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LIT-QI - 30 ANOS
A defesa da moral revolucionária
ALICIA SAGRA
Q
uando nosso IX Congresso Mundial votou e tornou público um
documento sobre “moral revolucionária”, muitos companheiros, agradavelmente surpreendidos, disseram-nos
que nunca tinham visto algo assim. Não
é a primeira vez que damos uma importância central a esse tema. Inclusive, a
fundação da LIT-QI esteve estreitamente
vinculada à sua defesa. O que, sim, é verdadeiro, é o fato de ser a primeira vez
que um congresso mundial considera necessário votar um documento sobre
moral.
A questão moral
e a fundação da LIT-CI
Quando estávamos no processo de ruptura da CIQI1, o principal dirigente da
seção peruana do setor proveniente do ex
CORCI, Ricardo Napurí, que havia manifestado diferenças políticas e metodológicas, foi acusado de “ladrão” por
Lambert. Moreno não hesitou e, seguindo a política de Trotsky da década de
1930, propôs chamar um Tribunal Moral
Internacional que determinasse a verdade ou a falsidade das acusações.
Em 11 de janeiro de 1982, realizou-se
uma reunião em Bogotá, da qual participaram os partidos da ex FB e dois dirigentes que provinham do lambertismo:
Alberto Franceschi, da Venezuela e Ricardo Napurí, do Peru. No primeiro
ponto dessa reunião, ratificou-se o Tribunal e lançou-se uma grande campanha
em torno dele. No segundo ponto, resolveu-se fundar uma nova Internacional,
aprovando-se os estatutos e as Teses Fundacionais da LIT-QI.
Posteriormente, o Tribunal, constituído
por personalidades da esquerda internacional e do movimento sindical, deliberou a favor da honra revolucionária de
Ricardo Napurí.
Atuamos da mesma maneira na Bolívia, nos anos 90, frente aos ataques morais de Guillermo Lora contra um dos
principais dirigentes de seu partido, Juan
Pablo Bacherer, que havia manifestado
diferenças políticas com ele. Este Tribunal foi integrado, entre outros, por Zé
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Maria de Almeida, dirigente metalúrgico
e membro da direção do PSTU brasileiro,
e por Esteban Volkov Bronstein, neto de
Trotsky. Como no caso anterior, o Tribunal constatou a falsidade das acusações
morais.
O que é a moral revolucionária?
Em 1920, Lênin afirmava: “Em que sentido negamos a moral? Negamo-la no sentido que a pregou a burguesia,
deduzindo-a de mandamentos divinos
(...) o clero, os latifundiários e a burguesia falavam em nome de Deus para defender seus interesses de exploradores (…)
quando nos falam de moral, dizemos:
para um comunista, toda moral reside
nesta disciplina solidária e unida, e nesta
luta consciente das massas contra os exploradores. Não acreditamos em uma
moral eterna, denunciamos a mentira de
todos os contos sobre moral. A moral
serve para que a sociedade humana se
eleve a uma maior altura, para que se
desembarace da exploração”.2
Em 1938, Trotsky, manifesta: “A Quarta
Internacional despreza os magos, charlatães e professores de moral. Em uma sociedade baseada na exploração, a moral
suprema é a da revolução socialista. Bons
são os métodos que elevam a consciência
de classe dos operários, a confiança em
suas forças e seu espírito de sacrifício na
luta. Inadmissíveis são os métodos que
inspiram o medo e a docilidade dos oprimidos contra os opressores, que afogam o
espírito de rebeldia e de protesto, ou que
substituem a vontade das massas pela
dos chefes, a persuasão pela coação e a
análise da realidade pela demagogia e falsificação. Tenho aqui por que a social democracia, que tem prostituído o marxismo
tanto quanto o stalinismo, antíteses do
bolchevismo, são os inimigos mortais da
revolução proletária e da moral da
mesma.”
Em 1969, Moreno, preso no Peru, escreve um texto no qual mostra como na
época imperialista, a burguesia abandona
a moral de sua época de ascensão, funcional à acumulação capitalista e baseada
na “ economia, a sobriedade, a obediência
servil dos filhos e da mulher ao chefe da
família” (…) “a família patriarcal burguesa da etapa da ascensão desaparece,
se rompe, para dar lugar às relações entre
os sexos e os membros da família anárquica, crítica, na qual o elemento fundamental é a transformação de cada
individuo em desfrutador do mundo e do
outro sexo (…)”.3
E propõe que essa “amoralidade” da
burguesia se combina com a moral existente nos setores marginalizados da sociedade, a moral lúmpen, dando origem
a correntes como o existencialismo ou o
espontaneísmo: “O espontaneísmo moral
é a tentativa de setores juvenis de gozar
como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo,
sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade”.
“Nós acreditamos justamente no contrário, que nossa moral não é a da opção
como os existencialistas, nem para o gozo
como os espontaneístas, mas a da necessidade da revolução”.4
Moreno, que enfrentava a influência
negativa da moral espontaneísta dentro
do partido, deu tanta importância a essa
discussão que, estando na prisão, priorizou-a acima dos debates políticos que estavam propostos. Com essa visão,
construiu uma corrente que manteve
uma moral revolucionária da qual nos orgulhamos, e cujo maior expoente foi a
solidez moral e ideológica que permitiu
que os mais de 200 presos, fuzilados e
desaparecidos do PST argentino, suportassem a tortura da “Triple A”5 e da ditadura, pondo a segurança do resto dos
companheiros acima de sua própria vida.
O vendaval oportunista
e a moral do “vale tudo”
Trotsky teve que enfrentar a degradação moral provocada por Stalin, o método da amálgama, a monstruosa
perseguição política e moral contra a geração que, junto a Lênin, encabeçou a revolução e a construção do Estado
Soviético. Com os fraudulentos Processos
de Moscou e os campos de concentração,
Stalin acabou com a vida de grande
CORREIO INTERNACIONAL
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quantidade desses revolucionários e, em
1940, completou sua tarefa com o assassinato de Trotsky. Ele ganhou a batalha.
Mas Trotsky com sua grande campanha
contra a “escola stalinista de falsificações” nos deixou toda uma concepção e
uma metodologia que nos armaram para
enfrentar o stalinismo e todas as correntes que tomaram um rumo semelhante.
Moreno teve que enfrentar a destruição moral que o stalinismo impunha à
classe operária e as posições espontaneístas que surgiam como reação a essa degradação e à decadência da moral
burguesa.
Nós estamos enfrentando um novo período degenerativo. Como dissemos no
documento do IX Congresso: “A decadência do capitalismo em sua fase senil
levou a tal grau o saque e a destruição da
natureza que chega ao ponto de justificar
qualquer ataque aos mínimos direitos individuais para garantir seus lucros. Isto
gera uma decadência moral do imperialismo no terreno das relações humanas.
(…) É o “vale tudo” da sobrevivência em
um mundo decadente (…). Esta situação
teve sua refração no interior do Movimento Operário e da esquerda, devido
àquilo que chamamos o “vendaval oportunista””.
Já antes, produto da marginalidade, setores trotskistas se contaminaram com a
moral stalinista. Um exemplo foram os
casos, já citados, das amálgamas e calúnias utilizadas por Lambert e Lora. Mas
com o “vendaval oportunista” tudo se
potencializou: ex-guerrilheiros presidem
governos burgueses, reprimem as lutas.
Organizações que se reivindicam trotskistas vivem do estado, administram planos sociais, aplicam o “clientelismo
político”, utilizam a difamação como
moeda corrente, atacam fisicamente e
roubam arquivos e locais de outras organizações trotskistas. O parlamentarismo
e os aparatos sindicais corrompem aqueles que foram dirigentes revolucionários.
A questão da moral revolucionária
na reconstrução da LIT-QI e da IV
O que expomos antes mostra a necessidade de batalhar em defesa da moral
revolucionária. Mas não explica por que
nosso IX Congresso Mundial viu a necessidade de votar um documento sobre o
tema. Essa necessidade se impôs quando, ao ver importantes casos sobre índole moral em nossas fileiras,
percebemos que também nós tínhamos
sido contaminados. Como dissemos
MARÇO DE 2012
Pintura de Dorothy Eisner que representa a Trotsky declarando ante o Tribunal Moral
conhecido como Comissão Dewey.
nesse documento: “Era lógico que, se a
LIT, no marco do vendaval oportunista
que se abateu sobre a esquerda, sofreu
uma destruição no terreno teórico, programático e organizativo, isto deveria afetar também o terreno moral”.
Nossa tradição nos permitiu enfrentar
o problema por meio da educação da militância e encarando com rigor cada problema moral que se apresentasse.
Atuamos sem temor em perder militantes e inclusive seções, porque somos
conscientes de que estamos defendendo
não um principio filosófico abstrato, mas
a moral defendida por Lênin, Trotsky,
Moreno, “a moral que serve para que a
sociedade humana se eleve a maior altura, para que se desembarace da exploração”.
Por que tornamos público este combate interno? Para fortalecê-lo. Encontramo-nos
com
dirigentes
que,
reivindicando-se trotskistas e morenistas,
defendem a “lei da selva” para justificar
roubos de locais, de arquivos… E nos
dizem que estamos no “túnel do tempo”,
quando nos opomos a essas ações em
nome da moral defendida por nossos
mestres. Nós, assim como eles, sofremos
as pressões da sociedade em decomposição e não estamos livres de problemas.
A diferença é que reconhecemos esses
problemas e não os escondemos debaixo
do tapete, ao contrário, os tornamos públicos para combatê-los com mais força.
Aspiramos a que as organizações e dirigentes que se aproximam de nós politicamente, se somem a este combate.
Porque estamos convencidos de que a reconstrução da Quarta só pode dar-se em
meio a uma feroz batalha para recuperar
a moral revolucionária. Batalhando até a
morte, no movimento e no partido, contra o método das amálgamas, das calúnias; do roubo, das mentiras, dos
ataques físicos e da deslealdade entre revolucionários; do machismo, do racismo,
da xenofobia, da homofobia; porque
tudo isso vai contra a moral revolucionária, isto é, contra a revolução.
1
CIQI – Comitê Internacional – Quarta Internacional, formado pela FB (Fração Bolchevique) e pelo CORQI, organização de Lambert
em 1980, como parte da estratégia de reconstrução da IV Internacional. Aliança que foi
rompida diante da capitulação de Lambert à
Frente Popular e sua negativa em discutir a
sua política de expulsar aqueles que questionaram sua política.
2
Discurso de Lênin na I sessão do III Congresso das Juventudes Comunistas (2 de outubro de 1920).
3
Moreno, Nahuel, Moral Bolche ou Moral
Espontaneísta, Caderno de Formação 8, Abril
de 1987, p. 18.
4
Idem. p. 44.5 “Triple A” - Aliança Anticomunista Argentina.
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