CIDADANIA
RESPONSABILIDADE SOCIAL
RESPONSABILIDADE SOCIAL
A
escolha do consumidor é o principal fator que leva o produtor de
café a certificar seu produto. Esse
consumidor, por sua vez, é motivado
pela boa qualidade do café e também
por suas implicações positivas sobre as
condições de trabalho na agricultura e
sobre o meio ambiente. Estas foram
algumas das constatações de uma
pesquisa desenvolvida pela Consumers
International (CI) – federação global
de associações de consumidores – intitulada “Do grão à xícara: como a escolha do consumidor pode causar impacto sobre os produtores de café e o
meio ambiente” (“From bean to cup:
how consumer choice impacts on coffee producers and the environment”,
no título original), e divulgada em
dezembro de 2005.
O cafeicultor sustentável, segundo o
estudo, obtém rendimentos maiores do
que o produtor convencional, de acordo
com o tipo de certificação adotado. Sem
contar que o trabalhador das culturas
cafeeiras e o meio ambiente também são
FOTOS CONSUMERS INTERNATIONAL
IZILDA FRANÇA
Consumidor motiva
certificação do produto.
No Brasil, porém,
a oferta é baixa e o
preço, muito alto
beneficiados pelo maior respeito à saúde
do trabalhador e pela redução do uso de
agrotóxicos, ou mesmo pelo banimento
total dessas substâncias.
Um dos objetivos da pesquisa era
analisar os impactos do café certificado
em várias etapas da cadeia produtiva,
desde a propriedade agrícola até a mesa
dos tomadores de cafezinho. O Brasil
entrou na pesquisa por ser o maior produtor de café do mundo. O Idec, assim,
participou do estudo junto a organizações do Vietnã (segundo maior produtor) e dos Estados Unidos, Dinamarca e
Finlândia, importantes compradores
do café certificado.
PREÇOS MUITO DIFERENTES
No Brasil, esse tipo de cultura vem
crescendo, só que quase toda a produção se destina ao mercado internacional, segundo o Centro do Café do
Instituto Agronômico de São Paulo
(IAC). Ao mesmo tempo, há divergências sobre a possibilidade ou não de se
desenvolver uma demanda por café
sustentável certificado no mercado
brasileiro – que por enquanto deve
girar em torno de 5% do café consumido no país.
Alguns especialistas argumentam que
pode até haver um crescimento na
demanda. Porém, ela ficaria restrita a
um nicho de mercado devido ao preço
do café certificado, bem mais elevado
que o do café convencional. Por outro
lado, caso a certificação venha a se
tornar mais difundida, o preço desse
tipo de café poderia baixar e mais con-
sumidores teriam acesso a ele. E,
Preços de alguns cafés orgânicos certificados vendidos no Brasil
além disso, garantiria que práticas
Tipo
Marca
Pacote
Preço médio
Preço por quilo
sustentáveis fossem mais e mais adoTorrado
e
moído
Astro
136
g
(com
20
sachês)
R$
16,00
R$ 117,64
tadas na produção cafeeira. A difusão
Torrado
e
moído
Goodlight
250
g
R$
4,50
R$
18,00
dos benefícios dessas práticas, ao
Torrado
e
moído
Deméter
Bio/Cia.
Orgânica
250
g
R$
12,50
R$
50,00
lado da boa qualidade do produto,
Torrado
e
moído
Native
250
g
R$
5,00
R$
20,00
podem tornar-se ótimos motivos
Torrado e moído
Pão de Açúcar
250 g
R$ 4,60
R$ 18,40
para o consumo de café sustentável
Instantâneo
Native
50
g
R$
6,70
R$ 134,00
certificado.
Instantâneo
Sol
50
g
R$
7,90
R$
158,00
Em março, o Idec levantou o
O
levantamento
dos
preços
foi
feito
em
lojas
das
redes
Pão
de
Açúcar,
Carrefour,
Mambo
e
Sonda
na
capital
paulista,
preço de sete marcas de café susten- entre 13 e 17 de março. Outras marcas, também disponíveis no mercado interno, não foram econtradas: Apomop,
tável certificado comercializadas em Aralto – Café do Ponto, Bom Dia Gourmet, Floresta, Gerana, Greenpeace-Ituano, Jacarandá, Pelé, Pilão, Santa Clara,
quatro redes de supermercados de São Braz, Saquarema e Serra da Canastra
São Paulo (SP). O preço do produto
varia bastante. Das duas marcas de
café em pó encontradas, o pacote de uma delas, Estados Unidos, Dinamarca e Finlândia.
com 136 g (20 sachês), estava a R$ 16,00, o que
“Independentemente do sistema de certifidaria R$ 117,64 o quilo. Do mais barato, o cação, a qualidade do café foi essencial para assepacote de 250 g custava R$ 4,50, ou R$ 18,00 o gurar a conquista de novos mercados”, diz a
quilo. O primeiro produto custa 6,5 vezes o economista Flávia Bliska, pesquisadora do
preço do segundo. Já o café convencional era Centro do Café do IAC. O Centro do Café acaba
vendido, no mesmo mês, a R$ 9,10 o quilo, de elaborar um projeto para um estudo cujo
segundo uma média calculada pela Associação objetivo é avaliar municípios paulistas que
Brasileira da Indústria de Café (Abic) no dia 21 potencialmente podem servir de local para a criade março. Por essa e por outras, a produção cer- ção de cooperativas, a fim de promover a certifitificada no país, que vem crescendo nos últimos cação do café em grupo. O Idec deverá participar
anos, destina-se mais a países como Japão, da pesquisa.
Benefícios de todos os tipos
a pesquisa “Do grão à xícara”, a Consumers
N
International (CI) concluiu, entretanto, que
o mercado de café certificado varia de acordo
com cada um dos países pesquisados. Enquanto
o consumo do café com o selo Fairtrade
(Comércio justo, na tradução do inglês), por
exemplo, está estagnado na Dinamarca, ele
cresce rapidamente nos EUA e na Finlândia.
É especialmente no sistema Fairtrade, que trabalha somente com cooperativas de produtores,
que os lucros dos cafeicultores mais sobem. Os
produtores de café de selos orgânicos também se
beneficiam financeiramente – embora seus rendimentos venham diminuindo um pouco, comparados aos do produtor convencional. Isso se
explica porque o preço do café, mesmo sem certificação, vem crescendo no mercado. Assim, a
diferença entre os dois diminui.
A pesquisa da CI também observou outros
benefícios ao longo da cadeia de produção do
café certificado, como o uso de contratos de
prazo mais longo e a prática de negociações mais
transparentes. Em Minas Gerais, maior Estado
produtor de café no Brasil, em uma das seis
cooperativas observadas, a pesquisa notou uma
grande melhora nas condições de vida dos produtores da associação Poço Fundo, grupo que
exporta para os EUA e a Dinamarca.
Também consta do relatório “Do grão à xícara”
que os benefícios da certificação do café para o
meio ambiente são observados em todos os cinco
tipos de selos incluídos na avaliação: além do
Fairtrade e do orgânico, fizeram parte do estudo
o Rainforest Alliance (Aliança da Floresta
Tropical), Utz Kapeh e Amigo das aves (Bird
Friendly), cada um com suas exigências específicas. Todos eles, em maior ou menor grau, determinam que haja algum cuidado com a vegetação
Revista do Idec | Abril 2006
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MEIO AMBIENTE
RESPONSABILIDADE SOCIAL
TRANSGÊNICOS
NONONONONO
nativa ou a redução ou eliminação total do uso
de pesticidas químicos (veja quadro abaixo).
SETOR CONCENTRADO
No começo da década de 2000, o café passou
por uma séria crise mundial. O investimento na
certificação foi uma forma de se tentar contornar
o problema, elevando-se os padrões econômicos,
sociais e ambientais da produção cafeeira.
Alguns elos da cadeia produtiva do café demonstram que este é um setor concentrado nas
mãos de poucas empresas. Na atividade de torrefação, por exemplo, apenas quatro companhias
compram a metade de todos os grãos comercializados no mundo: Sara Lee, Kraft, Procter &
Gamble e Nestlé. No comércio internacional,
cinco empresas são responsáveis por 40% do volume total de grãos comercializados globalmente.
E dez empresas sozinhas respondem por 60% a
65% de todas as vendas de café processado, em
números do ano 2000.
Nos últimos tempos também se pôde observar
uma crescente concentração no setor de varejo
do café, mais e mais atendido por grandes redes
de supermercado, que acabam eliminando alguns intermediários da cadeia. Além disso, o
surgimento de multinacionais de cafeterias, co-
Os principais tipos de selos de certificação do café
● Comércio justo (Fairtrade): Suas
exigências garantem benefícios
principalmente aos pequenos produtores organizados em cooperativas. Também proíbem a maioria
dos pesticidas tóxicos. Os custos
para o produtor são considerados
relativamente baixos, especialmente por serem divididos em um
grupo de cooperados. Esta certificação não trabalha com produtores individuais.
● Orgânico: Cria uma agricultura
em harmonia com a natureza, protege a biodiversidade e melhora a
saúde do solo, ao proibir o uso de
fertilizantes e pesticidas químicos.
Desenvolvido nos anos 70, é o tipo
de certificação mais antigo.
● Rainforest Alliance: Exige o bemestar do trabalhador e das comunidades locais, além da conservação
40
da biodiversidade, ao promover a
manutenção da cobertura florestal e
a restauração da vegetação nativa. É
o programa de mais custos para o
produtor, pois seus requisitos ambientais e sociais são mais rígidos.
● Utz Kapeh: Determina práticas
agrícolas adequadas para a produção de café e para o bem-estar
dos trabalhadores, inclusive o
acesso à saúde e à educação.
Mais direcionado ao mercado, preocupa-se com a produção responsável e com o rastreamento da
cadeia do café. O selo, ao lado do
Rainforest Alliance, tem prosperado mais nas grandes propriedades.
● Amigo das aves (Bird Friendly):
exige a produção orgânica e cercada por cobertura florestal, visando
oferecer um hábitat propício para
as aves.
Revista do Idec | Abril 2006
Por enquanto, a produção do café certificado no Brasil
destina-se ao mercado externo
mo a canadense Starbucks, caminha lado a lado
com o crescimento do próprio consumo de café
pela população mundial. Se essas poucas empresas que controlam o comércio atacadista e varejista, e sobretudo a torrefação do café, buscassem
seguir os critérios da produção sustentável e
pagassem um preço justo aos produtores, não
seria difícil para estes últimos cobrir os custos de
uma produção menos agressiva ao meio ambiente e à sociedade.
No Brasil, segundo maior mercado de café e
país em que o consumo cresce ano a ano, este
aumento foi de 9% em 2004, e 4% em 2005.
Para o diretor-executivo da Abic, Nathan
Herszkowicz, o consumidor está redescobrindo
o prazer de tomar café. Atualmente, 92% da
população brasileira toma uma xícara no café da
manhã. É, portanto, um grande campo para a
certificação e para a conscientização dos consumidores sobre os benefícios da produção sustentável do café.
Saiba mais
● Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio
do Café, Instituto Agronômico, ligado ao governo de São Paulo,
www.iac.sp.gov.br/centros/centro_cafe/
● Associação Brasileira da Indústria do Café, www.abic.com.br
● Café orgânico, www.planetaorganico.com.br/cafespdar2.htm
Em inglês:
● Rainforest Alliance, www.rainforest-alliance.org
● Fairtrade, www.fairtrade.org.uk
● Utz Kapeh, www.utzkapeh.org
Reuniões da MOP 3 e COP 8
não apresentam resultado
imediato na identificação
clara de cargas transgênicas
e tampouco em temas como
proteção a florestas e oceanos
Direito à
informação aguarda 2012
Grandes encontros em Curitiba tratam de questões importantes, mas conseguem poucos resultados
A
o menos em um assunto importante
realmente se tocou durante a MOP 3
(Terceiro Encontro das Partes) do
Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança,
que foi realizado em Curitiba (PR) no início
de março: a identificação das cargas transgênicas que são exportadas e importadas
pelo mundo. Até mesmo o Brasil, cuja posição era uma incógnita até o último minuto
– leia-se o início do evento –, apresentou
uma proposta defendendo que os carregamentos com organismos geneticamente
modificados (OGMs) fossem rotulados com
um claro “contém transgênicos”, em vez de
um vago “pode conter transgênicos”. No fim,
trata-se do direito do consumidor à informação, e espera-se que a identificação da
matéria-prima a ser exportada motive que o
mesmo aconteça com os produtos encontrados nos supermercados brasileiros, e que
assim eles sejam finalmente rotulados (veja
quadro sobre rotulagem na próxima página).
Houve algum avanço com relação ao assunto, que estava emperrado, porém ficou definido que a informação a respeito das cargas
só deverá vigorar definitivamente a partir de
2012. Até lá, será exigida, de imediato, a
identificação apenas daqueles OGMs cujo rastreamento, segregação e identificação já sejam
possíveis. Neste intervalo de seis anos, será
usada a expressão “pode conter” para os outros casos. Há ainda mais brechas, como a
que flexibiliza as regras para o México, país
cuja imensa variedade de milhos nativos já foi
contaminada por tipos geneticamente modificados. E que, mesmo assim, resistiu muito à
identificação explícita durante a MOP 3. Em
resumo, foi uma vitória parcial.
O Greenpeace, pouco antes da MOP 3,
divulgou o primeiro relatório de um registro
internacional de “incidentes” transgênicos,
que revelou números assustadores de cultivo
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