Gabinete do Conselheiro Antônio Carlos Andrada
PROCESSO N. 703753
PROCESSO APENSADO: 712181
NATUREZA: Representação
ÓRGÃO: Prefeitura Municipal de Varginha
REPRESENTANTES: TURI – Transporte Urbano Rodoviário e
Intermunicipal Ltda.; Expresso Valônia Ltda. e
Viasul Transportes Coletivos Ltda.
AUDITOR: Edson Arger
PROCURADORA: Juliana Campos Horta de Andrade
Tratam os autos de Representação formulada pelas empresas TURI –
Transporte Urbano Rodoviário e Intermunicipal Ltda.; Expresso Valônia
Ltda. e Viasul Transportes Coletivos Ltda. em face de possíveis
irregularidades no procedimento licitatório Concorrência Pública n. 08/2004
promovido pela Prefeitura Municipal de Varginha cujo objeto é a outorga de
concessão de transporte coletivo urbano, pelo prazo de 10 anos, prorrogáveis
por igual período.
Em linhas gerais, Sr. Presidente, cumpre-me informar que, em sede liminar, o
referido certame foi suspenso cautelarmente conforme despacho do então
Conselheiro Relator às fls. 2430 a 2432, referendado na sessão da 2ª Câmara
do dia 07/02/2006, notas taquigráficas de fls.2439 a 2442, não obstante ter
obtido junto ao Poder Judiciário autorização para prosseguir o certame. Nessa
esteira, a única licitante habilitada para a fase de julgamento da licitação EMPRESA TRANSPORTES COUTINHO LTDA - insurgiu-se contra a
decisão desta Corte, obtendo liminarmente junto àquele Poder a suspensão da
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eficácia da medida cautelar exarada pelo TCMG, decisão esta que foi
ratificada no julgamento definitivo do mandamus pelo 1º Grupo de Câmaras
Cíveis do TJMG, acórdão do dia 07/02/2007.
Em face do teor do Mandado de Segurança, cuja intimação para cumprimento
encontra-se acostada à fl. 2677, vieram-me os autos redistribuídos.
É o relatório, em síntese.
Fundamentação
Em verdade, a questão de fundo que se encerra nestes autos para muito já
desbordou os contornos da Concorrência Pública 08/2004 promovida pela
Prefeitura Municipal de Varginha, para adentrar nos melindrosos limites das
competências afetas às Cortes de Contas e a intercessão destas com aquelas
do Poder Judiciário. Esta celeuma na verdade não é nova, relembrando que
inexiste posição assente, tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca do
quão poderia imiscuir-se o Judiciário nas decisões exaradas por esta Corte.
Entretanto, à medida que a questão se apresenta no caso ora em comento, não
poderia deixar de pronunciar-me acerca dessa problemática, até para deslinde
do voto que será por mim apresentado ao final das minhas considerações.
Primeiramente, entendo que o constituinte pátrio, ao estabelecer no texto
constitucional as competências exclusivas das Cortes de Contas, mormente no
art. 71 da CR/88, o fez no sentido de que essas atribuições não poderiam e
não podem ser mitigadas pelo legislador infraconstitucional. Nessa esteira, a
autonomia constitucional atribuída aos Tribunais de Contas não conflita com
a inafastabilidade da tutela jurisdicional prevista no art. 5º, XXV à medida
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que ao analisar um edital de licitação, por exemplo, o Tribunal de Contas o
faz sob ótica própria, em razão de sua estrutura técnica multidisciplinar,
podendo, com isso, focar-se inclusive em questões que não se cingem
meramente ao aspecto de conformação do ato ao ordenamento jurídico. Por
isso é que se afigura perfeitamente possível que tramitem concomitantemente
uma representação, uma tomada de contas especial ou um processo
administrativo no âmbito desta Casa e um Mandado de Segurança, ação civil
pública ou ação de improbidade no Poder Judiciário idôneos a questionar
matérias de conteúdo análogo em ambas as Casas como, por exemplo, um
Edital de Licitação. Em síntese, na análise de qualquer ato da administração,
poderão
os
Tribunais
de
Contas
e
o
Poder
Judiciário
atuarem
concomitantemente, cada qual no exercício de sua competência. Nesse
contexto, gostaria apenas de fazer uma ressalva: entendo ser possível, visto
situar-se na esfera de discricionariedade de cada Relator - em função das
especificidades do caso concreto - que a questão permaneça sobrestada nesta
Corte até o provimento final do Judiciário.
Feita essa consideração, cumpre informar que essa questão foi recentemente
debatida no excelso pretório, no julgamento do Mandado de Segurança
25880/DF – Relator Ministro Eros Grau em 07/02/2007, publicado no DJ em
16/03/2007. Naquela assentada, ficou decidido que o ajuizamento de ação de
improbidade não retirava do Tribunal de Contas da União a competência,
para, no âmbito do processo próprio de Tomada de Contas Especial, apurar
indício de dano ao erário, com se infere da ementa transcrita, in verbis.
Ementa
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART.71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL
E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92.TOMADA DE CONTAS
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ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI
8.112/90.INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI
N.
8.443/92.AJUIZAMENTO
DE
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.PREJUDICIALMENTE
DA
TOMADA
DE
CONTAS
ESPECIAL.IMPOSSIBILIDADE.INDEPENDÊNCIA
ENTRE
AS
INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA.QUESTÃO
FÁTICA.DILAÇÃO PROBATÓRIA.IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA
DENEGADA.
1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos
quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano
ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de
despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que
estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos
cofres públicos [art. 71,II, da CR/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n.º 8.443/92].
2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo
disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento
do dano causado ao erário. Precedente [ MS n.º 24.961, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ 04.03.2005].
3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei
n.º 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado
na Lei n.º 8.443/92.
4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de
Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o
responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos.
Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal.
5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o
período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do
Trabalho da 1 a Região exige dilação probatória incompatível com o rito
mandamental. Precedente [ MS n.º 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO
CORRÊA, DJ de 27.03.2003].
6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida,
ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias.
Inclusive, a simples menção junto a esta Corte, seja em petição de defesa ou
em nível recursal, de que a matéria controvertida está sendo objeto de
apreciação pelo Poder Judiciário, não é, por si só, condição suficiente para
afastar o exercício das competências próprias por parte dos Tribunais de
Contas.
A questão ganha novos contornos quando - até pela forma de tramitação
distinta – o Tribunal de Contas decide a questão de uma forma e o Judiciário
o faz de outra, acarretando situações distintas que merecem uma análise mais
detida, a saber: (1) quando não há trânsito em julgado no âmbito do Judiciário
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ou quando aquele Poder não tangencia questão meritória; (2) quando existe
sim, decisão transitada em julgado de mérito no Judiciário
A meu ver (1), se o Poder Judiciário, sem o caráter de definitividade ou sem
analisar o mérito da questão posta, decide, por exemplo, pelo prosseguimento
do certame licitatório, nada obsta que o Tribunal de Contas, no exercício de
suas competências constitucionais, determine a suspensão do mesmo certame.
Esse entendimento, aliás, pode ser depreendido da dicção do Acórdão
2338/2006 do egrégio Tribunal de Contas da União, que analisando questão
semelhante, assim se posicionou, in verbis.
Quanto ao tema referente à apreciação, pelo Poder Judiciário, do procedimento
licitatório promovido pela Codeba, que teria sido inicialmente suspenso por
medida liminar em mandado de segurança em razão de supostas omissões no
edital, tendo sido liberado após a cassação da referida medida, impende informar
que no âmbito daquele julgamento não foram examinadas matérias relacionadas
ao mérito da causa. E, ainda que houvesse decisão quanto ao mérito, cabe
esclarecer que tal fato não interfere no presente julgamento, vez que o TCU exerce
sua jurisdição independentemente das demais e que inexiste dependência entre
processo desta Corte de Contas e outro em tramitação no Poder Judiciário. Nesse
contexto, em consonância com os ensinamentos doutrinários, o Tribunal tem
reiteradamente reafirmado o princípio da independência da sua jurisdição, para
efeito de apuração de condutas antijurídicas perpetradas por agentes públicos,
como assente na jurisprudência desta Corte (Acórdão n.º 436/94 - 1ª Câmara,
Decisão 278/94 - 2ª Câmara, Decisão n.º 66/94 - 2ª Câmara, Decisão n.º 97/1996 2ª Câmara, Acórdão n.º 406/1999 - 2ª Câmara, dentre outros).
No mesmo sentido, a súmula 123 do TCU dispõe textualmente que:
A decisão proferida em mandado de segurança, impetrado contra autoridade
administrativa estranha ao Tribunal de Contas da União, a este não obriga,
mormente se não favorecida a mencionada autoridade pela prerrogativa de
foro, conferida no art. 119, I, alínea "i" da Constituição.
Esses posicionamentos encontram respaldo na insofismável constatação de
que as decisões das Cortes de Contas têm natureza coercitiva, devendo
portanto ser obrigatoriamente acatadas pelos afetados por ela, sob pena da
cominação das sanções aplicáveis à espécie, inclusive com a sustação dos
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efeitos do ato impugnado e conseqüente responsabilização daquele que
perpetrou a conduta.
Neste caso, caberia ao responsável, quando não concordar com a decisão do
Tribunal de Contas questionar no âmbito do Poder Judiciário, a própria
decisão prolatada pela Corte de Contas. Nesse sentido, percucientes são os
ensinamentos do Prof. Luciano Ferraz, ao analisar o processamento das
Representações no âmbito das Cortes de Contas.
As representações ou requisições de ofício dos editais de licitação,
realizadas no aludido prazo ou não, motivam a abertura de processos
junto aos Tribunais de Contas, para sindicar a legitimidade da
licitação, podendo ensejar, em caso de irregularidades, a
determinação de medidas para o exato cumprimento da lei, na forma
do art. 71, IX, da Constituição.
Tais medidas, quando se esteja no realizar da licitação,
afiguram-se coercitivas para o órgão ou entidade, os quais, se
quiserem descumpri-las, deverão ingressar no Poder Judiciário
contra a decisão da Corte de Contas. É que as impugnações
realizadas, com lastro no art. 113 da Lei 8666/93, derrogam a
presunção de legitimidade do procedimento administrativo, que se
reestabelecerá com o provimento judicial favorável. (FERRAZ,
Luciano. Controle externo das licitações e contratos administrativos.
Revista do Interesse Público nº 22,nov/dez 2003) (sem grifo no
original)
Ora partindo da premissa de que cabe ao Judiciário a última palavra no que
tange a solução de conflitos, entendo que quando a decisão do Poder
Judiciário desconstitui a decisão emanada pelo Tribunal de Contas, cabe a
este tão-somente cumpri-la, ou no caso de não aceitá-la, entrar com os
recursos cabíveis aos Tribunais Superiores para tentar reverter a decisão
judicial que retirou eficácia dessa decisão. Essa aliás, é exatamente a situação
fática que se apresenta para este processo que ora relato.
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Com essa posição, gostaria de deixar bem claro que não estou a desmerecer
ou a minimizar a importância das decisões das Cortes de Contas. Estou
apenas a constatar que essa queda de braço, essa disputa de competências
entre o Tribunal de Contas e o Poder Judiciário tende sempre a prejudicar, em
última análise, o nosso Tribunal de Contas. O que é necessário, muito mais do
que atritar com o Judiciário em uma querela com expectativa de resultado
nada favorável, é que o Tribunal de Contas exerça suas competências a
contento, prolatando decisões motivadas e de qualidade, para que, quando
essas decisões porventura vierem a ser questionadas no Poder Judiciário,
possa a Corte de Contas demonstrar junto àquele Poder, as razões que lhe
serviram de fundamento para tomada desta e não daquela decisão. Tenho
certeza de que, com isso e com o tempo, as decisões dos Tribunais de Contas
revertir-se-ão da necessária blindagem contra ingerências do Poder Judiciário,
que dessa forma, não mais exercerá um controle substitutivo àquele do
Tribunal de Contas, mas complementar ou supletivo. Essa construção, aliás,
pode ser bem compreendida no recentíssimo indeferimento de medida liminar
no MS 26547/DF, julgado em 23/05/2007, publicada no DJU de 29/05/2007
que visava exatamente hostilizar decisão prolatada pelo TCU contrapondo
decisão judicial. Naquela assentada, o excelso pretório, no voto condutor do
Ministro Celso de Mello, com muita propriedade expôs que “a longa
fundamentação do acórdão n. 1379/2006 (...), com a indicação dos motivos
de fato e de direito, que deram suporte à concessão do provimento cautelar,
apenas traduz a fidelidade com que se houve o E. Tribunal de Contas da
União no cumprimento de seus deveres constitucionais.”.
Feitas essas considerações, concluo aduzindo que a segunda situação (2), que
se refere à existência de posicionamento quanto ao mérito sobre determinado
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ato, note-se, com decisão transitada em julgado pelo Poder Judiciário, leva ao
entendimento de que restaria ao Tribunal de Contas – ainda assim com o
dever de considerar as nuances do caso concreto - acatar o teor do decidido
naquele Poder, sob pena de se tornar uma ‘instância revisora daquele
Poder’ [judiciário], como consta do julgamento do Mandado de Segurança
1.0000.06.4378027-3/00 da lavra do TJMG que se encontra acostado aos
autos em epígrafe.
VOTO
1 - Por todo o exposto, tendo em vista que o Poder Judiciário desconstituiu,
em sede de Mandado de Segurança, decisão prolatada por esta Corte de
Contas que determinava a suspensão do certame, cujo deslinde foi finalização
do procedimento licitatório em comento, voto pelo arquivamento do processo
pela perda do objeto.
2 - Voto ainda para que a análise do contrato derivado da licitação sub
examine seja incluído no rol das inspeções ordinárias a serem realizadas por
esta Corte.
Secretaria da Segunda Câmara
Incluir em Pauta
Tribunal de Contas, em 24 de agosto de 2007
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Relator
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Leia o voto na íntegra - Conselheiro Antônio Carlos Andrada