INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IVOTI
CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
KARINA ROSSA
ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE TURNO
INTEGRAL: REVENDO A ROTINA
Professora orientadora: Circe Mara Marques
Ivoti, agosto de 2009
KARINA ROSSA
ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE TURNO
INTEGRAL: REVENDO A ROTINA
Monografia apresentada ao Instituto
Superior de Educação Ivoti como
requisito parcial para obtenção do
título de Especialista em Coordenação
Pedagógica e Orientação Educacional.
Ivoti, agosto de 2009
Ao meu poder superior, que chamo de Deus,
que não me concedeu tudo o que quis, mas me
ofereceu tudo o que eu precisei para atingir
mais um objetivo em minha vida.
Tudo neste mundo tem o seu tempo;
Cada coisa tem a sua ocasião.
Há tempo de nascer e tempo de morrer;
Tempo de plantar e tempo de arrancar;
Tempo de matar e tempo de curar;
Tempo de derrubar e tempo de construir.
Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar;
Tempo de chorar e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntálas;
Tempo de abraçar e tempo de afastar.
Há tempo de procurar e tempo de perder;
Há tempo de economizar e tempo de
desperdiçar;
Tempo de rasgar e tempo de remendar;
Tempo de ficar calado e tempo de falar.
Há tempo de amar e tempo de odiar;
Tempo de guerra e tempo de paz.
...Deus marcou o tempo certo para cada coisa...
...nesta vida, o que a pessoa pode fazer é
procurar ser feliz e viver o melhor que puder...
Isso é um presente de Deus!
Eclesiastes 3, 1- 13.
RESUMO
A rotina é uma organização do tempo e das atividades no tempo, fundamental para a prática
pedagógica na educação infantil. Deve ser uma prática bastante refletida e discutida
democraticamente entre os envolvidos, pois exerce uma função pedagógica de suma
importância, auxiliando na execução do planejamento docente, bem como contribuindo para a
autonomia e construção da noção de tempo dos alunos. Trazendo dados históricos relevantes
sobre a rotina, pesquisando sua importância, refletindo sobre os usos do tempo e analisando
entrevistas sobre a prática na educação infantil, componho este trabalho que visa discutir
acerca do tema e apontar possibilidades.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
1 O TEMPO E AS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS ATRAVÉS DOS TEMPOS ......... 21
1.1 Breve retrospecto do surgimento da educação infantil ..................................................... 21
1.2 A contribuição dos teóricos para a educação infantil ao longo da história ....................... 24
1.3 Objetivos e práticas na educação infantil .......................................................................... 27
2 A ROTINA E O COTIDIANO ESCOLAR ..................................................................... 28
2.1 O quê e para quê? .............................................................................................................. 28
2.2 A rotina rotineira ............................................................................................................... 30
2.3 A criança e o tempo .......................................................................................................... 33
3 ORGANIZANDO A ROTINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUÊ E POR
QUÊ?....................................................................................................................................... 31
3.1 As entrevistas .................................................................................................................... 31
3.2 As atividades que integram a rotina .................................................................................. 32
4 A ROTINA ENTRE CHRONOS E KAIRÓS ................................................................. 37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................
ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
INTRODUÇÃO
As pesquisas explanadas neste trabalho servem para elucidar que as idéias sobre a rotina e
a exploração do tempo na educação infantil trazem muitas possibilidades de discussões. Não
me compete, nem tampouco seja meu objetivo, findar ou apontar verdades sobre esse tema.
Porém, cabe a mim, enquanto estudante e pesquisadora, abrir um leque de idéias e concepções
acerca de um assunto que pode e deve ser sempre discutido, com o intuito de não torná-lo
prática mecânica, mas sim, ato refletido, repensado e ressignificado dentro das escolas de
educação infantil.
Considerando a grande influência exercida pelas questões temporais em relação à
formação do sujeito, especialmente nas construções-bases realizadas nos primeiros anos de
vida, bem como as inúmeras discussões e concepções criadas e ressignificadas acerca deste
tema, pensou-se na relevância da escolha do mesmo para este projeto de pesquisa. Além
disso, o contexto e a realidade do público alvo escolhido para a realização deste trabalho,
expressam a necessidade e o interesse em repensar alguns conceitos temporais, reformulando
e repensando a rotina para um melhor aproveitamento pedagógico, considerando o
desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças de turno integral.
A rotina faz parte da educação infantil e deve ser repensada com freqüência, a fim de que
a sua prática não se torne mecânica, mas sim reflexiva. Ela deve colaborar para os processos
pedagógicos e enriquecer o trabalho docente com os alunos.
Nesse sentido, traçando o objetivo de analisar os aspectos relacionados a organização do
tempo na Educação Infantil de turno integral e embasando uma ressignificação da rotina, a
fim de torná-la mais significativa e colaboradora dos processos educativos na educação
infantil, buscou-se informações e fundamentações através de pesquisas bibliográficas e
entrevistas com professores de educação infantil de turno integral.
Destaca-se como sendo de suma importância para a compreensão de fatos e processos
atuais relacionados à rotina na educação infantil, o conhecimento de como ela foi acontecendo
ao longo dos tempos. Por isso, para organizar a pesquisa, iniciou-se o trabalho com a pesquisa
bibliográfica, sendo que no primeiro capítulo se explanou os aspectos históricos que
contribuíram para o surgimento da educação infantil no Brasil e no mundo. Também nesse
capítulo serão encontrados os pensadores e teóricos que desempenharam papéis importantes
ao longo da história da educação e tiveram suas idéias utilizadas nas práticas das escolas
infantis. Finalizando o primeiro capítulo, conclui-se com os objetivos e práticas encontradas
na educação infantil, partindo do pressuposto histórico pesquisado. Nesse bloco será atingido
o primeiro objetivo específico traçado para esse projeto de pesquisa, que é o de apontar
processos históricos relevantes relacionados ao tempo e às atividades pedagógicas nas escolas
infantis.
No segundo capítulo, ainda utilizando como metodologia as pesquisas bibliográficas,
utiliza-se reflexões acerca do significado das rotinas e suas funções nas práticas conhecidas
das escolas de educação infantil. Analisa-se também os aspectos relacionados a rotina como
algo sempre repetitivo e cansativo, trazendo o dia a dia na escola infantil como algo a ser
repensado. Esse capítulo responde ao objetivo de questionar as reais pretensões com a
institucionalização das rotinas nas escolas infantis. Encerrando o segundo capítulo, traz-se os
apontamentos sobre a influência do uso do tempo na construção temporal das crianças,
refletindo sobre a função da rotina nessa construção.
No terceiro capítulo utiliza-se outra metodologia de pesquisa, que são as entrevistas
realizadas com professores de educação infantil de turno integral de uma instituição privada
do município de Sapiranga. Através das mesmas aponta-se as atividades consideradas como
parte integrante da rotina na maioria das entrevistas, desenvolvendo análises e comentários
acerca delas e trazendo a sua relevância para a prática pedagógica. Coloca-se em destaque,
também, cada uma dessas atividades, bem como algumas considerações interessantes sobre o
desenvolvimento das mesmas no cotidiano da educação infantil.
O principal foco desta pesquisa é refletir e responder a questão sobre como utilizar o
tempo a favor das atividades pedagógicas e da formação da criança de turno integral, partindo
da construção de rotinas dinâmicas e bem estruturadas, partindo de realidades observadas e de
necessidades expressas pelas crianças que frequentam a escola infantil de 8 a 12 horas diárias.
Ao longo do trabalho algumas sugestões, concepções, idéias e possibilidades vão sendo
discutidas e analisadas, destacando a importância da rotina para a formação do sujeito e para a
organização das atividades diárias em uma escola de educação infantil de turno integral.
O último capítulo se refere ao significado do tempo, trazendo definições gregas e
comparando com o contexto encontrado nas rotinas da educação infantil. As ações
pedagógicas e as respostas discentes nos trazem duas formas diferentes de utilização do
tempo, sendo que uma delas é mais quantitativa, referente ao tempo contado, dos relógios e
dos calendários e o outro tempo vivido, aquele que realmente marca a intensidade e o
significado das experiências vivenciadas. Neste bloco do trabalho encontra-se reflexões
acerca de como ocorre o uso do tempo nas rotinas escolares, quais desses dois tempos são
valorizados e qual a diferença deles para a formação integral dos alunos que se encontram nas
instituições infantis de ensino.
Por fim, as considerações finais do presente trabalho são trazidas, não de forma
conclusiva ou de encerramento de uma discussão muito relevante e necessária aos
profissionais que trabalham na educação infantil, que é a rotina e os usos do tempo. Mas sim,
trazendo novas chaves para abrir novas portas de discussões sobre esse tema.
1 O TEMPO E AS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS ATRAVÉS DOS
“TEMPOS”
1.1 Breve retrospecto do surgimento da educação infantil
Analisando a história da humanidade faz-se possível observar que o conceito de
infância e de criança, bem como sua importância, modificou-se significativamente ao longo
dos tempos. Juntamente com essas transformações, surgiram as instituições específicas,
trazidas pelas exigências da modernidade, e, nessa época, surgem as escolas: “organização de
espaços destinados especialmente para educar as crianças”, segundo define Bujes, in Craidy,
2001.
Na Europa, após um determinado tempo do surgimento das escolas, ocorre o
aparecimento das creches e pré-escolas, como consequência das mudanças e necessidades
políticas, econômicas e sociais da época. Primeiramente, ainda no século XVIII, o objetivo
das escolas infantis era evitar o trabalho infantil, criando espaços onde as crianças pudessem
ficar e serem assistidas – caráter meramente assistencialista. Já no século XIX, a função da
escola infantil era compensatória, para suprir as faltas causadas pela pobreza ou negligência
familiar.
Enquanto isso, no Brasil, as primeiras escolas infantis surgiram para amenizar a
grande preocupação causada pelo alto índice de mortalidade infantil, conseqüência,
principalmente, dos nascimentos de filhos de escravas com seus patrões. A responsabilidade
era de profissionais ligados à saúde e não à educação. Por sua vez, a modernidade trouxe as
mudanças nas estruturas familiares, juntamente com a Revolução Industrial, que trouxe a
necessidade do ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Além disso, as escolas infantis
também comportavam os filhos das empregadas domésticas e ainda tinham o atendimento
baseado na higiene e na alimentação. Acreditava-se que essas instituições ligadas ao
atendimento das crianças pequenas fossem capazes de resolver ou amenizar todos os
problemas ou dificuldades ligados à primeira infância, ou seja, tinham um caráter redentor, de
salvar as crianças de todos os males sociais. Considerando esse panorama social, as escolas de
turno integral “substituíram”, em primeira instância, os cuidados e a educação materna.
Kramer, 1992, destaca o interesse e o objetivo da instituições governamentais em relação às
escolas infantis nesse período:
... elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos; regulamentar o
serviço das amas de leite; velar pelos menores trabalhadores e criminosos; atender
às crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas;
criar maternidades, creches e jardins de infância. (KRAEMER, 1992, p 52)
O incentivo à educação infantil veio na década de 70, quando a lei n° 5.692 referiu-se
à conveniência da educação das crianças pequenas em escolas infantis, maternais ou
instituições semelhantes. Em outro artigo, era sugerido que as empresas particulares, que
contavam com mulheres com filhos pequenos em seu grupo de trabalho, ofertassem às
mesmas um atendimento educacional a estas crianças, podendo ser auxiliadas pelo poder
público. Apesar de superficial e mal estruturada, essa lei foi uma alavanca considerável do
estímulo ao caráter sócio-educativo das escolas infantis.
O passo seguinte deste nível da educação foi preparar as crianças para a próxima etapa
do ensino. Este caráter preparatório, existente ainda nos anos 80, via a necessidade de moldar
o indivíduo precocemente, para que este servisse às demandas da sociedade de forma
qualificada, ou seja, o quanto antes se iniciasse o trabalho com a criança, melhor seria o
resultado obtido. Além disso, esse indivíduo, já moldado desde a mais tenra idade, seguiria
com maior naturalidade a ideologia vigente na sociedade.
Finalmente, já nas proximidades dos anos 90, passou-se a se preocupar com a criança
da educação infantil, ou seja, em promover um espaço em que esta pudesse ser respeitada em
suas características próprias e desenvolvida em seu potencial. Surgiram, então, as funções
pedagógicas da educação infantil, com o foco na educação, além de complementar as funções
familiares. Iniciaram-se as substituições das “tias” por professores e profissionais da área da
educação.
Com o passar dos anos, o objetivo da educação infantil veio (e ainda vem) se
aprimorando, mesclando a importância e a associação simultânea do cuidar e do educar,
focalizando, nos últimos anos, um destaque especial para as atividades pedagógicas e, com
isso, a exigência de profissionais especializados e bem preparados para trabalhar na área.
Craidy, 2001, p.24, destaca que na Constituição Federal de 1998 já se mostra, claramente, que
o atendimento nas escolas de educação infantil é um direito tanto das crianças quanto de seus
pais, bem como o dever dessas instituições assumirem um papel educativo e não somente
assistencial.
As atividades pedagógicas, o uso e a organização do tempo nas escolas, bem como a
rotina das atividades das crianças também se modificaram historicamente, variando de acordo
com o foco profissional que lhe era dado. Conforme analisa Barbosa, 2006, p.141:
A preocupação com os usos do tempo sempre se fez presente no
universo da educação. Se procurarmos na história, encontraremos
modos temporais de organização das atividades pedagógicas pensadas a
partir de uma teoria sobre a criança e sua educação e também exemplos
de organização temporal com base nas necessidades orgânicas das
crianças pequenas, quando pautados pela puericultura, ou nas
necessidades psicológicas, quando inspirados por teorias do
desenvolvimento.”
Alguns autores trazem conceitos de infância e educação que nos remetem também as
práticas da rotina utilizando esses mesmos focos. São pólos bem extremos e que sugerem uma
busca pelo equilíbrio entre eles. Ariès, 1978, diz que a infância e a educação vão da
paparicação a moralização da criança. Turner, 1989, fala de outros dois pólos, que é o
relaxamento e as restrições. Lerena, 1983, traz a liberação e a repressão. E ainda Santos, 1995
coloca nos termos emancipação e regulação os dois extremos vivenciados pela educação.
Atualmente, percebe-se uma preocupação com as atividades e usos do tempo
consideravelmente intensa na área especifica da educação, pois a educação infantil passa a ser
assunto para Pedagogos e profissionais especializados, não somente a estudiosos da área da
saúde ou da psicologia. Estes, por sua vez, procuram adequar a rotina e os tempos utilizados
nas escolas de uma forma coesa, abrangendo o desenvolvimento bio-psico-social dos
indivíduos de uma forma saudável e harmoniosa. O interesse fica voltado a proporcionar
espaços, ambientes e atividades que façam da criança um indivíduo saudável e feliz de forma
integra hoje, no presente, e não simplesmente preocupando-se com o futuro e o seu sucesso
escolar posterior, já no ensino fundamental. Corroboro com Aquino, apud Craidy, 2001, p.33:
É fundamental, portanto, compreender que as formas de interação e
controle nesses espaços de educação infantil deverão ter características
lúdicas e educativas, envolvidas pelo processo pedagógico,
considerando que o desenvolvimento infantil se dá numa rede de
significações, onde o adulto, a criança e o meio são os atores
principais.”
Todas essas e outras preocupações que cercam as teorias e práticas na educação
infantil, nos remetem a um nível de ensino onde a função pedagógica é o objetivo primordial,
ou seja, o trabalho realizado com as crianças nesta etapa deve se apossar da realidade e dos
conhecimentos infantis como ponto de partida, ampliando-os através de atividades que
tenham um significado concreto para a vida das crianças e que, simultaneamente, assegurem a
construção de novos conhecimentos. Isso não significa colocar em um segundo plano as
questões ligadas aos cuidados e ao atendimento às necessidades orgânicas e fisiológicas, mas
sim, de uma fusão entre o cuidar e o educar, formando assim, o caráter pedagógico apropriado
a essa fase da vida dos alunos. Atualmente, ainda se reforça essa fusão, acrescentando um
terceiro elemento indispensável no trabalho pedagógico com crianças pequenas, que é o
brincar, necessidade e interesse indispensável no desenvolvimento dos pequenos alunos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( LDB) no seu artigo 29, coloca a educação
infantil como sendo destinada às crianças de até seis anos de idade, com a finalidade de
complementar a ação da família e da comunidade, objetivando o desenvolvimento integral da
criança nos aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e socias. Fica denominada creche, pelo
artigo 30, as instituições que atendem crianças de até três anos de idade, e pré-escola aquelas
que atendem as crianças de quatro a seis anos de idade. Porém, recentemente foram tomadas
medidas legais que modificaram o atendimento das crianças da pré-escola, pois os alunos com
seis anos de idade devem, obrigatoriamente, estar matriculados no primeiro ano do Ensino
Fundamental.
Aos sistemas municipais de ensino compete o cuidado necessário para a
institucionalização da educação infantil em seus respectivos territórios, para que as creches e
escolas se enquadrem, no prazo máximo de três anos, a partir de 1996 (art. 89), nas normas da
LDB, isto é, componham o 1º nível da educação básica (exigência do inciso I, art. 21),
providenciando sua autorização e exigindo de seus professores a habilitação legal em curso
normal médio ou de nível superior (art. 62).
Dando sequência, o artigo 31, determina que, na fase de educação infantil, a avaliação
deverá ser feita apenas mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança e
sem qualquer objetivo de promoção ou de classificação para acesso ao ensino fundamental.
Percebe-se, assim, que, social, pedagógica, científica e legalmente a educação infantil
é reconhecida como fundamental e importante para as crianças nesta faixa etária, conhecendo
e respeitando as particularidades dessa etapa da vida humana.
1.2 A contribuição dos teóricos para a educação infantil ao longo da história
A partir do século XVII começaram a surgir alguns teóricos desenvolvendo pesquisas
e trabalhos acerca da educação de crianças pequenas. O pioneiro nos estudos da educação
infantil foi o teórico João Amós Comênio (1592 – 1657), grande educador e pedagogista da
época, que apresentou à sociedade européia a “Didática Magna”, bem como o “Plano da
Escola Materna”. A grande inovação de Comênio, além de citar a infância como uma fase do
desenvolvimento humano que durava 6 anos, foi a de responsabilizar os pais dessas crianças
pela sua educação nesse período de suas vidas. Na Escola Materna havia uma preocupação
sobre o que deveria ser trabalhado, definido pelo teórico como sendo estudos essenciais: a
Metafísica, Ciências Físicas, óptica, astronomia, geografia, cronologia, história, aritmética,
geometria, estática, artes mecânicas, dialética, gramática, retórica, poesia, música, economia
doméstica, política, moral (ética), religião e piedade. Comênio afirmava, na Didática Magna,
que os principais ramos de uma árvore são despontados nos primeiros anos, depois, apenas
crescem e se desenvolvem, portanto, o que se desejasse em um homem, deveria ser plantado
logo, nesta primeira escola, até os 6 anos de idade.
Já no século XVIII sentiu-se a necessidade de um ensino mais sistematizado,
formalizado, algo que transmitisse instruções as crianças de uma maneira mais técnica. Nesse
contexto surge um dos grandes nomes na história da pedagogia: Jean Jacques Rousseau
(1712-1772), delineando com maior precisão a educação das crianças pequenas, uma vez que
defendeu a idéia de que a criança tem um mundo próprio, carregado de características
específicas, e que não era apenas um homem em miniatura, porém, cabia ao homem adulto
conhecer e compreender esse mundo. Afirmava que, quanto mais o homem se distanciava da
infância, ou seja, à medida que os anos passavam, mais se extraviavam de seu verdadeiro e
importante significado. Rousseau foi um marco inaugural nas pedagogias da primeira
infância, com seu projeto de educação. Rosseau preocupava-se com a fragilidade das crianças
pequenas, demonstrando em suas obras, toda sua preocupação com a infância e considerava-a
marcada pela vulnerabilidade, pois naquela época esse período apresentava grandes riscos à
sobrevivência das crianças. Para ele esse fato não poderia servir como pretexto na limitação
da educação que se impunha a elas, a educação deveria estar vinculada à própria vida da
criança e deveria, em cada fase do desenvolvimento, propiciar-lhe condições de vivê-la o mais
intensamente possível.
Sequenciando os trabalhos de Rosseau, a história da educação infantil contou com
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), contribuindo com a psicologização da educação,
utilizando como base fundamental as necessidades de crescimento e desenvolvimento da
criança. Defendia a intuição e destacava a educação como uma condução das intuições mais
superficiais da criança para outras mais distintas e definidas, ou seja, foi destaque com seu
método que defendia a educação das crianças partindo sempre do mais simples e fácil para o
mais difícil e complexo, afirmando que esse modo permitia uma aprendizagem mais tranqüila
e eficaz.
Friedrich Fröebel (1782 – 1852), aparece com seus idéias e ideais no século XIX, que
tiveram grande influência para a educação infantil, inspirado no amor à criança e à natureza.
Inicialmente, fundamentou seu trabalho nas idéias de Pestalozzi, mas posteriormente, mostrou
sua originalidade criando os “jardins de infância”, onde se cultivava a infância e se destacava
as atividades dos pequenos alunos, compreendendo e defendendo o aspecto educativo do
jogo, das brincadeiras e de toda atividade lúdica. Após a inovação de Fröebel, todos os
estabelecimentos que eram criados para atender crianças pequenas tiveram essa denominação
criada pelo teórico.
Junto com o movimento da Escola Nova, no final do século XIX, início do século XX,
passou-se a focalizar o aluno como figura principal, central, do processo educativo, tirando o
foco do professor, enfatizando o ato de aprender ao invés do ato de ensinar. A Igreja perdeu o
domínio sobre a educação e grandes mudanças sociais aconteciam na época. Então, Ovide
Decroly (1871 – 1932), baseado nos princípios da psicologia, desenvolveu um trabalho com
as crianças ditas “anormais”. Devido ao grande sucesso da sua proposta, estendeu a mesma
até as crianças “normais”, com o intuito de superar e substituir o ensino formalista tradicional
pelo ensino voltado aos interesses das crianças. Para Decroly era fundamental seguir os
interesses dos pequenos, respeitando seus interesses e necessidade, para que conhecessem a si
mesmo e então, partissem para o conhecimento do meio em que viviam. Citou, pela primeira
vez, a dinâmica da globalização e os centros de interesse como metodologia de ensino.
John Dewey (1859 – 1952) denominado como o máximo teórico da escola
progressista, foi considerado um dos mais importantes teóricos da educação. Considerava o
“fazer” como ato importante para o “aprender”, trazendo para a sala de aula o método
científico em forma de experimentações. Dewey escrevia e defendia que:
O que se deve desejar nos educandos – escreve Dewey – é o
inteligente desempenho de atividades com intenções definidas ou
integradas por propósitos pessoais. Com isso é que se forma e se eleva,
grau a grau, a experiência humana em conjuntos de maior sentido e
significação e, assim, mais eficientes na direção das atividades. Bom
ensino só se dará quando os alunos, sob conveniente direção, possam
mover-se por intenções que liguem suas impulsões e desejos a
propósitos definidos, ideais e com valores. (LUZURIAGA, 1989, p.
199)
Dewey tinha como idéias básicas a capacidade de raciocínio e de espírito crítico do
aluno, e o mais importante não era o conhecimento em si, como algo acabado, mas sim, que
os saberes e as habilidades fossem integradas na vida no sujeito enquanto cidadão, ser
humano, pessoa.
Ainda nesse século, em um universo basicamente masculino, surgia Maria Montessori
(1870 – 1952), com significativa participação nessa nova concepção de ensino e
aprendizagem. Sendo médica, fundamentou seu trabalho na biologia do crescimento e
desenvolvimento da criança, defendendo métodos, espaços e materiais adequados às
características dos pequenos, baseando o ensino na exploração concreta desses materiais. Os
princípios fundamentais do sistema montessoriano são a individualidade, a liberdade e a
atividade, dando ênfase aos aspectos biológicos, pois acreditava que era função da educação
fortalecer esse desenvolvimento. Inserida no movimento da escola nova, Maria Montessori se
opunha às pedagogias tradicionais que não respeitavam as necessidades e os mecanismos
evolutivos do desenvolvimento infantil, tendo um destaque especial na sua colaboração com
novas técnicas para a educação de crianças pequenas, principalmente em idade de educação
infantil.
Celestin Freinet (1896 – 1966), por sua vez, entendia que a dinâmica da ação
estimulava as crianças a buscar o conhecimento, sentindo internamente, uma satisfação
pessoal. Para esse teórico, o professor tinha o compromisso de despertar a curiosidade de seus
alunos para que houvesse um aprofundamento maior do saber. A sala de aula precisava ser
um local prazeroso, repleto de muitas práticas e menos teorias. Defendia as aprendizagens
através das experiências e afirmava que o professor precisava ficar observando para saber o
momento certo de intervir e estimular o seu aluno na realização das tarefas propostas.
Já Jean Piaget (1896 – 1980) preocupou-se sempre em como se dava a construção do
conhecimento, pesquisando e aplicando suas idéias com as crianças. É importante destacar,
nas obras de Piaget, vários aspectos relevantes para a educação infantil, dentre eles a
construção do real, a construção das noções de tempo e espaço e a gênese das operações
lógicas.
Semenovich Vygotsky (1896 – 1934) desenvolveu seus trabalhos destacando a importância da
interação e das teorias sócio-culturais para o desenvolvimento e construção do conhecimento
das crianças, articulando-as aos aspectos psicológicos, antropológicos e biológicos.
O caminho trilhado por Vygotsky teve um embasamento nas contribuições de Marx, onde
buscava a compreensão do ser humano em processos constantes de interação social.
Diferentemente de Jean Piaget, esse teórico sempre teve intenções e interesses educacionais
em suas pesquisas e obras, sendo considerado por muitos, o responsável pela elaboração de
uma teoria de educação, enquanto atividade sócio-historicamente determinada.
Considerando tantas contribuições significativas para a educação infantil fica
fortalecida a idéia de que essa etapa do ensino vem ganhando um destaque especial e essa fase
das crianças é pensada e estuda já há algum tempo. A prática e os novos conceitos relativos à
educação infantil nos comprovam novas visões e novos significados nesta área que está em
constante dinâmica e transformação, esclarecendo os novos objetivos e práticas da educação
infantil.
1.3 Objetivos e práticas na educação infantil
Através das pesquisas históricas sobre a educação infantil, percebe-se que a
necessidade por pré-escola aparece, historicamente, como reflexo direto das grandes
transformações sociais, econômicas e políticas que ocorrem na Europa, a partir do século
XVIII. Surgiam então, as creches, com caráter assistencialista, visando afastar as crianças
pobres do trabalho servil que o sistema capitalista em expansão lhes impunha, além de servir
como guardiãs de crianças órfãs e filhas de trabalhadores. Nesse sentido, a pré-escola tinha
como função principal a guarda das crianças, era preciso cuidar das crianças e de seu bem
estar.
Já no século XIX, uma nova função passa a ser atribuída a pré-escola, mais
relacionada à idéia de “educação” do que a de assistência. A função dessa pré-escola era a de
compensar as deficiências das crianças, sua miséria, sua pobreza, a negligência de suas
famílias.
A elaboração da abordagem da privação cultural veio fundamentar e fortalecer a
crença na pré-escola como instância capaz suprir as “carências” culturais, lingüísticas e
afetivas das crianças provenientes das classes populares. Vista dessa forma, a pré-escola,
como função preparatória, resolveria o problema do fracasso escolar que afetava
principalmente as crianças negras e filhas imigrantes, naqueles países. É importante destacar,
que nesse contexto, a idéia da preparação se vinculava diretamente à compensação das
carências infantis.
Essa foi a concepção de pré-escola que chegou ao nosso país na década de 70. O
discurso oficial brasileiro proclamou a educação compensatória como solução de todos os
problemas educacionais, seria a redentora da sociedade e de todos os problemas sociais. A
própria coordenação de Educação Pré-escolar do MEC sugeria, naquela ocasião, a opção por
programas pré-escolares de tipo compensatório.
Pouco a pouco foi sendo explicitado que esses programas de educação compensatória
partem da idéia de que a família não consegue dar às crianças condições para o seu bom
desempenho na escola. As crianças são chamadas de “carentes” culturalmente, pois se parte
do princípio que lhes faltam determinados requisitos básicos capazes de garantir seu sucesso
escolar, e que não foram transmitidos por seu meio social imediato.
A pré-escola, dentro desta visão, serviria para prever estes problemas (carências
culturais, nutricionais, afetivas), proporcionando a partir daí a igualdade de chances a todas as
crianças, garantindo seu bom desempenho escolar.
Nos últimos anos, portanto, se ampliou o questionamento dos programas
compensatórios na medida em que se foi estabelecendo um consenso de que não prestam um
benefício efetivo às crianças das classes populares, servindo, muito ao contrário, para
descriminá-las e marginalizá-las com maior precocidade.
É necessário, portanto, reivindicar uma pré-escola de qualidade, pois se os filhos das
classes médias a conseguem via rede privada, os filhos das classes populares têm direito a
mais do que meros depósitos.
Assim, se por trás do interesse oficial podemos ver um avanço no sentido de uma
maior democratização da pré-escola, é preciso, mais do que nunca, apontarmos para um tipo
de pré-escola que esteja a serviço das crianças das classes populares. Nem depósito, nem
corretora de carências, a pré-escola tem uma outra função, que necessita ser explicitada e
concretizada, que é a função pedagógica.
Por outro lado, a psicologização e a medicalização das relações intra-escolares têm
dificultado o desenvolvimento do verdadeiro e significativo papel da escola, na medida em
que a formação de hábitos e atitudes se tornou tão ou mais importante que o “simples”
ensinar. No que diz respeito, porém, a pré-escola, tal formação de hábito é considerada
praticamente inquestionável, função básica das atividades desenvolvidas. Por outro lado,
revela-se também como fundamental na pré-escola o incentivo à criatividade e as descobertas
das crianças, ao jogo e à espontaneidade, que deveriam permear as relações infantis.
Numa visão apressada, esses dois objetivos poderiam nos parecer contraditórios afinal,
formar hábitos significa treinar, condicionar a regras e padrões estabelecidos, enquanto que,
propiciar o jogo criativo, num clima “espontâneo e livre” requer flexibilidade e possibilidade
de invenção. Mas, numa análise mais cautelosa, podemos perceber que essas duas finalidades
não se opõem, ao contrário, elas se baseiam na mesma concepção abstrata e genérica de
criança, já que não leva em consideração a sua inserção social. Tratam de uma infância fora
da história.
Os dois enfoques se assemelham, na medida em que falta a ambos, a percepção das
crianças como sendo parte da totalidade que as envolve. E é justamente essa ausência que a
instância pedagógica pode preencher, substituindo uma prática “formadora permissiva” por
uma prática política e social.
Quando dizemos que a pré-escola tem uma função pedagógica, estamos nos referindo,
portanto, a um trabalho que toma a realidade e os conhecimentos infantis como ponto de
partida e os amplia, através de atividades que têm um significado concreto para a vida das
crianças e que, simultaneamente, asseguram a aquisição de novos conhecimentos.
Desta forma, um programa que pretenda atingir tais objetivos não pode prescindir de
capacitação dos recursos humanos nele envolvidos, nem tampouco de supervisão constante do
trabalho. A capacitação (prévia e em serviço) e a supervisão, aliados à dotação de recursos
financeiros específicos, bem como à definição da vinculação trabalhista dos recursos
humanos, se constituem em condições capazes de viabilizar, então, um tipo de educação préescolar que não apenas eleve seus números, mas, principalmente, a qualidade do serviço
prestado à população.
Assim, se as atividades realizadas na pré-escola enriquecem as experiências infantis e
possuem um significado para a vida das crianças, elas podem favorecer o processo de
alfabetização, quer a nível do reconhecimento e representação dos objetos e das suas
vivências, quer a nível da expressão de seus pensamentos e afetos.
Então, as formas de representação e expressão vão se diversificando, aos poucos, e se
tornando mais complexas: de início são motoras e sensoriais (aparecem basicamente com
ação); em seguida, simbólicas (aparecem como imitação, dramatização, construção,
modelagem, reconhecimento de figuras e símbolos, desenho, linguagem); posteriormente são
codificadas (aparecem como leitura e escrita). Compreender que a alfabetização tem esse
caráter dinâmico de construção significa compreender que os mecanismos da leitura e da
escrita se constituem uma parte integrante do processo, que é beneficiada pelas etapas
anteriores.
Nossa ênfase recai sobre o papel efetivo que a pré-escola desempenha, do ponto de
vista pedagógico, garantindo às crianças a aquisição gradativa de novas formas de expressão e
reconhecimento-representação de seu mundo.
Se uma pessoa não fala, nossa atuação se dirige antes a proporcionar sua fala do que a
ensiná-la a falar corretamente. Corrigir seus erros, antes que ela possa falar, seria levá-la a se
calar. Similarmente, assegurar a compreensão por parte da criança de que ela lê quando
identifica um objeto, um gesto, um desenho, uma palavra e ainda propiciar a confiança dessa
criança na sua própria capacidade de entender e se expressar sobre seu mundo, precede o
ensino das técnicas de leitura e escrita e, sem dúvida, o beneficia.
Uma programação pedagógica deve ser pensada a partir do conhecimento dos alunos
em suas múltiplas dimensões e das necessidades sociais de aprendizagem que lhes são
propostas.
Destacando-se para assumir o ponto de vista da criança enquanto avalia caminhos
capazes de se mostrarem mais produtivos para ela, o professor pode criar um ambiente
educativo que propicie a realização de atividades significativas em que a criança procura
explicar o mundo em que vive e compreender a si mesma. Aí sim haverá uma preocupação
com a criança em seu momento atual, proporcionado a ela bons momentos para que viva de
forma feliz.
2 A ROTINA E O COTIDIANO ESCOLAR
2.1 O quê e para quê?
O conceito da palavra rotina pode ser encontrado em alguns dicionários da Língua
Portuguesa como uma prática costumeira, uma norma ou maneira constante de proceder.
Cunha, 1982, afirma que sua utilização na língua portuguesa surge em 1844, significando uma
noção de espaço, vinculada a um caminho, direção, rumo. Seu significado nas salas de aula da
educação infantil vai mais além. Ela representa uma estrutura fundamental, que sustenta as
ações pedagógicas com as crianças pequenas e que pode ser, inclusive, uma referência de
suma importância para a orientação temporal e construção da noção de tempo dessas mesmas
crianças. A rotina serve, também, como uma guia para o planejamento, gerenciando as
atividades pedagógicas dentro de uma sequência lógica adequada de uso do tempo e do
espaço.
Bassedas, Huguet e Sole, 1999, colocam a rotina como atividades que são realizadas
todos os dias, de uma maneira estável e muito pautada pela pessoa adulta. Ainda reforçam
que:
Queremos destacar que a palavra “rotina” tem, no seu sentido habitual, um caráter
pejorativo, porque nos faz pensar em conduta mecânica [...] Tratam-se de situações de
interação, importantíssimas, entre a pessoa adulta e a criança, em que a criança parte
de uma dependência total, evoluindo progressivamente a uma autonomia que lhe é
muito necessária. (BASSEDAS, HUGUET, SOLÉ, 1999, p.148)
Em inúmeras situações do nosso dia a dia escuta-se comentários sobre a rotina de
forma bastante negativa, por exemplo, se algo “cair na rotina”, está num momento crítico e
preocupante de desmotivação, de ação sem reflexão pois é sempre a mesma coisa. Na rotina
da educação infantil, a proposta é de utilizar a rotina como base para a organização
pedagógica nas salas de aula, sendo trabalhada de forma a contribuir para o trabalho docente e
para o desenvolvimento dos educandos.
Segundo as orientações do RCNEI, deve ser estabelecida na educação infantil uma
rotina na qual será organizado o tempo do trabalho educativo realizado com as crianças e nela
devem ser contemplados os cuidados, as brincadeiras e as situações de construção de novos
conhecimentos. A organização dessa rotina pedagógica de uma turma estrutura o cotidiano
escolar e representa para professores e crianças uma fonte de segurança, fornecendo subsídios
para prever a sequência do trabalho, diminuindo a ansiedade acerca do desconhecido e
organizando o tempo e os espaços disponíveis.
21
De acordo com Barbosa, 2006, existe uma importante diferença entre a rotina e o
cotidiano, que precisa ser destacada, considerando um grande erro a utilização de ambos
como sinônimos. A autora ainda afirma que a própria nomenclatura da rotina pode ser
variada, podendo ser chamada de horário, emprego do tempo, seqüência de ações, trabalho
dos adultos e das crianças, plano diário, rotina diária, jornada, etc. Mesmo assim, torna-se
fundamental reforçar que se faz necessário o cuidado em observar a diferença entre essas
duas palavras e seus significados, valendo-se de seus objetivos marcantes, apesar de
conterem pontos em comum.
O cotidiano diz respeito ao tempo vivido e usufruído, tendo um caráter bastante
próprio e individual de quem vive aquele determinado momento, enquanto a rotina se refere a
uma construção, a uma organização deste tempo cotidiano, ou seja, está impregnada
culturalmente e socialmente, sendo influenciada por costumes, regras e tradições sociais.
Pode-se dizer que a rotina está dentro de um processo de socialização, organizado dentro de
rituais pré-determinados. A rotina pode ser vista como a parte fixa do cotidiano, a espinha
dorsal, que serve como sustentação. Mas outros estudos negam que deva ser tão fixa, podendo
ser investida, criativamente alterada.
Todas as atividades que acontecem nas escolas infantis exigem uma importante
organização para que se possa realizá-las de uma maneira coerente e eficaz, ou seja, não se
pode simplesmente definir no exato momento em que se está em uma determinada situação o
que irá ser realizado com as crianças. Chegando na escola, às 8 horas, por exemplo, a
professora não poderá decidir, naquele momento, que fará o horário do almoço e, que depois,
as crianças farão a atividade livre na pracinha. Incoerentemente, o almoço não poderá ser
oferecido às 8 horas da manhã, e também não seria recomendável uma atividade tão agitada
na pracinha após a refeição do almoço. A rotina nos permite a organização desse tempo
cotidiano considerando alguns aspectos importantes para a realização das atividades
pedagógicas.
Primeiramente, faz-se relevante lembrar das necessidades biológicas das crianças. Nesse
aspecto, considera-se as necessidades físicas e biológicas dos alunos, em determinadas horas
do dia, ou seja, como se manifestam nas diversas horas do dia e como a rotina pode
corroborar positivamente para o desenvolvimento das mesmas nesses períodos. Além disso,
destaca-se ainda as características da faixa etária, englobando além dos aspectos biológicos,
os psicológicos e sociais também. Em cada fase da vida o aluno manifesta interesses e
necessidades bem peculiares, que precisam ser conhecidos, analisados e considerados no
momento da organização da rotina. Por exemplo, quanto menores as crianças, maior a
necessidade do descanso através dos momentos do sono, bem como menor o tempo de
concentração em determinadas atividades dirigidas. Ressalvo que uma vez que se considere a
22
importância da rotina respeitar essas características infantis, seria contraditório estipular, por
exemplo, quanto tempo as crianças devam levar para concluir uma determinada atividade, ou
mesmo uma refeição. Neste caso, estaria se utilizando a rotina a fim de padronizar atitudes e
condutas, esperando que com o estabelecimento da rotina, as ações dos alunos ficassem mais
previsíveis e, com isso, facilmente controladas.
O funcionamento da instituição como um todo também precisa se adequar a essas
necessidades dos alunos, para que, então, possam ser consideradas no momento de organizar
uma rotina escolar. É preciso ficar atento ao funcionamento da coletividade, uma vez que se
está inserido dentro de um grupo social, dentro de uma instituição. Porém, a escola precisa
disponibilizar recursos materiais, como salas, brinquedos e materiais pedagógicos, bem como
recursos humanos, um número adequado de funcionários para que se possa realmente praticar
uma rotina saudável e que tenha no aluno o seu foco principal.
Tendo em vista os aspectos anteriores, chega o momento de selecionar atividades
importantes ao desenvolvimento infantil, permitindo que as crianças sejam estimuladas e
permaneçam em um ambiente agradável e pedagogicamente construído pensando no seu bem
estar como um todo. Os alunos devem ter as opções e intervenções docentes durante o período
em que permanecem na escola, contudo, o tempo não é ditado pelo educador, mas sim, pela
criança que tem sua individualidade e seu próprio tempo para realizar as tarefas e elaborar
seus conhecimentos. É importante lembrar que em uma instituição onde os alunos
permanecem em turno integral, torna-se imprescindível uma comunicação efetiva entre os
profissionais de ambos os turnos, pois é necessário que haja um elo de ligação entre as
propostas de um turno e de outro, para que as atividades não fiquem dissociadas umas das
outras, correndo riscos de repetição ou falta de sequência. Essa sequência tem um significado
muito importante para a criança, como afirma Barbosa, 2006, p. 145:
O objetivo dessa seqüência é que, na relação com as pautas temporais, mais ou menos
estáveis, a criança comece a diferenciar seu tempo interno do tempo exterior, a
construir hábitos sociais coletivos e a diferenciar momentos do dia.
Nesse sentido ainda, corroboro com Martín, 1996, p. 53, quando esclarece os
benefícios da sequência de fatos e atos na escola infantil:
As crianças necessitam, portanto, de que os fatos se sucedam de uma forma mais ou
menos estável, configurando um ciclo que lhes proporciona segurança e eficácia em
suas ações (...) as percepções e sentimentos que configuram a vida cotidiana se
organizam em torno de fatos passados (lembranças) e de predestinações futuras
(espera) que se integram em esquemas de ação e estruturas mentais capazes de ir
resolvendo os diferentes conflitos emocionais e de permitir a adaptação ao seu meio.
23
Além dessa sequência de atividades, Barbosa ressalta também os cuidados que se
fazem necessários com os tempos de transição entre uma e outra atividade, lembrando que
existem muitas convenções e estereótipos que disfarçam ordens, e estas, por sua vez, ditam os
movimentos e comportamentos dos alunos na troca de atividades. Assim sendo, a autora
destaca que é preciso compreender a importância da articulação entre as atividades, ou seja,
uma complementando a outra, sem horários pré-determinados para início e fim, ou com
fragmentações do tempo nas atividades. A prática fragmentada das atividades e dos usos do
tempo na rotina, faz lembrar as disciplinas e as grades de horários do ensino fundamental,
onde o momento da transição representa a abertura de uma gaveta do conhecimento e o
fechamento de outra. Como o próprio nome sugere, as grades aprisionam os conhecimentos
em horários estipulados e rígidos, normatizando como devem acontecer cada aprendizagem
em um determinado período de tempo. Na educação infantil, ao menos, tentemos desmitificar
essa prática, por uma prática de maior liberdade na construção do conhecimento e nas
experiências de nossos alunos, uma vez que a proposta é que sejam eles mesmos sujeitos
principais de suas aprendizagens, e têm seu ritmo próprio que precisa ser respeitado.
Quando destaco essa liberdade nos usos do tempo nas atividades de rotina, não sugiro
uma prática desorganizada ou não planejada. Ao contrário disso, o professor precisa de muito
preparo e planejamento para se adequar as necessidades dos indivíduos e mediar as relações
entre o aluno e o conhecimento. Algumas práticas sugerem, inclusive, a exposição das
diversas atividades planejadas pelo dia à disposição dos alunos, bem como os materiais e
recursos necessários, para que estes possam interagir e decidir, auxiliados pelo professor, qual
proposta desejam realizar em determinados momentos do dia.
A rotina proposta em cada instituição dependerá da pedagogia implementada neste mesmo
local, ou seja, como são múltiplos os enfoques pedagógicos, também poderão ser múltiplos
os enfoques dados à rotina.
Existem algumas instituições que não demonstram grande preocupação em compartilhar a
organização da rotina com todos os envolvidos nesta prática pedagógica, determinando
horários, métodos e atividades de forma definitiva e nada flexível. Porém, muitos autores
defendem, na atualidade, a relevância da participação ativa dos alunos maiores nas definições
e organizações de suas rotinas de sala de aula, dando espaço a uma educação mais
democrática e adequada aos interesses e necessidades individuais. Conforme afirma Batista,
2009, comprometimento precisa ir além da sala de aula:
24
O que se percebe, no cotidiano da educação infantil, é que existe, ainda, uma grande
distância entre o que se pretende e o que se realiza, o que se “quer fazer” e o que se
“pode fazer.” A implementação de uma proposta de caráter educacional-pedagógico1
que possibilite às crianças a vivência digna dos seus direitos e se contraponha ao
caráter assistencialista, espontaneísta ou compensatório de educação, exige, além da
vontade dos profissionais2, o comprometimento político pedagógico da instituição, das
agências formadoras, dos governantes e dos pesquisadores que contam hoje com um
vasto campo de investigação ainda em aberto, principalmente no que diz respeito à
caracterização do trabalho realizado nas creches e pré-escolas. ( BATISTA, 1998, p.
83)
Além dos alunos, seria interessante a participação dos pais dos alunos na construção da
rotina, ou seja, através de entrevistas ou mesmo de conversas informais com os mesmos, o
professor coletaria informações importantes sobre a rotina do aluno em sua casa, seus
hábitos e suas características individuais, para que pudesse aproximar sua vivência escolar
da sua vivência familiar e, com isso, contribuir para uma educação mais globalizada e
harmoniosa.
Dentro desse contexto considero interessante exemplificar essa teoria com a prática
pedagógica de elaborar cartazes, murais ou varais com a rotina exposta, ou seja, as diversas
atividades que serão realizadas durante o dia, principalmente quando se utilizam fotos ou
figuras simbólicas para ilustrar as atividades. Essas atividades contribuem de forma muito
significativa para o aprendizado dos alunos, corroborando para a organização individual
dos mesmos e assim, gerando maior segurança e autonomia.
É de grande importância para o desenvolvimento da confiança e segurança infantil que
haja alguns pontos de referencia estáveis na rotina, que se repetem, permitindo aos alunos
uma certa previsão daquilo que está para acontecer. No momento que estão guardando os
brinquedos do pátio, logo se sugere que irão deixar o local e voltar para a sala de aula, por
exemplo. Essa regularidade de ações proporciona ao educando a orientação necessária para
que ele se organiza internamente e vá construindo a sua noção de tempo, e, com isso, sua
autonomia, uma vez que já sabe o que vai preceder determinada atividade e pode ir se
organizando para tal sequência de atividade sem necessitar da ordem do adulto.
Partindo da premissa que as dimensões corporal, cognitiva e afetiva das crianças
constituem processos que se dão num todo, numa relação de reciprocidade e de
complementaridade é que se faz necessário que o tempo e o espaço estejam organizados, de
modo que se respeite a lógica do tempo e do espaço da vida humana nestas diversas
dimensões. Por ser construída por adultos, algumas vezes a rotina é organizada obedecendo
critérios e lógicas consideradas muito relevantes pelo adulto, bem como a importância que o
mesmo dá para determinadas atividades. Porém, o contexto do desenvolvimento infantil e
suas lógicas próprias são ignorados. É nesse espaço e nesse contexto pedagógico que surge a
rotina, como forma de organização do cotidiano escolar das crianças pequenas, visando o
melhor aproveitamento do tempo, considerando sempre alguns aspectos fundamentais para a
25
sua implementação. Nem sempre o que é extremamente valorizado pelos adultos seja o que a
criança mais necessita ou se interessa no momento. Sob essa discussão podemos também
destacar se o objetivo primordial e principal da rotina vem sendo lembrado e praticado, ou se
acaba gerando uma preocupação com o controle coletivo dos alunos e, com isso, perdendo o
seu foco principal. Nesse sentido é possível perceber que a organização da rotina praticada no
cotidiano pode marcar em cada corpo uma forma de se ver, de se narrar, de se manifestar, de
se relacionar consigo e com os outros, determinando uma posição de sujeito, um molde
considerado adequado e próprio. Como se esse fosse um aprendizado de como ser uma boa
criança-escolar, tendo uma disciplina contínua, persistente e que se torna mecânica. Sabe que
precisa fazer, que deve realizar, mas não sabe o porquê, nem para quê.
Ao se estabelecer a rotina dentro do ambiente escolar torna-se imprescindível destacar a
necessidade de definir os objetivos aos quais ela estará vinculada, sendo assim, será
possível nortear as ações e o tempo das mesmas para serem contemplados por essa rotina.
Partindo de algumas pesquisas, observações e experiências docentes, destaco algumas
metas que considero fundamentais para que tracemos uma rotina prática e eficiente.
Primeiramente, a rotina precisa gerar socialização. Ela depende da interação e da
integração dos membros envolvidos nas ações, sejam adultos, crianças, colegas,
educadores e alunos. Além disso, um dos principais objetivos da própria educação infantil
é o da sociabilidade. Em seguida, precisa favorecer a aprendizagem dos conteúdos a que se
propõe desenvolver, seguindo o plano da escola e do nível de ensino, para que haja a
contribuição da mesma para o desenvolvimento infantil de forma integral. Será importante,
inclusive, que todos os envolvidos nas ações pedagógicas tenham funções e
responsabilidades a si delegadas pela organização da rotina, destacando sua importante
participação e a valorização de sua individualidade e de suas potencialidades. Rotina
remete, inclusive, à organização. Saber o que, como e quando fazer é um ponto
fundamental para os profissionais envolvidos na prática escolar, seja direta ou
indiretamente agindo com os alunos. O quarto ponto a ser destacado é a possibilidade de
utilizar situações diárias para ampliar e enriquecer as vivências dos alunos, repensando e
reestruturando a vida cotidiana. Por último, valer-se da flexibilidade necessária para
propiciar alternâncias e variações, pois nem sempre tudo é previsível e calculável ao se
tratar de crianças tão pequenas, ainda conhecendo a si próprias e ao mundo ao seu redor, e
com comportamentos e características resultantes de suas experiências e vivências trazidas
do seu contexto familiar e social.
Atualmente percebe-se uma grande variedade cultural na nossa sociedade, fato que se
faz presente nas nossas escolas, uma vez que cada criança traz consigo uma bagagem própria
e culturalmente construída que exerce influência direta ou indireta nos seus processos de
construção do conhecimento. Contudo, questiona-se se o papel atual da escola, e,
consequentemente, da rotina escolar, tem sido o de privilegiar a diversidade cultural ou de
homogeneizar e disciplinar corpos.
A pedagogia tradicional reforça a obediência das crianças aos adultos, a heteronomia
ao invés da autonomia, ou seja, a dependência de ordens para realizar as ações. Assim sendo,
26
forma-se crianças moldadas de acordo com os interesses do docente, do adulto, sendo ele o
centro do processo educativo. Acrescento com Lisboa, 1998:
Chega ao colégio e – surpresa! – pedem-lhe que faça um navio. A coisa que ele mais
gosta: desenhar. Faz um navio lindo, redondo como a lua, cheio de árvores no interior e
com dois bichos nadando – elefantes, diz ele. A professora olha a obra de arte, pergunta
o que é e recebe a resposta: ‘Um navio!’ Carinhosamente, a professora vai até o quadro
e desenha um navio clássico, com velas, proa e popa, um digno navio de adulto, e diz:
‘João Paulo, isto é um navio e elefante não nada!’ João Paulo havia feito um navio
original, diferente dos outros, lindo, nunca feito por alguém. Havia criado o primeiro
navio redondo, e a professora, que seguramente não havia lido O Pequeno Príncipe,
deu-lhe uma lição de como as pessoas devem ser bitoladas desde criancinhas.
(LISBOA, 1998, p. 15)
Acreditamos em uma pedagogia que reforça a autonomia e independência das
crianças, colocando essas práticas como principais objetivos da educação infantil, juntamente
com a socialização. Pensamos em formar indivíduos pensantes, críticos e participativos, além
de pesquisadores e sujeitos de suas aprendizagens e construções, afirma a maioria dos textos
em que se expõe a filosofia das escolas. Porém, cabe refletirmos se realmente a nossa prática
pedagógica está condizente com essas teorias, ou se a organização da nossa rotina vem para
fortalecer a emancipação ou a submissão dos indivíduos, a espontaneidade ou o
espontaneísmo, a autoridade ou o autoritarismo, a diversidade ou a homogeneidade.
Percebe-se com frequência em muitas práticas docentes atuais, que os espaços e os
tempos da educação infantil ainda revelam muito a ordem, a estética, a previsibilidade, o
controle da lógica do adulto. Pensar a educação infantil como espaço que propicie a
emancipação, exige a recusa das práticas excessivamente reguladoras, homogêneas,
generalizadas e impessoais. Por isso, faz-se necessário buscar nas crianças, nas suas práticas,
nos seus modos de ser, a possibilidade da construção de novos tempos e espaços em que elas
sejam respeitadas como crianças e possam viver como crianças. Não aspiramos e nem
podemos praticar uma educação que prepare para a emancipação, se no momento em que a
criança está não lhe é permitido a vivência das múltiplas possibilidades que a infância oferece.
Muitas vezes observamos práticas atreladas a uma visão preparatória da educação infantil,
seja para disciplinar os pequenos a domesticar o corpo para ficar sentado em cadeiras e
classes no ensino fundamental e, com isso, “aprender a lição”, ou preparando para o mundo
adulto e suas múltiplas responsabilidades. Então, a criança passa a educação infantil toda
sendo preparada e moldada, com a ajuda da rotina e poucos se questionam: mas quando
mesmo ela vai viver a infância? Barbosa, 2006, p.141, afirma que:
Entretanto, algumas instituições tentam aderir a um novo tipo de marcação do tempo
e de inserção do tempo do capital no da vida das crianças, e um dos exemplos mais
27
flagrantes na educação infantil pode ser visto com a antecipação, com a aceleração
que incentiva as crianças pequenas a iniciar com determinadas atividades mais cedo,
antes de e, se possível, cada vez mais rápido, para que adquiram um maior número de
habilidades para competir no mercado.
Almeida e Mahoney, 2000 p.79, afirmam que: "A criança deve freqüentar a escola
para se instruir e para ficar familiarizada com um novo tipo de disciplina e de relações
interpessoais, cabendo à escola maternal o papel de preparar a criança para sua emancipação
futura." Porém, analisando essa afirmação, cabe-me discordar da interpretação que tive da
mesma, pois, fica explícita uma idéia de controle, onde a disciplina não aparece como um
sinônimo de auto-conhecimento e auto-descoberta, mas sim, de que os alunos só serão
emancipados futuramente se forem submetidos a disciplina dos corpos. Interessante lembrar
nesse momento que a idéia da educação infantil não é a de preparação para uma vida futura,
mas sim, a de vivenciar intensamente todas as possibilidades dessa vida atual, desse momento
que a criança vive na escola infantil. Quanto mais prazerosa e interessante a experiência da
criança na educação infantil, mais fortalecida estará a base para as posteriores fases, mas
desse ponto de vista enxergamos e pensamos a criança hoje e não no futuro, pois tudo é um
processo a ser construído e o futuro acaba sendo uma consequência do que ela vive no
presente.
Bassedas, Huget e Solé, 1999, afirmam que:
O tempo de aprender e o tempo de viver e crescer não estão separados e, em todo o
momento, a criança cresce e aprende graças à ação educativa das pessoas que a
envolvem ... e às experiências que têm no seu contexto. (BASSEDAS, HUGET,
SOLÉ, 1999, P. 100)
Nesse sentido, quando se planeja e organiza o tempo na educação infantil, se faz
necessário o cuidado e a atenção com todos os momentos do período em que os alunos
passam na escola, valorizando cada aspecto que os compõe e considerando a importância de
cada ação pedagógica para o desenvolvimento dos mesmos.
Ramos, 1998 reforça a idéia de ainda percebe em suas investigações a rotina diária
muito ligada à disciplina e ao autoritarismo ao invés da construção do tempo pela criança.
Desse modo, percebe a ausência da participação das crianças na construção e transformação
da rotina. Assim sendo, elas ficam meras receptoras do que é criado pelo adulto e
reprodutoras de um sistema de rotina pensado como ideal para elas.
2.2 A rotina rotineira
28
Ao tecer a idéia de uma rotina que propicie uma organização prazerosa do cotidiano,
logo remete ao conceito pejorativo da rotina, ou seja, quando nos referimos à rotina falando
de algo sempre igual, corriqueiro, monótono. Socialmente falando, existe uma visão de rotina
como algo que não pressupõe novidade, inovação, mas que se repete de uma forma
sistemática e mecânica. Insisto muito na idéia de que nada na nossa prática pedagógica pode
se tornar mecânico, ou seja, executado de uma forma como sempre costumava ser, sem exigir
nenhuma reflexão ou ressignificação.
A repetição de ações não precisa, necessariamente, ser algo negativo, afinal, ela faz
parte do universo infantil, observável nas brincadeiras e nos jogos das crianças. Segundo
Freud, a repetição de um mesmo ato possibilita a simbolização de uma situação. Em relação
às rotinas na educação infantil, a repetição pode dar às crianças o sentido de continuidade, de
uma seqüência lógica. Rabitti, 1999, em relação a repetição na rotina, afirma que:
Embora possa parecer que o temo “repetitivas” as conote negativamente, essas
atividades de rotina não deveriam ser subestimadas, porque não se deveria esquecer a
necessidade do ritual na formação das crianças, a importância da repetição como
aspecto fundamental para o desenvolvimento cognitivo e psicológico das crianças...
(RABITTI, 1999, p.90)
Porém, não significa que as atividades precisem ser sempre as mesmas, gerando nos
alunos uma sensação de desmotivação e desgosto, uma vez que não há novidades ou outro
estímulo pelo qual os alunos possam aguardar.
Conforme afirma Freire, 1993, abominando a rotina rotineira, diz que a rotina precisa
dar espaço para o pulsar de vida e os desejos dos educandos e das educadoras.
Cada momento da rotina, em algum dia especial, pode trazer algumas surpresas para
os pequenos. Por que não a salada do almoço vir servida em uma caixa surpresa? E nesse
instante, a hora da refeição se tornar a atividade dirigida? Ou então, a atividade artística sair
de dentro da sala de aula e de cima das mesas, indo para o pátio gramado ou para a pracinha
com areia? É a atividade dirigida transformando-se em brincadeira livre. De repente, a hora
do conto de algum dia pode não ser contada até o final, mas deixar um suspense para o dia
seguinte. São pequenas ações que podem tornar as atividades de rotina bem surpreendentes,
provocando o aluno a uma breve instabilidade momentânea que o estimule ao interesse e a
participação nas aulas, provocando um prazer agradável e saudável para a criança. Desse
modo, vir a aula pode se tornar mais motivador e prazeroso. Isso não significa que seja
necessário fazer da escola uma festa ou um circo, mas sim, um local onde a construção do
29
conhecimento aconteça de forma divertida e interessante, não obrigatória e cansativa.
Pensemos que legal em um determinado dia, o ato de guardar os brinquedos, que nem sempre
é bem quisto pelos alunos, se transformar em um jogo de basquete onde vão arremessando os
bichinhos de borracha para dentro do baú respeitando uma determinada distancia?
Retomando a questão das características da faixa etária citada no início deste capítulo,
vale lembrar que nessa idade da educação infantil é comum as crianças cansarem rapidamente
de uma determinada atividade, o que faz com que percam o interesse e desviem o foco da
atenção para outro lugar ou atividade. Com o passar do tempo, podem associar determinadas
atividades que se estendem com monotonia e recusarem a realização das mesmas.
Aspectos como a mudança de ambientes para a realização de determinadas atividades,
a oferta de materiais e técnicas diferenciadas, a inversão da seqüência de atividades,
previamente combinada com o grupo de alunos, podem ser ações favoráveis a rotina escolar,
tornando-a estimulante e desafiadora, e, assim, valorizando os aspectos que compõem o dia a
dia na escola.
Outra questão bastante relevante nessa faixa de idade é o imprevisto. Situações não
planejadas que ocorrem inesperadamente e fazem com que o docente precise alterar as
atividades planejadas acontecem com freqüência na educação infantil e também fazem com
que a rotina do dia seja modificada. Segundo Bassedas, Huguet e Sole, 1999:
Quando trabalhamos com crianças desta idade, temos que estar treinados a sermos
flexíveis e receptivos para modificar os planos previstos em função dessas
observações do contexto e do estado emocional e físico das crianças. (BASSEDAS,
HUGUET, SOLÉ, 1999, p.101)
O fato das crianças de turno integral passarem entre 8 e 12 horas na escola infantil traz
a necessidade de repensar com mais cuidado e atenção as atividades e a repetição das mesmas
durante esse período, uma vez que, normalmente, a seqüência realizada no turno da manhã,
normalmente é repetida com algumas alterações no turno da tarde, tornando o dia a dia mais
cansativo, estressante e monótono para as crianças. Fantin, 1996, p.144 afirma que:
Mas por que será que este ritual tem tão poucas surpresas, tudo é sempre tão igual
marcando o tempo e as relações entre as pessoas e definidos, uma temporalidade não
apenas das crianças, mas de pais, profissionais, enfim, de gerações. Afinal, o
acontecer de coisas novas e inesperadas é fundamental para ampliar as experiências
infantis, pois as novidades também podem ser planejadas, inclusive apoiando-se na
própria estrutura deste ritual – escolar – marcado pelo uso do tempo em várias
atividades que determinam os diferentes momentos que as crianças ali vivem.
30
O bom senso e o equilíbrio na hora de intermediar as novidades e surpresas com a
repetição e a seqüência de atividades é a principal característica que vai diferenciar a escola
agradável e prazerosa da escola que vira festa ou circo. No momento em que planejamos
surpresas diariamente em nossas aulas e em diversos momentos do dia, as crianças não serão
mais surpreendidas positivamente e a surpresa passa a ser rotineira. Perde-se aí, o valor dessa
preciosidade na rotina da educação infantil.
O nosso principal propósito enquanto profissionais da educação infantil é proporcionar
um ambiente estimulante onde se desenvolvam habilidades, competências e potencialidades.
O interesse dos alunos pela escola é de suma importância para o sucesso do trabalho docente,
portanto, em primeiro lugar, conquistar a confiança e trazer o aluno para a escola com prazer
e alegria deve ser o primeiro compromisso do docente. Barbosa, 2006, p.25, coloca a tristeza
de Pinóquio em saber que precisaria freqüentar a escola e traz esse trecho como uma reflexão
do que realmente significa a regulação da escola no cotidiano infantil:
Canta, meu grilo, como preferires: mas eu sei que amanhã, no alvorecer, vou embora
daqui, porque, se fico aqui, acontecerá a mim aquilo que acontece a todos os meninos,
isto é, terei de ir para a escola e, por amor ou por força, terei de estudar; e eu, vou te
dizer em confidência, de estudar não tenho nenhuma vontade e me divirto mais
perseguindo borboletas e subindo nas árvores para pegar os passarinhos nos ninhos.
(COLLODI, C. As aventuras de Pinóquio apud BARBOSA, 2006)
Este trecho nos trás uma grande reflexão sobre a visão que as crianças muitas vezes
têm das escolas. Um local feito para cumprir obrigações, aprender, ser inteligente e obedecer.
Enquanto isso, os alunos esperam ansiosamente por momentos de diversão, troca e
ludicidade, onde realmente pudessem manifestar seus talentos, seus potenciais e suas
competências, mediados por adultos capacitados e preocupados com o seu bem estar.
Essa preocupação aumenta quando falamos em educação infantil, pois ainda têm-se
essa etapa da escolaridade como não obrigatória legalmente, mas, mesmo assim, trás consigo
uma carga já bastante pesada de conteúdos, normas e regras, para crianças tão pequenas que
ainda estão se descobrindo e descobrindo o mundo a sua volta, carregadas de vontades,
desejos, curiosidades e energias, que muitas vezes, são adormecidos pela rigidez da rotina
escolar e pela domesticação dos corpos que devem ser educados e controlados.
2.3 A criança e o tempo
31
Como já foi citado anteriormente, as crianças na educação infantil de turno integral
passam em média, 8 a 12 horas dentro da escola. Por isso, a preocupação com os usos do
tempo no período em que elas permanecem na instituição de ensino deve ser constantemente
refletida.
A rotina tem uma ligação direta com os usos do tempo, uma vez que serve para
organizar a seqüência de atividades do dia para que o tempo seja melhor aproveitado tanto
pelos professores como por seus alunos. Umas das grandes preocupação com o uso do tempo
na escola infantil é com relação ao tempo vivido pelos alunos e seus longos períodos de
espera. Há que se problematizar a existência de longas esperas de crianças e bebês em filas,
nos berços, nas camas, nas mesas, nos momentos introdutórios à entrada e saída diária. As
crianças também esperam para uso do banheiro ou para ter as fraldas trocadas, para se iniciar
as refeições, e outras esperas mais. Percebe-se que há ainda muito tempo ocioso para os
alunos, onde se gasta muito tempo aguardando os acontecimentos sem ter o que fazer e pouco
tempo realizando realmente as atividades pelas quais tanto se esperou.
As filas, ainda
incorporadas nas práticas cotidianas como uma forma de organizar o deslocamento das
crianças, precisam ser revistas, pois, como se apresentam, estão descoladas das práticas
sociais e representam mais uma necessidade de controle dos adultos do que uma das formas
possíveis de se organizar os deslocamentos das crianças. Além disso, se perde muito do
valioso tempo em que poderiam estar fazendo descobertas e construindo aprendizagens
significativas, para conseguir deixa-los em uma fila organizada.
Na ausência do planejamento de propostas mais interessantes com as quais se ocupar,
as crianças acabam ultrapassando limites colocados pelos adultos, bem como descumprindo
as combinações realizadas em aula, aumentando os episódios de mordidas e brigas. Muitas
vezes culpa-se os alunos ou seus pais pela falta de limites, mas não se questiona se o ócio
possa estar causando estresse nos alunos e então conduzí-los a atitudes mais agressivas como
forma de se rebelar contra a falta do que se fazer. Reduzir o tempo de espera e qualificar o
tempo de atividades – orientadas pelos adultos ou não – pode resolver alguns dos problemas
que tanto incomodam os educadores da infância e é um desafio urgente.
O tempo em uma instituição educativa deve ser vivido de modo a aproveitar as
oportunidades de aprender e se desenvolver plenamente, de ter experiências diversificadas
que não seriam possíveis no ambiente doméstico ou em nenhum outro espaço que não
mediado por adultos responsáveis pelas aprendizagens e desenvolvimento de crianças, nas
diferentes faixas etárias, com formações adequadas e conhecimentos na área.
32
Em relação ao tempo, é preciso planejar as atividades atendendo aos critérios de
equilíbrio entre tempo de envolver-se em atividades por conta própria, construir algo em
conjunto, dedicar-se a atividades mais espontâneas e envolver-se em situações dirigidas pelo
professor, bem como priorizar a variedade, a diversidade e a regularidade das atividades ao
longo do tempo, criando oportunidades para uma maior familiaridade com algumas delas e
apropriação de conhecimentos pelas crianças. A atratividade, também é um ponto importante,
que pode se caracterizar como um convite à criança para interagir com seus pares ou mesmo
individualmente.
Por outro lado, percebe-se instituição muito preocupadas com o excesso de produção e
de trabalho para a criança, fazendo-a produzir cada minuto que permanece no ambiente
escolar, com o objetivo de desenvolver-lhe mais habilidades e de prepará-la melhor para a
sociedade. Este comportamento é resultado típico da sociedade capitalista, como afirma
Batista, 1998, p. 34:
[...} vai se instituindo, dessa forma, o tempo da criança na escola como tempo de
preparação para o trabalho, que assume e legitima a luta contra o ócio. O sentido da
educação estava em libertar a criança do seu estado infantil, fazendo-a experimentar
desde a mais tenra idade o exercício da disciplina, da obediência, e da sujeição, para
no futuro adaptar-se à sociedade da forma como ela está constituída.
Esta imposição é fruto da construção dos sujeitos que são preparados para sobreviver
na sociedade capitalista e, portanto, vêem a criança e os tempos da infância como inúteis à
produção. Dessa forma o mundo adulto se distancia do infantil e impede um olhar mais
atento, impossibilitando compreender as crianças como seres plurais.
Nesse contexto, surge a necessidade de uma rotina estruturante, como sugere Proença,
2004, ou seja, criar um local onde haja espaço para o diálogo e a reflexão entre os adultos e as
crianças em questão.
A rotina estruturante se diferencia da mecânica por estar organizada de acordo com
objetivos propostos no projeto pedagógico institucional, planejada em sintonia com o tempo
disponível, as atividades propostas, o ritmo dos participantes e, em especial, alicerçada na
concepção de criança. Nesse tipo de rotina, a criança é o foco principal. Ela envolve ação,
flexibilidade, limites, pois contempla a subjetividade e as peculiaridades de cada grupo. A
rotina estruturante permite que o educador se baseie no previsível para lidar com o
inesperado, estruturando a intencionalidade da sua ação e exercitando o seu papel de
mediador de situações pedagógica, que possibilitem o desenvolvimento e a aprendizagem da
criança.
33
O tempo é um símbolo construído culturalmente e são as suas vivências e a história do
seu desenvolvimento que lhe permitirão construir e internalizar a idéia de passado e presente,
reconhecer o presente, pensar no futuro e reconstruir o tempo vivido.
Este é um conceito bastante complexo para a criança e a escola, bem como a
organização da rotina estruturante permite essa mediação entre a construção do tempo e o
educando, potencializando e enriquecendo as percepções dos mesmos.
Para que a rotina favoreça a construção do tempo na criança, é importante que haja
momentos de constância, de repetição sem excessos, mas com flexibilidade, sendo que
sempre o tempo precisa servir às atividades e não ao contrário.
34
3 ORGANIZANDO A ROTINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUÊ E POR QUÊ?
Partindo da análise de algumas entrevistas realizadas com cinco professoras de
educação infantil em nível pré-escolar e de turno integral, ou seja, de crianças entre 3 e 5 anos
de idade que permanecem de 8 a 12 horas no ambiente escolar. A escola de educação infantil
onde atuam essas professoras é da rede privada do município de Sapiranga. Através da análise
das respostas obtidas foi possível destacar alguns pontos relevantes para o desenvolvimento
do presente trabalho. Inicialmente, destacar-se-á alguns aspectos da rotina que se observou
com mais freqüência nas entrevistas e, posteriormente, apontar-se-á práticas diferenciadas da
rotina, bem como as diferenças nos usos do tempo e na organização da rotina escolar nessas
escolas.
As entrevistas abaixo foram realizadas no período de maio e junho de 2009.
1. Turma que atua:
2. Tempo de magistério:
3. Descreva a rotina da sua turma, atividades e horários.
4. Quem construiu essa rotina e quais os critérios utilizados para a definição do tempo
para cada atividade.
5. Na sua opinião, qual a função da rotina na educação infantil e qual a sua importância?
3.1 Entrevistas
3.1.1 Entrevista A:
1. Nível 3 Integral: crianças com 5 e 6 anos de idade.
2. 14 anos de magistério.
3. * 6h 40min às 7h: chegada;
* 7h às 8h: brinquedo livre e organização da sala.
* 8h às 8h 30min: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras e os
alunos ficam um dia em cada sala ou assistem a um filme.
* 9h: café da manhã.
* 9h 30min: atividade dirigida.
* 10h 30min: pracinha ou pátio.
* 11h: higiene e almoço.
* 12h: banheiro e higiene.
* 12h 20min às 14h: descanso.
35
* 14h 30min: lanche.
* 15h: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras.
* 15h 30min: atividade dirigida.
* 16h: pracinha ou pátio.
* 16h 45min: higiene e lanche.
* 17h: organização da sala e despedida.
- Aulas extras: Segunda-feira: Inglês; Terça-feira: Hora do Conto, Música e Dia do Livro;
Quarta-feira: Dança Infantil e Yoga; Quinta-feira: Dança Alemã; Sexta-feira: Meditação e Dia
do Brinquedo.
4. Quem construiu a rotina foi a professora juntamente com a coordenadora. A coordenadora
definiu os horários do café, almoço, lanche e descanso. A professora, após observar o
comportamento da turma, o tempo e o ritmo das crianças para a realização das atividades
organizou os outros aspectos da rotina.
5. A rotina é um elemento importante na educação infantil, por proporcionar à criança
sentimentos de estabilidade e segurança. É também a seqüência de diferentes atividades que
acontecem no dia a dia da escola e esta seqüência irá possibilitar que a criança se oriente na
relação tempo/espaço e se desenvolva. Acredito que uma rotina adequada é um instrumento
construtivo para a criança, pois esta permite que ela estruture sua independência e autonomia,
além de estimular a socialização.
3.1.2 Entrevista B:
1. Nível 2 Integral: crianças com 4 e 5 anos de idade.
2. 8 anos de magistério.
3. * 6h 40min às 7h: chegada, acolhimento.
* 7h às 8h: brinquedo livre na sala.
* 8h às 8h 30min: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras e os
alunos ficam um dia em cada sala ou assistem a um filme.
* 8h 40min: Rodinha: verificamos o ajudante, o dia, o tempo, cantamos algumas músicas,
conversamos contando novidades e também explico as atividades a serem realizadas. Nesse
36
momento, muitas vezes, é realizada alguma brincadeira e/ou história que fará a introdução ou
continuação do assunto em questão.
* 9h 20min: café da manhã.
* 9h 50min: atividade dirigida.
* 10h 30min: pracinha ou pátio.
* 11h: higiene, almoço, higiene.
* 11h 40min às 13h 30min: descanso.
* 13h 40min: rodinha: músicas, histórias, conversações.
* 14h 30min: lanche.
* 15h : atividade dirigida.
* 15h 30min: pracinha ou pátio.
* 16h 30min: higiene e lanche.
* 17h: organização da sala e despedida.
- Aulas extras: Segunda-feira: Meditação; Terça-feira: Música; Quarta-feira: Dança Infantil,
Hora do Conto e Yoga.
4. A construção dessa rotina aconteceu gradativamente, de acordo com as necessidades do
grupo. O tempo para cada atividade é flexível, a rotina apresentada é um parâmetro com as
atividades do dia, que se adaptam ao tempo necessário para a realização de cada atividade,
que dentro dos projetos são distintas.
5. Na minha opinião, a rotina na educação infantil auxilia na organização do tempo e do nosso
planejamento dentro dele. A participação das crianças nessa construção é fundamental, pois
auxilia também no desenvolvimento das noções espaço-temporal, deles como sujeitos das
ações do processo.
3.1.3 Entrevista C:
1. Nível 1 Integral: 3 a 4 anos de idade.
2. 10 anos de magistério.
3.* 6h 30min às 8h 20min: chegada, descanso ou brinquedo livre junto com turma do
Berçário 3 (2 a 3 anos de idade).
* 8h 20 às 8h 30min: organização da sala de aula, despertar, organização das mochilas.
37
* 8h 30min: café da manhã.
* 8h 50min: escovação, higiene.
* 9h: rodinha: canções, combinações do dia, explicações sobre as atividades dirigidas,
conversações sobre o tema do projeto.
* 9h 20min: ciclo de atividades dirigidas: duas ou três opções nas quais os alunos vão
realizando com a intervenção e orientação da professora; a ordem das atividades e o tempo em
cada uma delas é determinado pelos alunos, porém é sugerido que ao longo dos 40 min
explorem todas as opções.
* 10h: pracinha, pátio, ou troca de ambiente.
* 10h 30 min: higiene, almoço, higiene.
* 11h 10min às 13h 30min: descanso ou atividades relaxantes como exploração de livros
ou jogos de mesa, massagem e música relaxante.
* 13h 40min: rodinha: músicas, conversações.
* 14h: lanche.
* 15h: oficinas dirigidas (cada dia uma oficina: arte, matemática, linguagem, educação
física e ciências).
* 15h 30min: pracinha, pátio ou troca de ambiente.
* 16h 30min: higiene e lanche.
* 17h: organização das mochilas e pertences pessoais, brinquedo livre durante a despedida.
4. Esta rotina foi construída pela professora responsável da turma em conjunto com a
professora auxiliar e aprovada pela coordenadora pedagógica da instituição. Apenas os
horários das refeições são menos flexíveis, mas as demais atividades da rotina acontecem de
acordo com as necessidades e interesses dos alunos observados pela professora. A seqüência
também pode ser alterada mediante combinação prévia na hora da rodinha.
5. A rotina tem grande papel para a organização das atividades e do planejamento do docente,
bem como para a formação dos alunos, portanto, deve contribuir significativa e positivamente
para todos os envolvidos, tanto alunos como professores. Ela precisa ser um instrumento que
facilite e não dificulte a ação pedagógica.
3.1.4 Entrevista D:
1. Nível 2 Integral: 4 a 5 anos de idade.
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2. 10 anos de magistério.
3. * 6h 40min às 7h: chegada, acolhimento.
* 7h às 8h: rodinha.
* 8h às 8h 30min: café da manhã, higiene, trocas de roupas.
* 8h 45 min: atividade coletiva de acordo com o projeto desenvolvido.
* 9h 20min: banheiro e água.
* 9h 30min: atividade espontânea na sala, brinquedo livre.
* 10h: pracinha ou pátio.
* 10h 50min: higiene, almoço, higiene.
* 11h 50min às 13h 45min: descanso.
* 13h 50min: despertar e higiene.
* 14h 15min: lanche.
* 14h 40min : atividade diversificada e/ou jogos diversos propostos pela professora.
* 15h 30min: brinquedo livre.
* 16h: pracinha ou pátio.
* 16h 50min: higiene e lanche.
* 17h: organização da sala e espera dos pais com jogos na mesa ou livros de histórias.
4. A professora e a coordenação organizaram a rotina. Os principais critérios utilizados foram:
o bem estar das crianças, a capacidade de concentração de acordo com a faixa etária, o ritmo,
o perfil da turma.
5. A construção da rotina com as crianças na educação infantil é extremamente importante,
pois ajuda a criança a se organizar no tempo e espaço, primeiro externamente, no ambiente e
horários. E, posteriormente, internamente, a medida que a criança consegue se organizar “por
fora”, gradativamente, a rotina auxilia a se organizar “por dentro” – suas construções,
sentimentos e emoções. Assim, a rotina tem a função de dar maior segurança e organizar a
vida da criança pequena.
3.1.5 Entrevista E:
1. Jardim B 5 a 6 anos de idade
2. 8 anos de magistério
3. * chegada ( jogos de mesa) 6:30;
39
* café da manhã 7:40;
* rodinha;
* atividade recreativa 8:10;
* lanche 9:00;
* pracinha/ saguão 9:10;
* atividade espontânea 10:00;
* almoço 11:00;
* higiene;
* soninho 11:30;
* despertar 13:00;
* rodinha;
* atividade espontânea 13:30;
* atividade dirigida 14:10;
* lanche 15:00;
* higiene;
* parque/saguão 15:30;
* lanche 16:20;
* atividade diversificada 16:40;
* despedida.
4. Já havia uma rotina pré-estabelecida para esta turma, seguida nos anos anteriores, no
entanto adaptei alguns horários para este novo grupo, afinal, cada turma possui ritmos e
interesses próprios e conseqüentemente precisam de uma rotina que contemple isto. Mas vale
ressaltar que esta rotina é flexível e pode ser alterada conforme for necessário.
5. Em uma turma há vários alunos, cada um com: ritmos, interesses, costumes e necessidades
diferentes, isto já justifica a necessidade de se ter uma rotina. Além disto, a rotina proporciona
um ambiente tranquilo e organizado que consequentemente irá transmitir segurança e
tranqüilidade às crianças, que necessitam disto necessitam disto.
3.2 As atividades que integram a rotina
Foi possível observar alguns aspectos comuns entre as entrevistas analisadas. Algumas
atividades apareceram em todas ou quase todas as rotinas descritas pelas professoras, dentre
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as quais temos a rodinha, a atividade dirigida, as refeições, o descanso, a atividade livre na
sala e o pátio.
O momento da rodinha, clássico na educação infantil, tem inúmeras funções dentro
das propostas pedagógicas e é praticado por todas as professoras entrevistadas. Ele tem
grande relação com as questões temporais da rotina, pois é a partir daí que são organizadas,
geralmente, as demais atividades que acontecerão ao longo do dia. Na rodinha, os indivíduos
começam a se perceber como membros de um grupo, aprendem a ouvir e respeitar a vez de
seus colegas e também conhecem as atividades que serão propostas e a sequência pela qual
acontecerão as ações do dia. Este também pode ser o momento de trocas de idéias sobre temas
a serem trabalhados, bem como de compartilhar com os amigos as aventuras do final de
semana. Hora de cantar, de dançar ou de fazer alguma brincadeira pra descontrair e motivar a
aula. A professora pode ainda aproveitar o momento para atualizar com os alunos os cartazes
da sala de aula, como o do tempo, do dia, dos ajudantes e aniversariantes, por exemplo.
Torna-se muito interessante, ainda, permitir que os alunos opinem sobre a organização das
atividades e sua sequência, para que eles sejam sujeitos ativos na escola, inclusive no
momento do planejamento. O tempo da rodinha vai variar de acordo com os interesses e
interações dos alunos, dependendo do olhar sensível do professor para não transformar esse
momento rico em cansativo e estressante para seus alunos.
... a roda é o momento privilegiado da rotina em que a troca entre os participantes do
grupo ocorre. Sentar-se de forma que todos se vejam, em círculo, já é um convite a
querer falar e ouvir. O respeito pela individualidade é a base da construção do grupo.
(WARSCHAUER, 1993, p.50)
Analisando as entrevistas, percebe-se uma organização das atividades dirigidas para o
meio dos períodos, ou seja, no meio da manhã ou no meio da tarde. Como são turmas de turno
integral foi possível observar que há uma preocupação em realizar as atividades dirigidas mais
ligadas aos projetos e temas em estudo na parte da manhã, deixando o turno da tarde para
explorações mais leves e recreativas. Na entrevista C percebe-se a organização das atividades
dirigidas em um molde diferente, ou seja, ao invés de uma atividade dirigida há um ciclo de
atividades que dá a liberdade ao aluno escolher qual fará primeiro e quanto tempo ficará em
cada uma delas. No turno da tarde, também na entrevista C, há uma série de oficinas
desenvolvendo a criança em suas diversas áreas e propiciando um diferencial de atividades,
sendo que o turno da tarde não repete o modelo da manhã e, com isso, as atividades não se
tornam repetitivas e cansativas. Já nas entrevistas A, B e E observa-se que a rotina do turno da
41
tarde trás a idéia de repetição do molde do turno da manhã, ao invés de dar um enfoque de
complementaridade. Na entrevista D, há também uma proposta diferente baseada em jogos e
atividades diversificadas, onde o aluno pode optar qual atividade irá realizar naquele
momento. Em geral, a forma com que se abordam as atividades dirigidas dentro das rotinas
escolares apresentam muitas variações, a começar pela nomenclatura. Há que diga atividades
coletivas, atividades dirigidas, atividades propostas, atividades orientadas. Também varia o
tempo e o modo como elas são realizadas, porém, nesse momento se faz necessário lembrar
sobre a importância do respeito ao ritmo individual de cada aluno para a realização das tarefas
propostas. Outra questão envolvendo a atividade dirigida, é que ela é considerada, por
excelência, o dito “momento pedagógico”, como se todas as outras atividades da rotina
tivessem um cunho meramente assistencial. Torna-se muito importante a ressalva de que
todos os momentos vivenciados na escola devem ser momentos pedagógicos, uma vez que se
sabe que o cuidar e o educar não se dissociam e que representam a mesma importância nessa
etapa da educação básica.
As refeições são de grande importância para o desenvolvimento infantil, não apenas
organicamente, mas também social e psicologicamente. Esse momento precisa ser lembrado
não somente como sendo útil para suprir uma necessidade física, mas se torna importante
trabalhar com os alunos as questões do compartilhar, do estar sentado junto à mesa, da
cumplicidade e do estreitamento de relações que as refeições trazem para a vida das pessoas.
Não é apenas mais um momento de cuidar, mas de educar também, como todos os instantes
que percorrem as salas e corredores da escola. Hora de ensinar a acalmar, a conversar baixo, a
manter bons hábitos e boas maneiras à mesa, a valorizar o alimento, a experimentar a
variedade que se apresenta no prato e conhecer o quanto cada um deles é importante para a
nossa saúde. Em algumas fases durante a etapa da educação infantil a criança rejeita muitos
alimentos e se alimenta de forma pouco satisfatória. Nesse momento, entra a professora e sua
pedagogia, buscando uma reeducação alimentar com seu aluno, interagindo com ele e fazendo
desse um momento gostoso e agradável, não obrigatório e repleto de tensão, já que o aluno
“tem que comer”. Nessas atividades percebemos o quanto tempo pode ser delicado e muito
individualizado, sendo que cada aluno tem seu modo e seu ritmo de alimentação. E, de acordo
com as entrevistas, percebemos que é um dos momentos onde o horário é o mais rígido de
todos, uma vez que todas as turmas da escola precisam utilizar o refeitório e não podem
atrasar, pois qualquer atraso modifica toda a ordem da instituição. DeVries e Zan, 1998
apontam para alguns aspectos que não podem ser esquecidos na hora das refeições, como a
criação de uma rotina como ritual, ou seja, algumas ações que façam com que os alunos já
42
saibam que se aproxima da hora da refeição, como lavar as mãos, por exemplo. Outro aspecto
relevante é o de permitir que os alunos sentem onde e com quem desejarem, considerando o
momento social proporcionado pelas refeições. Oferecer auxílio na alimentação, lembrá-los
dos bons hábitos de higiene e nutrição, ajudá-los a prever o final da hora da refeição,
estimular a ajuda com a limpeza do ambiente e ainda encorajar as interações entre as crianças
também são aspectos que devem ser considerados e praticados durante esses momentos da
rotina, segundo as autoras.
As crianças de turno integral geralmente acordam cedo e passam cerca de oito a doze
horas no ambiente escolar. Portanto, se faz necessário um momento de descanso, onde se
possibilite o relaxamento dos corpos para a recuperação da energia e para uma posterior
retomada de atividades. Isso não significa que o aluno seja obrigado a dormir no horário
determinado, mas sim, que ele tenha a possibilidade de descansar seu corpo das atividades
realizadas e recompor suas energias para mais um turno de aula. Nesses momentos, pensa-se
ser interessante a intervenção pedagógica para auxiliar nesse relaxamento, seja contando
histórias, acariciando, conversando, mas de forma alguma pressionando a criança ao sono.
Caso a criança não demonstre interesse em dormir, sugere-se que esse seja um instante de
pouca movimentação e muita tranquilidade, para que, mesmo que não durma, possibilite um
relaxamento ao corpo, como histórias e livros, jogos bem calmos, massagens, desenho livre.
Também se considera interessante a possibilidade de oferecer outros períodos de descanso aos
alunos, pois talvez o corpo da criança sinta necessidade de dormir mais de manhã cedo, mas
dispense o sono do meio dia, ou então, prefira dormir após o lanche da tarde, por exemplo. De
modo geral, a hora do descanso não é bem recebida pelos alunos, pois, de acordo com a visão
infantil, eles trocam a possibilidade de fazer algo interessante, brincar ou se divertir com as
atividades pelo ato de não fazer nada, que, no caso, é dormir. Essa é uma transição bastante
delicada, mas o professor precisa explicar para as crianças a importância desse momento para
o seu desenvolvimento saudável e tentar convencê-los a pelos menos fazer um cochilo durante
algum período do dia. É importante que o ambiente do soninho seja tranqüilo e silencioso em
primeiro lugar. Também precisa apresentar conforto e ser agradável. Os rituais também são
bem vindos nesse momento da rotina, bem como prepará-los para uma possível atividade bem
interessante para depois do soninho, quando já estiverem descansados e bem dispostos.
A atividade livre na sala é um momento de muita riqueza onde podem ser trabalhadas
diversas áreas do universo infantil. A brincadeira é uma atividade essencial na Educação
Infantil, onde a criança pode expressar suas idéias, sentimentos e conflitos, mostrando aos
professores e aos seus colegas como é o seu mundo, o seu dia-a-dia. A brincadeira é, para a
43
criança, a mais valiosa oportunidade de aprender a conviver com pessoas muito diferentes
entre si, de compartilhar idéias, regras, objetos e brinquedos, superando progressivamente o
seu egocentrismo característico, de solucionar os conflitos que surgem e elaborar sentimentos
e emoções, de experimentar papéis, desenvolvendo as bases da sua personalidade. Ao
professore, cabe a importante tarefa de não fazer deste um momento de liberdade sem
assistência aos alunos, onde possa fazer outras atividades e aproveitar o tempo, por exemplo,
para organizar seus cadernos ou seus materiais, mas sim, fomentar as brincadeiras, que podem
ser de diversos tipos e desenvolver diversas áreas. Muitas vezes, na Educação Infantil, apesar
de se conhecer a importância do brinquedo livre para o desenvolvimento infantil, muitos
professores utilizam essa atividade como tapa furos, ou seja, sobrou um momento ou uma
hora na organização da rotina, coloca a brincadeira livre para preencher, ao invés de
escolherem um momento adequado para que essa atividade aconteça, pois essa é tão
importante quanto às outras atividades da rotina. Trago Faria e Salles, 2007, p.71,
contribuindo sobre a importância do brincar na Educação Infantil:
Podemos considerar, portanto, o brincar como importante espaço de expressão de
aprendizagem sobre o mundo físico e social e, ao mesmo tempo, como possibilidade
de a criança transformar essa realidade, desenvolvendo a capacidade de imaginar, de
“ir além”. Podemos também compreendê-lo como lugar privilegiado de construção de
relações éticas e estéticas, enfim, como espaço de construção da identidade pessoal e
social do indivíduo.
A hora do pátio, geralmente, é um dos momentos mais esperados pelas crianças. Poder
brincar ao sol, correr, gritar, andar de balanço, jogar bola, extravasar a energia e a alegria
típica da infância. Da mesma forma que o brinquedo livre dentro da sala, este não deve ser o
momento de intervalo ou descanso do docente, mas sim, de muita observação e intervenção
nos instantes adequados, para estimular e dar continuidade a criatividade, a imaginação e a
exploração dos corpos pelos alunos, desafiando-os a explorar todos os espaços e materiais
disponíveis nesse ambiente. Como um dos propósitos da Educação Infantil é a exploração e o
conhecimento do próprio corpo, a atividade física no pátio representa suma importância no
desenvolvimento dos pequenos e precisa ter um tempo considerável destinado a ela, onde a
criança possa usufruir de bons momentos consigo mesma e com seu corpo, com o ambiente
que a rodeia e com os seus colegas. Segundo Faria e Salles, 2007, a Educação Infantil precisa
favorecer a construção da corporeidade às crianças e ainda complementam, na p.68:
Uma das maneiras mais significativas de favorecer esse processo na IEI é, por
exemplo, possibilitar que as crianças vivenciem jogos e brincadeiras, principalmente
44
nos espaços externos da instituição, onde possam explorar as possibilidades do seu
próprio corpo, tocar o corpo dos colegas, expandir seus movimentos, correndo,
pulando, subindo, rolando, balançando, escorregando, empurrando pneus ou outros
objetos, brincando na água etc.
Além dessas atividades consideradas importantes nas rotinas na Educação Infantil,
outra ação pedagógica bem relevante e que faz parte dos momentos de transição de uma
atividade para outra na rotina, é a hora da organização e arrumação dos ambientes. Cada
atividade que se realiza exige materiais e uma organização diferenciada e a criança precisa
fazer parte desses momentos juntamente com a professora. Após realizar uma atividade com
tinta e pincel, é importante cada aluno lavar seu pincel, fechar o pote de tinta e organizar os
potes na caixa. Após o almoço, colocar seu prato e seu talher para ser lavado, bem como
recolher sua toalha do lanche e organizar seu espaço também tem um significado muito
importante para o desenvolvimento infantil, relativo a autonomia e organização pessoal.
Conversando com as professoras e, informalmente, com alguns alunos da instituição,
percebe-se a grande preferência pela hora do brinquedo no pátio. Essa preferência e grande
empolgação nos momentos que precedem essa atividade já nos podem revelar muita coisa se
olharmos com o olhar sensível, indagador e reflexivo. Talvez gostem tanto desse momento
porque elas próprias podem guiar seus desejos e suas atividades, gozando de uma liberdade
assistida, onde podem usar e abusar da criatividade, utilizar o corpo, o movimento, os espaços
e aproveitar tudo ao seu próprio tempo.
Nas entrevistas foi possível observar, também, um envolvimento grande dos
professores na elaboração da rotina, juntamente com a coordenação pedagógica, o que lhes
traz a responsabilidade sobre a mesma, já que durante as pesquisas bibliográficas foram
observadas inúmeras situações onde a rotina era imposta pela instituição, sendo que os
professores, conhecedores das necessidades e peculiaridades de suas turmas, não podiam
opinar nem modificar a sequência dada para as atividades do dias, nem mesmo o tempo que
estas durariam. Nesse sentido, os professores seriam apenas os responsáveis pela manutenção
da rotina, enquanto os alunos, os responsáveis por vivê-la.
45
4 A ROTINA ENTRE CHRONOS E KAIRÓS
O tempo pode ser uma medida. Medida de fenômenos e acontecimentos. Alguns
dicionários apontam para um período, um momento ou ocasião própria. Contudo, sabe-se que
na educação infantil, o tempo vai além de suas definições e tem amplo significado,
dependendo do cunho pedagógico que lhe for dado.
Santo Agostinho, 1973, p.17, deixa claro em sua afirmação, o quanto o tempo é
relativo, dependendo muito das concepções e individualidades de quem o define.
Que é, pois, o tempo? [...] Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a
quem me fizer a pergunta, já não sei.
Para muitos educadores o tempo está simplesmente atrelado a relógios e calendários. É
comum ouvir frase do tipo “não vai dar tempo”, “não temos mais tempo”, “estamos na nossa
hora”, na educação infantil. Porém, surge a questão: Será que a “nossa” hora, o “nosso”
tempo, é, realmente, a hora de cada aluno, o tempo de cada criança?
Através deste trabalho foi possível perceber o quanto os adultos tentam transformar o
tempo das crianças no tempo dos adultos, sendo que geralmente são eles que decidem o que,
quando, quanto tempo, onde e como fazer na rotina dos pequenos alunos. Desse modo,
reforçam sempre as crianças como servas do tempo organizado para o bom andamento da
instituição.
De acordo com Ferreira, 2001, os gregos nos trazem dois significados de tempo, o
chronos e o kairós, que podem colaborar muito com as consideração finais do presente
trabalho. Nossas crianças estão, cada vez mais, escravas do tempo chronos, aquele que é
unidade de medida, que se refere ao relógio, ao cronômetro, que é igual em todos os lugares.
Afinal, o ano, o mês, as semanas, os dias, as horas, os minutos e os segundos sempre serão
medidos da mesma forma. Isso, porque nós, enquanto educadores, estamos em busca de mais
chronos para fazer o máximo de coisas possíveis, ficando cada vez mais fisicamente cansados
e deixando nossos alunos cada vez mais estressados. Envolvendo-os muito com a tarefa e
pouco com a essência. A singularidade das crianças fica submissa às imposições
massificadoras dos adultos. Isso porque aquilo que a grande maioria das pessoas chama de
tempo é apenas o chronos, este tempo que podemos marcar com relógios e calendários.
Para os gregos, o Chronos era o deus do tempo, que representava esse tempo objetivo,
contado, cronológico. É desse tempo que afirmo perceber as crianças e suas vivências infantis
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e educativas voltadas para ele. Se estivermos na hora de brincar livre no pátio, não é hora de
querer montar jogos na sala. Se agora é hora de ir ao banheiro com a turma, não pode ficar
terminando sua construção na sala, nem terminar seu almoço no refeitório... afinal, já passou
da hora.
É o chronos que determina qual a hora da rodinha, da atividade livre ou dirigida, do
pátio, das refeições, do descanso. Além disso, é ele que tem a função de regular o tempo de
duração das experiências.
Mesmo nas ciências exatas escutamos discursos de que o tempo, apesar de instituído, é
flexível e incerto, e nós, profissionais das áreas humanas ainda trabalhamos com o tempo
rígido e determinado, sob o qual somos dominados e dominamos nossos educandos. Medir e
determinar o tempo é uma relação de riqueza e poder no mundo capitalista em que vivemos.
Quanto mais produzirmos como nossos alunos e quanto mais conseguirmos “aproveitar” o
tempo com eles, melhor seremos vistos e mais destacada ficará a nossa competência.
O homem, ao longo de sua história luta pra dominar o tempo, e consegue. Logo em
seguida, ocorre o movimento inverso, o tempo domina o homem e o torna seu escravo. As
escolas, como conseqüência, parecem estar irremediavelmente presas a esses tempos que lhe
são estipulados e repassa-os aos seus alunos desde a primeira etapa da educação básica,
quando ainda os pequenos buscam se orientar e constroem suas primeiras noções de tempo.
Quando abrimos espaço para a meditação, para a imaginação, para o silêncio e
reflexão após uma atividade, uma experiência ou algum acontecimento, estamos criando um
ambiente propício para o kairós.
O kairós, por sua vez, é o tempo que se refere a intensidade com que acontecem as
coisas. Ele é indeterminado e ninguém tem poder sobre ele. Como usamos ou saboreamos o
tempo é o kairós. Muitos momentos, situações, vivências e experiências podem se tornar
inesquecíveis, marcantes, intensas, interessantes. Talvez essa prática precise ser buscada pelos
profissionais que atuam na educação infantil: transformar o chronos em kairós,
proporcionando momentos que realmente sejam importantes e significativos para os alunos,
deixando-os felizes e satisfeitos no presente, estimulando-os hoje, motivando-os agora.
Depois de vivermos alguma experiência significativa se faz necessário aquele período
de tempo para que se possa absorver as informações, compreendê-las e internalizá-las dentro
de nós, promovendo assim, alguma modificação, reflexão e transformação.
O termo kairós refere-se tanto a uma personagem da mitologia, quanto uma antiga
noção grega para referir-se a um aspecto qualitativo do tempo. A palavra kairós, em grego,
significa o momento certo, ideal, propício. Sua correspondente em latim, momentum, refere-se
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ao instante, ocasião ou movimento que deixa uma impressão forte e única para toda a vida.
Na mitologia grega, kairós é um deus muito pequeno. Ele é representado pela imagem de um
jovem homem nú, de asas nos ombros e nos tornozelos, que corre num movimento de fuga
segurando uma lança. Sua cabeça é calva e contém uma única mecha, que representa a marca
de sorte de uma oportunidade: se não formos capazes de segurá-la no instante em que ocorre,
ela escorrega pela calvície de kairós. Ou seja, aquele exato momento em que o aluno está
elaborando, construindo, empilhando ou desenhando é um instante único que precisa ser
valorizado e aproveitado. Se pedirmos para que pare e continue depois, muitos detalhes
importantes se perderão e aquele momento não retornará mais, embora o aluno volte para a
atividade. Cabe ao professor o olhar sensível e a percepção de quando deve ou não intervir em
um determinado momento educativo. Vale a pena atrasar um pouco o almoço ou permitir que
ele lave as mãos após os outros amigos para que aquele momento possa ter uma continuidade
e um significado especial para a criança. Podemos dizer que kairós revela o momento certo
para a coisa certa, simboliza o instante singular que guarda a melhor oportunidade. Ele é o
momento crítico para agir, a ocasião certa, a estação apropriada. Porém, o kairós não reflete o
passado ou antecede o futuro. Ele é o melhor instante no presente. Ele representa um tempo
não absoluto, contínuo ou linear, ao contrário do que propõe a concepção do tempo
cronológico, socialmente estabelecido. Diante desse contexto se faz necessário nos
alfabetizarmos nessa leitura do tempo kairós, intervindo nos momentos certos para enriquecer
as vivências dos nossos pequenos.
Parece-me impossível separar esses dois tempos, repartindo-os em fatias a serem
vividos um pouco a cada dia. Assim como, na educação infantil não se dissocia quando se
cuida e quando se educa, o chronos e o kairós também vivem juntos. Um dentro do outro, um
sobre o outro, um mesclado com o outro. Isso fica evidente quando se vive situações
profundas, marcantes, que se petrificam e não se destroem mais. É a junção dos dois tempos,
que se tocam e se eternizam um com o outro. Com isso, precisamos manter um ritmo e uma
profundidade ao mesmo tempo, um entrelaçamento de ambos, dando o tempo certo da “raiz a
flor” como dizia o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Ao longo da pesquisa foi possível perceber o quanto o controle sobre o tempo chronos
transmite ao professor uma segurança em seu trabalho e seu domínio sobre o grupo. Como se
percorrer aquele mesmo caminho rotineiro, onde já se sabe até a posição de cada pedra, os
impedisse de cair ou de se surpreender com algo. Por exemplo, determinar um tempo para a
atividade dirigida e quando esse for esgotado, recolher o que foi produzido ou ainda discursar
sobre a possibilidade de término no dia seguinte, para não deixar as crianças tão
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decepcionadas. Isso porque, se passarmos do nosso horário, as crianças poderão começar a
bagunçar o próprio trabalho, sujar sua roupa, ou ainda, se atrasar para o horário do banheiro.
Essas ações permitem uma falsa sensação de domínio e competência ao docente. Enquanto
tudo estiver dentro dos horários pré-determinados e os alunos seguindo os mesmo caminhos
de sempre, tudo estará sob controle e a profissional será bem vista. Pura ilusão! Afinal, para
quem estamos trabalhando enquanto professores? Para a formação integral dos indivíduos que
estamos atendendo ou para a visão daqueles que observam e analisam nossas ações fora do
verdadeiro contexto?
O que posso dizer? Que, na maioria das vezes, esse mapa dá uma noção do caminho,
mas que nem sempre ele nos leva até lá. E o que podemos considerar “o caminho
certo”? Estamos em busca do previsível ou da aventura? Do caminho asfaltado que
nos leva a praia de sempre ou da trilha que revela uma linda cachoeira, sem nome,
mas infinitamente mais interessante e misteriosa? (SOUTO-MAIOR, 2000, p.63)
Considerando o trecho acima, podemos analisar que a rotina pode ser considerada
como um mapa para o docente, que lhe dará a direção e o sentido da aula, juntamente com o
seu planejamento. Porém, o que está se questionando é justamente a função da rotina e da
organização do tempo na educação infantil. Ela tem o dever de contribuir para o
desenvolvimento dos educandos e não de aprisioná-los eu deixá-los entediados com a
mesmice de cada dia. Além disso, enquanto educadores, devemos valorizar os desafios que
podem e devem ser trazidos junto com a rotina dos alunos, misturando segurança e surpresas
ao cotidiano escolar.
A rotina pode ser positiva à medida que melhorar o desempenho profissional do
docente, pois o planejamento traz segurança e quando o professor organiza sua aula e a rotina
diária, alivia a ansiedade de suas responsabilidades. Enquanto o profissional planeja e tem
uma intenção clara, ou seja, traça os seus objetivos, a rotina serve como uma norteadora da
prática, ajudando a transformar o chronos em kairós. Mas, se o profissional não repensar o dia
a dia, refletir sobre a prática e utilizar a rotina a seu favor e de seus alunos, a prática escolar
será uma seqüência de atividade iguais e totalmente previsíveis, o que gera desconforto e
desmotivação nos alunos, pois a grande missão será fazer o tempo chronos passar bem
depressa, deixando-o bem ocupado, pois não haverá espaço para o kairós.
É importante que a organização do tempo favoreça a participação e a aprendizagem
dos alunos, visto que a rotina, por si só, também educa e pode ser útil para a própria vida dos
alunos. Além disso, permitir a participação dos alunos na construção da rotina tem um
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importante significado, já que eles começam a se sentir responsáveis e sujeitos de suas ações.
Despertar a curiosidade dos alunos, incentivá-los às novidades e promover momentos
inesperados faz com que a rotina se torne algo interessante e desafiador.
O professor precisa estar preparado para lidar com os momentos imprevisíveis e ser
flexível para atender a demanda trazida pelos alunos, nem sempre previsto na rotina e no
planejamento, fazendo desses, momentos onde o kairós esteja presente e valorizar situações
signficiativas e ricas, que possam contribuir para a construção do indivíduo.
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KARINA ROSSA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO