INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IVOTI CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL KARINA ROSSA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE TURNO INTEGRAL: REVENDO A ROTINA Professora orientadora: Circe Mara Marques Ivoti, agosto de 2009 KARINA ROSSA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE TURNO INTEGRAL: REVENDO A ROTINA Monografia apresentada ao Instituto Superior de Educação Ivoti como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Coordenação Pedagógica e Orientação Educacional. Ivoti, agosto de 2009 Ao meu poder superior, que chamo de Deus, que não me concedeu tudo o que quis, mas me ofereceu tudo o que eu precisei para atingir mais um objetivo em minha vida. Tudo neste mundo tem o seu tempo; Cada coisa tem a sua ocasião. Há tempo de nascer e tempo de morrer; Tempo de plantar e tempo de arrancar; Tempo de matar e tempo de curar; Tempo de derrubar e tempo de construir. Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; Tempo de chorar e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntálas; Tempo de abraçar e tempo de afastar. Há tempo de procurar e tempo de perder; Há tempo de economizar e tempo de desperdiçar; Tempo de rasgar e tempo de remendar; Tempo de ficar calado e tempo de falar. Há tempo de amar e tempo de odiar; Tempo de guerra e tempo de paz. ...Deus marcou o tempo certo para cada coisa... ...nesta vida, o que a pessoa pode fazer é procurar ser feliz e viver o melhor que puder... Isso é um presente de Deus! Eclesiastes 3, 1- 13. RESUMO A rotina é uma organização do tempo e das atividades no tempo, fundamental para a prática pedagógica na educação infantil. Deve ser uma prática bastante refletida e discutida democraticamente entre os envolvidos, pois exerce uma função pedagógica de suma importância, auxiliando na execução do planejamento docente, bem como contribuindo para a autonomia e construção da noção de tempo dos alunos. Trazendo dados históricos relevantes sobre a rotina, pesquisando sua importância, refletindo sobre os usos do tempo e analisando entrevistas sobre a prática na educação infantil, componho este trabalho que visa discutir acerca do tema e apontar possibilidades. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1 O TEMPO E AS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS ATRAVÉS DOS TEMPOS ......... 21 1.1 Breve retrospecto do surgimento da educação infantil ..................................................... 21 1.2 A contribuição dos teóricos para a educação infantil ao longo da história ....................... 24 1.3 Objetivos e práticas na educação infantil .......................................................................... 27 2 A ROTINA E O COTIDIANO ESCOLAR ..................................................................... 28 2.1 O quê e para quê? .............................................................................................................. 28 2.2 A rotina rotineira ............................................................................................................... 30 2.3 A criança e o tempo .......................................................................................................... 33 3 ORGANIZANDO A ROTINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUÊ E POR QUÊ?....................................................................................................................................... 31 3.1 As entrevistas .................................................................................................................... 31 3.2 As atividades que integram a rotina .................................................................................. 32 4 A ROTINA ENTRE CHRONOS E KAIRÓS ................................................................. 37 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. INTRODUÇÃO As pesquisas explanadas neste trabalho servem para elucidar que as idéias sobre a rotina e a exploração do tempo na educação infantil trazem muitas possibilidades de discussões. Não me compete, nem tampouco seja meu objetivo, findar ou apontar verdades sobre esse tema. Porém, cabe a mim, enquanto estudante e pesquisadora, abrir um leque de idéias e concepções acerca de um assunto que pode e deve ser sempre discutido, com o intuito de não torná-lo prática mecânica, mas sim, ato refletido, repensado e ressignificado dentro das escolas de educação infantil. Considerando a grande influência exercida pelas questões temporais em relação à formação do sujeito, especialmente nas construções-bases realizadas nos primeiros anos de vida, bem como as inúmeras discussões e concepções criadas e ressignificadas acerca deste tema, pensou-se na relevância da escolha do mesmo para este projeto de pesquisa. Além disso, o contexto e a realidade do público alvo escolhido para a realização deste trabalho, expressam a necessidade e o interesse em repensar alguns conceitos temporais, reformulando e repensando a rotina para um melhor aproveitamento pedagógico, considerando o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças de turno integral. A rotina faz parte da educação infantil e deve ser repensada com freqüência, a fim de que a sua prática não se torne mecânica, mas sim reflexiva. Ela deve colaborar para os processos pedagógicos e enriquecer o trabalho docente com os alunos. Nesse sentido, traçando o objetivo de analisar os aspectos relacionados a organização do tempo na Educação Infantil de turno integral e embasando uma ressignificação da rotina, a fim de torná-la mais significativa e colaboradora dos processos educativos na educação infantil, buscou-se informações e fundamentações através de pesquisas bibliográficas e entrevistas com professores de educação infantil de turno integral. Destaca-se como sendo de suma importância para a compreensão de fatos e processos atuais relacionados à rotina na educação infantil, o conhecimento de como ela foi acontecendo ao longo dos tempos. Por isso, para organizar a pesquisa, iniciou-se o trabalho com a pesquisa bibliográfica, sendo que no primeiro capítulo se explanou os aspectos históricos que contribuíram para o surgimento da educação infantil no Brasil e no mundo. Também nesse capítulo serão encontrados os pensadores e teóricos que desempenharam papéis importantes ao longo da história da educação e tiveram suas idéias utilizadas nas práticas das escolas infantis. Finalizando o primeiro capítulo, conclui-se com os objetivos e práticas encontradas na educação infantil, partindo do pressuposto histórico pesquisado. Nesse bloco será atingido o primeiro objetivo específico traçado para esse projeto de pesquisa, que é o de apontar processos históricos relevantes relacionados ao tempo e às atividades pedagógicas nas escolas infantis. No segundo capítulo, ainda utilizando como metodologia as pesquisas bibliográficas, utiliza-se reflexões acerca do significado das rotinas e suas funções nas práticas conhecidas das escolas de educação infantil. Analisa-se também os aspectos relacionados a rotina como algo sempre repetitivo e cansativo, trazendo o dia a dia na escola infantil como algo a ser repensado. Esse capítulo responde ao objetivo de questionar as reais pretensões com a institucionalização das rotinas nas escolas infantis. Encerrando o segundo capítulo, traz-se os apontamentos sobre a influência do uso do tempo na construção temporal das crianças, refletindo sobre a função da rotina nessa construção. No terceiro capítulo utiliza-se outra metodologia de pesquisa, que são as entrevistas realizadas com professores de educação infantil de turno integral de uma instituição privada do município de Sapiranga. Através das mesmas aponta-se as atividades consideradas como parte integrante da rotina na maioria das entrevistas, desenvolvendo análises e comentários acerca delas e trazendo a sua relevância para a prática pedagógica. Coloca-se em destaque, também, cada uma dessas atividades, bem como algumas considerações interessantes sobre o desenvolvimento das mesmas no cotidiano da educação infantil. O principal foco desta pesquisa é refletir e responder a questão sobre como utilizar o tempo a favor das atividades pedagógicas e da formação da criança de turno integral, partindo da construção de rotinas dinâmicas e bem estruturadas, partindo de realidades observadas e de necessidades expressas pelas crianças que frequentam a escola infantil de 8 a 12 horas diárias. Ao longo do trabalho algumas sugestões, concepções, idéias e possibilidades vão sendo discutidas e analisadas, destacando a importância da rotina para a formação do sujeito e para a organização das atividades diárias em uma escola de educação infantil de turno integral. O último capítulo se refere ao significado do tempo, trazendo definições gregas e comparando com o contexto encontrado nas rotinas da educação infantil. As ações pedagógicas e as respostas discentes nos trazem duas formas diferentes de utilização do tempo, sendo que uma delas é mais quantitativa, referente ao tempo contado, dos relógios e dos calendários e o outro tempo vivido, aquele que realmente marca a intensidade e o significado das experiências vivenciadas. Neste bloco do trabalho encontra-se reflexões acerca de como ocorre o uso do tempo nas rotinas escolares, quais desses dois tempos são valorizados e qual a diferença deles para a formação integral dos alunos que se encontram nas instituições infantis de ensino. Por fim, as considerações finais do presente trabalho são trazidas, não de forma conclusiva ou de encerramento de uma discussão muito relevante e necessária aos profissionais que trabalham na educação infantil, que é a rotina e os usos do tempo. Mas sim, trazendo novas chaves para abrir novas portas de discussões sobre esse tema. 1 O TEMPO E AS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS ATRAVÉS DOS “TEMPOS” 1.1 Breve retrospecto do surgimento da educação infantil Analisando a história da humanidade faz-se possível observar que o conceito de infância e de criança, bem como sua importância, modificou-se significativamente ao longo dos tempos. Juntamente com essas transformações, surgiram as instituições específicas, trazidas pelas exigências da modernidade, e, nessa época, surgem as escolas: “organização de espaços destinados especialmente para educar as crianças”, segundo define Bujes, in Craidy, 2001. Na Europa, após um determinado tempo do surgimento das escolas, ocorre o aparecimento das creches e pré-escolas, como consequência das mudanças e necessidades políticas, econômicas e sociais da época. Primeiramente, ainda no século XVIII, o objetivo das escolas infantis era evitar o trabalho infantil, criando espaços onde as crianças pudessem ficar e serem assistidas – caráter meramente assistencialista. Já no século XIX, a função da escola infantil era compensatória, para suprir as faltas causadas pela pobreza ou negligência familiar. Enquanto isso, no Brasil, as primeiras escolas infantis surgiram para amenizar a grande preocupação causada pelo alto índice de mortalidade infantil, conseqüência, principalmente, dos nascimentos de filhos de escravas com seus patrões. A responsabilidade era de profissionais ligados à saúde e não à educação. Por sua vez, a modernidade trouxe as mudanças nas estruturas familiares, juntamente com a Revolução Industrial, que trouxe a necessidade do ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Além disso, as escolas infantis também comportavam os filhos das empregadas domésticas e ainda tinham o atendimento baseado na higiene e na alimentação. Acreditava-se que essas instituições ligadas ao atendimento das crianças pequenas fossem capazes de resolver ou amenizar todos os problemas ou dificuldades ligados à primeira infância, ou seja, tinham um caráter redentor, de salvar as crianças de todos os males sociais. Considerando esse panorama social, as escolas de turno integral “substituíram”, em primeira instância, os cuidados e a educação materna. Kramer, 1992, destaca o interesse e o objetivo da instituições governamentais em relação às escolas infantis nesse período: ... elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos; regulamentar o serviço das amas de leite; velar pelos menores trabalhadores e criminosos; atender às crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas; criar maternidades, creches e jardins de infância. (KRAEMER, 1992, p 52) O incentivo à educação infantil veio na década de 70, quando a lei n° 5.692 referiu-se à conveniência da educação das crianças pequenas em escolas infantis, maternais ou instituições semelhantes. Em outro artigo, era sugerido que as empresas particulares, que contavam com mulheres com filhos pequenos em seu grupo de trabalho, ofertassem às mesmas um atendimento educacional a estas crianças, podendo ser auxiliadas pelo poder público. Apesar de superficial e mal estruturada, essa lei foi uma alavanca considerável do estímulo ao caráter sócio-educativo das escolas infantis. O passo seguinte deste nível da educação foi preparar as crianças para a próxima etapa do ensino. Este caráter preparatório, existente ainda nos anos 80, via a necessidade de moldar o indivíduo precocemente, para que este servisse às demandas da sociedade de forma qualificada, ou seja, o quanto antes se iniciasse o trabalho com a criança, melhor seria o resultado obtido. Além disso, esse indivíduo, já moldado desde a mais tenra idade, seguiria com maior naturalidade a ideologia vigente na sociedade. Finalmente, já nas proximidades dos anos 90, passou-se a se preocupar com a criança da educação infantil, ou seja, em promover um espaço em que esta pudesse ser respeitada em suas características próprias e desenvolvida em seu potencial. Surgiram, então, as funções pedagógicas da educação infantil, com o foco na educação, além de complementar as funções familiares. Iniciaram-se as substituições das “tias” por professores e profissionais da área da educação. Com o passar dos anos, o objetivo da educação infantil veio (e ainda vem) se aprimorando, mesclando a importância e a associação simultânea do cuidar e do educar, focalizando, nos últimos anos, um destaque especial para as atividades pedagógicas e, com isso, a exigência de profissionais especializados e bem preparados para trabalhar na área. Craidy, 2001, p.24, destaca que na Constituição Federal de 1998 já se mostra, claramente, que o atendimento nas escolas de educação infantil é um direito tanto das crianças quanto de seus pais, bem como o dever dessas instituições assumirem um papel educativo e não somente assistencial. As atividades pedagógicas, o uso e a organização do tempo nas escolas, bem como a rotina das atividades das crianças também se modificaram historicamente, variando de acordo com o foco profissional que lhe era dado. Conforme analisa Barbosa, 2006, p.141: A preocupação com os usos do tempo sempre se fez presente no universo da educação. Se procurarmos na história, encontraremos modos temporais de organização das atividades pedagógicas pensadas a partir de uma teoria sobre a criança e sua educação e também exemplos de organização temporal com base nas necessidades orgânicas das crianças pequenas, quando pautados pela puericultura, ou nas necessidades psicológicas, quando inspirados por teorias do desenvolvimento.” Alguns autores trazem conceitos de infância e educação que nos remetem também as práticas da rotina utilizando esses mesmos focos. São pólos bem extremos e que sugerem uma busca pelo equilíbrio entre eles. Ariès, 1978, diz que a infância e a educação vão da paparicação a moralização da criança. Turner, 1989, fala de outros dois pólos, que é o relaxamento e as restrições. Lerena, 1983, traz a liberação e a repressão. E ainda Santos, 1995 coloca nos termos emancipação e regulação os dois extremos vivenciados pela educação. Atualmente, percebe-se uma preocupação com as atividades e usos do tempo consideravelmente intensa na área especifica da educação, pois a educação infantil passa a ser assunto para Pedagogos e profissionais especializados, não somente a estudiosos da área da saúde ou da psicologia. Estes, por sua vez, procuram adequar a rotina e os tempos utilizados nas escolas de uma forma coesa, abrangendo o desenvolvimento bio-psico-social dos indivíduos de uma forma saudável e harmoniosa. O interesse fica voltado a proporcionar espaços, ambientes e atividades que façam da criança um indivíduo saudável e feliz de forma integra hoje, no presente, e não simplesmente preocupando-se com o futuro e o seu sucesso escolar posterior, já no ensino fundamental. Corroboro com Aquino, apud Craidy, 2001, p.33: É fundamental, portanto, compreender que as formas de interação e controle nesses espaços de educação infantil deverão ter características lúdicas e educativas, envolvidas pelo processo pedagógico, considerando que o desenvolvimento infantil se dá numa rede de significações, onde o adulto, a criança e o meio são os atores principais.” Todas essas e outras preocupações que cercam as teorias e práticas na educação infantil, nos remetem a um nível de ensino onde a função pedagógica é o objetivo primordial, ou seja, o trabalho realizado com as crianças nesta etapa deve se apossar da realidade e dos conhecimentos infantis como ponto de partida, ampliando-os através de atividades que tenham um significado concreto para a vida das crianças e que, simultaneamente, assegurem a construção de novos conhecimentos. Isso não significa colocar em um segundo plano as questões ligadas aos cuidados e ao atendimento às necessidades orgânicas e fisiológicas, mas sim, de uma fusão entre o cuidar e o educar, formando assim, o caráter pedagógico apropriado a essa fase da vida dos alunos. Atualmente, ainda se reforça essa fusão, acrescentando um terceiro elemento indispensável no trabalho pedagógico com crianças pequenas, que é o brincar, necessidade e interesse indispensável no desenvolvimento dos pequenos alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( LDB) no seu artigo 29, coloca a educação infantil como sendo destinada às crianças de até seis anos de idade, com a finalidade de complementar a ação da família e da comunidade, objetivando o desenvolvimento integral da criança nos aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e socias. Fica denominada creche, pelo artigo 30, as instituições que atendem crianças de até três anos de idade, e pré-escola aquelas que atendem as crianças de quatro a seis anos de idade. Porém, recentemente foram tomadas medidas legais que modificaram o atendimento das crianças da pré-escola, pois os alunos com seis anos de idade devem, obrigatoriamente, estar matriculados no primeiro ano do Ensino Fundamental. Aos sistemas municipais de ensino compete o cuidado necessário para a institucionalização da educação infantil em seus respectivos territórios, para que as creches e escolas se enquadrem, no prazo máximo de três anos, a partir de 1996 (art. 89), nas normas da LDB, isto é, componham o 1º nível da educação básica (exigência do inciso I, art. 21), providenciando sua autorização e exigindo de seus professores a habilitação legal em curso normal médio ou de nível superior (art. 62). Dando sequência, o artigo 31, determina que, na fase de educação infantil, a avaliação deverá ser feita apenas mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança e sem qualquer objetivo de promoção ou de classificação para acesso ao ensino fundamental. Percebe-se, assim, que, social, pedagógica, científica e legalmente a educação infantil é reconhecida como fundamental e importante para as crianças nesta faixa etária, conhecendo e respeitando as particularidades dessa etapa da vida humana. 1.2 A contribuição dos teóricos para a educação infantil ao longo da história A partir do século XVII começaram a surgir alguns teóricos desenvolvendo pesquisas e trabalhos acerca da educação de crianças pequenas. O pioneiro nos estudos da educação infantil foi o teórico João Amós Comênio (1592 – 1657), grande educador e pedagogista da época, que apresentou à sociedade européia a “Didática Magna”, bem como o “Plano da Escola Materna”. A grande inovação de Comênio, além de citar a infância como uma fase do desenvolvimento humano que durava 6 anos, foi a de responsabilizar os pais dessas crianças pela sua educação nesse período de suas vidas. Na Escola Materna havia uma preocupação sobre o que deveria ser trabalhado, definido pelo teórico como sendo estudos essenciais: a Metafísica, Ciências Físicas, óptica, astronomia, geografia, cronologia, história, aritmética, geometria, estática, artes mecânicas, dialética, gramática, retórica, poesia, música, economia doméstica, política, moral (ética), religião e piedade. Comênio afirmava, na Didática Magna, que os principais ramos de uma árvore são despontados nos primeiros anos, depois, apenas crescem e se desenvolvem, portanto, o que se desejasse em um homem, deveria ser plantado logo, nesta primeira escola, até os 6 anos de idade. Já no século XVIII sentiu-se a necessidade de um ensino mais sistematizado, formalizado, algo que transmitisse instruções as crianças de uma maneira mais técnica. Nesse contexto surge um dos grandes nomes na história da pedagogia: Jean Jacques Rousseau (1712-1772), delineando com maior precisão a educação das crianças pequenas, uma vez que defendeu a idéia de que a criança tem um mundo próprio, carregado de características específicas, e que não era apenas um homem em miniatura, porém, cabia ao homem adulto conhecer e compreender esse mundo. Afirmava que, quanto mais o homem se distanciava da infância, ou seja, à medida que os anos passavam, mais se extraviavam de seu verdadeiro e importante significado. Rousseau foi um marco inaugural nas pedagogias da primeira infância, com seu projeto de educação. Rosseau preocupava-se com a fragilidade das crianças pequenas, demonstrando em suas obras, toda sua preocupação com a infância e considerava-a marcada pela vulnerabilidade, pois naquela época esse período apresentava grandes riscos à sobrevivência das crianças. Para ele esse fato não poderia servir como pretexto na limitação da educação que se impunha a elas, a educação deveria estar vinculada à própria vida da criança e deveria, em cada fase do desenvolvimento, propiciar-lhe condições de vivê-la o mais intensamente possível. Sequenciando os trabalhos de Rosseau, a história da educação infantil contou com Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), contribuindo com a psicologização da educação, utilizando como base fundamental as necessidades de crescimento e desenvolvimento da criança. Defendia a intuição e destacava a educação como uma condução das intuições mais superficiais da criança para outras mais distintas e definidas, ou seja, foi destaque com seu método que defendia a educação das crianças partindo sempre do mais simples e fácil para o mais difícil e complexo, afirmando que esse modo permitia uma aprendizagem mais tranqüila e eficaz. Friedrich Fröebel (1782 – 1852), aparece com seus idéias e ideais no século XIX, que tiveram grande influência para a educação infantil, inspirado no amor à criança e à natureza. Inicialmente, fundamentou seu trabalho nas idéias de Pestalozzi, mas posteriormente, mostrou sua originalidade criando os “jardins de infância”, onde se cultivava a infância e se destacava as atividades dos pequenos alunos, compreendendo e defendendo o aspecto educativo do jogo, das brincadeiras e de toda atividade lúdica. Após a inovação de Fröebel, todos os estabelecimentos que eram criados para atender crianças pequenas tiveram essa denominação criada pelo teórico. Junto com o movimento da Escola Nova, no final do século XIX, início do século XX, passou-se a focalizar o aluno como figura principal, central, do processo educativo, tirando o foco do professor, enfatizando o ato de aprender ao invés do ato de ensinar. A Igreja perdeu o domínio sobre a educação e grandes mudanças sociais aconteciam na época. Então, Ovide Decroly (1871 – 1932), baseado nos princípios da psicologia, desenvolveu um trabalho com as crianças ditas “anormais”. Devido ao grande sucesso da sua proposta, estendeu a mesma até as crianças “normais”, com o intuito de superar e substituir o ensino formalista tradicional pelo ensino voltado aos interesses das crianças. Para Decroly era fundamental seguir os interesses dos pequenos, respeitando seus interesses e necessidade, para que conhecessem a si mesmo e então, partissem para o conhecimento do meio em que viviam. Citou, pela primeira vez, a dinâmica da globalização e os centros de interesse como metodologia de ensino. John Dewey (1859 – 1952) denominado como o máximo teórico da escola progressista, foi considerado um dos mais importantes teóricos da educação. Considerava o “fazer” como ato importante para o “aprender”, trazendo para a sala de aula o método científico em forma de experimentações. Dewey escrevia e defendia que: O que se deve desejar nos educandos – escreve Dewey – é o inteligente desempenho de atividades com intenções definidas ou integradas por propósitos pessoais. Com isso é que se forma e se eleva, grau a grau, a experiência humana em conjuntos de maior sentido e significação e, assim, mais eficientes na direção das atividades. Bom ensino só se dará quando os alunos, sob conveniente direção, possam mover-se por intenções que liguem suas impulsões e desejos a propósitos definidos, ideais e com valores. (LUZURIAGA, 1989, p. 199) Dewey tinha como idéias básicas a capacidade de raciocínio e de espírito crítico do aluno, e o mais importante não era o conhecimento em si, como algo acabado, mas sim, que os saberes e as habilidades fossem integradas na vida no sujeito enquanto cidadão, ser humano, pessoa. Ainda nesse século, em um universo basicamente masculino, surgia Maria Montessori (1870 – 1952), com significativa participação nessa nova concepção de ensino e aprendizagem. Sendo médica, fundamentou seu trabalho na biologia do crescimento e desenvolvimento da criança, defendendo métodos, espaços e materiais adequados às características dos pequenos, baseando o ensino na exploração concreta desses materiais. Os princípios fundamentais do sistema montessoriano são a individualidade, a liberdade e a atividade, dando ênfase aos aspectos biológicos, pois acreditava que era função da educação fortalecer esse desenvolvimento. Inserida no movimento da escola nova, Maria Montessori se opunha às pedagogias tradicionais que não respeitavam as necessidades e os mecanismos evolutivos do desenvolvimento infantil, tendo um destaque especial na sua colaboração com novas técnicas para a educação de crianças pequenas, principalmente em idade de educação infantil. Celestin Freinet (1896 – 1966), por sua vez, entendia que a dinâmica da ação estimulava as crianças a buscar o conhecimento, sentindo internamente, uma satisfação pessoal. Para esse teórico, o professor tinha o compromisso de despertar a curiosidade de seus alunos para que houvesse um aprofundamento maior do saber. A sala de aula precisava ser um local prazeroso, repleto de muitas práticas e menos teorias. Defendia as aprendizagens através das experiências e afirmava que o professor precisava ficar observando para saber o momento certo de intervir e estimular o seu aluno na realização das tarefas propostas. Já Jean Piaget (1896 – 1980) preocupou-se sempre em como se dava a construção do conhecimento, pesquisando e aplicando suas idéias com as crianças. É importante destacar, nas obras de Piaget, vários aspectos relevantes para a educação infantil, dentre eles a construção do real, a construção das noções de tempo e espaço e a gênese das operações lógicas. Semenovich Vygotsky (1896 – 1934) desenvolveu seus trabalhos destacando a importância da interação e das teorias sócio-culturais para o desenvolvimento e construção do conhecimento das crianças, articulando-as aos aspectos psicológicos, antropológicos e biológicos. O caminho trilhado por Vygotsky teve um embasamento nas contribuições de Marx, onde buscava a compreensão do ser humano em processos constantes de interação social. Diferentemente de Jean Piaget, esse teórico sempre teve intenções e interesses educacionais em suas pesquisas e obras, sendo considerado por muitos, o responsável pela elaboração de uma teoria de educação, enquanto atividade sócio-historicamente determinada. Considerando tantas contribuições significativas para a educação infantil fica fortalecida a idéia de que essa etapa do ensino vem ganhando um destaque especial e essa fase das crianças é pensada e estuda já há algum tempo. A prática e os novos conceitos relativos à educação infantil nos comprovam novas visões e novos significados nesta área que está em constante dinâmica e transformação, esclarecendo os novos objetivos e práticas da educação infantil. 1.3 Objetivos e práticas na educação infantil Através das pesquisas históricas sobre a educação infantil, percebe-se que a necessidade por pré-escola aparece, historicamente, como reflexo direto das grandes transformações sociais, econômicas e políticas que ocorrem na Europa, a partir do século XVIII. Surgiam então, as creches, com caráter assistencialista, visando afastar as crianças pobres do trabalho servil que o sistema capitalista em expansão lhes impunha, além de servir como guardiãs de crianças órfãs e filhas de trabalhadores. Nesse sentido, a pré-escola tinha como função principal a guarda das crianças, era preciso cuidar das crianças e de seu bem estar. Já no século XIX, uma nova função passa a ser atribuída a pré-escola, mais relacionada à idéia de “educação” do que a de assistência. A função dessa pré-escola era a de compensar as deficiências das crianças, sua miséria, sua pobreza, a negligência de suas famílias. A elaboração da abordagem da privação cultural veio fundamentar e fortalecer a crença na pré-escola como instância capaz suprir as “carências” culturais, lingüísticas e afetivas das crianças provenientes das classes populares. Vista dessa forma, a pré-escola, como função preparatória, resolveria o problema do fracasso escolar que afetava principalmente as crianças negras e filhas imigrantes, naqueles países. É importante destacar, que nesse contexto, a idéia da preparação se vinculava diretamente à compensação das carências infantis. Essa foi a concepção de pré-escola que chegou ao nosso país na década de 70. O discurso oficial brasileiro proclamou a educação compensatória como solução de todos os problemas educacionais, seria a redentora da sociedade e de todos os problemas sociais. A própria coordenação de Educação Pré-escolar do MEC sugeria, naquela ocasião, a opção por programas pré-escolares de tipo compensatório. Pouco a pouco foi sendo explicitado que esses programas de educação compensatória partem da idéia de que a família não consegue dar às crianças condições para o seu bom desempenho na escola. As crianças são chamadas de “carentes” culturalmente, pois se parte do princípio que lhes faltam determinados requisitos básicos capazes de garantir seu sucesso escolar, e que não foram transmitidos por seu meio social imediato. A pré-escola, dentro desta visão, serviria para prever estes problemas (carências culturais, nutricionais, afetivas), proporcionando a partir daí a igualdade de chances a todas as crianças, garantindo seu bom desempenho escolar. Nos últimos anos, portanto, se ampliou o questionamento dos programas compensatórios na medida em que se foi estabelecendo um consenso de que não prestam um benefício efetivo às crianças das classes populares, servindo, muito ao contrário, para descriminá-las e marginalizá-las com maior precocidade. É necessário, portanto, reivindicar uma pré-escola de qualidade, pois se os filhos das classes médias a conseguem via rede privada, os filhos das classes populares têm direito a mais do que meros depósitos. Assim, se por trás do interesse oficial podemos ver um avanço no sentido de uma maior democratização da pré-escola, é preciso, mais do que nunca, apontarmos para um tipo de pré-escola que esteja a serviço das crianças das classes populares. Nem depósito, nem corretora de carências, a pré-escola tem uma outra função, que necessita ser explicitada e concretizada, que é a função pedagógica. Por outro lado, a psicologização e a medicalização das relações intra-escolares têm dificultado o desenvolvimento do verdadeiro e significativo papel da escola, na medida em que a formação de hábitos e atitudes se tornou tão ou mais importante que o “simples” ensinar. No que diz respeito, porém, a pré-escola, tal formação de hábito é considerada praticamente inquestionável, função básica das atividades desenvolvidas. Por outro lado, revela-se também como fundamental na pré-escola o incentivo à criatividade e as descobertas das crianças, ao jogo e à espontaneidade, que deveriam permear as relações infantis. Numa visão apressada, esses dois objetivos poderiam nos parecer contraditórios afinal, formar hábitos significa treinar, condicionar a regras e padrões estabelecidos, enquanto que, propiciar o jogo criativo, num clima “espontâneo e livre” requer flexibilidade e possibilidade de invenção. Mas, numa análise mais cautelosa, podemos perceber que essas duas finalidades não se opõem, ao contrário, elas se baseiam na mesma concepção abstrata e genérica de criança, já que não leva em consideração a sua inserção social. Tratam de uma infância fora da história. Os dois enfoques se assemelham, na medida em que falta a ambos, a percepção das crianças como sendo parte da totalidade que as envolve. E é justamente essa ausência que a instância pedagógica pode preencher, substituindo uma prática “formadora permissiva” por uma prática política e social. Quando dizemos que a pré-escola tem uma função pedagógica, estamos nos referindo, portanto, a um trabalho que toma a realidade e os conhecimentos infantis como ponto de partida e os amplia, através de atividades que têm um significado concreto para a vida das crianças e que, simultaneamente, asseguram a aquisição de novos conhecimentos. Desta forma, um programa que pretenda atingir tais objetivos não pode prescindir de capacitação dos recursos humanos nele envolvidos, nem tampouco de supervisão constante do trabalho. A capacitação (prévia e em serviço) e a supervisão, aliados à dotação de recursos financeiros específicos, bem como à definição da vinculação trabalhista dos recursos humanos, se constituem em condições capazes de viabilizar, então, um tipo de educação préescolar que não apenas eleve seus números, mas, principalmente, a qualidade do serviço prestado à população. Assim, se as atividades realizadas na pré-escola enriquecem as experiências infantis e possuem um significado para a vida das crianças, elas podem favorecer o processo de alfabetização, quer a nível do reconhecimento e representação dos objetos e das suas vivências, quer a nível da expressão de seus pensamentos e afetos. Então, as formas de representação e expressão vão se diversificando, aos poucos, e se tornando mais complexas: de início são motoras e sensoriais (aparecem basicamente com ação); em seguida, simbólicas (aparecem como imitação, dramatização, construção, modelagem, reconhecimento de figuras e símbolos, desenho, linguagem); posteriormente são codificadas (aparecem como leitura e escrita). Compreender que a alfabetização tem esse caráter dinâmico de construção significa compreender que os mecanismos da leitura e da escrita se constituem uma parte integrante do processo, que é beneficiada pelas etapas anteriores. Nossa ênfase recai sobre o papel efetivo que a pré-escola desempenha, do ponto de vista pedagógico, garantindo às crianças a aquisição gradativa de novas formas de expressão e reconhecimento-representação de seu mundo. Se uma pessoa não fala, nossa atuação se dirige antes a proporcionar sua fala do que a ensiná-la a falar corretamente. Corrigir seus erros, antes que ela possa falar, seria levá-la a se calar. Similarmente, assegurar a compreensão por parte da criança de que ela lê quando identifica um objeto, um gesto, um desenho, uma palavra e ainda propiciar a confiança dessa criança na sua própria capacidade de entender e se expressar sobre seu mundo, precede o ensino das técnicas de leitura e escrita e, sem dúvida, o beneficia. Uma programação pedagógica deve ser pensada a partir do conhecimento dos alunos em suas múltiplas dimensões e das necessidades sociais de aprendizagem que lhes são propostas. Destacando-se para assumir o ponto de vista da criança enquanto avalia caminhos capazes de se mostrarem mais produtivos para ela, o professor pode criar um ambiente educativo que propicie a realização de atividades significativas em que a criança procura explicar o mundo em que vive e compreender a si mesma. Aí sim haverá uma preocupação com a criança em seu momento atual, proporcionado a ela bons momentos para que viva de forma feliz. 2 A ROTINA E O COTIDIANO ESCOLAR 2.1 O quê e para quê? O conceito da palavra rotina pode ser encontrado em alguns dicionários da Língua Portuguesa como uma prática costumeira, uma norma ou maneira constante de proceder. Cunha, 1982, afirma que sua utilização na língua portuguesa surge em 1844, significando uma noção de espaço, vinculada a um caminho, direção, rumo. Seu significado nas salas de aula da educação infantil vai mais além. Ela representa uma estrutura fundamental, que sustenta as ações pedagógicas com as crianças pequenas e que pode ser, inclusive, uma referência de suma importância para a orientação temporal e construção da noção de tempo dessas mesmas crianças. A rotina serve, também, como uma guia para o planejamento, gerenciando as atividades pedagógicas dentro de uma sequência lógica adequada de uso do tempo e do espaço. Bassedas, Huguet e Sole, 1999, colocam a rotina como atividades que são realizadas todos os dias, de uma maneira estável e muito pautada pela pessoa adulta. Ainda reforçam que: Queremos destacar que a palavra “rotina” tem, no seu sentido habitual, um caráter pejorativo, porque nos faz pensar em conduta mecânica [...] Tratam-se de situações de interação, importantíssimas, entre a pessoa adulta e a criança, em que a criança parte de uma dependência total, evoluindo progressivamente a uma autonomia que lhe é muito necessária. (BASSEDAS, HUGUET, SOLÉ, 1999, p.148) Em inúmeras situações do nosso dia a dia escuta-se comentários sobre a rotina de forma bastante negativa, por exemplo, se algo “cair na rotina”, está num momento crítico e preocupante de desmotivação, de ação sem reflexão pois é sempre a mesma coisa. Na rotina da educação infantil, a proposta é de utilizar a rotina como base para a organização pedagógica nas salas de aula, sendo trabalhada de forma a contribuir para o trabalho docente e para o desenvolvimento dos educandos. Segundo as orientações do RCNEI, deve ser estabelecida na educação infantil uma rotina na qual será organizado o tempo do trabalho educativo realizado com as crianças e nela devem ser contemplados os cuidados, as brincadeiras e as situações de construção de novos conhecimentos. A organização dessa rotina pedagógica de uma turma estrutura o cotidiano escolar e representa para professores e crianças uma fonte de segurança, fornecendo subsídios para prever a sequência do trabalho, diminuindo a ansiedade acerca do desconhecido e organizando o tempo e os espaços disponíveis. 21 De acordo com Barbosa, 2006, existe uma importante diferença entre a rotina e o cotidiano, que precisa ser destacada, considerando um grande erro a utilização de ambos como sinônimos. A autora ainda afirma que a própria nomenclatura da rotina pode ser variada, podendo ser chamada de horário, emprego do tempo, seqüência de ações, trabalho dos adultos e das crianças, plano diário, rotina diária, jornada, etc. Mesmo assim, torna-se fundamental reforçar que se faz necessário o cuidado em observar a diferença entre essas duas palavras e seus significados, valendo-se de seus objetivos marcantes, apesar de conterem pontos em comum. O cotidiano diz respeito ao tempo vivido e usufruído, tendo um caráter bastante próprio e individual de quem vive aquele determinado momento, enquanto a rotina se refere a uma construção, a uma organização deste tempo cotidiano, ou seja, está impregnada culturalmente e socialmente, sendo influenciada por costumes, regras e tradições sociais. Pode-se dizer que a rotina está dentro de um processo de socialização, organizado dentro de rituais pré-determinados. A rotina pode ser vista como a parte fixa do cotidiano, a espinha dorsal, que serve como sustentação. Mas outros estudos negam que deva ser tão fixa, podendo ser investida, criativamente alterada. Todas as atividades que acontecem nas escolas infantis exigem uma importante organização para que se possa realizá-las de uma maneira coerente e eficaz, ou seja, não se pode simplesmente definir no exato momento em que se está em uma determinada situação o que irá ser realizado com as crianças. Chegando na escola, às 8 horas, por exemplo, a professora não poderá decidir, naquele momento, que fará o horário do almoço e, que depois, as crianças farão a atividade livre na pracinha. Incoerentemente, o almoço não poderá ser oferecido às 8 horas da manhã, e também não seria recomendável uma atividade tão agitada na pracinha após a refeição do almoço. A rotina nos permite a organização desse tempo cotidiano considerando alguns aspectos importantes para a realização das atividades pedagógicas. Primeiramente, faz-se relevante lembrar das necessidades biológicas das crianças. Nesse aspecto, considera-se as necessidades físicas e biológicas dos alunos, em determinadas horas do dia, ou seja, como se manifestam nas diversas horas do dia e como a rotina pode corroborar positivamente para o desenvolvimento das mesmas nesses períodos. Além disso, destaca-se ainda as características da faixa etária, englobando além dos aspectos biológicos, os psicológicos e sociais também. Em cada fase da vida o aluno manifesta interesses e necessidades bem peculiares, que precisam ser conhecidos, analisados e considerados no momento da organização da rotina. Por exemplo, quanto menores as crianças, maior a necessidade do descanso através dos momentos do sono, bem como menor o tempo de concentração em determinadas atividades dirigidas. Ressalvo que uma vez que se considere a 22 importância da rotina respeitar essas características infantis, seria contraditório estipular, por exemplo, quanto tempo as crianças devam levar para concluir uma determinada atividade, ou mesmo uma refeição. Neste caso, estaria se utilizando a rotina a fim de padronizar atitudes e condutas, esperando que com o estabelecimento da rotina, as ações dos alunos ficassem mais previsíveis e, com isso, facilmente controladas. O funcionamento da instituição como um todo também precisa se adequar a essas necessidades dos alunos, para que, então, possam ser consideradas no momento de organizar uma rotina escolar. É preciso ficar atento ao funcionamento da coletividade, uma vez que se está inserido dentro de um grupo social, dentro de uma instituição. Porém, a escola precisa disponibilizar recursos materiais, como salas, brinquedos e materiais pedagógicos, bem como recursos humanos, um número adequado de funcionários para que se possa realmente praticar uma rotina saudável e que tenha no aluno o seu foco principal. Tendo em vista os aspectos anteriores, chega o momento de selecionar atividades importantes ao desenvolvimento infantil, permitindo que as crianças sejam estimuladas e permaneçam em um ambiente agradável e pedagogicamente construído pensando no seu bem estar como um todo. Os alunos devem ter as opções e intervenções docentes durante o período em que permanecem na escola, contudo, o tempo não é ditado pelo educador, mas sim, pela criança que tem sua individualidade e seu próprio tempo para realizar as tarefas e elaborar seus conhecimentos. É importante lembrar que em uma instituição onde os alunos permanecem em turno integral, torna-se imprescindível uma comunicação efetiva entre os profissionais de ambos os turnos, pois é necessário que haja um elo de ligação entre as propostas de um turno e de outro, para que as atividades não fiquem dissociadas umas das outras, correndo riscos de repetição ou falta de sequência. Essa sequência tem um significado muito importante para a criança, como afirma Barbosa, 2006, p. 145: O objetivo dessa seqüência é que, na relação com as pautas temporais, mais ou menos estáveis, a criança comece a diferenciar seu tempo interno do tempo exterior, a construir hábitos sociais coletivos e a diferenciar momentos do dia. Nesse sentido ainda, corroboro com Martín, 1996, p. 53, quando esclarece os benefícios da sequência de fatos e atos na escola infantil: As crianças necessitam, portanto, de que os fatos se sucedam de uma forma mais ou menos estável, configurando um ciclo que lhes proporciona segurança e eficácia em suas ações (...) as percepções e sentimentos que configuram a vida cotidiana se organizam em torno de fatos passados (lembranças) e de predestinações futuras (espera) que se integram em esquemas de ação e estruturas mentais capazes de ir resolvendo os diferentes conflitos emocionais e de permitir a adaptação ao seu meio. 23 Além dessa sequência de atividades, Barbosa ressalta também os cuidados que se fazem necessários com os tempos de transição entre uma e outra atividade, lembrando que existem muitas convenções e estereótipos que disfarçam ordens, e estas, por sua vez, ditam os movimentos e comportamentos dos alunos na troca de atividades. Assim sendo, a autora destaca que é preciso compreender a importância da articulação entre as atividades, ou seja, uma complementando a outra, sem horários pré-determinados para início e fim, ou com fragmentações do tempo nas atividades. A prática fragmentada das atividades e dos usos do tempo na rotina, faz lembrar as disciplinas e as grades de horários do ensino fundamental, onde o momento da transição representa a abertura de uma gaveta do conhecimento e o fechamento de outra. Como o próprio nome sugere, as grades aprisionam os conhecimentos em horários estipulados e rígidos, normatizando como devem acontecer cada aprendizagem em um determinado período de tempo. Na educação infantil, ao menos, tentemos desmitificar essa prática, por uma prática de maior liberdade na construção do conhecimento e nas experiências de nossos alunos, uma vez que a proposta é que sejam eles mesmos sujeitos principais de suas aprendizagens, e têm seu ritmo próprio que precisa ser respeitado. Quando destaco essa liberdade nos usos do tempo nas atividades de rotina, não sugiro uma prática desorganizada ou não planejada. Ao contrário disso, o professor precisa de muito preparo e planejamento para se adequar as necessidades dos indivíduos e mediar as relações entre o aluno e o conhecimento. Algumas práticas sugerem, inclusive, a exposição das diversas atividades planejadas pelo dia à disposição dos alunos, bem como os materiais e recursos necessários, para que estes possam interagir e decidir, auxiliados pelo professor, qual proposta desejam realizar em determinados momentos do dia. A rotina proposta em cada instituição dependerá da pedagogia implementada neste mesmo local, ou seja, como são múltiplos os enfoques pedagógicos, também poderão ser múltiplos os enfoques dados à rotina. Existem algumas instituições que não demonstram grande preocupação em compartilhar a organização da rotina com todos os envolvidos nesta prática pedagógica, determinando horários, métodos e atividades de forma definitiva e nada flexível. Porém, muitos autores defendem, na atualidade, a relevância da participação ativa dos alunos maiores nas definições e organizações de suas rotinas de sala de aula, dando espaço a uma educação mais democrática e adequada aos interesses e necessidades individuais. Conforme afirma Batista, 2009, comprometimento precisa ir além da sala de aula: 24 O que se percebe, no cotidiano da educação infantil, é que existe, ainda, uma grande distância entre o que se pretende e o que se realiza, o que se “quer fazer” e o que se “pode fazer.” A implementação de uma proposta de caráter educacional-pedagógico1 que possibilite às crianças a vivência digna dos seus direitos e se contraponha ao caráter assistencialista, espontaneísta ou compensatório de educação, exige, além da vontade dos profissionais2, o comprometimento político pedagógico da instituição, das agências formadoras, dos governantes e dos pesquisadores que contam hoje com um vasto campo de investigação ainda em aberto, principalmente no que diz respeito à caracterização do trabalho realizado nas creches e pré-escolas. ( BATISTA, 1998, p. 83) Além dos alunos, seria interessante a participação dos pais dos alunos na construção da rotina, ou seja, através de entrevistas ou mesmo de conversas informais com os mesmos, o professor coletaria informações importantes sobre a rotina do aluno em sua casa, seus hábitos e suas características individuais, para que pudesse aproximar sua vivência escolar da sua vivência familiar e, com isso, contribuir para uma educação mais globalizada e harmoniosa. Dentro desse contexto considero interessante exemplificar essa teoria com a prática pedagógica de elaborar cartazes, murais ou varais com a rotina exposta, ou seja, as diversas atividades que serão realizadas durante o dia, principalmente quando se utilizam fotos ou figuras simbólicas para ilustrar as atividades. Essas atividades contribuem de forma muito significativa para o aprendizado dos alunos, corroborando para a organização individual dos mesmos e assim, gerando maior segurança e autonomia. É de grande importância para o desenvolvimento da confiança e segurança infantil que haja alguns pontos de referencia estáveis na rotina, que se repetem, permitindo aos alunos uma certa previsão daquilo que está para acontecer. No momento que estão guardando os brinquedos do pátio, logo se sugere que irão deixar o local e voltar para a sala de aula, por exemplo. Essa regularidade de ações proporciona ao educando a orientação necessária para que ele se organiza internamente e vá construindo a sua noção de tempo, e, com isso, sua autonomia, uma vez que já sabe o que vai preceder determinada atividade e pode ir se organizando para tal sequência de atividade sem necessitar da ordem do adulto. Partindo da premissa que as dimensões corporal, cognitiva e afetiva das crianças constituem processos que se dão num todo, numa relação de reciprocidade e de complementaridade é que se faz necessário que o tempo e o espaço estejam organizados, de modo que se respeite a lógica do tempo e do espaço da vida humana nestas diversas dimensões. Por ser construída por adultos, algumas vezes a rotina é organizada obedecendo critérios e lógicas consideradas muito relevantes pelo adulto, bem como a importância que o mesmo dá para determinadas atividades. Porém, o contexto do desenvolvimento infantil e suas lógicas próprias são ignorados. É nesse espaço e nesse contexto pedagógico que surge a rotina, como forma de organização do cotidiano escolar das crianças pequenas, visando o melhor aproveitamento do tempo, considerando sempre alguns aspectos fundamentais para a 25 sua implementação. Nem sempre o que é extremamente valorizado pelos adultos seja o que a criança mais necessita ou se interessa no momento. Sob essa discussão podemos também destacar se o objetivo primordial e principal da rotina vem sendo lembrado e praticado, ou se acaba gerando uma preocupação com o controle coletivo dos alunos e, com isso, perdendo o seu foco principal. Nesse sentido é possível perceber que a organização da rotina praticada no cotidiano pode marcar em cada corpo uma forma de se ver, de se narrar, de se manifestar, de se relacionar consigo e com os outros, determinando uma posição de sujeito, um molde considerado adequado e próprio. Como se esse fosse um aprendizado de como ser uma boa criança-escolar, tendo uma disciplina contínua, persistente e que se torna mecânica. Sabe que precisa fazer, que deve realizar, mas não sabe o porquê, nem para quê. Ao se estabelecer a rotina dentro do ambiente escolar torna-se imprescindível destacar a necessidade de definir os objetivos aos quais ela estará vinculada, sendo assim, será possível nortear as ações e o tempo das mesmas para serem contemplados por essa rotina. Partindo de algumas pesquisas, observações e experiências docentes, destaco algumas metas que considero fundamentais para que tracemos uma rotina prática e eficiente. Primeiramente, a rotina precisa gerar socialização. Ela depende da interação e da integração dos membros envolvidos nas ações, sejam adultos, crianças, colegas, educadores e alunos. Além disso, um dos principais objetivos da própria educação infantil é o da sociabilidade. Em seguida, precisa favorecer a aprendizagem dos conteúdos a que se propõe desenvolver, seguindo o plano da escola e do nível de ensino, para que haja a contribuição da mesma para o desenvolvimento infantil de forma integral. Será importante, inclusive, que todos os envolvidos nas ações pedagógicas tenham funções e responsabilidades a si delegadas pela organização da rotina, destacando sua importante participação e a valorização de sua individualidade e de suas potencialidades. Rotina remete, inclusive, à organização. Saber o que, como e quando fazer é um ponto fundamental para os profissionais envolvidos na prática escolar, seja direta ou indiretamente agindo com os alunos. O quarto ponto a ser destacado é a possibilidade de utilizar situações diárias para ampliar e enriquecer as vivências dos alunos, repensando e reestruturando a vida cotidiana. Por último, valer-se da flexibilidade necessária para propiciar alternâncias e variações, pois nem sempre tudo é previsível e calculável ao se tratar de crianças tão pequenas, ainda conhecendo a si próprias e ao mundo ao seu redor, e com comportamentos e características resultantes de suas experiências e vivências trazidas do seu contexto familiar e social. Atualmente percebe-se uma grande variedade cultural na nossa sociedade, fato que se faz presente nas nossas escolas, uma vez que cada criança traz consigo uma bagagem própria e culturalmente construída que exerce influência direta ou indireta nos seus processos de construção do conhecimento. Contudo, questiona-se se o papel atual da escola, e, consequentemente, da rotina escolar, tem sido o de privilegiar a diversidade cultural ou de homogeneizar e disciplinar corpos. A pedagogia tradicional reforça a obediência das crianças aos adultos, a heteronomia ao invés da autonomia, ou seja, a dependência de ordens para realizar as ações. Assim sendo, 26 forma-se crianças moldadas de acordo com os interesses do docente, do adulto, sendo ele o centro do processo educativo. Acrescento com Lisboa, 1998: Chega ao colégio e – surpresa! – pedem-lhe que faça um navio. A coisa que ele mais gosta: desenhar. Faz um navio lindo, redondo como a lua, cheio de árvores no interior e com dois bichos nadando – elefantes, diz ele. A professora olha a obra de arte, pergunta o que é e recebe a resposta: ‘Um navio!’ Carinhosamente, a professora vai até o quadro e desenha um navio clássico, com velas, proa e popa, um digno navio de adulto, e diz: ‘João Paulo, isto é um navio e elefante não nada!’ João Paulo havia feito um navio original, diferente dos outros, lindo, nunca feito por alguém. Havia criado o primeiro navio redondo, e a professora, que seguramente não havia lido O Pequeno Príncipe, deu-lhe uma lição de como as pessoas devem ser bitoladas desde criancinhas. (LISBOA, 1998, p. 15) Acreditamos em uma pedagogia que reforça a autonomia e independência das crianças, colocando essas práticas como principais objetivos da educação infantil, juntamente com a socialização. Pensamos em formar indivíduos pensantes, críticos e participativos, além de pesquisadores e sujeitos de suas aprendizagens e construções, afirma a maioria dos textos em que se expõe a filosofia das escolas. Porém, cabe refletirmos se realmente a nossa prática pedagógica está condizente com essas teorias, ou se a organização da nossa rotina vem para fortalecer a emancipação ou a submissão dos indivíduos, a espontaneidade ou o espontaneísmo, a autoridade ou o autoritarismo, a diversidade ou a homogeneidade. Percebe-se com frequência em muitas práticas docentes atuais, que os espaços e os tempos da educação infantil ainda revelam muito a ordem, a estética, a previsibilidade, o controle da lógica do adulto. Pensar a educação infantil como espaço que propicie a emancipação, exige a recusa das práticas excessivamente reguladoras, homogêneas, generalizadas e impessoais. Por isso, faz-se necessário buscar nas crianças, nas suas práticas, nos seus modos de ser, a possibilidade da construção de novos tempos e espaços em que elas sejam respeitadas como crianças e possam viver como crianças. Não aspiramos e nem podemos praticar uma educação que prepare para a emancipação, se no momento em que a criança está não lhe é permitido a vivência das múltiplas possibilidades que a infância oferece. Muitas vezes observamos práticas atreladas a uma visão preparatória da educação infantil, seja para disciplinar os pequenos a domesticar o corpo para ficar sentado em cadeiras e classes no ensino fundamental e, com isso, “aprender a lição”, ou preparando para o mundo adulto e suas múltiplas responsabilidades. Então, a criança passa a educação infantil toda sendo preparada e moldada, com a ajuda da rotina e poucos se questionam: mas quando mesmo ela vai viver a infância? Barbosa, 2006, p.141, afirma que: Entretanto, algumas instituições tentam aderir a um novo tipo de marcação do tempo e de inserção do tempo do capital no da vida das crianças, e um dos exemplos mais 27 flagrantes na educação infantil pode ser visto com a antecipação, com a aceleração que incentiva as crianças pequenas a iniciar com determinadas atividades mais cedo, antes de e, se possível, cada vez mais rápido, para que adquiram um maior número de habilidades para competir no mercado. Almeida e Mahoney, 2000 p.79, afirmam que: "A criança deve freqüentar a escola para se instruir e para ficar familiarizada com um novo tipo de disciplina e de relações interpessoais, cabendo à escola maternal o papel de preparar a criança para sua emancipação futura." Porém, analisando essa afirmação, cabe-me discordar da interpretação que tive da mesma, pois, fica explícita uma idéia de controle, onde a disciplina não aparece como um sinônimo de auto-conhecimento e auto-descoberta, mas sim, de que os alunos só serão emancipados futuramente se forem submetidos a disciplina dos corpos. Interessante lembrar nesse momento que a idéia da educação infantil não é a de preparação para uma vida futura, mas sim, a de vivenciar intensamente todas as possibilidades dessa vida atual, desse momento que a criança vive na escola infantil. Quanto mais prazerosa e interessante a experiência da criança na educação infantil, mais fortalecida estará a base para as posteriores fases, mas desse ponto de vista enxergamos e pensamos a criança hoje e não no futuro, pois tudo é um processo a ser construído e o futuro acaba sendo uma consequência do que ela vive no presente. Bassedas, Huget e Solé, 1999, afirmam que: O tempo de aprender e o tempo de viver e crescer não estão separados e, em todo o momento, a criança cresce e aprende graças à ação educativa das pessoas que a envolvem ... e às experiências que têm no seu contexto. (BASSEDAS, HUGET, SOLÉ, 1999, P. 100) Nesse sentido, quando se planeja e organiza o tempo na educação infantil, se faz necessário o cuidado e a atenção com todos os momentos do período em que os alunos passam na escola, valorizando cada aspecto que os compõe e considerando a importância de cada ação pedagógica para o desenvolvimento dos mesmos. Ramos, 1998 reforça a idéia de ainda percebe em suas investigações a rotina diária muito ligada à disciplina e ao autoritarismo ao invés da construção do tempo pela criança. Desse modo, percebe a ausência da participação das crianças na construção e transformação da rotina. Assim sendo, elas ficam meras receptoras do que é criado pelo adulto e reprodutoras de um sistema de rotina pensado como ideal para elas. 2.2 A rotina rotineira 28 Ao tecer a idéia de uma rotina que propicie uma organização prazerosa do cotidiano, logo remete ao conceito pejorativo da rotina, ou seja, quando nos referimos à rotina falando de algo sempre igual, corriqueiro, monótono. Socialmente falando, existe uma visão de rotina como algo que não pressupõe novidade, inovação, mas que se repete de uma forma sistemática e mecânica. Insisto muito na idéia de que nada na nossa prática pedagógica pode se tornar mecânico, ou seja, executado de uma forma como sempre costumava ser, sem exigir nenhuma reflexão ou ressignificação. A repetição de ações não precisa, necessariamente, ser algo negativo, afinal, ela faz parte do universo infantil, observável nas brincadeiras e nos jogos das crianças. Segundo Freud, a repetição de um mesmo ato possibilita a simbolização de uma situação. Em relação às rotinas na educação infantil, a repetição pode dar às crianças o sentido de continuidade, de uma seqüência lógica. Rabitti, 1999, em relação a repetição na rotina, afirma que: Embora possa parecer que o temo “repetitivas” as conote negativamente, essas atividades de rotina não deveriam ser subestimadas, porque não se deveria esquecer a necessidade do ritual na formação das crianças, a importância da repetição como aspecto fundamental para o desenvolvimento cognitivo e psicológico das crianças... (RABITTI, 1999, p.90) Porém, não significa que as atividades precisem ser sempre as mesmas, gerando nos alunos uma sensação de desmotivação e desgosto, uma vez que não há novidades ou outro estímulo pelo qual os alunos possam aguardar. Conforme afirma Freire, 1993, abominando a rotina rotineira, diz que a rotina precisa dar espaço para o pulsar de vida e os desejos dos educandos e das educadoras. Cada momento da rotina, em algum dia especial, pode trazer algumas surpresas para os pequenos. Por que não a salada do almoço vir servida em uma caixa surpresa? E nesse instante, a hora da refeição se tornar a atividade dirigida? Ou então, a atividade artística sair de dentro da sala de aula e de cima das mesas, indo para o pátio gramado ou para a pracinha com areia? É a atividade dirigida transformando-se em brincadeira livre. De repente, a hora do conto de algum dia pode não ser contada até o final, mas deixar um suspense para o dia seguinte. São pequenas ações que podem tornar as atividades de rotina bem surpreendentes, provocando o aluno a uma breve instabilidade momentânea que o estimule ao interesse e a participação nas aulas, provocando um prazer agradável e saudável para a criança. Desse modo, vir a aula pode se tornar mais motivador e prazeroso. Isso não significa que seja necessário fazer da escola uma festa ou um circo, mas sim, um local onde a construção do 29 conhecimento aconteça de forma divertida e interessante, não obrigatória e cansativa. Pensemos que legal em um determinado dia, o ato de guardar os brinquedos, que nem sempre é bem quisto pelos alunos, se transformar em um jogo de basquete onde vão arremessando os bichinhos de borracha para dentro do baú respeitando uma determinada distancia? Retomando a questão das características da faixa etária citada no início deste capítulo, vale lembrar que nessa idade da educação infantil é comum as crianças cansarem rapidamente de uma determinada atividade, o que faz com que percam o interesse e desviem o foco da atenção para outro lugar ou atividade. Com o passar do tempo, podem associar determinadas atividades que se estendem com monotonia e recusarem a realização das mesmas. Aspectos como a mudança de ambientes para a realização de determinadas atividades, a oferta de materiais e técnicas diferenciadas, a inversão da seqüência de atividades, previamente combinada com o grupo de alunos, podem ser ações favoráveis a rotina escolar, tornando-a estimulante e desafiadora, e, assim, valorizando os aspectos que compõem o dia a dia na escola. Outra questão bastante relevante nessa faixa de idade é o imprevisto. Situações não planejadas que ocorrem inesperadamente e fazem com que o docente precise alterar as atividades planejadas acontecem com freqüência na educação infantil e também fazem com que a rotina do dia seja modificada. Segundo Bassedas, Huguet e Sole, 1999: Quando trabalhamos com crianças desta idade, temos que estar treinados a sermos flexíveis e receptivos para modificar os planos previstos em função dessas observações do contexto e do estado emocional e físico das crianças. (BASSEDAS, HUGUET, SOLÉ, 1999, p.101) O fato das crianças de turno integral passarem entre 8 e 12 horas na escola infantil traz a necessidade de repensar com mais cuidado e atenção as atividades e a repetição das mesmas durante esse período, uma vez que, normalmente, a seqüência realizada no turno da manhã, normalmente é repetida com algumas alterações no turno da tarde, tornando o dia a dia mais cansativo, estressante e monótono para as crianças. Fantin, 1996, p.144 afirma que: Mas por que será que este ritual tem tão poucas surpresas, tudo é sempre tão igual marcando o tempo e as relações entre as pessoas e definidos, uma temporalidade não apenas das crianças, mas de pais, profissionais, enfim, de gerações. Afinal, o acontecer de coisas novas e inesperadas é fundamental para ampliar as experiências infantis, pois as novidades também podem ser planejadas, inclusive apoiando-se na própria estrutura deste ritual – escolar – marcado pelo uso do tempo em várias atividades que determinam os diferentes momentos que as crianças ali vivem. 30 O bom senso e o equilíbrio na hora de intermediar as novidades e surpresas com a repetição e a seqüência de atividades é a principal característica que vai diferenciar a escola agradável e prazerosa da escola que vira festa ou circo. No momento em que planejamos surpresas diariamente em nossas aulas e em diversos momentos do dia, as crianças não serão mais surpreendidas positivamente e a surpresa passa a ser rotineira. Perde-se aí, o valor dessa preciosidade na rotina da educação infantil. O nosso principal propósito enquanto profissionais da educação infantil é proporcionar um ambiente estimulante onde se desenvolvam habilidades, competências e potencialidades. O interesse dos alunos pela escola é de suma importância para o sucesso do trabalho docente, portanto, em primeiro lugar, conquistar a confiança e trazer o aluno para a escola com prazer e alegria deve ser o primeiro compromisso do docente. Barbosa, 2006, p.25, coloca a tristeza de Pinóquio em saber que precisaria freqüentar a escola e traz esse trecho como uma reflexão do que realmente significa a regulação da escola no cotidiano infantil: Canta, meu grilo, como preferires: mas eu sei que amanhã, no alvorecer, vou embora daqui, porque, se fico aqui, acontecerá a mim aquilo que acontece a todos os meninos, isto é, terei de ir para a escola e, por amor ou por força, terei de estudar; e eu, vou te dizer em confidência, de estudar não tenho nenhuma vontade e me divirto mais perseguindo borboletas e subindo nas árvores para pegar os passarinhos nos ninhos. (COLLODI, C. As aventuras de Pinóquio apud BARBOSA, 2006) Este trecho nos trás uma grande reflexão sobre a visão que as crianças muitas vezes têm das escolas. Um local feito para cumprir obrigações, aprender, ser inteligente e obedecer. Enquanto isso, os alunos esperam ansiosamente por momentos de diversão, troca e ludicidade, onde realmente pudessem manifestar seus talentos, seus potenciais e suas competências, mediados por adultos capacitados e preocupados com o seu bem estar. Essa preocupação aumenta quando falamos em educação infantil, pois ainda têm-se essa etapa da escolaridade como não obrigatória legalmente, mas, mesmo assim, trás consigo uma carga já bastante pesada de conteúdos, normas e regras, para crianças tão pequenas que ainda estão se descobrindo e descobrindo o mundo a sua volta, carregadas de vontades, desejos, curiosidades e energias, que muitas vezes, são adormecidos pela rigidez da rotina escolar e pela domesticação dos corpos que devem ser educados e controlados. 2.3 A criança e o tempo 31 Como já foi citado anteriormente, as crianças na educação infantil de turno integral passam em média, 8 a 12 horas dentro da escola. Por isso, a preocupação com os usos do tempo no período em que elas permanecem na instituição de ensino deve ser constantemente refletida. A rotina tem uma ligação direta com os usos do tempo, uma vez que serve para organizar a seqüência de atividades do dia para que o tempo seja melhor aproveitado tanto pelos professores como por seus alunos. Umas das grandes preocupação com o uso do tempo na escola infantil é com relação ao tempo vivido pelos alunos e seus longos períodos de espera. Há que se problematizar a existência de longas esperas de crianças e bebês em filas, nos berços, nas camas, nas mesas, nos momentos introdutórios à entrada e saída diária. As crianças também esperam para uso do banheiro ou para ter as fraldas trocadas, para se iniciar as refeições, e outras esperas mais. Percebe-se que há ainda muito tempo ocioso para os alunos, onde se gasta muito tempo aguardando os acontecimentos sem ter o que fazer e pouco tempo realizando realmente as atividades pelas quais tanto se esperou. As filas, ainda incorporadas nas práticas cotidianas como uma forma de organizar o deslocamento das crianças, precisam ser revistas, pois, como se apresentam, estão descoladas das práticas sociais e representam mais uma necessidade de controle dos adultos do que uma das formas possíveis de se organizar os deslocamentos das crianças. Além disso, se perde muito do valioso tempo em que poderiam estar fazendo descobertas e construindo aprendizagens significativas, para conseguir deixa-los em uma fila organizada. Na ausência do planejamento de propostas mais interessantes com as quais se ocupar, as crianças acabam ultrapassando limites colocados pelos adultos, bem como descumprindo as combinações realizadas em aula, aumentando os episódios de mordidas e brigas. Muitas vezes culpa-se os alunos ou seus pais pela falta de limites, mas não se questiona se o ócio possa estar causando estresse nos alunos e então conduzí-los a atitudes mais agressivas como forma de se rebelar contra a falta do que se fazer. Reduzir o tempo de espera e qualificar o tempo de atividades – orientadas pelos adultos ou não – pode resolver alguns dos problemas que tanto incomodam os educadores da infância e é um desafio urgente. O tempo em uma instituição educativa deve ser vivido de modo a aproveitar as oportunidades de aprender e se desenvolver plenamente, de ter experiências diversificadas que não seriam possíveis no ambiente doméstico ou em nenhum outro espaço que não mediado por adultos responsáveis pelas aprendizagens e desenvolvimento de crianças, nas diferentes faixas etárias, com formações adequadas e conhecimentos na área. 32 Em relação ao tempo, é preciso planejar as atividades atendendo aos critérios de equilíbrio entre tempo de envolver-se em atividades por conta própria, construir algo em conjunto, dedicar-se a atividades mais espontâneas e envolver-se em situações dirigidas pelo professor, bem como priorizar a variedade, a diversidade e a regularidade das atividades ao longo do tempo, criando oportunidades para uma maior familiaridade com algumas delas e apropriação de conhecimentos pelas crianças. A atratividade, também é um ponto importante, que pode se caracterizar como um convite à criança para interagir com seus pares ou mesmo individualmente. Por outro lado, percebe-se instituição muito preocupadas com o excesso de produção e de trabalho para a criança, fazendo-a produzir cada minuto que permanece no ambiente escolar, com o objetivo de desenvolver-lhe mais habilidades e de prepará-la melhor para a sociedade. Este comportamento é resultado típico da sociedade capitalista, como afirma Batista, 1998, p. 34: [...} vai se instituindo, dessa forma, o tempo da criança na escola como tempo de preparação para o trabalho, que assume e legitima a luta contra o ócio. O sentido da educação estava em libertar a criança do seu estado infantil, fazendo-a experimentar desde a mais tenra idade o exercício da disciplina, da obediência, e da sujeição, para no futuro adaptar-se à sociedade da forma como ela está constituída. Esta imposição é fruto da construção dos sujeitos que são preparados para sobreviver na sociedade capitalista e, portanto, vêem a criança e os tempos da infância como inúteis à produção. Dessa forma o mundo adulto se distancia do infantil e impede um olhar mais atento, impossibilitando compreender as crianças como seres plurais. Nesse contexto, surge a necessidade de uma rotina estruturante, como sugere Proença, 2004, ou seja, criar um local onde haja espaço para o diálogo e a reflexão entre os adultos e as crianças em questão. A rotina estruturante se diferencia da mecânica por estar organizada de acordo com objetivos propostos no projeto pedagógico institucional, planejada em sintonia com o tempo disponível, as atividades propostas, o ritmo dos participantes e, em especial, alicerçada na concepção de criança. Nesse tipo de rotina, a criança é o foco principal. Ela envolve ação, flexibilidade, limites, pois contempla a subjetividade e as peculiaridades de cada grupo. A rotina estruturante permite que o educador se baseie no previsível para lidar com o inesperado, estruturando a intencionalidade da sua ação e exercitando o seu papel de mediador de situações pedagógica, que possibilitem o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. 33 O tempo é um símbolo construído culturalmente e são as suas vivências e a história do seu desenvolvimento que lhe permitirão construir e internalizar a idéia de passado e presente, reconhecer o presente, pensar no futuro e reconstruir o tempo vivido. Este é um conceito bastante complexo para a criança e a escola, bem como a organização da rotina estruturante permite essa mediação entre a construção do tempo e o educando, potencializando e enriquecendo as percepções dos mesmos. Para que a rotina favoreça a construção do tempo na criança, é importante que haja momentos de constância, de repetição sem excessos, mas com flexibilidade, sendo que sempre o tempo precisa servir às atividades e não ao contrário. 34 3 ORGANIZANDO A ROTINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUÊ E POR QUÊ? Partindo da análise de algumas entrevistas realizadas com cinco professoras de educação infantil em nível pré-escolar e de turno integral, ou seja, de crianças entre 3 e 5 anos de idade que permanecem de 8 a 12 horas no ambiente escolar. A escola de educação infantil onde atuam essas professoras é da rede privada do município de Sapiranga. Através da análise das respostas obtidas foi possível destacar alguns pontos relevantes para o desenvolvimento do presente trabalho. Inicialmente, destacar-se-á alguns aspectos da rotina que se observou com mais freqüência nas entrevistas e, posteriormente, apontar-se-á práticas diferenciadas da rotina, bem como as diferenças nos usos do tempo e na organização da rotina escolar nessas escolas. As entrevistas abaixo foram realizadas no período de maio e junho de 2009. 1. Turma que atua: 2. Tempo de magistério: 3. Descreva a rotina da sua turma, atividades e horários. 4. Quem construiu essa rotina e quais os critérios utilizados para a definição do tempo para cada atividade. 5. Na sua opinião, qual a função da rotina na educação infantil e qual a sua importância? 3.1 Entrevistas 3.1.1 Entrevista A: 1. Nível 3 Integral: crianças com 5 e 6 anos de idade. 2. 14 anos de magistério. 3. * 6h 40min às 7h: chegada; * 7h às 8h: brinquedo livre e organização da sala. * 8h às 8h 30min: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras e os alunos ficam um dia em cada sala ou assistem a um filme. * 9h: café da manhã. * 9h 30min: atividade dirigida. * 10h 30min: pracinha ou pátio. * 11h: higiene e almoço. * 12h: banheiro e higiene. * 12h 20min às 14h: descanso. 35 * 14h 30min: lanche. * 15h: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras. * 15h 30min: atividade dirigida. * 16h: pracinha ou pátio. * 16h 45min: higiene e lanche. * 17h: organização da sala e despedida. - Aulas extras: Segunda-feira: Inglês; Terça-feira: Hora do Conto, Música e Dia do Livro; Quarta-feira: Dança Infantil e Yoga; Quinta-feira: Dança Alemã; Sexta-feira: Meditação e Dia do Brinquedo. 4. Quem construiu a rotina foi a professora juntamente com a coordenadora. A coordenadora definiu os horários do café, almoço, lanche e descanso. A professora, após observar o comportamento da turma, o tempo e o ritmo das crianças para a realização das atividades organizou os outros aspectos da rotina. 5. A rotina é um elemento importante na educação infantil, por proporcionar à criança sentimentos de estabilidade e segurança. É também a seqüência de diferentes atividades que acontecem no dia a dia da escola e esta seqüência irá possibilitar que a criança se oriente na relação tempo/espaço e se desenvolva. Acredito que uma rotina adequada é um instrumento construtivo para a criança, pois esta permite que ela estruture sua independência e autonomia, além de estimular a socialização. 3.1.2 Entrevista B: 1. Nível 2 Integral: crianças com 4 e 5 anos de idade. 2. 8 anos de magistério. 3. * 6h 40min às 7h: chegada, acolhimento. * 7h às 8h: brinquedo livre na sala. * 8h às 8h 30min: intervalo das professoras – revezamento entre duas professoras e os alunos ficam um dia em cada sala ou assistem a um filme. * 8h 40min: Rodinha: verificamos o ajudante, o dia, o tempo, cantamos algumas músicas, conversamos contando novidades e também explico as atividades a serem realizadas. Nesse 36 momento, muitas vezes, é realizada alguma brincadeira e/ou história que fará a introdução ou continuação do assunto em questão. * 9h 20min: café da manhã. * 9h 50min: atividade dirigida. * 10h 30min: pracinha ou pátio. * 11h: higiene, almoço, higiene. * 11h 40min às 13h 30min: descanso. * 13h 40min: rodinha: músicas, histórias, conversações. * 14h 30min: lanche. * 15h : atividade dirigida. * 15h 30min: pracinha ou pátio. * 16h 30min: higiene e lanche. * 17h: organização da sala e despedida. - Aulas extras: Segunda-feira: Meditação; Terça-feira: Música; Quarta-feira: Dança Infantil, Hora do Conto e Yoga. 4. A construção dessa rotina aconteceu gradativamente, de acordo com as necessidades do grupo. O tempo para cada atividade é flexível, a rotina apresentada é um parâmetro com as atividades do dia, que se adaptam ao tempo necessário para a realização de cada atividade, que dentro dos projetos são distintas. 5. Na minha opinião, a rotina na educação infantil auxilia na organização do tempo e do nosso planejamento dentro dele. A participação das crianças nessa construção é fundamental, pois auxilia também no desenvolvimento das noções espaço-temporal, deles como sujeitos das ações do processo. 3.1.3 Entrevista C: 1. Nível 1 Integral: 3 a 4 anos de idade. 2. 10 anos de magistério. 3.* 6h 30min às 8h 20min: chegada, descanso ou brinquedo livre junto com turma do Berçário 3 (2 a 3 anos de idade). * 8h 20 às 8h 30min: organização da sala de aula, despertar, organização das mochilas. 37 * 8h 30min: café da manhã. * 8h 50min: escovação, higiene. * 9h: rodinha: canções, combinações do dia, explicações sobre as atividades dirigidas, conversações sobre o tema do projeto. * 9h 20min: ciclo de atividades dirigidas: duas ou três opções nas quais os alunos vão realizando com a intervenção e orientação da professora; a ordem das atividades e o tempo em cada uma delas é determinado pelos alunos, porém é sugerido que ao longo dos 40 min explorem todas as opções. * 10h: pracinha, pátio, ou troca de ambiente. * 10h 30 min: higiene, almoço, higiene. * 11h 10min às 13h 30min: descanso ou atividades relaxantes como exploração de livros ou jogos de mesa, massagem e música relaxante. * 13h 40min: rodinha: músicas, conversações. * 14h: lanche. * 15h: oficinas dirigidas (cada dia uma oficina: arte, matemática, linguagem, educação física e ciências). * 15h 30min: pracinha, pátio ou troca de ambiente. * 16h 30min: higiene e lanche. * 17h: organização das mochilas e pertences pessoais, brinquedo livre durante a despedida. 4. Esta rotina foi construída pela professora responsável da turma em conjunto com a professora auxiliar e aprovada pela coordenadora pedagógica da instituição. Apenas os horários das refeições são menos flexíveis, mas as demais atividades da rotina acontecem de acordo com as necessidades e interesses dos alunos observados pela professora. A seqüência também pode ser alterada mediante combinação prévia na hora da rodinha. 5. A rotina tem grande papel para a organização das atividades e do planejamento do docente, bem como para a formação dos alunos, portanto, deve contribuir significativa e positivamente para todos os envolvidos, tanto alunos como professores. Ela precisa ser um instrumento que facilite e não dificulte a ação pedagógica. 3.1.4 Entrevista D: 1. Nível 2 Integral: 4 a 5 anos de idade. 38 2. 10 anos de magistério. 3. * 6h 40min às 7h: chegada, acolhimento. * 7h às 8h: rodinha. * 8h às 8h 30min: café da manhã, higiene, trocas de roupas. * 8h 45 min: atividade coletiva de acordo com o projeto desenvolvido. * 9h 20min: banheiro e água. * 9h 30min: atividade espontânea na sala, brinquedo livre. * 10h: pracinha ou pátio. * 10h 50min: higiene, almoço, higiene. * 11h 50min às 13h 45min: descanso. * 13h 50min: despertar e higiene. * 14h 15min: lanche. * 14h 40min : atividade diversificada e/ou jogos diversos propostos pela professora. * 15h 30min: brinquedo livre. * 16h: pracinha ou pátio. * 16h 50min: higiene e lanche. * 17h: organização da sala e espera dos pais com jogos na mesa ou livros de histórias. 4. A professora e a coordenação organizaram a rotina. Os principais critérios utilizados foram: o bem estar das crianças, a capacidade de concentração de acordo com a faixa etária, o ritmo, o perfil da turma. 5. A construção da rotina com as crianças na educação infantil é extremamente importante, pois ajuda a criança a se organizar no tempo e espaço, primeiro externamente, no ambiente e horários. E, posteriormente, internamente, a medida que a criança consegue se organizar “por fora”, gradativamente, a rotina auxilia a se organizar “por dentro” – suas construções, sentimentos e emoções. Assim, a rotina tem a função de dar maior segurança e organizar a vida da criança pequena. 3.1.5 Entrevista E: 1. Jardim B 5 a 6 anos de idade 2. 8 anos de magistério 3. * chegada ( jogos de mesa) 6:30; 39 * café da manhã 7:40; * rodinha; * atividade recreativa 8:10; * lanche 9:00; * pracinha/ saguão 9:10; * atividade espontânea 10:00; * almoço 11:00; * higiene; * soninho 11:30; * despertar 13:00; * rodinha; * atividade espontânea 13:30; * atividade dirigida 14:10; * lanche 15:00; * higiene; * parque/saguão 15:30; * lanche 16:20; * atividade diversificada 16:40; * despedida. 4. Já havia uma rotina pré-estabelecida para esta turma, seguida nos anos anteriores, no entanto adaptei alguns horários para este novo grupo, afinal, cada turma possui ritmos e interesses próprios e conseqüentemente precisam de uma rotina que contemple isto. Mas vale ressaltar que esta rotina é flexível e pode ser alterada conforme for necessário. 5. Em uma turma há vários alunos, cada um com: ritmos, interesses, costumes e necessidades diferentes, isto já justifica a necessidade de se ter uma rotina. Além disto, a rotina proporciona um ambiente tranquilo e organizado que consequentemente irá transmitir segurança e tranqüilidade às crianças, que necessitam disto necessitam disto. 3.2 As atividades que integram a rotina Foi possível observar alguns aspectos comuns entre as entrevistas analisadas. Algumas atividades apareceram em todas ou quase todas as rotinas descritas pelas professoras, dentre 40 as quais temos a rodinha, a atividade dirigida, as refeições, o descanso, a atividade livre na sala e o pátio. O momento da rodinha, clássico na educação infantil, tem inúmeras funções dentro das propostas pedagógicas e é praticado por todas as professoras entrevistadas. Ele tem grande relação com as questões temporais da rotina, pois é a partir daí que são organizadas, geralmente, as demais atividades que acontecerão ao longo do dia. Na rodinha, os indivíduos começam a se perceber como membros de um grupo, aprendem a ouvir e respeitar a vez de seus colegas e também conhecem as atividades que serão propostas e a sequência pela qual acontecerão as ações do dia. Este também pode ser o momento de trocas de idéias sobre temas a serem trabalhados, bem como de compartilhar com os amigos as aventuras do final de semana. Hora de cantar, de dançar ou de fazer alguma brincadeira pra descontrair e motivar a aula. A professora pode ainda aproveitar o momento para atualizar com os alunos os cartazes da sala de aula, como o do tempo, do dia, dos ajudantes e aniversariantes, por exemplo. Torna-se muito interessante, ainda, permitir que os alunos opinem sobre a organização das atividades e sua sequência, para que eles sejam sujeitos ativos na escola, inclusive no momento do planejamento. O tempo da rodinha vai variar de acordo com os interesses e interações dos alunos, dependendo do olhar sensível do professor para não transformar esse momento rico em cansativo e estressante para seus alunos. ... a roda é o momento privilegiado da rotina em que a troca entre os participantes do grupo ocorre. Sentar-se de forma que todos se vejam, em círculo, já é um convite a querer falar e ouvir. O respeito pela individualidade é a base da construção do grupo. (WARSCHAUER, 1993, p.50) Analisando as entrevistas, percebe-se uma organização das atividades dirigidas para o meio dos períodos, ou seja, no meio da manhã ou no meio da tarde. Como são turmas de turno integral foi possível observar que há uma preocupação em realizar as atividades dirigidas mais ligadas aos projetos e temas em estudo na parte da manhã, deixando o turno da tarde para explorações mais leves e recreativas. Na entrevista C percebe-se a organização das atividades dirigidas em um molde diferente, ou seja, ao invés de uma atividade dirigida há um ciclo de atividades que dá a liberdade ao aluno escolher qual fará primeiro e quanto tempo ficará em cada uma delas. No turno da tarde, também na entrevista C, há uma série de oficinas desenvolvendo a criança em suas diversas áreas e propiciando um diferencial de atividades, sendo que o turno da tarde não repete o modelo da manhã e, com isso, as atividades não se tornam repetitivas e cansativas. Já nas entrevistas A, B e E observa-se que a rotina do turno da 41 tarde trás a idéia de repetição do molde do turno da manhã, ao invés de dar um enfoque de complementaridade. Na entrevista D, há também uma proposta diferente baseada em jogos e atividades diversificadas, onde o aluno pode optar qual atividade irá realizar naquele momento. Em geral, a forma com que se abordam as atividades dirigidas dentro das rotinas escolares apresentam muitas variações, a começar pela nomenclatura. Há que diga atividades coletivas, atividades dirigidas, atividades propostas, atividades orientadas. Também varia o tempo e o modo como elas são realizadas, porém, nesse momento se faz necessário lembrar sobre a importância do respeito ao ritmo individual de cada aluno para a realização das tarefas propostas. Outra questão envolvendo a atividade dirigida, é que ela é considerada, por excelência, o dito “momento pedagógico”, como se todas as outras atividades da rotina tivessem um cunho meramente assistencial. Torna-se muito importante a ressalva de que todos os momentos vivenciados na escola devem ser momentos pedagógicos, uma vez que se sabe que o cuidar e o educar não se dissociam e que representam a mesma importância nessa etapa da educação básica. As refeições são de grande importância para o desenvolvimento infantil, não apenas organicamente, mas também social e psicologicamente. Esse momento precisa ser lembrado não somente como sendo útil para suprir uma necessidade física, mas se torna importante trabalhar com os alunos as questões do compartilhar, do estar sentado junto à mesa, da cumplicidade e do estreitamento de relações que as refeições trazem para a vida das pessoas. Não é apenas mais um momento de cuidar, mas de educar também, como todos os instantes que percorrem as salas e corredores da escola. Hora de ensinar a acalmar, a conversar baixo, a manter bons hábitos e boas maneiras à mesa, a valorizar o alimento, a experimentar a variedade que se apresenta no prato e conhecer o quanto cada um deles é importante para a nossa saúde. Em algumas fases durante a etapa da educação infantil a criança rejeita muitos alimentos e se alimenta de forma pouco satisfatória. Nesse momento, entra a professora e sua pedagogia, buscando uma reeducação alimentar com seu aluno, interagindo com ele e fazendo desse um momento gostoso e agradável, não obrigatório e repleto de tensão, já que o aluno “tem que comer”. Nessas atividades percebemos o quanto tempo pode ser delicado e muito individualizado, sendo que cada aluno tem seu modo e seu ritmo de alimentação. E, de acordo com as entrevistas, percebemos que é um dos momentos onde o horário é o mais rígido de todos, uma vez que todas as turmas da escola precisam utilizar o refeitório e não podem atrasar, pois qualquer atraso modifica toda a ordem da instituição. DeVries e Zan, 1998 apontam para alguns aspectos que não podem ser esquecidos na hora das refeições, como a criação de uma rotina como ritual, ou seja, algumas ações que façam com que os alunos já 42 saibam que se aproxima da hora da refeição, como lavar as mãos, por exemplo. Outro aspecto relevante é o de permitir que os alunos sentem onde e com quem desejarem, considerando o momento social proporcionado pelas refeições. Oferecer auxílio na alimentação, lembrá-los dos bons hábitos de higiene e nutrição, ajudá-los a prever o final da hora da refeição, estimular a ajuda com a limpeza do ambiente e ainda encorajar as interações entre as crianças também são aspectos que devem ser considerados e praticados durante esses momentos da rotina, segundo as autoras. As crianças de turno integral geralmente acordam cedo e passam cerca de oito a doze horas no ambiente escolar. Portanto, se faz necessário um momento de descanso, onde se possibilite o relaxamento dos corpos para a recuperação da energia e para uma posterior retomada de atividades. Isso não significa que o aluno seja obrigado a dormir no horário determinado, mas sim, que ele tenha a possibilidade de descansar seu corpo das atividades realizadas e recompor suas energias para mais um turno de aula. Nesses momentos, pensa-se ser interessante a intervenção pedagógica para auxiliar nesse relaxamento, seja contando histórias, acariciando, conversando, mas de forma alguma pressionando a criança ao sono. Caso a criança não demonstre interesse em dormir, sugere-se que esse seja um instante de pouca movimentação e muita tranquilidade, para que, mesmo que não durma, possibilite um relaxamento ao corpo, como histórias e livros, jogos bem calmos, massagens, desenho livre. Também se considera interessante a possibilidade de oferecer outros períodos de descanso aos alunos, pois talvez o corpo da criança sinta necessidade de dormir mais de manhã cedo, mas dispense o sono do meio dia, ou então, prefira dormir após o lanche da tarde, por exemplo. De modo geral, a hora do descanso não é bem recebida pelos alunos, pois, de acordo com a visão infantil, eles trocam a possibilidade de fazer algo interessante, brincar ou se divertir com as atividades pelo ato de não fazer nada, que, no caso, é dormir. Essa é uma transição bastante delicada, mas o professor precisa explicar para as crianças a importância desse momento para o seu desenvolvimento saudável e tentar convencê-los a pelos menos fazer um cochilo durante algum período do dia. É importante que o ambiente do soninho seja tranqüilo e silencioso em primeiro lugar. Também precisa apresentar conforto e ser agradável. Os rituais também são bem vindos nesse momento da rotina, bem como prepará-los para uma possível atividade bem interessante para depois do soninho, quando já estiverem descansados e bem dispostos. A atividade livre na sala é um momento de muita riqueza onde podem ser trabalhadas diversas áreas do universo infantil. A brincadeira é uma atividade essencial na Educação Infantil, onde a criança pode expressar suas idéias, sentimentos e conflitos, mostrando aos professores e aos seus colegas como é o seu mundo, o seu dia-a-dia. A brincadeira é, para a 43 criança, a mais valiosa oportunidade de aprender a conviver com pessoas muito diferentes entre si, de compartilhar idéias, regras, objetos e brinquedos, superando progressivamente o seu egocentrismo característico, de solucionar os conflitos que surgem e elaborar sentimentos e emoções, de experimentar papéis, desenvolvendo as bases da sua personalidade. Ao professore, cabe a importante tarefa de não fazer deste um momento de liberdade sem assistência aos alunos, onde possa fazer outras atividades e aproveitar o tempo, por exemplo, para organizar seus cadernos ou seus materiais, mas sim, fomentar as brincadeiras, que podem ser de diversos tipos e desenvolver diversas áreas. Muitas vezes, na Educação Infantil, apesar de se conhecer a importância do brinquedo livre para o desenvolvimento infantil, muitos professores utilizam essa atividade como tapa furos, ou seja, sobrou um momento ou uma hora na organização da rotina, coloca a brincadeira livre para preencher, ao invés de escolherem um momento adequado para que essa atividade aconteça, pois essa é tão importante quanto às outras atividades da rotina. Trago Faria e Salles, 2007, p.71, contribuindo sobre a importância do brincar na Educação Infantil: Podemos considerar, portanto, o brincar como importante espaço de expressão de aprendizagem sobre o mundo físico e social e, ao mesmo tempo, como possibilidade de a criança transformar essa realidade, desenvolvendo a capacidade de imaginar, de “ir além”. Podemos também compreendê-lo como lugar privilegiado de construção de relações éticas e estéticas, enfim, como espaço de construção da identidade pessoal e social do indivíduo. A hora do pátio, geralmente, é um dos momentos mais esperados pelas crianças. Poder brincar ao sol, correr, gritar, andar de balanço, jogar bola, extravasar a energia e a alegria típica da infância. Da mesma forma que o brinquedo livre dentro da sala, este não deve ser o momento de intervalo ou descanso do docente, mas sim, de muita observação e intervenção nos instantes adequados, para estimular e dar continuidade a criatividade, a imaginação e a exploração dos corpos pelos alunos, desafiando-os a explorar todos os espaços e materiais disponíveis nesse ambiente. Como um dos propósitos da Educação Infantil é a exploração e o conhecimento do próprio corpo, a atividade física no pátio representa suma importância no desenvolvimento dos pequenos e precisa ter um tempo considerável destinado a ela, onde a criança possa usufruir de bons momentos consigo mesma e com seu corpo, com o ambiente que a rodeia e com os seus colegas. Segundo Faria e Salles, 2007, a Educação Infantil precisa favorecer a construção da corporeidade às crianças e ainda complementam, na p.68: Uma das maneiras mais significativas de favorecer esse processo na IEI é, por exemplo, possibilitar que as crianças vivenciem jogos e brincadeiras, principalmente 44 nos espaços externos da instituição, onde possam explorar as possibilidades do seu próprio corpo, tocar o corpo dos colegas, expandir seus movimentos, correndo, pulando, subindo, rolando, balançando, escorregando, empurrando pneus ou outros objetos, brincando na água etc. Além dessas atividades consideradas importantes nas rotinas na Educação Infantil, outra ação pedagógica bem relevante e que faz parte dos momentos de transição de uma atividade para outra na rotina, é a hora da organização e arrumação dos ambientes. Cada atividade que se realiza exige materiais e uma organização diferenciada e a criança precisa fazer parte desses momentos juntamente com a professora. Após realizar uma atividade com tinta e pincel, é importante cada aluno lavar seu pincel, fechar o pote de tinta e organizar os potes na caixa. Após o almoço, colocar seu prato e seu talher para ser lavado, bem como recolher sua toalha do lanche e organizar seu espaço também tem um significado muito importante para o desenvolvimento infantil, relativo a autonomia e organização pessoal. Conversando com as professoras e, informalmente, com alguns alunos da instituição, percebe-se a grande preferência pela hora do brinquedo no pátio. Essa preferência e grande empolgação nos momentos que precedem essa atividade já nos podem revelar muita coisa se olharmos com o olhar sensível, indagador e reflexivo. Talvez gostem tanto desse momento porque elas próprias podem guiar seus desejos e suas atividades, gozando de uma liberdade assistida, onde podem usar e abusar da criatividade, utilizar o corpo, o movimento, os espaços e aproveitar tudo ao seu próprio tempo. Nas entrevistas foi possível observar, também, um envolvimento grande dos professores na elaboração da rotina, juntamente com a coordenação pedagógica, o que lhes traz a responsabilidade sobre a mesma, já que durante as pesquisas bibliográficas foram observadas inúmeras situações onde a rotina era imposta pela instituição, sendo que os professores, conhecedores das necessidades e peculiaridades de suas turmas, não podiam opinar nem modificar a sequência dada para as atividades do dias, nem mesmo o tempo que estas durariam. Nesse sentido, os professores seriam apenas os responsáveis pela manutenção da rotina, enquanto os alunos, os responsáveis por vivê-la. 45 4 A ROTINA ENTRE CHRONOS E KAIRÓS O tempo pode ser uma medida. Medida de fenômenos e acontecimentos. Alguns dicionários apontam para um período, um momento ou ocasião própria. Contudo, sabe-se que na educação infantil, o tempo vai além de suas definições e tem amplo significado, dependendo do cunho pedagógico que lhe for dado. Santo Agostinho, 1973, p.17, deixa claro em sua afirmação, o quanto o tempo é relativo, dependendo muito das concepções e individualidades de quem o define. Que é, pois, o tempo? [...] Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Para muitos educadores o tempo está simplesmente atrelado a relógios e calendários. É comum ouvir frase do tipo “não vai dar tempo”, “não temos mais tempo”, “estamos na nossa hora”, na educação infantil. Porém, surge a questão: Será que a “nossa” hora, o “nosso” tempo, é, realmente, a hora de cada aluno, o tempo de cada criança? Através deste trabalho foi possível perceber o quanto os adultos tentam transformar o tempo das crianças no tempo dos adultos, sendo que geralmente são eles que decidem o que, quando, quanto tempo, onde e como fazer na rotina dos pequenos alunos. Desse modo, reforçam sempre as crianças como servas do tempo organizado para o bom andamento da instituição. De acordo com Ferreira, 2001, os gregos nos trazem dois significados de tempo, o chronos e o kairós, que podem colaborar muito com as consideração finais do presente trabalho. Nossas crianças estão, cada vez mais, escravas do tempo chronos, aquele que é unidade de medida, que se refere ao relógio, ao cronômetro, que é igual em todos os lugares. Afinal, o ano, o mês, as semanas, os dias, as horas, os minutos e os segundos sempre serão medidos da mesma forma. Isso, porque nós, enquanto educadores, estamos em busca de mais chronos para fazer o máximo de coisas possíveis, ficando cada vez mais fisicamente cansados e deixando nossos alunos cada vez mais estressados. Envolvendo-os muito com a tarefa e pouco com a essência. A singularidade das crianças fica submissa às imposições massificadoras dos adultos. Isso porque aquilo que a grande maioria das pessoas chama de tempo é apenas o chronos, este tempo que podemos marcar com relógios e calendários. Para os gregos, o Chronos era o deus do tempo, que representava esse tempo objetivo, contado, cronológico. É desse tempo que afirmo perceber as crianças e suas vivências infantis 46 e educativas voltadas para ele. Se estivermos na hora de brincar livre no pátio, não é hora de querer montar jogos na sala. Se agora é hora de ir ao banheiro com a turma, não pode ficar terminando sua construção na sala, nem terminar seu almoço no refeitório... afinal, já passou da hora. É o chronos que determina qual a hora da rodinha, da atividade livre ou dirigida, do pátio, das refeições, do descanso. Além disso, é ele que tem a função de regular o tempo de duração das experiências. Mesmo nas ciências exatas escutamos discursos de que o tempo, apesar de instituído, é flexível e incerto, e nós, profissionais das áreas humanas ainda trabalhamos com o tempo rígido e determinado, sob o qual somos dominados e dominamos nossos educandos. Medir e determinar o tempo é uma relação de riqueza e poder no mundo capitalista em que vivemos. Quanto mais produzirmos como nossos alunos e quanto mais conseguirmos “aproveitar” o tempo com eles, melhor seremos vistos e mais destacada ficará a nossa competência. O homem, ao longo de sua história luta pra dominar o tempo, e consegue. Logo em seguida, ocorre o movimento inverso, o tempo domina o homem e o torna seu escravo. As escolas, como conseqüência, parecem estar irremediavelmente presas a esses tempos que lhe são estipulados e repassa-os aos seus alunos desde a primeira etapa da educação básica, quando ainda os pequenos buscam se orientar e constroem suas primeiras noções de tempo. Quando abrimos espaço para a meditação, para a imaginação, para o silêncio e reflexão após uma atividade, uma experiência ou algum acontecimento, estamos criando um ambiente propício para o kairós. O kairós, por sua vez, é o tempo que se refere a intensidade com que acontecem as coisas. Ele é indeterminado e ninguém tem poder sobre ele. Como usamos ou saboreamos o tempo é o kairós. Muitos momentos, situações, vivências e experiências podem se tornar inesquecíveis, marcantes, intensas, interessantes. Talvez essa prática precise ser buscada pelos profissionais que atuam na educação infantil: transformar o chronos em kairós, proporcionando momentos que realmente sejam importantes e significativos para os alunos, deixando-os felizes e satisfeitos no presente, estimulando-os hoje, motivando-os agora. Depois de vivermos alguma experiência significativa se faz necessário aquele período de tempo para que se possa absorver as informações, compreendê-las e internalizá-las dentro de nós, promovendo assim, alguma modificação, reflexão e transformação. O termo kairós refere-se tanto a uma personagem da mitologia, quanto uma antiga noção grega para referir-se a um aspecto qualitativo do tempo. A palavra kairós, em grego, significa o momento certo, ideal, propício. Sua correspondente em latim, momentum, refere-se 47 ao instante, ocasião ou movimento que deixa uma impressão forte e única para toda a vida. Na mitologia grega, kairós é um deus muito pequeno. Ele é representado pela imagem de um jovem homem nú, de asas nos ombros e nos tornozelos, que corre num movimento de fuga segurando uma lança. Sua cabeça é calva e contém uma única mecha, que representa a marca de sorte de uma oportunidade: se não formos capazes de segurá-la no instante em que ocorre, ela escorrega pela calvície de kairós. Ou seja, aquele exato momento em que o aluno está elaborando, construindo, empilhando ou desenhando é um instante único que precisa ser valorizado e aproveitado. Se pedirmos para que pare e continue depois, muitos detalhes importantes se perderão e aquele momento não retornará mais, embora o aluno volte para a atividade. Cabe ao professor o olhar sensível e a percepção de quando deve ou não intervir em um determinado momento educativo. Vale a pena atrasar um pouco o almoço ou permitir que ele lave as mãos após os outros amigos para que aquele momento possa ter uma continuidade e um significado especial para a criança. Podemos dizer que kairós revela o momento certo para a coisa certa, simboliza o instante singular que guarda a melhor oportunidade. Ele é o momento crítico para agir, a ocasião certa, a estação apropriada. Porém, o kairós não reflete o passado ou antecede o futuro. Ele é o melhor instante no presente. Ele representa um tempo não absoluto, contínuo ou linear, ao contrário do que propõe a concepção do tempo cronológico, socialmente estabelecido. Diante desse contexto se faz necessário nos alfabetizarmos nessa leitura do tempo kairós, intervindo nos momentos certos para enriquecer as vivências dos nossos pequenos. Parece-me impossível separar esses dois tempos, repartindo-os em fatias a serem vividos um pouco a cada dia. Assim como, na educação infantil não se dissocia quando se cuida e quando se educa, o chronos e o kairós também vivem juntos. Um dentro do outro, um sobre o outro, um mesclado com o outro. Isso fica evidente quando se vive situações profundas, marcantes, que se petrificam e não se destroem mais. É a junção dos dois tempos, que se tocam e se eternizam um com o outro. Com isso, precisamos manter um ritmo e uma profundidade ao mesmo tempo, um entrelaçamento de ambos, dando o tempo certo da “raiz a flor” como dizia o grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Ao longo da pesquisa foi possível perceber o quanto o controle sobre o tempo chronos transmite ao professor uma segurança em seu trabalho e seu domínio sobre o grupo. Como se percorrer aquele mesmo caminho rotineiro, onde já se sabe até a posição de cada pedra, os impedisse de cair ou de se surpreender com algo. Por exemplo, determinar um tempo para a atividade dirigida e quando esse for esgotado, recolher o que foi produzido ou ainda discursar sobre a possibilidade de término no dia seguinte, para não deixar as crianças tão 48 decepcionadas. Isso porque, se passarmos do nosso horário, as crianças poderão começar a bagunçar o próprio trabalho, sujar sua roupa, ou ainda, se atrasar para o horário do banheiro. Essas ações permitem uma falsa sensação de domínio e competência ao docente. Enquanto tudo estiver dentro dos horários pré-determinados e os alunos seguindo os mesmo caminhos de sempre, tudo estará sob controle e a profissional será bem vista. Pura ilusão! Afinal, para quem estamos trabalhando enquanto professores? Para a formação integral dos indivíduos que estamos atendendo ou para a visão daqueles que observam e analisam nossas ações fora do verdadeiro contexto? O que posso dizer? Que, na maioria das vezes, esse mapa dá uma noção do caminho, mas que nem sempre ele nos leva até lá. E o que podemos considerar “o caminho certo”? Estamos em busca do previsível ou da aventura? Do caminho asfaltado que nos leva a praia de sempre ou da trilha que revela uma linda cachoeira, sem nome, mas infinitamente mais interessante e misteriosa? (SOUTO-MAIOR, 2000, p.63) Considerando o trecho acima, podemos analisar que a rotina pode ser considerada como um mapa para o docente, que lhe dará a direção e o sentido da aula, juntamente com o seu planejamento. Porém, o que está se questionando é justamente a função da rotina e da organização do tempo na educação infantil. Ela tem o dever de contribuir para o desenvolvimento dos educandos e não de aprisioná-los eu deixá-los entediados com a mesmice de cada dia. Além disso, enquanto educadores, devemos valorizar os desafios que podem e devem ser trazidos junto com a rotina dos alunos, misturando segurança e surpresas ao cotidiano escolar. A rotina pode ser positiva à medida que melhorar o desempenho profissional do docente, pois o planejamento traz segurança e quando o professor organiza sua aula e a rotina diária, alivia a ansiedade de suas responsabilidades. Enquanto o profissional planeja e tem uma intenção clara, ou seja, traça os seus objetivos, a rotina serve como uma norteadora da prática, ajudando a transformar o chronos em kairós. Mas, se o profissional não repensar o dia a dia, refletir sobre a prática e utilizar a rotina a seu favor e de seus alunos, a prática escolar será uma seqüência de atividade iguais e totalmente previsíveis, o que gera desconforto e desmotivação nos alunos, pois a grande missão será fazer o tempo chronos passar bem depressa, deixando-o bem ocupado, pois não haverá espaço para o kairós. É importante que a organização do tempo favoreça a participação e a aprendizagem dos alunos, visto que a rotina, por si só, também educa e pode ser útil para a própria vida dos alunos. Além disso, permitir a participação dos alunos na construção da rotina tem um 49 importante significado, já que eles começam a se sentir responsáveis e sujeitos de suas ações. Despertar a curiosidade dos alunos, incentivá-los às novidades e promover momentos inesperados faz com que a rotina se torne algo interessante e desafiador. O professor precisa estar preparado para lidar com os momentos imprevisíveis e ser flexível para atender a demanda trazida pelos alunos, nem sempre previsto na rotina e no planejamento, fazendo desses, momentos onde o kairós esteja presente e valorizar situações signficiativas e ricas, que possam contribuir para a construção do indivíduo. 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; MAHONEY, Abigail Alvarenga. Henri Wallon. Psicologia e Educação. São Paulo: Edições Loyola, 2000. BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006. BATISTA, Rosa. A Rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido. 1998. 176 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis D. (org). Educação Infantil pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. CUNHA, A.G. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. DEVRIES, Rheta; ZAN, Betty. A ética na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998. FANTIN, Mônica. Jogo, brincadeira e cultura na educação infantil. Florianópolis: FE/UFSC, 1996. FARIA, Vitória Líbia Barreto de; SALLES, Fátima. Currículo na Educação Infantil: diálogo com os demais elementos da proposta pedagógica. São Paulo: Scipione, 2007. FERREIRA, V. M. R.; ARCO-VERDE, Y. F. S. Chrónos & Kairós Curitiba: Editora da UFPR, 2001. FREIRE. Madalena. Dois olhares ao espaço-ação na pré-escola. In: MORAIS, Regis (org.). Sala de aula: Que espaço é esse? Campinas: Papirus, 1986. KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. Janeiro: Achiamé, 1992. Rio de LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. D. O. U. de 23 de dezembro de 1996. LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. São Paulo: Companhia Nacional, 1989. LISBOA, Antônio Márcio Junqueira. O seu filho no dia-a-dia: dicas de um pediatra experiente. Vol. 3. Brasília: Linha Gráfica, 1998. PROENÇA, Maria Alice. O Registro Reflexivo na formação do educador. FEUSP,2003.Dissertação de Mestrado. 54 RABITTI, Giordana. À procura da dimensão perdida: uma escola de infância de Reggio Emilia. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999. SANTO AGOSTINHO, De Magistro. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. SHIEFLER, Ângela Raquel Kolb; SILVA, Samantha Fernandes. Entre fadas, jacarés e pintores: a história de construção de um grupo. In: OSTETTO, Lúcia Esmeralda (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. Campinas: Papirus, 2000. SOUTO-MAIOR, Mário. O homem e o tempo. Recife: 20-20 Comunicação e Editora, 1995. WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro, uma parceria entre professor, aluno e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. 55