* 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:13 Página 34 LIT-QI - 30 ANOS A defesa da moral revolucionária ALICIA SAGRA Q uando nosso IX Congresso Mundial votou e tornou público um documento sobre “moral revolucionária”, muitos companheiros, agradavelmente surpreendidos, disseram-nos que nunca tinham visto algo assim. Não é a primeira vez que damos uma importância central a esse tema. Inclusive, a fundação da LIT-QI esteve estreitamente vinculada à sua defesa. O que, sim, é verdadeiro, é o fato de ser a primeira vez que um congresso mundial considera necessário votar um documento sobre moral. A questão moral e a fundação da LIT-CI Quando estávamos no processo de ruptura da CIQI1, o principal dirigente da seção peruana do setor proveniente do ex CORCI, Ricardo Napurí, que havia manifestado diferenças políticas e metodológicas, foi acusado de “ladrão” por Lambert. Moreno não hesitou e, seguindo a política de Trotsky da década de 1930, propôs chamar um Tribunal Moral Internacional que determinasse a verdade ou a falsidade das acusações. Em 11 de janeiro de 1982, realizou-se uma reunião em Bogotá, da qual participaram os partidos da ex FB e dois dirigentes que provinham do lambertismo: Alberto Franceschi, da Venezuela e Ricardo Napurí, do Peru. No primeiro ponto dessa reunião, ratificou-se o Tribunal e lançou-se uma grande campanha em torno dele. No segundo ponto, resolveu-se fundar uma nova Internacional, aprovando-se os estatutos e as Teses Fundacionais da LIT-QI. Posteriormente, o Tribunal, constituído por personalidades da esquerda internacional e do movimento sindical, deliberou a favor da honra revolucionária de Ricardo Napurí. Atuamos da mesma maneira na Bolívia, nos anos 90, frente aos ataques morais de Guillermo Lora contra um dos principais dirigentes de seu partido, Juan Pablo Bacherer, que havia manifestado diferenças políticas com ele. Este Tribunal foi integrado, entre outros, por Zé 34 Maria de Almeida, dirigente metalúrgico e membro da direção do PSTU brasileiro, e por Esteban Volkov Bronstein, neto de Trotsky. Como no caso anterior, o Tribunal constatou a falsidade das acusações morais. O que é a moral revolucionária? Em 1920, Lênin afirmava: “Em que sentido negamos a moral? Negamo-la no sentido que a pregou a burguesia, deduzindo-a de mandamentos divinos (...) o clero, os latifundiários e a burguesia falavam em nome de Deus para defender seus interesses de exploradores (…) quando nos falam de moral, dizemos: para um comunista, toda moral reside nesta disciplina solidária e unida, e nesta luta consciente das massas contra os exploradores. Não acreditamos em uma moral eterna, denunciamos a mentira de todos os contos sobre moral. A moral serve para que a sociedade humana se eleve a uma maior altura, para que se desembarace da exploração”.2 Em 1938, Trotsky, manifesta: “A Quarta Internacional despreza os magos, charlatães e professores de moral. Em uma sociedade baseada na exploração, a moral suprema é a da revolução socialista. Bons são os métodos que elevam a consciência de classe dos operários, a confiança em suas forças e seu espírito de sacrifício na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram o medo e a docilidade dos oprimidos contra os opressores, que afogam o espírito de rebeldia e de protesto, ou que substituem a vontade das massas pela dos chefes, a persuasão pela coação e a análise da realidade pela demagogia e falsificação. Tenho aqui por que a social democracia, que tem prostituído o marxismo tanto quanto o stalinismo, antíteses do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e da moral da mesma.” Em 1969, Moreno, preso no Peru, escreve um texto no qual mostra como na época imperialista, a burguesia abandona a moral de sua época de ascensão, funcional à acumulação capitalista e baseada na “ economia, a sobriedade, a obediência servil dos filhos e da mulher ao chefe da família” (…) “a família patriarcal burguesa da etapa da ascensão desaparece, se rompe, para dar lugar às relações entre os sexos e os membros da família anárquica, crítica, na qual o elemento fundamental é a transformação de cada individuo em desfrutador do mundo e do outro sexo (…)”.3 E propõe que essa “amoralidade” da burguesia se combina com a moral existente nos setores marginalizados da sociedade, a moral lúmpen, dando origem a correntes como o existencialismo ou o espontaneísmo: “O espontaneísmo moral é a tentativa de setores juvenis de gozar como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo, sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade”. “Nós acreditamos justamente no contrário, que nossa moral não é a da opção como os existencialistas, nem para o gozo como os espontaneístas, mas a da necessidade da revolução”.4 Moreno, que enfrentava a influência negativa da moral espontaneísta dentro do partido, deu tanta importância a essa discussão que, estando na prisão, priorizou-a acima dos debates políticos que estavam propostos. Com essa visão, construiu uma corrente que manteve uma moral revolucionária da qual nos orgulhamos, e cujo maior expoente foi a solidez moral e ideológica que permitiu que os mais de 200 presos, fuzilados e desaparecidos do PST argentino, suportassem a tortura da “Triple A”5 e da ditadura, pondo a segurança do resto dos companheiros acima de sua própria vida. O vendaval oportunista e a moral do “vale tudo” Trotsky teve que enfrentar a degradação moral provocada por Stalin, o método da amálgama, a monstruosa perseguição política e moral contra a geração que, junto a Lênin, encabeçou a revolução e a construção do Estado Soviético. Com os fraudulentos Processos de Moscou e os campos de concentração, Stalin acabou com a vida de grande CORREIO INTERNACIONAL * 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 21/03/12 11:10 Página 35 LIT-QI - 30 ANOS quantidade desses revolucionários e, em 1940, completou sua tarefa com o assassinato de Trotsky. Ele ganhou a batalha. Mas Trotsky com sua grande campanha contra a “escola stalinista de falsificações” nos deixou toda uma concepção e uma metodologia que nos armaram para enfrentar o stalinismo e todas as correntes que tomaram um rumo semelhante. Moreno teve que enfrentar a destruição moral que o stalinismo impunha à classe operária e as posições espontaneístas que surgiam como reação a essa degradação e à decadência da moral burguesa. Nós estamos enfrentando um novo período degenerativo. Como dissemos no documento do IX Congresso: “A decadência do capitalismo em sua fase senil levou a tal grau o saque e a destruição da natureza que chega ao ponto de justificar qualquer ataque aos mínimos direitos individuais para garantir seus lucros. Isto gera uma decadência moral do imperialismo no terreno das relações humanas. (…) É o “vale tudo” da sobrevivência em um mundo decadente (…). Esta situação teve sua refração no interior do Movimento Operário e da esquerda, devido àquilo que chamamos o “vendaval oportunista””. Já antes, produto da marginalidade, setores trotskistas se contaminaram com a moral stalinista. Um exemplo foram os casos, já citados, das amálgamas e calúnias utilizadas por Lambert e Lora. Mas com o “vendaval oportunista” tudo se potencializou: ex-guerrilheiros presidem governos burgueses, reprimem as lutas. Organizações que se reivindicam trotskistas vivem do estado, administram planos sociais, aplicam o “clientelismo político”, utilizam a difamação como moeda corrente, atacam fisicamente e roubam arquivos e locais de outras organizações trotskistas. O parlamentarismo e os aparatos sindicais corrompem aqueles que foram dirigentes revolucionários. A questão da moral revolucionária na reconstrução da LIT-QI e da IV O que expomos antes mostra a necessidade de batalhar em defesa da moral revolucionária. Mas não explica por que nosso IX Congresso Mundial viu a necessidade de votar um documento sobre o tema. Essa necessidade se impôs quando, ao ver importantes casos sobre índole moral em nossas fileiras, percebemos que também nós tínhamos sido contaminados. Como dissemos MARÇO DE 2012 Pintura de Dorothy Eisner que representa a Trotsky declarando ante o Tribunal Moral conhecido como Comissão Dewey. nesse documento: “Era lógico que, se a LIT, no marco do vendaval oportunista que se abateu sobre a esquerda, sofreu uma destruição no terreno teórico, programático e organizativo, isto deveria afetar também o terreno moral”. Nossa tradição nos permitiu enfrentar o problema por meio da educação da militância e encarando com rigor cada problema moral que se apresentasse. Atuamos sem temor em perder militantes e inclusive seções, porque somos conscientes de que estamos defendendo não um principio filosófico abstrato, mas a moral defendida por Lênin, Trotsky, Moreno, “a moral que serve para que a sociedade humana se eleve a maior altura, para que se desembarace da exploração”. Por que tornamos público este combate interno? Para fortalecê-lo. Encontramo-nos com dirigentes que, reivindicando-se trotskistas e morenistas, defendem a “lei da selva” para justificar roubos de locais, de arquivos… E nos dizem que estamos no “túnel do tempo”, quando nos opomos a essas ações em nome da moral defendida por nossos mestres. Nós, assim como eles, sofremos as pressões da sociedade em decomposição e não estamos livres de problemas. A diferença é que reconhecemos esses problemas e não os escondemos debaixo do tapete, ao contrário, os tornamos públicos para combatê-los com mais força. Aspiramos a que as organizações e dirigentes que se aproximam de nós politicamente, se somem a este combate. Porque estamos convencidos de que a reconstrução da Quarta só pode dar-se em meio a uma feroz batalha para recuperar a moral revolucionária. Batalhando até a morte, no movimento e no partido, contra o método das amálgamas, das calúnias; do roubo, das mentiras, dos ataques físicos e da deslealdade entre revolucionários; do machismo, do racismo, da xenofobia, da homofobia; porque tudo isso vai contra a moral revolucionária, isto é, contra a revolução. 1 CIQI – Comitê Internacional – Quarta Internacional, formado pela FB (Fração Bolchevique) e pelo CORQI, organização de Lambert em 1980, como parte da estratégia de reconstrução da IV Internacional. Aliança que foi rompida diante da capitulação de Lambert à Frente Popular e sua negativa em discutir a sua política de expulsar aqueles que questionaram sua política. 2 Discurso de Lênin na I sessão do III Congresso das Juventudes Comunistas (2 de outubro de 1920). 3 Moreno, Nahuel, Moral Bolche ou Moral Espontaneísta, Caderno de Formação 8, Abril de 1987, p. 18. 4 Idem. p. 44.5 “Triple A” - Aliança Anticomunista Argentina. 35