Benito e González-Benito (2008) afirmam que práticas como envolvimento do funcionário, melhoria contínua e colaboração dos fornecedores são importantes e influenciam o interesse inicial pela certificação ISO 14001, enquanto que práticas como o JIT facilitam a realização da certificação. King e Lenox (2001) e Rothenberg et al. (2001) verificaram que altos níveis de prevenção a poluição ocorrem em plantas que utilizam práticas de produção enxuta, dentre outras razões, por causa da redução de estoque. Outro fator de destaque para Simpson e Power (2005) e Corbett e Klassen (2006) é a importância da colaboração dos fornecedores no processo de melhoria ambiental, uma vez que são responsáveis pelo fornecimento de insumos que afetam diretamente a eficiência ambiental do produto final. Miller et al. (2010) complementam informando que a perspectiva da produção enxuta ajuda a reduzir a base de fornecedores e conseqüentemente, reduz a necessidade de transporte e de consolidação de carga entre fornecedores e montadora. O Quadro 1 traz uma síntese das interfaces entre práticas de produção enxuta e o apoio à gestão ambiental empresarial. 3/10 ANAIS Quadro 1: Interfaces entre práticas de produção enxuta e apoio à gestão ambiental empresarial. Práticas de Produção Enxuta Apóio à Gestão Ambiental Autor (es) Envolvimento dos funcionários O envolvimento dos funcionários de Maxwell et al. (1998); Rothenberg todos os níveis da organização é uma et al. (2001); Simpson e Power motivação para a melhoria da eficiência (2005) ambiental. Círculo kaizen/Círculo de Proporciona a formação de workshops e Maxwell et al. (1998); Rothenberg qualidade treinamentos no intuito de mudar a et al. (2001); Vais et al. (2006); atitude das pessoas para estimular o Miller et al. (2010) comportamento voltado a limpeza do ambiente de produção, a redução do consumo de insumos, o reuso de recursos e a reciclagem de materiais. 5S Manutenção da limpeza e da Vais et al. (2006) organização do ambiente de trabalho de forma a reduzir o consumo de insumos e descartar adequadamente rejeitos de produção. Manutenção produtiva total Manutenção preventiva e proativa nos Donaire (1999); Vais et al. (2006) equipamentos de forma a aumentar a vida útil e evitar falhas de processos que gerem refugos e retrabalhos. Melhoria contínua Reforça e suporta a busca de criar e Pojasek (2008); González-Benito e manter um sistema de gestão ambiental. González-Benito (2008) Redução de estoque Facilita a identificação de falhas no Rothenberg et al. (2001); King e processo e com isso evita gerar Lenox (2001) consumo excessivo e geração de desperdícios. Colaboração do fornecedor A responsabilidade ambiental é Simpson e Power (2005); Corbett e estendida aos fornecedores. Redução da Klassen (2006); González-Benito e necessidade de transporte e González-Benito (2008); Miller et consolidação de cargas. al. (2010) A partir deste quadro (Quadro 1) foi possível elaborar o questionário da pesquisa e também analisar os dados obtidos. A próxima seção apresenta com mais detalhes como a pesquisa foi realizada. 3. Método de Pesquisa Esta seção tem como objetivo apresentar o objeto de estudo da pesquisa a fim de justificar o porquê da relevância de pesquisar a questão de pesquisa neste contexto e também informar e detalhar a forma como os dados foram obtidos e coletados para posterior análise. 3.1 Objeto de Estudo A empresa escolhida é uma unidade situada no interior do Estado de São Paulo de um grupo internacional, responsável pela fabricação e montagem de máquinas automotivas (caminhões, ônibus, equipamentos de construção, motores e sistemas de propulsão para 4/10 ANAIS barcos e aplicações industriais, além de componentes para motores de aeronaves). A empresa possui cerca de 700 funcionários, e as certificações ISO 9001, ISO 14001 e OSHAS 18001. Uma das razões para a escolha desta empresa para realizar um estudo de caso único em profundidade é o fato de mais uma vez, o Grupo desta empresa ter sido qualificada para inclusão no Dow Jones Sustainability World Index (DJSI), uma lista das principais empresas mundiais em termos de esforços na promoção da sustentabilidade. Os Valores Corporativos da empresa são os pilares sobre os quais a organização se sustenta. Qualidade, Segurança e Respeito ao Meio Ambiente são os valores fundamentais que permeiam os produtos, os serviços, os processos e as relações da empresa com seus funcionários. O respeito ao meio ambiente é um valor corporativo que se reflete nas práticas cotidianas da empresa. São constantes os investimentos em pesquisas para reduzir os impactos ambientais e diminuir o consumo de energia e de matérias-primas na fabricação dos veículos e equipamentos. A gestão ambiental busca, ainda, a reciclagem dos insumos e a realização de programas de educação ambiental para diversos públicos (interno e externo). As práticas de manufatura enxuta são aplicadas pela empresa desde 2007. Uma das inovações com a introdução dessa filosofia foi a criação de um portal na intranet. Neste portal encontram-se todas as ferramentas empregadas pela empresa, como: Trabalho Padronizado, 5S, Kaizen, Poka Yoke, Diagrama de Causa e Efeito, Mapeamento de Fluxo de Valor, PDCA, Kanban e TPM. 3.2 Procedimentos de Coleta e Análise dos Dados Os dados foram obtidos de forma direta e indireta. Direta, a partir de entrevistas presenciais e individuais com duração de 45 minutos com a Técnica de Meio Ambiente, a Engenheira de Melhoria Contínua e com o Gerente responsável por essas duas áreas, a fim de identificar fatos de como a adoção de práticas de produção enxuta podem trazer benefícios para aspectos ambientais e de captar como os gestores de produção e de meio ambiente entendem a relação que há entre lean e ambientalmente adequado no dia-a-dia das operações fabril. E, também, a partir de observações diretas no chão de fábrica, possibilitando confrontar o discurso dos entrevistados com os indicadores da linha de produção. De forma indireta, a partir de informações selecionadas no site da empresa para poder caracterizá-la. A pesquisa ocorreu no segundo semestre de 2011 e utilizou o Quadro 1 como base para elaborar o questionário da pesquisa. Os dados obtidos foram organizados (Quadro 2) de forma a identificar convergências e divergências nos indicativos da pesquisa com relação a revisão de literatura do artigo e assim, possibilitar a análise das informações para apresentar as contribuições deste estudo. 4. Resultados e Discussões Nesta seção, os resultados da pesquisa são apresentados, tendo em vista as múltiplas fontes de obtenção dos dados, e discutidos a luz da revisão de literatura realizada. 4.1 Fatos sobre a Relação entre Produção Enxuta e Gestão Ambiental Os valores corporativos da empresa estudada, que inclui respeito ao meio ambiente, alicerçam os pilares da produção enxuta da mesma. Portanto, segundo os entrevistados, esses 5/10 ANAIS são um elemento que influencia a relação entre adoção de práticas de produção enxuta e o apoio a gestão ambiental organizacional. Uma importante constatação dos entrevistados foi que a adoção das práticas da produção enxuta é pertinente a gestão ambiental no aspecto de uso eficiente de recursos como água, energia e insumos de produção (matéria-prima) e de redução na geração de resíduos. É tanto que, as práticas de kaizen e de melhoria contínua, são amplamente remetidas ao cuidado ambiental da empresa. No portal da intranet da empresa há um banco de dados que registra todas as ações de melhoria continua com aplicação ambiental. Outra constatação foi que os treinamentos dos funcionários do chão de fábrica sobre práticas de produção enxuta repercutem de maneira positiva nos aspectos de cuidado ambiental, atitude proativa, e envolvimento dos trabalhadores. Esses treinamentos tratam indiretamente sobre respeito ao meio ambiente, pois é um dos valores corporativos e um dos pilares da produção enxuta. A conscientização ambiental é trabalhada por meio de dados e informações que ficam expostos na intranet da fábrica, com fácil acesso a todos os funcionários. Nota-se, uma maior participação por parte dos funcionários da produção com as questões ambientais devido ao contato direto com a matéria-prima e também por atuarem no descarte de materiais e no uso de elementos poluentes, impactando nos índices de reciclagem e desperdícios. Foram citados dois fatos interessantes que exemplificam como a relação entre estes temas ocorre dentro da fábrica. Antigamente, a empresa possuía altos níveis de estoques, como conseqüência, muitas peças necessitavam de uma camada de óleo para proteção. Com a introdução da produção Just-in-Time (JIT) (produzir somente o necessários, na quantidade necessária e no momento necessário), uma prática advinda com a produção enxuta, reduziu-se o estoque, percebendo-se a oportunidade dessas peças virem limpas do fornecedor, sem a camada de óleo, pois as peças permaneciam por menos tempo armazenadas. Com isso, eliminou-se um processo de lavagem dessas peças na linha de produção, reduzindo-se, portanto, o consumo de água. Aplicou-se a prática Mapeamento de Fluxo de Valor (MFV) (ferramenta visual de identificação de fontes de desperdícios) na fábrica e com isso, verificou-se o uso excessivo de uma determinada cola no processo de fabricação. O uso dessa cola de forma excessiva demandava muita limpeza durante a montagem e assim, também, um excesso de lavagem das peças. Após a aplicação do mapa, passou-se a conscientizar os funcionários quanto ao uso correto desse insumo, e, conseqüentemente, praticamente eliminou-se o retrabalho de limpeza de peças (reduziu o consumo de água e de cola). Pode-se concluir que os valores corporativos guiam a adoção de práticas de produção enxuta e que estas reproduzem ações em treinamentos dos funcionários da produção, na melhoria contínua, e na redução de estoques que diretamente afetam na eficiência operacional, repercutindo no uso eficiente de recursos e na preparação e conscientização dos funcionários, para buscarem o consumo e o descarte correto de materiais. O Quadro 2 sintetiza estes fatos. Quadro 2: Síntese dos fatos identificados na pesquisa sobre a relação entre produção enxuta e gestão ambiental. Práticas de Produção Apóio à Gestão Ambiental Ferramenta da Enxuta Produção Enxuta Envolvimento dos Os funcionários de chão de Treinamentos funcionários/ kaizen fábrica são treinados quanto as mensais ferramentas de produção enxuta 6/10 ANAIS Melhoria contínua Redução de estoque e isto os instrui a buscar a redução do consumo de insumos, a reciclagem/descarte de materiais. Dados da intranet reforçam a busca por melhorar os índices de eficiência no consumo de insumos. Facilita a identificação de ações desnecessárias no processo e com isso evita gerar consumo excessivo e geração de desperdícios. Gestão visual (geração e divulgação de indicadores) JIT e MFV 4.2 Percepções da Integração entre Produção Enxuta e Gestão Ambiental Sob a ótica da técnica de meio ambiente, uma boa contribuição da manufatura enxuta para a gestão ambiental são as informações visuais (gestão a vista de indicadores): “com a aplicação de gestão visual, praticada devido à filosofia de manufatura enxuta, os índices e ações ambientais se tornaram mais evidentes e amplamente divulgados”. A gestão visual foi citada como fator propagador dos índices ambientais e de grande importância para a conscientização ambiental. Ainda para a técnica de meio ambiente, a relação entre estes temas também ocorre a partir da auditoria ambiental, pois é aplicada simultaneamente com as auditorias de qualidade e de manufatura enxuta, realizadas por membros de outras unidades do grupo. A engenheira de melhoria contínua disse que a fábrica usa a prática de mapa de fluxo de valor para de forma dinâmica buscar identificar as fontes dos desperdícios operacionais da linha de produção, no entanto, esta não é empregada com foco em detectar desperdícios de recursos naturais (água, energia e insumos). Além do mais, a fábrica realiza a análise de ciclo de vida de seus produtos internamente e esta é uma forma de inventariar as emissões de gases, de efluentes líquidos e de resíduos. O MFV poderia ser uma ferramenta de apoio a análise de ciclo de vida, no entanto, os gestores não conseguem fazer uso desta sinergia entre adoção de prática da produção enxuta com prática de gestão ambiental. E, o gerente responsável pelas áreas de melhoria contínua e meio ambiente, comentou que “a manufatura enxuta não resulta em gestão ambiental”. Essa afirmação foi baseada no fundamento de que a manufatura enxuta é sinônimo de práticas de melhorias, então uma vez adotada uma política ambiental, as práticas da produção enxuta podem contribuir para o seu aperfeiçoamento e não para a sua proposição. Pode-se constatar, na visão dos gestores da fábrica estudada, que a adoção de práticas de produção enxuta pode ajudar a aperfeiçoar e potencializar ações em pró a gestão ambiental (gestão visual da fábrica e auditoria ambiental), mas que esta sinergia nem sempre é identificada e adequadamente utilizada (ex: MFV e análise de ciclo de vida). 5. Conclusões Esta pesquisa teve como objetivo identificar fatos empíricos de como a adoção de práticas de produção enxuta pode trazer benefícios para aspectos ambientais e capatar como os gestores de produção e de meio ambiente entendem a relação que há entre lean e 7/10 ANAIS ambientalmente adequado no dia-a-dia das operações fabril. A partir de um estudo de caso único foi possível constatar que os benefícios ambientais são mais focados no uso eficiente de recursos naturais (água e insumos) e que as práticas de produção enxuta mais empregadas na fábrica de forma a potencializar a eficiência dos recursos são JIT, MFV, gestão visual de indicadores ambientais, e treinamento dos funcionários. Em geral, os gestores de produção e de meio ambiente não usam de forma sinérgica a relação entre produção enxuta e gestão ambiental. Um exemplo disso é que o MFV não apóia a análise de ciclo de vida dos produtos da fábrica. Além do mais, outras práticas de produção enxuta que são adotadas pela empresa (TPM, 5S, PDCA, etc) poderiam apoiar ações à gestão ambiental, mas os entrevistados não as indicaram. Portanto, neste caso, a sinergia entre estes temas não é uma questão clara e totalmente empregada no dia-a-dia da fábrica. Uma das conclusões da pesquisa é que os benefícios ambientais são uma conseqüência das melhorias dos processos operacionais por meio da adoção de práticas produção enxuta. O treinamento dos funcionários da linha de produção é um exemplo. É a partir dos treinamentos em produção enxuta, que os funcionários se tornaram mais envolvidos e têm atitudes mais proativas para poderem buscar proteção ao meio ambiente. Os resultados da pesquisa indicam que a gestão visual e a auditoria de produção enxuta são ferramentas que apóiam a gestão ambiental, sendo uma contribuição empírica deste trabalho, tendo em vista que a revisão de literatura deste artigo não tinha constatado esta relação. Uma limitação desta pesquisa é o enfoque reduzido em um único objeto de estudo. Apesar de a empresa escolhida ser representativa para estudar esse fenômeno (relação entre produção enxuta e gestão ambiental empresarial), não há como gerar generalizações, seja para o setor produtivo (automotivo), seja para o país analisado (Brasil). Algumas sugestões de pesquisas vindouras podem ser feitas a partir dos resultados deste trabalho. Uma delas seria ampliar o escopo de análise, fazendo um estudo de múltiplos casos, tendo os mesmos objetivos desta pesquisa. Outra sugestão seria fazer uma pesquisa tipo survey com empresas certificadas pelo ISO 14001, para entender o quanto as empresas situadas no Brasil têm feito uso da sinergia positiva entre produção enxuta e gestão ambiental empresarial. E, fazer um estudo de múltiplos casos a fim de identificar se há relação negativa entre adoção de práticas de produção enxuta e aspectos ambientais operacionais. Por exemplo, se as entregas milk run acarretam em mais emissões de gases geradores de efeito estufa. Ou, se o aumento da movimentação interna no chão de fábrica, em função da redução do número de lotes de produção, afeta em mais consumo de combustíveis fósseis na empresa, e conseqüentemente, geram mais gases de efeito estufa. Referências CORBETT, C. J.; KLASSEN, R. D. Extending the horizons: environmental excellence as key to improving operations. Manufacturing & Service Operations Management, v. 8, n. 1, p. 522, 2006. DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo: Átlas, 1999. FLORIDA, R. Lean and green: the move to environmentally conscious manufacturing. California Management Review, v. 39, n. 1, p. 80-105, 1996. 8/10 ANAIS FRYXELL, G. E.; VRYZA, M. Managing environmental issues across multiple functions: an empirical study of corporate environmental departments and functional co-ordination. Journal of Environmental Management, v. 55, p. 38-56, 1999. GONZÁLEZ-BENITO, J.; GONZÁLEZ-BENITO, O. 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