MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
COORDENADORIA NACIONAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO – CODEMAT
Of. nº 38/2014 - CODEMAT
Porto Alegre, 17 de junho de 2014.
Ilustríssimo Senhor
Rinaldo Marinho Costa Lima
Diretor do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho - DSST
Secretaria de Inspeção do Trabalho
Ministério do Trabalho e Emprego
Esplanada dos Ministérios - Bl. F – Anexo – Ala B – 1º Andar – Sala 176
70059-900 – Brasília/DF
Senhor Diretor,
O Ministério Público do Trabalho teve ciência da publicação da Nota Técnica nº
108/2014/CGNOR/DSST/SIT, que trata da aplicabilidade do Anexo 12 da NR-15 às empresas
que comercializam produtos de fibrocimento que contém amianto, cuja conclusão é de que “não
se lhes aplica as disposições normativas destinadas às empresas que trabalham diretamente
com fibras de asbesto in natura.”
Ocorre que as obrigações contidas no Anexo 12 da NR-15 são exigíveis também das
empresas que comercializam produtos que contenham asbesto/amianto.
Consoante o art. 2º, “e”, da Convenção nº 162 da OIT, de 1986 (ratificada pelo Brasil
em 18/05/90, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 51, de 25/08/89, e promulgada pelo Decreto
nº 126, de 22/05/90), “a expressão 'exposição de amianto' refere-se ao fato de ser exposto,
durante o trabalho, às fibras respiráveis de amianto ou ao pó de amianto em suspensão no ar,
independentemente de essas fibras ou esse pó provirem do amianto ou de minérios, materiais
ou produtos que contenham amianto”.
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As regulamentações nacionais devem se orientar pelo compromisso assumido pelo
país na adesão à Convenção internacional, a qual estabelece critérios mínimos de adequação
das normas nacionais para proteção da vida e saúde dos trabalhadores expostos ao amianto e
aos produtos que o contenham.
É o que se depreende da conjugação dos itens 1 e 1.2 do Anexo 12 da NR-15 que
estabelecem que ela se aplica aos casos de exposição ao asbesto a partir de produtos que
contenham a substância.
É notório que, nas atividades ligadas ao comércio de materiais de construção, em
havendo a comercialização de produtos que contenham asbesto/amianto, há a “exposição ao
asbesto”, como reconhecido no item supratranscrito, não havendo justificativa para negar a
aplicação das disposições protetivas da saúde dos trabalhadores às empresas desse segmento
econômico.
Do mesmo modo, a Lei nº 9.055/1995, que disciplina a extração, industrialização,
utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham,
em nenhum momento excluiu o segmento “comércio” das obrigações de controle de segurança,
higiene e medicina do trabalho. Ao contrário, o art. 5º impõe às empresas que “manipularem ou
utilizarem materiais contendo asbesto/amianto da variedade crisotila” a obrigação de
encaminharem, anualmente, ao Sistema único de Saúde e aos sindicatos representativos dos
trabalhadores, uma listagem dos empregados expostos. Isso reforça a necessidade de
acompanhamento da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto, incluindo-se nesse
conceito, os expostos a produtos que contenham a fibra.
Também não é por acaso que o Anexo 12 da NR-15, no item 9.1, prevê que a
rotulagem dos produtos com amianto deve conter os seguintes caracteres: “Atenção: contém
amianto”, “Respirar poeira de amianto é prejudicial à saúde” e “Evite risco: siga as instruções de
uso”. Não fosse o risco à exposição que tais produtos trazem simplesmente por conter o amianto
na sua composição, a advertência do item 9.1 seria simplesmente desnecessária. É evidente
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que a norma reconhece o potencial risco à saúde daqueles que se expõe à fibra, razão pela qual
inseriu tal advertência na rotulagem dos produtos com amianto.
A Resolução 348/2004 do CONAMA classifica os resíduos provenientes da construção
civil na Classe D7, ou seja, como perigosos, devendo ser destinados em aterros para lixos
perigosos (Classe I), devidamente licenciados pelo órgão ambiental do estado e cadastrados
junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (Anexo 12 da NR-15).
Em consonância com as mais de 470 referências científicas, a Organização Mundial de
Saúde, através do Critério de Saúde Ambiental nº 203, preconiza que qualquer exposição ao
amianto crisotila corresponde a um excesso de risco de adoecimento relacionado à substância
mineral nociva.
Sabe-se que os produtos de fibrocimento com amianto rompem-se com facilidade. A
movimentação de produtos contendo amianto no comércio de materiais de construção, por si só,
gera resíduos que favorece a dispersão de poeira contendo a fibra. Nesse sentido, deve ser
evitada qualquer tentativa de restringir o nível de proteção à saúde do trabalhador.
O risco decorrente da exposição às fibras de amianto também é reconhecido pelas
decisões dos tribunais trabalhistas brasileiros, que não excluem a atividade econômica do
comércio. Cita-se, como exemplo, a ação trabalhista nº 00300600-02.2008.5.15.0092, do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, cujo acórdão confirmou sentença originária e
condenou a empresa Socoberturas Comércio de Telhas Ltda. ao pagamento de adicional de
insalubridade pela exposição do trabalhador à poeira do asbesto. A decisão destaca que laudo
pericial apontou que o reclamante “manuseava em média 300 telhas de cimento-amianto por
dia”. Reconhece, portanto, a exposição de trabalhador ao agente etiológico poeira, pela
movimentação de produto contendo amianto, no caso, telhas de cimento-amianto.
Outro exemplo que pode ser citado é do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
nos autos da Apelação Cível nº 0016498-82.2010.8.26.0565, que trata de ação de cobrança
fundada em contrato de seguro-saúde de reembolso de despesas médico-hospitalares, em
virtude de ressarcimento negado pela seguradora. O diagnóstico do segurado foi de
mesotelioma epitelial. O Ministério Público do Trabalho já requereu aos serviços de saúde do
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Estado de São Paulo investigação mais aprofundada do caso. O que se sabe, no entanto, é que
o segurado, Sr. Waldir Pinezi, era proprietário de estabelecimento de comércio de materiais para
construções denominado Casa Pinezi Materiais de Construções Ltda.
A necessidade de atuação em face do setor econômico do comércio levou o Ministério
Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região/Santa
Catarina, a instaurar procedimento administrativo com o foco de realizar audiências públicas em
diversas regiões do Estado, notificando empresas que exploram o comércio de produtos com
amianto, notadamente as que comercializam materiais de construções. A primeira audiência
pública acorreu em 31/03/2014, quando mais de 500 empresas de Florianópolis, Blumenau,
Joinville e Criciúma foram notificadas a comparecer. O evento teve como objetivo principal levar
a esses comerciantes informações sobre os riscos à saúde do trabalhador e da população em
geral no manuseio e comércio de produtos com amianto. Também foram abordadas as
obrigações legais decorrentes da aplicação do Anexo 12 da NR-15, assim como da Lei nº
9055/95, destacando-se a necessidade de acompanhamento da saúde do trabalhador no pósdemissional, além do encaminhamento anual de lista nominal dos trabalhadores expostos ao
amianto ao Sistema Único de Saúde. A audiência pública foi realizada na Assembleia Legislativa
de Santa Catarina e contou com a parceria institucional do Ministério Público Federal de Santa
Catarina.
O Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal também atuam
conjuntamente no sentido de incentivar a aprovação de Projeto de Lei que tramita na Assembleia
Legislativa do Estado na busca do banimento da industrialização e comércio de produtos
contendo asbesto/amianto.
No mês de maio de 2014, a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco
igualmente realizou audiência pública com a mesma finalidade, evento apoiado pelo Ministério
Público do Trabalho em Pernambuco.
Nos termos que restou aprovada, a Nota Técnica nº 108/2014/CGNOR/DSST/SIT
contraria todas as disposições normativas que se orientam pela proteção da saúde do
trabalhador exposto ao amianto/asbesto e subtrai de parcela considerável de trabalhadores –
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todos do setor de comércio – de medidas efetivas de controle de saúde. A interpretação restritiva
contida na referida Nota Técnica pode contribuir para a perpetuação do modelo de
desconhecimento e desinformação em torno da nocividade do amianto/asbesto, algo que vem
sendo combatida com veemência pelo Ministério Público do Trabalho.
Em face de tudo o que foi exposto, o Ministério Público do Trabalho solicita a revisão
da Nota Técnica nº 108/2014/CGNOR/DSST/SIT.
Atenciosamente,
PHILIPPE GOMES JARDIM
PROCURADOR DO TRABALHO
COORDENADOR NACIONAL DA CODEMAT
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