TURISMO INDÍGENA COMO FATOR DE INOVAÇÃO SOCIAL: O CASO DA
COMUNIDADE INDÍGENA NOVA ESPERANÇA (RR)
Autoria: Cristiane Nascimento Brandão, Cristina de Moura João, José Carlos Barbieri
RESUMO
A influência positiva do turismo sobre aspectos relacionados com a qualidade de vida da
população local parece ser bastante clara, uma vez que o aumento e melhoria de
infraestrutura, equipamentos e serviços e a readaptação de espaços físicos, inicialmente
previstos para fins turísticos, beneficia também os moradores também. Partindo-se dessa
afirmação, o presente artigo tem como objetivo analisar o turismo como fator de inovação
social na comunidade indígena Nova Esperança, localizada na reserva indígena de São
Marcos, município de Pacaraima (RR). Por meio de um estudo de caso, verificou-se que os
resultados indicam que a introdução do turismo teve um papel importante no desenvolvimento
da comunidade, a partir do aproveitamento de seu potencial endógeno. A relevância deste
estudo, parte do interesse de evidenciar casos de inovação social, dado que a grande parte dos
estudos sobre inovação tem sido tradicionalmente realizados a partir de perspectivas mais
tecnológicas, geralmente associadas com pesquisa e desenvolvimento visando a criação ou
melhoria significativa de um produto, não de uma comunidade. Desse modo, é importante
evidenciar casos de sucesso de inovação social representados por novas práticas introduzidas
em comunidades (no caso deste estudo), objetivando melhorias econômicas e sociais para a
coletividade, viando satisfazer suas necessidades.
Palavras-chave: Inovação Social, Turismo Indígena, Desenvolvimento Local
ABSTRACT
Tourism’s positive influence on local population’s quality of life appears to be quite clear. As
the infrastructure, equipment and services initially planned for tourism increases and improve,
will also benefit residents as well. Based on this statement, this paper aims to analyze tourism
as a factor of social innovation in the indigenous community Nova Esperança, located on
Indian Reservation Sao Marcos in the city of Pacaraima (RR), Brazil. This case study found
results which indicate that the introduction of tourism has an important role in community
development from the use of indigenous potential. The relevance of this study, comes from
the interest of bringing to evidence social innovation cases, since the vast majority of studies
on innovation has traditionally been made most from a technological perspective, usually
associated with research and development of a product, not a community. Thus, it is important
to highlight success stories of social innovation represented by new practices introduced in
communities (in the case of this study), to economic and social improvements, searching to
meet the needs of the communities.
Keywords: Social Innovation, Indigenous Tourism, Local Development
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Introdução
O termo inovação é associado à introdução de algo novo ou significativamente
melhorado, partindo de uma situação pré-existente (DATTA, 2011). No caso do turismo, por
exemplo, a inovação social pode implicar novas formas e métodos de gestão e
implementação.
A influência positiva do turismo sobre aspectos relacionados com a qualidade de vida
da população local parece ser bastante clara, uma vez que o aumento e melhoria de
infraestrutura, equipamentos e serviços e a readaptação de espaços físicos, inicialmente
previstos para fins turísticos, beneficia também os moradores. Partindo-se dessa afirmação, o
presente artigo tem como objetivo analisar o turismo como fator de inovação social na
comunidade indígena Nova Esperança, localizada na reserva indígena de São Marcos,
município de Pacaraima (RR).
O artigo está organizado da seguinte maneira: primeiro apresenta uma abordagem
sobre inovação social; a seguir, descreve dois processos de inovação social; na sequência, traz
uma abordagem sobre desenvolvimento local sustentável e turismo indígena; a seguir aborda
a relação entre turismo indígena, desenvolvimento e inovação social. Posteriormente, são
apresentados os resultados e as considerações finais da pesquisa.
Inovação Social
O conceito de inovação como um resultado ou como desempenho inovador é
apresentado na teoria de inovação de Schumpeter (1947), na qual ele afirma que a criação de
um conhecimento novo ou combinações de conhecimento já existentes são transformados em
inovação. Já a inovação entendida como desempenho, é um resultado visível da habilidade de
geração e utilização de conhecimento, combinação e síntese para a introdução de produtos,
processos, mercados ou novos tipos de organização ou organizações substancialmente
melhoradas (Camisón e Monfort-mir, 2012).
A OECD (1997), por meio da publicação do Manual de Oslo, define inovação como a
implementação de um bem ou serviço novo ou melhorado, mas não só isso. Também
considera como inovação um novo processo, um novo método de marketing ou um novo
método organizacional dentro das práticas de negócios. Ou seja, não considera apenas a
inovação no produto ou serviço final, mas em todo o processo de produção.
Além disso, existe o novo paradigma da inovação. Chamada por peritos da OECD de
“nova natureza da inovação”, caracterizado pela abertura do processo de inovação para a
sociedade. Juntamente com empresas, universidades e institutos de pesquisa, cidadãos e
clientes tornam-se atores relevantes do processo de inovação. Com base nessas tendências, a
inovação torna-se um fenômeno social que influencia cada vez mais todas as esferas da
sociedade (Declaração de Viena, 2011).
O conceito de inovação social tem se destacado nas pesquisas científicas, nos debates
públicos, nas ações coletivas e nas políticas públicas (Moulaert; Nussbaumer, 2005). Na
academia, o conceito recebeu um novo impulso ao longo das duas últimas décadas, com uma
gama de aplicações contemporâneas que abordam desde a sua natureza até as suas funções e
processos, destacando o comportamento inovador dos agentes sociais, econômicos e políticos
em iniciativas socialmente inovadoras, em oposição às percepções dominantes da inovação
tecnológica e organizacional (Klein et al, 2012).
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A Declaração de Viena (2011) corrobora que inovações sociais são necessárias e
podem ser encontradas em grandes domínios da sociedade, desde as áreas de serviços até a
economia social e as indústrias criativas. À luz da crescente importância da inovação social, a
conferência analisou os conceitos teóricos, as áreas de pesquisa empírica, conceitos e
desenvolvimento no campo da inovação social. Ressaltou como necessário, redesenhar as
fronteiras (tanto em termos de diferenças, bem como sobreposições e interações) entre as
inovações de negócios e novas tecnologias, de um lado, e as inovações sociais do outro.
Nesse contexto, inovação social pode ser definida como soluções inovadoras para
problemas sociais que necessite da mobilização de ideias, capacidades, recursos e arranjos
sociais indispensáveis para transformações sociais sustentáveis (Alvord et al, 2004). Para o
Centro de Pesquisa em Inovação Social ou Research Center on Social Innovations (CRISES,
2004), inovação social representa novas práticas e abordagens introduzidas com o objetivo de
melhorar o desempenho econômico e social de organizações públicas ou privadas; resolver
problemas de interesse social importantes; criar regulamentações onde não exista; coordenar e
satisfazer novas aspirações ou necessidades junto às comunidades.
Já Martinelli et al (2003) menciona que inovação social, tanto em seu produto final
como nas dimensões do processo, é caracterizada por pelo menos três objetivos, que podem
ser realizados isoladamente ou em combinação, por meio de alguma ação coletiva, em
oposição à ação individual. São eles: i) Contribuir para satisfazer as necessidades humanas de
forma que ainda não foram consideradas ou satisfeitas; ii) Aumentar os direitos de acesso (por
exemplo, a inclusão política, políticas redistributivas, etc.); iii) Melhorar as capacidades
humanas (por exemplo, através do empoderamento de determinados grupos sociais,
aumentando o capital social, etc.).
De acordo com Moulaert e Mehmood (2011), a inovação social refere-se às alterações
nas agendas de agências e instituições que levam a uma melhor inclusão de indivíduos e
grupos excluídos em várias esferas e escalas espaciais da sociedade. Nesse contexto, o autor
destaca a inovação de processo, ou seja, mudanças na dinâmica das relações sociais, incluindo
as relações de poder.
O processo de inovação social
Os pesquisadores em inovação têm conceitualizado diferentes modelos para descrever
o processo de inovação. Datta (2011), por exemplo, utilizou o processo adaptado de Van de
Ven, Polley e Garud et al (2008), que consiste em três períodos, sendo eles: iniciação,
desenvolvimento e implementação. A primeira fase consiste na idealização, na qual surgem
novas ideias com a finalidade de resolver um problema ou necessidade social. A segunda fase
representa uma oportunidade de empreendedorismo social, que desencadeia o processo de
inovação por meio da introdução de novas combinações de recursos. Por fim, o terceiro
estágio é fase em que a ideia é desenvolvida. Este processo de inovação pode resultar em
novos serviços, produtos ou processos criados para solucionar o problema ou necessidade
social identificada no início do processo (Datta, 2011).
O CRISES descreve as principais características do processo de inovação social,
apresentado na Figura 1:
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Processo
1
Conduta deliberada
2
Processual, de natureza
não linear
3
Habilidade para criar
4
Envolvimento e vontade
de mudar
5
Capacidade de
concretizar
6
Mudanças
comportamentais
7
Solução de problemas
Descrição
Inovação social é o resultado de uma conduta deliberada e duradoura de
certos grupos, comunidades ou atores sociais (institucional ou não),
consistindo na introdução de novidades, gerando, desse modo, melhorias
sociais com relação à situação anterior.
Inovação social é um processo – que é gerado, aceito e a propagado
dentro do tecido social. Inovação social acontece em um período de
tempo em que podem ocorrer sobreposições de várias ações, não
necessariamente na sequência de uma ordem pré-definida, de modo a
alcançar o objetivo proposto.
Implica na articulação do tecido social para gerar amplas parcerias
sociais (individuais, grupos, comunidades, instituições) começando por
um acordo básico (bem e interesse comum, destino compartilhado, no
caso do turismo, etc.); tais parcerias deveriam ser capazes de gerar
contexto favorável para a introdução, assimilação e difusão de
inovações.
Tanto indivíduos como organizações deveriam estar realmente
envolvidos na inovação e estar convencidos que isso pode gerar
transformações sociais consideráveis.
Inovação é associada a ações concretas, fatos e atividades que ocorrem
ao longo do tempo. O processo de inovação no contexto social deve
levar a resultados concretos, mesmo que as ações resultem de
planejamento anterior.
Inovação social pode ser alcançada por meio de ações geradoras de
mudanças em condutas, atitudes e práticas sociais.
Inovação social é associada com os achados de soluções de problemas,
deficiencias a necessidades sociais.
Figura 1. O processo de inovação social (Adaptado de CRISES, 2007).
Desenvolvimento Local Sustentável
Em 1987, o Relatório Brundtland tornou público o debate internacional acerca do
desenvolvimento sustentável. A discussão sobre o tema tornou-se mais intensa a partir do
início da década de 1990, exigindo, a partir de então, a necessidade de um plano de ação
multidimensional, com enfoque nas inovações sociais necessárias relacionados com as
dimensões econômica, ecológica e social (Howaldt e Schwarz, 2010). O objetivo seria
encontrar as melhores formas e alternativas para atender às necessidades existentes e trabalhar
com maior eficácia as repercussões e efeitos colaterais não intencionais do desenvolvimento
industrial na sociedade.
Outro documento que ressalta a importância do desenvolvimento é a Declaração sobre
o Direito ao Desenvolvimento, da Assembleia Geral da ONU. Que estabeleceu o direito ao
desenvolvimento como um direito inalienável do ser humano (Resolução 41/128 de 1986). De
acordo com a Resolução, todas as pessoas e todos os povos têm o direito de participar e
contribuir para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político, e de beneficiar-se
desse desenvolvimento, de modo que todos os direitos e liberdades fundamentais do homem
possam ser realizados plenamente. Dessa maneira, o desenvolvimento é condição para que
todos os demais direitos humanos possam ser exercidos plenamente.
Nesse contexto, Buarque (1996), conceitua o desenvolvimento local como “um
processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade
de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos”. Da mesma
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forma, para Perez e Carrillo (2000) citado por Spinola (2006), refere-se ao desenvolvimento
local como um processo que dinamiza a sociedade e ativa a economia com o aproveitamento
dos recursos endógenos existentes, de modo a estimular o crescimento econômico, sob a
forma de criação de emprego, geração de riqueza, e melhoria na qualidade de vida da
população local. Buarque (1996) complementa que a mobilização e o aproveitamento de todas
as potencialidades locais, podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida das
comunidades locais, no contexto social, econômico e ambiental, tornando-se assim,
consistente e sustentável.
É oportuno ressaltar, que o conceito de “local” não se refere a pequeno. Segundo o
IPEA (1996, p. 23) “o local não é um espaço micro, pode ser tomado como um município ou,
inclusive, como uma região compreendendo vários municípios”. No que se refere ao contexto
de “comunidade”, Berg (2004) define como uma unidade geograficamente delimitada dentro
de uma sociedade mais ampla; o que possibilita uma considerável homogeneidade cultural,
interações e relacionamentos entre os membros. Dessa forma, demandam organização e
mobilização para ressaltar suas próprias potencialidades (BERG, 2004; BUARQUE, 1996).
O conceito de “Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável”, tornou-se consenso
geral na Oitava Rodada de Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária, como
uma forma de promover o desenvolvimento que torne possível a sustentabilidade das
comunidades, de maneira que estas sejam capazes, não apenas de suprir suas necessidades
imediatas, mas principalmente que possam descobrir suas vocações e potencialidades
transformando-as em benefícios locais (IPEA, 1996).
Nesse sentido, o desenvolvimento local sustentável refere-se a uma nova dinâmica
econômica, não apenas preocupada com a criação de novos postos de trabalho, mas como
uma forma de construir um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Para Spinola
(2006), a integração do turismo pode ser compatível com as condições sociais, ambientais e
econômicas de comunidades locais, desde que o planejamento e gestão da atividade ocorram
de modo participativo e contemple a constituição de um poder endógeno por parte das
comunidades – os quais são capazes de torna-las auto gerenciadas e autônomas. Nessa
perspectiva, Acereza (2002) salienta que o turismo pode contribuir para a geração de novos
postos de trabalho, utilizando-se turisticamente dos recursos naturais e culturais disponíveis.
Contudo, o autor acrescenta que, previamente, as reais possibilidades de o turismo ser usado
como fator de desenvolvimento local devem ser verificadas. Entretanto, a ocorrência desta
verificação depende da pré-disposição da comunidade, da disponibilidade de atrativos, dentre
ouras questões. Além disso, para que o desenvolvimento seja duradouro, deve trazer
melhorias concretas e permanentes.
Nesse sentido, Jara (1998) conclui que o desenvolvimento local sustentável é uma
estratégia que permite visualizar perspectivas concretas de desenvolvimento humano, de
segurança alimentar e de saúde, descobrindo ou despertando as vocações locais e as
potencialidades específicas.
Turismo Indígena
A investigação científica acerca do turismo indígena teve sua origem na década de
1970, a partir de trabalhos de campo em antropologia (Hinch e Butler, 1996). Conforme
menciona Smith (2006), somente na década de 1990 o campo de estudo do turismo indígena
foi abordado no contexto do desenvolvimento econômico, que trouxe à tona a relação
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contenciosa entre povos indígenas, áreas protegidas e o ecoturismo. Foi a partir de então, que
questões relevantes ligadas a esta temática começaram a ser investigadas de maneira mais
explícita dentro do contexto da sustentabilidade. Tornou-se evidente que o turismo indígena
requer uma abordagem cada vez mais multi-disciplinar decorrente da crescente participação
de geógrafos, economistas, administradores, sociólogos, ecologistas, dentre outros cientistas
sociais (Hinch e Butler, 1996; Smith, 2006).
Diante da multidisciplinaridade que mostrou apresentar o turismo indígena, diversos
autores trataram de definí-lo, a fim de demarcar o segmento de maneira mais ampla e
autônoma. Dessa maneira, Sinclair (2003) situa o subcampo mais claramente como um
fenômeno uma modalidade dentro dos estudos do turismo, considerando-o como uma
submodalidade do turismo alternativo e/ou do ecoturismo. Por outro lado, Hinch e Butler
(1996) trataram o campo como um segmento do turismo, definindo-o como "atividade
turística em que os povos indígenas estão diretamente envolvidos, quer através do controle ou
por verem a sua cultura servir como a essência da atração”.
No contexto brasileiro o turismo indígena ainda não é reconhecido como um
segmento, sequer é mencionado no Plano Nacional de Turismo (PNT), instrumento que
conduz a política pública de turismo do país. Direfente do que ocore em países como Nova
Zelândia, Austrália, Canadá, dentre outros.
A relação entre turismo indígena, desenvolvimento e inovação social
Segundo Camisón e Monfort-Mir (2011), existe uma série de desafios que vêm
ocorrendo desde meados da década de 1980 e que tem destacado a inovação como uma força
emergente e crucial para a competitividade do turismo.
A literatura de turismo considera a atividade turística como indutora de mudanças, que
pode trazer impacto positivo ou negativo na dimensão econômica, social, ambiental e cultural
nas áreas onde a atividade é desenvolvida (Butler, 1999; Murphy, 2004; Byrd, 2007). Ainda
segundo os autores, o turismo tem a capacidade de gerar renda, emprego, induzir a
capacitação e consequentemente promover o crescimento econômico da região onde é
desenvolvido.
No setor do turismo, a inovação pode consistir de um novo conceito de serviço, novas
formas de interagir com os clientes, um método novo ou melhorado para entregar um produto
turístico ou fornecer um serviço turístico, ou melhoria da organização empresarial ou
territorial ou, ainda, a implementação de um novo tipo de tecnologia (Camisón e Monfort-mir,
2011). De acordo com Datta (2011), no turismo, as inovações costumam ser incrementais, ou
seja, consistem em pequenas e constantes melhorias ou modificações do produto ou serviço
pré-existente, a fim de torná-lo mais atraente para o turista.
O turismo também desempenha um papel fundamental no desenvolvimento local de
comunidades indígenas, uma vez que a atividade representa uma diversificação de processos e
produtos, que podem ser decisivos nas estruturas econômicas dessas localidades.
Metodologia
O presente artigo utilizou como estratégia de pesquisa o estudo de caso (Yin, 2010)
com abordagem qualitativa. O estudo se caracteriza como descritivo, com utilização de dados
primários, que foram coletados por meio de entrevistas estruturadas e observação.
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A coleta dos dados qualitativos foi realizada por meio de entrevista semiestruturada,
que foi dividida em dois momentos: primeiramente, foi aplicada a vinte moradores da
comunidade Nova Esperança, que trabalham diretamente no turismo. Posteriormente, foram
analisados diversos documentos, como relatórios, projetos e materiais publicados oriundos da
própria comunidade indígena.
A pesquisa foi conduzida na comunidade indígena Nova Esperança localizada na
reserva indígena São Marcos, no estado de Roraima. A escolha desta comunidade deu-se em
função dela apresentar uma conduta inovadora, ao introduzir o turismo como atividade
alternativa de desenvolvimento local. Assim, a comunidade se organizou, criou a ONG
Programa de Desenvolvimento Sustentável da Comunidade Nova Esperança – PRONESP e
elaborou um plano de desenvolvimento, inicialmente para o período de 2001 a 2005; depois a
extensão do plano que compreendeu o período de 2006 a 2010. Atualmente segue em vigência
o planejamento de 2011 a 2015.
Análise dos Resultados
A seguir será apresentado o processo de introdução do turismo indígena como fator de
inovação social na Comunidade Nova Esperança, utilizando para análise as três fases do
processo definidas por Datta (2011): inicial, desenvolvimento e ampliação (Figura 2).
Ao analisar a introdução do turismo indígena na comunidade Nova Esperança,
observa-se que o mesmo pode evidenciar um processo de inovação social. Com base nas
entrevistas realizadas, bem como consulta a documentos, a comunidade, após homologação
das terras Indígenas São Marcos (Decreto Presidencial nº 312 de 29/10/91), a comunidade
identificou a necessidade de cuidar de seu desenvolvimento. Para isso, as principais lideranças
da comunidade se reuniram para encontrar soluções que trouxesse melhorias para os
moradores. A fase inicial, conforme mostra a Figura 2, compreende a etapa em que as
lideranças elencaram os diversos problemas da comunidade.
Ainda nessa fase, os participantes dessa reunião deram diversas sugestões para mitigar
os problemas, conforme se observa na fala de um dos entrevistados:
“Nós vimos que tínhamos que encontrar uma saída para os
nossos problemas, porque do jeito que tava não podia continuar.
Então, cada um deu uma ideia que achava que podia ser
desenvolvida na comunidade” (Silva, 2012).
Várias ideias surgiram, dentre elas: piscicultura, agricultura, comércio e turismo.
Entretanto, para que a ideia desse certo era preciso ter as condições necessárias, ou seja,
potencial para desenvolver a atividade. Assim teve início a fase dois do processo, denominada
“fase de desenvolvimento”. Após levantamento das potencialidades da comunidade, o grupo
decidiu testar o turismo na comunidade. Para isso, foi necessária a difusão e o
desenvolvimento da ideia (fase três). De forma que a ideia fosse aceita, os moradores teriam
de estar cientes do desenvolvimento da atividade. Realizaram uma assembleia geral, que
reuniu todos os moradores da comunidade, para apresentar a ideia desenvolvida pela
liderança. Ao realizar a votação, verificou-se que a maioria apoiou a ideia de implantar o
turismo indígena na comunidade.
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Figura 2. Fases do processo de Inovação Social (Adaptado de Bhatt-Datta,
Bhatt
2011)
Aqui na nossa comunidade, tudo é decidido pela maioria. A
“Aqui
gente põe em votação e maioria é quem decide. Foi assim que o
turismo pode ser iniciado, só depois que a comunidade votou e
concordou com a ideia” (Souza, 2012).
Ao analisar a introdução do turismo indígena na comunidade Nova Esperança,
observa-se que o mesmo
esmo pode evidenciar um processo de inovação social. A Figura 3
caracteriza o processo de inovação social segundo proposta do Research Center on Social
Innovations – CRISES (2004).
(200 Como exposto na Figura 1,, esse processo é composto por sete
passos: 1) Conduta
uta deliberada;
deliberada 2) Processual, de natureza não linear;; 3) Habilidade para criar;
4) Envolvimento e vontade de mudar;
mudar 5) Capacidade de concretizar;
concretizar 6) Mudanças
comportamentais; 7) Solução de problemas.
problemas
Nesse contexto, o processo de introdução do turismo indígena
indígena como fator de inovação
social na comunida indígena Nova Esperança, pode ser visualizado na Figura 3.
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Características
do Processo
Conduta
deliberada
Descrição da ação realizada
Introdução do turismo indígena por decisão da maioria dos moradores da comunidade.
Reuniões com o objetivo de: decidir futuro da comunidade, introduzir novas atividades,
elaborar um planejamento de curto, médio e longo prazo para a comunidade.
- Criação da ONG PRONESP – Programa de Desenvolvimento Sustentável de Nova
Esperança.
Habilidade para
- Realização de diagnóstico da comunidade, onde foram verificados vários aspectos
criar
positivos como: boa localização, o fato da comunidade não apresentar vícios de
paternalismo, potencial para o ecoturismo, lagos perenes que poderiam ser adaptados para
a criação de peixes.
- Comunidade decide trabalhar no turismo, mas precisa de capacitação;
- Primeiro semestre de 2001: participou de oficinas de ecoturismo realizada pelo Programa
de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal - PROECOTUR, do Ministério do
Meio Ambiente;
- Segundo semestre de 2001: se inscreveu no 7º edital do Programa de Pequenos Projetos,
do Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN. Financiado pelo Small Grants
Programme (SGP), vinculado ao Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF) da
Envolvimento e
Organização das Nações Unidas.
vontade de mudar
Vale ressaltar que as famílias que residem na Comunidade Nova Esperança são formadas
por três etnias: Taurepang, Wapixana e Macuxi. São os povos com maior tempo de contato
com a sociedade do entorno. Seus principais traços culturais sofreram diversas mudanças,
na língua, na construção de suas habitações, hábitos alimentares etc.
Após a introdução do turismo, a comunidade sentiu necessidade de resgatar a língua
materna (disciplina obrigatória nas escolas); difundir conhecimentos sobre ervas e plantas
no preparo de medicamentos e ensinar as técnicas de artesanato aos mais jovens.
Execução do projeto para realizar a capacitação dos moradores da comunidade para que os
mesmos tivessem preparados para receber os turistas.
- Cursos: Condutor de visitantes; primeiros socorros; atendimento ao turista.
- Oficinas: Artesanato (melhorias no processo de produção); educação ambiental; gestão
de resíduos e da água.
Capacidade de
A partir de então, a comunidade, ao longo dos últimos dez anos, vem trabalhando no
concretizar
turismo. Atualmente, os moradores trabalham para melhorar a infraestrutura na
comunidade (como a ampliação de restaurante, construção de pousada, melhorias no
transporte e expansão das lojas de artesanatos). Os principais produtos turísticos da
comunidade são as inúmeras trilhas ecológicas existentes, sendo a principal delas a Trilha
do Coatá, que leva até um sítio arqueológico.
- Comunidade passou a sentir orgulho de suas origens;
- Valorização da língua materna e interesse em confeccionar artesanato;
Mudanças
- Queimadas para fazer roça passaram a ser evitadas na comunidade;
comportamentais
- Criação de uma estrutura organizacional para a gestão do turismo;
- Conscientização quanto a importância da conservação do ambiente;
Após implantar o turismo na comunidade:
- Geração de renda para a comunidade;
Solução de
- Criação de novos postos de trabalho;
problemas
- Parcerias entre a comunidade e agências de viagem;
- Capacitação e emprego para os jovens;
- Destinação adequada aos resíduos sólidos.
Figura 3. Processo de inovação social na Comunidade Nova Esperança. (Adaptado de CRISES, 2007).
Processual
Conclusão
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O presente trabalho teve como objetivo analisar o turismo indígena como fator de
inovação social na comunidade indígena Nova Esperança. Segundo os resultados, o estudo
verificou que a introdução do turismo teve um papel importante no desenvolvimento da
comunidade, a partir do aproveitamento de seu potencial endógeno.
O sucesso da atividade turística, em termos de desenvolvimento na comunidade,
encontra-se, por um lado, na sua capacidade de desencadear um processo de dinamização que
perpassa as dimensões econômicas, sociais e ambientais, graças à sua natureza transversal e
efeito multiplicador, e por outro lado, na sua capacidade considerável de geração de emprego
e renda, por meio da prestação de serviços (alimentação, atividades diversas, comercialização
de artesanato, etc.) fornecidos na localidade. Além disso, torna-se evidente que a atividade
turística apresenta uma série de vantagens, vis-à-vis as demais atividades produtivas, o que o
torna particularmente interessante como um instrumento de desenvolvimento para as
comunidades locais.
A relevância deste estudo, parte do interesse de evidenciar casos de inovação social.
Grande parte dos estudos sobre inovação tem sido tradicionalmente realizados a partir de
perspectivas mais tecnológicas, geralmente associadas com pesquisa e desenvolvimento
visando a criação ou melhoria significativa de um produto. Desse modo, é importante
evidenciar casos de sucesso de inovação social representados por novas práticas introduzidas
em comunidades (no caso deste estudo), objetivando melhorias econômicas e sociais para a
coletividade, viando satisfazer suas necessidades.
O artigo também apresenta limitações, principalmente o fato de ter explorado um caso
único. Dessa maneira, sugere-se como proposta futura de estudo a aplicação em outros casos,
favorecendo a comparação entre eles.
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